O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador Reflexões ao léu. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Reflexões ao léu. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Apenas uma sensacao, mas preocupante...

Como faço toda manhã (aliás, na verdade, faço isso o tempo todo, mesmo ao dormir com o meu iPad), percorro o noticiário, e leio primeiro os headlines, antes de penetrar nas matérias que me interessam e mergulhar no New York Times do dia (que já li em grande medida de noite, na internet), e faço minhas primeiras reflexões.
Elas não têm a ver apenas com o Brasil, pois a Venezuela voltou às primeiras páginas e certamente não pelos bons motivos.

Pois bem, minha reflexão ao começar este President's Day nos EUA (feito para honrar George Washington) é que tenho a pesada sensação de que estamos entregues, aqui e ali, mas mais especificamente aí, a um bando de criminosos de alta estirpe, mafiosos sofisticados empenhados em consolidar o seu poder sobre os circuitos de distribuição e consumo, talvez até mesmo avançando sobre algumas áreas de produção, um pouco (ou muito) como se fazia nos anos de proibição, vocês sabem, aquela coisa da Lei Seca, Chicago, enfim, essas coisas que também aconteciam mais ou menos na mesma época na Alemanha.
O final não foi bom...
Paulo Roberto de Almeida

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Problemas de consciencia: ainda bem que nao os tenho...

Não sei pelos outros, mas eu teria enormes problemas de consciência, e até de impedimento moral e prático, se tivesse de, por um motivo qualquer, digamos acadêmico ou profissional, defender ou sequer silenciar e permanecer passivo, ante tantos gestos de infâmia e de ataques repetidos aos direitos humanos e à democracia, como esses cometidos contra civis inocentes, por ditaduras ordinárias, como várias que existem por aí.
Já é difícil silenciar, imaginem então ser conivente, complacente, concordante, ou simplesmente compreensivo ante o espetáculo de mortos inocentes.
Como os que acontecem na Síria, por exemplo, ou até em lugares mais pertos.
Paulo Roberto de Almeida 

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Relembrando alguns posts de 2013 (6): reflexoes sobre opcoes morais sobre nossos tempos...

Reflexões ao leu: opções morais

Paulo Roberto de Almeida
  
Em tempos sombrios, como os que vivemos atualmente, quando o fascismo mental e o totalitarismo comportamental ameaçam sufocar qualquer postura independente, autônoma em relação à manada, sempre é bom pararmos um pouco para refletir se o conformismo com o autoritarismo dos que mandam é compatível com velhos valores e elevados princípios que consideramos relevantes na defesa de nossa própria dignidade, quando não com a integridade de certos princípios constitucionais que alguns totalitários insistem em negar. 
Eles não vão recuar, pois estão geneticamente comprometidos com a submissão a essas ditaduras do espírito, de tão triste memória no século 20.
Cabe aos que ainda conservam e preservam laivos de dignidade, no meio do fascismo ambiente, resistir intelectualmente a esses assaltos obscurantistas à razão e à dignidade humana.
Eles sabem do que estou falando. 
Estou falando do quilombo de resistência intelectual, que não é uma Massada do pensamento porque não há renúncia nessa luta e muitos pensam como eu, mesmo dentro da fortaleza do pensamento único, mas que apenas não ousam ou não podem se expressar. 
Em certas horas, porém, é preciso ter coragem de sair em campo aberto e de lutar o bom combate para que o mal, a fraude e a mentira não prevaleçam. 
Sei que não estou sozinho nesse combate e mesmo que eu seja obscurecido pela censura ou temporariamente vencido pelo chicote da repressão, tenho certeza de que a mensagem permanece e de que a verdade prevalecerá. 

