O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

Mostrando postagens com marcador Michael G. Foeller. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Michael G. Foeller. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 9 de maio de 2023

Guerra na Ucrânia – depois de Bakhmut (uma visão cética) - Michael G. Foeller, David H. Rundell (Newsweek)

 Guerra na Ucrânia – depois de Bakhmut


Bakhmut / Artemovs
MICHAEL G. FOELLER  &  DAVID H. RUNDELL*

A batalha sangrenta deixou a Ucrânia ferida e a Rússia em ascensão

Não há nada de patriótico quando um americano ergue uma bandeira ucraniana. Também não há traição quando um americano questiona o apoio ilimitado a uma nação estrangeira numa guerra estrangeira. Reconhecer que a Ucrânia não derrotará a Rússia sem uma intervenção americana muito maior não é algo pró-russo, mas pró-realidade.

Entre 2014 e 2022, houve uma violenta insurreição separatista no leste da Ucrânia. Para evitar a intervenção russa, o governo de Kiev construiu uma linha de cidades fortemente fortificadas e rotas de abastecimento ao longo de sua fronteira oriental. Bakhmut era uma importante plataforma de transporte nessa rede.

Há cinco meses, quando escrevemos que Bakhmut em algum momento cairia nas mãos dos russos, alguns leitores destas páginas zombaram de nós. Não sabíamos que a Ucrânia estava ganhando a guerra? Pois bem, os ucranianos defenderam-se de forma notável naquela que se tornou a batalha mais sangrenta do século XXI, mas a maior parte de Bakhmut, incluindo as linhas ferroviárias vitais, caiu. Demorou mais tempo do que esperávamos, mas esta derrota tornou ainda menos provável que a Ucrânia consiga restabelecer suas fronteiras de 2014 sem a intervenção direta das tropas da OTAN.

Quantas vezes ouvimos dizer que as tropas russas, mal treinadas, mal conduzidas e mal equipadas, muitas delas de mercenários e ex-presidiários, sofreram perdas espantosas e foram obrigadas a recuar do território que inicialmente capturaram? Tudo isto pode ser verdade. Isso não altera o fato de que agora a Rússia está preparada para tirar o máximo proveito da queda de Bakhmut quando chegar o tempo seco do verão.

Há sete meses, a Rússia mobilizou 300.000 reservistas e aproveitou esse meio tempo para treiná-los. Acelerou a produção de armamento e acumulou quantidades significativas de equipamento e munições. Centenas de milhares de tropas russas estão agora posicionadas no leste da Ucrânia, onde começaram a avançar em numerosos locais ao longo de uma frente de 724 quilômetros.

A Ucrânia, por outro lado, concentrou muitas de suas tropas mais bem equipadas e treinadas em Bakhmut, onde foram bombardeadas durante meses pela artilharia, mísseis e drones russos. Na batalha de Bakhmut, a Ucrânia perdeu milhares de tropas experientes que não podem ser substituídas por recrutas com algumas semanas de treino acelerado.

As armas ocidentais tornaram possível a defesa de Bakhmut. Repetidamente, o apoio da OTAN à Ucrânia elevou-se de mísseis Javelin e Stinger de curto alcance para baterias de mísseis HIMARS e Patriot de médio alcance, e para armas pesadas como tanques Abrams e veículos de combate Bradley. À medida que a maré da batalha se voltava contra os insuficientes e mal armados ucranianos, os defensores de Kiev no Ocidente não pararam para refletir sobre a forma como poderiam pôr fim a esta tragédia. Em vez disso, pediram a entrega de caças e mísseis de longo alcance.

Estas entregas de armas alimentaram a ira pública generalizada na Rússia e a convicção de que agora estão em guerra com a OTAN. A entrega de tanques alemães Leopard II resultou em manchetes em Moscou tais como “Os tanques alemães estão novamente em solo russo”, e até em editoriais afirmando que “O Quarto Reich declarou guerra à Rússia”. Não é preciso ser profeta para ver para onde essa escalada persistente está levando ou por que ela tem que parar.