Paulo Roberto de Almeida

Hartford, 2508: 31/08/2013

sábado, 31 de agosto de 2013

Reflexoes ao leu: opcoes morais - Paulo Roberto de Almeida

Em tempos sombrios, como os que vivemos atualmente, quando o fascismo mental e o totalitarismo comportamental ameaçam sufocar qualquer postura independente, autônoma em relação à manada, sempre é bom pararmos um pouco para refletir se o conformismo com o autoritarismo dos que mandam é compatível com velhos valores e elevados princípios que consideramos relevantes na defesa de nossa própria dignidade, quando não com a integridade de certos princípios constitucionais que alguns totalitários insistem em negar. 
Eles não vão recuar, pois estão geneticamente comprometidos com a submissão a essas ditaduras do espírito, de tão triste memória no século 20.
Cabe aos que ainda conservam e preservam laivos de dignidade, no meio do fascismo ambiente, resistir intelectualmente a esses assaltos obscurantistas à razão e à dignidade humana.
Eles sabem do que estou falando. 
Estou falando do quilombo de resistência intelectual, que não é uma Massada do pensamento porque não há renúncia nessa luta e muitos pensam como eu, mesmo dentro da fortaleza do pensamento único, mas que apenas não ousam ou não podem se expressar. 
Em certas horas, porém, é preciso ter coragem de sair em campo aberto e de lutar o bom combate para que o mal, a fraude e a mentira não prevaleçam. 
Sei que não estou sozinho nesse combate e mesmo que eu seja obscurecido pela censura ou temporariamente vencido pelo chicote da repressão, tenho certeza de que a mensagem permanece e de que a verdade prevalecerá.

Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 31/08/2013

domingo, 30 de setembro de 2012

Perguntar nao ofende: aos manifestantes da Grecia, da Espanha, de Portugal e de outros lugares....

Aos milhares de manifestantes -- OK, milhares não dá, apenas dois ou três --  que saem às ruas de Atenas, de Madri, de Roma, de Lisboa, protestando contra as políticas de austeridade, os cortes de gastos, o aumento de impostos, enfim, as políticas recessivas e ortodoxas -- exatamente aquelas políticas condenadas como insuficientes, ineficazes, ou inadequadas, ou tudo isso ao mesmo tempo, por uma presidente que adora dar lições aos outros governantes, como se estes gostassem de aplicar voluntariamente essas políticas, como se eles fossem néscios, ingênuos ou perversos --, a todos esses, ou a dois ou três, eu gostaria de perguntar o seguinte:

-- Vem cá, ô meu chapa: como é que você faz, na sua casa, quando você gasta mais do que ganha? Você pede para uma tia rica pagar o seu cartão de crédito? Você pede dinheiro emprestado ao seu banqueiro? Assim, indefinidamente? E ele empresta, bonzinho que é, com juros camaradas? Mas isso por quanto tempo? Ou você vende as jóias e o casaco de pele de madame? Vende a bicicleta das crianças? Vende o seu carro? Enfim, diminui o seu patrimônio para continuar gastando? É isso mesmo, que você faz? Assim, sem qualquer limite de valor ou de tempo?

Pois é, eu me pergunto o que essas pessoas esperam do governo que elas não praticam consigo mesmo, em relação a seus próprios ativos. Será que elas só sabem fazer contabilidade individual, ou familiar, mas não social, coletiva, estatal?
Ou será que elas pensam que o governo possui uma árvore de dinheiro, ou uma cornucópia, de onde jorra leite e mel indefinidamente?
Elas acreditam em milagres, em viver acima dos meios?

Será ingenuidade, ou estupidez, mesmo?
Enfim, não quero ofender ninguém, mas quando vejo dezenas de milhares de pessoas nas ruas protestando contra políticas de austeridade, eu me pergunto se elas se perguntaram, a si mesmas, ou aos seus representantes políticos, de onde elas acham que sai o dinheiro para todas as bondades do governo?
Quando elas fizerem o raciocínio completo, e descobrirem que, cada vez que elas pedem aos políticos que lhes dêem um "vale-isso" e mais um "vale-aquilo outro", os políticos aceitam, alegremente, e depois vão buscar nos seus bolsos, e no caixa das empresas, os recursos para fazerem essas bondades, quando elas conseguirem completar o círculo do pensamento, acho que elas vão despertar, e parar de pedir coisas ao governo e parar de manifestar também.
Tempo de trabalhar, e de não mais entregar o seu dinheiro ao governo.
Pescaram?
Ou preciso desenhar, como diria o outro?
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 30 de setembro de 2012

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Reflexao do dia (ou da noite): uma questao de carater

Existem pessoas que possuem caráter, outras não.
Sei que é simplista, simplório, ilógico, irracional, injusto, maniqueista e até idiota, dividir o mundo entre essas duas categorias de pessoas, quando a realidade das atitudes humanas é muito mais diversificada, complexa e até imprevisivel, mas é o que penso, agora, ao refletir um pouco sobre como reagem certas pessoas, em face dessas complexidades e matizes, justamente.
Existem, por exemplo, aqueles que raciocinam apenas em termos de seus interesses imediatos, materiais, financeiros ou de carreira.
Existem também os que veem o mundo em função de lentes classistas, ideológicas ou partidárias.
Existem mesmo os que, ainda que equivocados, acreditam sinceramente em fazer o bem a partir de suas posições errôneas.
Mas também existem aqueles que cumprem funções, sem qualquer dignidade, assim, de puro mau-caratismo. Pois esses são o objeto de minha reflexão do dia, neste caso da noite, e tento compreender suas motivações e intenções; nem sempre consigo, pois considero o sectarismo algo estranho.
Em todo caso, sempre penso comigo mesmo que é bem melhor ficar em paz com sua consciência, lutar com dignidade em prol da defesa da verdade, das liberdades, em toda honestidade intelectual, do que se dobrar às injunções do momento, em troca de vantagens imediatas que acabam se revelando ilusórias.
Quanta gente eu encontro que, ao abordarmos determinados assuntos, vejo que essas pessoas se poem ruborizadas, mesmo por dentro, ficam desconfortáveis, pois que, no fundo, sabem que estão calando, sendo omissas, ou concordando com coisas que, no fundo, violentam suas consciências, ofendem sua maneira de pensar e diminuem o seu amor próprio e auto-estima.
Assim sao as pessoas, assim é o mundo!
Paulo Roberto de Almeida
28/09/2012

sábado, 8 de setembro de 2012

Reflexao do dia: o fascismo corporativo do Brasil -Paulo Roberto de Almeida

Observando o panorama político e associativo no Brasil, nos últimos anos, acho que está se desenvolvendo, mas poucas pessoas percebem o processo, uma espécie de fascismo corporativo que não se distingue mais pelas camisas negras, botas e milícias armadas, mas pela existência de agências estatais superpoderosas que pretendem determinar como organizamos nossas vidas.
Receita e Anvisa, por exemplo, são dois orgaos essencialmente fascistas no comportamento, nas práticas, na vontade de seus dirigentes. Elas existem para servir ao Estado, não aos cidadãos.
Para mim, isso é essencialmente fascismo.
Esse fascismo invisivel, insidioso e progressivo vem sendo obviamente facilitado pela preeminência de um partido neobolchevique, que manipula organizações pretensamente sociais, movimentos "populares" e sobretudo sindicatos comprados com o dinheiro público, para impor uma transferência crescente de renda dos setores produtivos da sociedade para os mandarins do Estado, para as corporações organizadas e, com menor peso, para um exército de assistidos que se converteu em poderoso curral eleitoral desse partido proto-totalitário.
Posso estar errado, mas como costumo observar o processo histórico com lentes de longo alcance, é o que vejo no Brasil atualmente.
Vai ser preciso uma fronda empresarial, ou uma revolução "burguesa", ou seja, iluminista e liberal, para reverter esse processo de crescente fascistização da vida social.
Lamento ser portador de más notícias... (na verdade, um processo...).
Paulo Roberto de Almeida 

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Reflexoes 'a margem de um processo (ou Acao Penal)...

Existem pessoas perfeitamente desonestas.
Existem pessoas perfeitamente mentirosas.
Existem pessoas oportunistas e de má-fé.
Existem fraudadores contumazes.
Existem ladrões costumeiros e habituais.
Existem bandidos originais e normais, e os anormais e reincidentes.
Existem pessoas sem qualquer caráter, e que pretendem ser honestas.
Existem desonestos do mais alto coturno (ou qualquer outro sapato...).
Existem pessoas que eu nunca convidaria para um café (ou chá).
Existem pessoas às quais eu não apertaria a mão, ou teria qualquer outro gesto amistoso
Existem pessoas que prefiro ignorar...