Em última análise, não somos generais, mas entendemos de economia. Sempre nos pareceu extremamente improvável que uma nação com um PIB de 200 bilhões de dólares em 2021 e uma população de 44 milhões de habitantes pudesse derrotar uma nação com um PIB de 1,8 trilhão de dólares e uma população de 145 milhões de habitantes. E isto seria particularmente verdadeiro se somente a nação maior, ou seja, a Rússia, possuísse uma força aérea considerável, indústrias de defesa significativas e armas nucleares.

De acordo com as estatísticas do Banco Mundial, a Ucrânia tinha uma população de 44 milhões de pessoas quando a guerra começou, mas atualmente apenas metade desse número ainda se encontra em suas casas. Onze milhões de ucranianos fugiram para a Europa ou estão deslocados internamente. Vários milhões de ucranianos fugiram para a Rússia e outros milhões vivem agora em áreas sob controle russo.

No ano passado, a economia ucraniana registou uma contração de 30%, enquanto o PIB russo caiu apenas 3%. O rublo é hoje tão forte em relação ao dólar como era quando a guerra começou. O FMI prevê que, em 2023, o crescimento do PIB da Rússia ultrapassará os da Grã-Bretanha e da Alemanha. É evidente que as sanções ocidentais não destruíram a economia russa.

Enquanto a Rússia continua sendo largamente autossuficiente em alimentos, energia e equipamento militar, grande parte da infraestrutura da Ucrânia está em ruínas. Embora a Ucrânia tenha se tornado fortemente dependente da OTAN em armamento, tanto as reservas da própria OTAN como as antigas reservas de munições soviéticas da Ucrânia, de projéteis de artilharia e mísseis de defesa aérea, estão esgotando-se rapidamente. Nesta guerra de desgaste, o tempo não está do lado de Kiev.

Moscou encara qualquer presença da OTAN na Crimeia da mesma forma que Washington encararia os mísseis russos em Cuba ou uma base naval chinesa na Nova Escócia. Nunca foi realista esperar que a Rússia entregaria a Crimeia sem sofrer uma derrota militar decisiva. Agora, porém, os termos de paz que Kiev pode esperar tornaram-se ainda menos favoráveis do que eram há sete meses.

Do ponto de vista de Moscou, os referendos realizados em setembro de 2022 transformaram as províncias de Lugansk, Donetsk, Zaporizhia e Kherson em regiões da Federação Russa e, consequentemente, Moscou procurará agora obter o controle total delas. Em seis meses, a Rússia poderá muito bem ditar condições de paz ainda mais duras.

Os requisitos clássicos para uma guerra justa incluem uma possibilidade razoável de vitória. Enquanto uma geração de homens ucranianos está morrendo, a triste realidade é que a Ucrânia tem tantas chances de ganhar uma guerra contra a Rússia como o México teria de vencer uma guerra contra os Estados Unidos. Prolongar o conflito não vai alterar essa equação. Mais mortes de ucranianos e destruição da infraestrutura só traumatizarão ainda mais aquela sociedade. A menos que estejamos preparados para arriscar uma escalada significativa, que poderia muito bem envolver forças da OTAN lutando contra os russos, a melhor forma de assegurar a sobrevivência de um Estado ucraniano viável e independente é negociar um acordo agora.

*Michael Gfoeller é embaixador, membro do Conselho de Relações Exteriores. Serviu por 15 anos na União Soviética, na Rússia e na Europa Oriental.

*David H. Rundell é ex-chefe de missão da Embaixada Americana na Arábia Saudita. autor de Vision or Mirage, Saudi Arabia at the Crossroads (I. B. Tauris).

Tradução: Fernando Lima das Neves.

Publicado originalmente no portal da revista Neesweek.