E no entanto, elas invadem a minha casa, e insistem em se declarar inocente de tudo.
O mundo é mesmo cheio de pessoas detestáveis...
Paulo Roberto de Almeida 

sábado, 14 de julho de 2012

Uma reflexao baseada em George Kennan - Paulo Roberto de Almeida


Grande estratégia e idiossincrasias corporativas:
uma reflexão a partir da experiência de George Kennan

Paulo Roberto de Almeida

Lendo a biografia de John Lewis Gaddis, sobre o grande diplomata e historiador americano, que dominou a segunda metade do século XX, George F. Kennan: An American Life (New York: The Penguin Press, 2011), deparo-me com um trecho, relativo ao ano de 1943, quando Kennan era encarregado de negócios na legação dos Estados Unidos em Lisboa; negociações eram conduzidas na capital portuguesa para assegurar o uso, por forças americanas, dos Açores, como plataforma absolutamente indispensável para conduzir as operações europeias da Segunda Guerra Mundial em sua vertente norte-atlântica:
“[George Kennan] began to develop... a new sense of responsibility within the duties assigned to him: at several points over the next few years Kennan took risks that jeopardized his own Foreign Service career because he thought that the national interest demanded that he do so. Obliged to operate for the first time at the level of grand strategy, he found the rules oh his profession falling short. He chose, successfully but dangerously, to violate them.” [Loc 3387 of 18204; Kindle edition, Amazon].
Gaddis informa ainda, na sequência dessa passagem, as circunstâncias em que Kennan decidiu assumir vários riscos em sua carreira, violando deliberadamente várias regras do jogo, tal como definidas por instituições excessivamente burocráticas ou muito conservadoras, quanto o Departamento de Estado ou o comando das Forças Armadas, como se pode depreender desta transcrição adicional:
During the Azores base negotiations [com o próprio Primeiro-Ministro português Antonio de Oliveira Salazar], Kennan violated at least four rules, any one of which could have him sacked from the Foreign Service. He exceeded his instructions in a conversation with a foreign head of government. He refused to carry out a presidential order. He lied, to another government, about the position of his own. And he went over the heads of his superiors in the State Department – as well as the secretary of war and the Joint Chiefs of Staff – to make direct appeal to the White House.” (Loc 3436 of 18204).

Estas passagens chamaram-me obviamente a atenção, ou “struck a cord on me”, como diria o próprio Gaddis, provavelmente o maior historiador vivo da Guerra Fria e o único biógrafo autorizado de George Kennan. Explico por que, já que isso tem a ver com a mesma sensação de barreiras burocráticas e conservadoras, em assuntos que demandariam uma visão mais larga dos processos diplomáticos, que eu já enfrentei na carreira. Não querendo me comparar a George Kennan, possivelmente o maior especialista diplomático americano em assuntos russos que jamais existiu nos anais daquele serviço diplomático, mas eu também adquiri, ainda antes de ingressar no serviço diplomático, uma percepção histórica e estrutural de muitos dos temas que compõem, burocraticamente, a agenda diplomática corrente.
Tendo começado a estudar os assuntos brasileiros desde muito cedo – compulsando uma bibliografia de nível universitário, ou de pesquisa especializada, ainda quando estava em meio aos estudos do ciclo médio – desenvolvi provavelmente de maneira muito precoce um cuidado com a análise do contexto, dos precedentes históricos, e dos impactos estruturais ou implicações políticas de cada um dos problemas com que me deparava em minhas leituras ou pela leitura dos jornais de maior qualidade em suas edições dominicais (invariavelmente o velho jornal conservador O Estado de São Paulo, ainda quando discordasse profundamente de seus editoriais, que julgava representativos das opiniões da “classe dominante”). Foram anos, em meados da década de 1960, em que eu lia os grandes mestres da teoria social brasileira, entre eles os representantes da “escola paulista de Sociologia” – que pouco depois se tornaria minha alma mater, ao ter ingressado no curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP – e através dos quais eu filtrava minhas reações aos editoriais “reacionários” do Estadão, combinando todas essas leituras para refletir sobre os caminhos do desenvolvimento econômico e político brasileiro, no quadro das crises contínuas que agitavam o período que se tinha iniciado com o golpe de 1964, e que eu imaginava combater pela via do socialismo e de um governo comprometido com a “ditadura do proletariado”.
Independentemente dessas ilusões e descaminhos ideológicos – que foram sendo corrigidos tão pronto eu deixei o país, no final de 1970, para conhecer o triste cenário do socialismo real do leste europeu e as nuances dos capitalismos realmente existentes na Europa, durante quase sete anos – eu adquiri, a partir desses hábitos juvenis de leitura, um sentido de abrangência analítica e de inserção contextual que me acompanharia pelo resto da vida, sobretudo no domínio profissional, quando ingressei na carreira diplomática, poucos meses depois de voltar da Europa em 1977. Mas o que isso quer dizer, no quadro desta seleção de trechos da biografia de Kennan por Lewis Gaddis? Explico-me agora mais detalhadamente.
Ingressei no Itamaraty ainda na era militar, quando ainda pensava em derrubar o regime, embora não mais pela via das armas e sim pela via da pressão democrática. Tampouco pretendia converter o Brasil em uma nova Cuba ou uma nova China, como talvez fosse a intenção em meados dos anos 1960; mas o modelo ainda seria algo bem próximo do socialismo democrático europeu, que eu julgava bem mais propenso a empreender a correção das tremendas injustiças sociais em vigor no Brasil, desde sempre, do que, alternativamente, a visão mais pró-mercado que não tenho hesitação em defender atualmente. Nessa época, eu ainda era obrigado a escrever artigos com algum nom de plume, já que minhas “convicções radicais” provavelmente chocariam meus colegas e superiores diplomáticos – que eu considerava todos alinhados ao regime – e chamariam a atenção dos órgãos de segurança, especialmente ativos naquela conjuntura, quando a repressão física tinha amainado, mas o controle de inteligência continuava atento a todas as manobras da oposição ao governo militar.
Tendo iniciado minha carreira no Itamaraty por uma divisão secundária, a do Leste Europeu (então todo ele dominado pela União Soviética), pude distinguir-me rapidamente em alguns trabalhos analíticos, inclusive porque, ademais dos boletins da Radio Free Europe e da Radio Liberty – ambas financiadas pela CIA, obviamente – que líamos na DE-II, eu possuía um conhecimento interno, se ouso dizer, sobre o funcionamento desses regimes autoritários, já que tinha militado na esquerda marxista durante tempo suficiente para aprender – e apreender – todos os trejeitos vocabulares e as muitas peculiaridades políticas do mundo comunista. Recordo-me, em todo caso, de uma informação que preparei sobre o quadro político no leste europeu, em especial sobre a situação da Polônia, no imediato seguimento, em 1978, da surpreendente eleição do cardeal Karol Wojtila como o novo papa, de nome João Paulo II. Ao que parece, minha análise abrangente das implicações dessa escolha para todo o leste europeu e para o poder comunista foi devidamente apreciada pelos meus superiores, para ascender ao conhecimento do Gabinete do ministro, o que constitui, no Itamaraty, uma marca de distinção a dividir os assuntos que permanecem na “senzala”—como sempre foram depreciativamente chamados os serviços setoriais das divisões, no Anexo – e os que ascendem ao conhecimento da Casa Grande, como se designavam, respeitosamente, os dois gabinetes do Palácio.
Não exatamente por esse episódio específico, mas talvez mais pelo meu jeito histórico-intelectual de interpretar cada iniciativa ou resposta do serviço diplomático brasileiro, em função de um contexto mais vasto, no tratamento dos assuntos da agenda corrente, fui sendo considerado um diplomata especial, ou diferente, talvez bizarro, em todo caso colocado num clube à parte, não necessariamente melhor, dessa tribo de elite dos servidores do Estado. De um lado, nunca tive que mendigar postos ou posições no curso da carreira, já que em geral recebia convites para servir em tal posto ou tal unidade da Secretaria de Estado; de outro lado, jamais me dediquei a “pescar” votos de colegas ou implorar apoio de chefes para ser promovido na escala funcional, o que ofenderia meus princípios pessoais, ou minha maneira de ser, mas que pode ter irritado muita gente da corporação.
Tampouco pedia permissão para escrever à minha maneira – e não naquele burocratês diplomático que tanto desprezo – ou sequer me desculpava por pensar de forma muito diferente da maior parte dos colegas ou mesmo dos superiores, e mais de uma vez ousei contestar opiniões de chefes em reuniões de coordenação, quando os fundamentos de minha posição me pareciam suficientemente sólidos para levantar o dedo e exclamar – algumas vezes na estupefação dos colegas e alguns superiores – uma frase do tipo: “Não é bem assim [Fulano]!” Acho que isso talvez não tenha ajudado no curso ulterior, ou superior, da carreira. Já ao ingressar na carreira, revoltei-me contra a exigência, que sempre julguei absurda – e anticonstitucional, em todo caso violadora dos direitos individuais, que invariavelmente coloco acima dos interesses do Estado –, de ter de pedir permissão às autoridades pertinentes para contrair matrimônio com minha esposa: um abuso e uma indignidade, a que meu espírito anarquista jamais consentiu por princípio. Numa etapa intermediária, cansado do ritual de ter de pedir permissão para publicar que fosse uma simples resenha de livro sobre temas da diplomacia, deixei de submeter textos à apreciação superior, e passei a publicar o que julgava apropriado e conveniente (ainda que exercendo algum grau de autocensura no que era cabível dizer de público sobre tão augusta Casa e tão distinguido Serviço Exterior).
De fato, se ouso julgar, agora, as características do serviço em prol do qual exerci meus talentos nas últimas três décadas e meia, eu diria que o Itamaraty tem uma cultura muito especial, em todo caso diferente das demais corporações a serviço do Estado. Confessadamente, eu nunca fui muito adepto das manias e trejeitos dos meus colegas diplomatas: trata-se de uma carreira ultra competitiva, com altas doses de autocontenção, marcada por dogmas de disciplina e hierarquia que nunca se encaixaram bem ao meu natural libertário, exigindo ainda certo enquadramento nos rituais internos para que essa competição seja bem sucedida no plano individual, ou seja, para que ela se reflita na progressão funcional, na atribuição de postos e outras distinções. Visivelmente, eu nunca pretendi me enquadrar no estilo de rigor. Sempre mantive meus hábitos de trabalho, em parte isolado, estudando e escrevendo, de outra parte falando com sinceridade aquilo que me parecia negativo do ponto de vista da pura racionalidade instrumental dos objetivos diplomáticos. Ainda que tal tipo de atitude possa suscitar admiração em certas áreas, acredito que essas não são as qualidades requeridas para se triunfar numa Casa que faz da obediência estrita aos superiores a pedra de toque para a inserção no inner circle dos premiados oficiais.
Tomando como base o que acima vai descrito, não tenho qualquer restrição mental em confessar que, em diversas ocasiões, dissenti das opiniões oficiais da Casa – ou seja, aprovadas em alguma instância superior – no tratamento de temas específicos ou na condução de algumas negociações para as quais eu me julgava especialmente preparado, em função, justamente, dos estudos que eu conduzia paralelamente à carreira, para aprofundar-me nos assuntos que me eram atribuídos. Uma atitude desse tipo não é fácil de ser assumida, quando se trata, não das preliminares para a formulação de uma posição negociadora, mas de instruções formais, consubstanciadas em telegrama da série, com base na qual a resposta invariável do diplomata obediente deve ser: “Cumpri instruções”, e o chefe do posto passa a relatar como ele se ateve fielmente às ordens emanadas da Santa Casa.
Pessoalmente, já passei por esse tipo de situação, envolvendo uma negociação internacional de um tratado multilateral. Tendo me ocupado do tema durante meses e meses, eu literalmente dominava o assunto, técnica e diplomaticamente, e as instruções formuladas em Brasília, de nítido corte tradicional, eram claramente inadequadas. Os argumentos que poderiam ser mobilizados em favor de teses diferentes ou alternativas, por mais racionais ou “probatórios” que sejam (com base numa análise histórica, nos dados da economia, numa visão de longo prazo), nem sempre são convincentes ou suficientes para “dobrar” o burocrata na outra ponta do processo ou até fazer com que a instituição como um todo se mova em outra direção. Esse tipo de situação pode ser terrível, pois aparentemente (ou concretamente) o diplomata em causa pode estar se colocando contra as instruções da sua instituição.
Não tive medo de fazê-lo, naquele momento preciso, assim como em outras circunstâncias posteriores. De certa forma, esse tipo de atitude me prejudicou, pois fiquei com fama de rebelde, de dissidente, de arrogante, de pretencioso “sabe-tudo” e outros qualificativos mais, que nem são do meu conhecimento. Se insisto em certas teses é, contudo, com base num estudo profundo das problemáticas das quais me é dado ocupar. Sou por excelência um estudioso compulsivo, e não costumo me dobrar a nenhum argumento de autoridade, e sim à autoridade do argumento. Numa casa “feudal”, como é o Itamaraty, isso é quase um crime de lesa-majestade.
Mas o assunto supera as atitudes individuais de um diplomata, para adentrar no terreno mais complicado das questões macro-políticas, ou se quisermos, no eterno debate sobre como interpretar o chamado “interesse nacional”, um conceito altamente difuso para permitir qualquer tipo de argumento não fundamentado ou especioso. Não vou tratar das bases epistemológicas do que, exatamente, constituiria o interesse nacional nos limites desta reflexão, mas vou tratar da questão no contexto da própria formação e educação dos diplomatas. Acredito, com base numa avaliação puramente subjetiva, que poucos diplomatas têm uma cultura econômica verdadeira, ou seja, o instrumental analítico de cunho histórico e econômico que poderia levá-los a analisar uma questão qualquer de política externa do ponto de vista daquilo que os economistas chamam de custo-oportunidade do capital, ou seja, a eficiência paretiana dos meios e fins, que não se restringe ao melhor emprego dos recursos, ou a um cálculo sobre o retorno dos investimentos, mas envolve todos os “fatores de produção” de um determinado assunto diplomático. Tudo, ou quase tudo, na diplomacia, é feito de forma muito politizada e, por vezes, de forma irracional, já que levando em conta circunstâncias imediatas e as preferências políticas de quem manda, não necessariamente os interesses de mais longo prazo da nação.
Teríamos inúmeros exemplos de decisões claramente absurdas, no contexto mais vasto das tradições diplomáticas brasileiras, tomadas em certo período, e que no entanto foram tomadas, ao arrepio de qualquer racionalidade administrativa ou mesmo política; eximo-me, por razões diversas, mas claramente compreensivas, de discorrer sobre elas neste momento. O fato é que, em momentos como esses, o ator em questão tem várias escolhas, todas elas difíceis: submeter-se passivamente a instruções que ele pode julgar prejudiciais ao país ou ao serviço, no contexto dos interesses de mais longo prazo; negar cumprimento e argumentar alternativamente ao que julga contrário a suas convicções ou avaliação do tema em apreço; afastar-se do processo, com prejuízo pessoal ou fricção funcional.
Minhas próprias atitudes sempre foram pautadas em função de minha trajetória habitual de estudos e de busca de coerência lógica no processo decisório, esforçando-me por manter minha indispensável integridade intelectual, em face de eventuais adversidades momentâneas, que sempre julgo devam ser afrontadas com serenidade e com a dignidade funcional que devem guiar o comportamento de membros de uma corporação como esta à qual pertenço. Em tempos difíceis de submissão a vocações autoritárias essas atitudes cobram um preço por vezes difícil em termos pessoais, mas a coerência e a honestidade na defesa de certos princípios, que reputamos mais elevados do que a acomodação servil, e a consciência de se estar defendendo causas mais altas do que as escolhas sectárias do momento constituem os prêmios mais gratificantes que se possa ter num itinerário de vida.
Vale persistir, como aliás demonstrou o próprio George Kennan, ao abandonar a carreira diplomática, para ingressar numa categoria à parte da história intelectual de seu país, como um grande pensador das relações internacionais dos Estados Unidos. Sem aspirar a tanto, e sem renunciar a uma carreira que me trouxe tantos benefícios intelectuais e pessoais, vou persistir na defesa da coerência com o livre pensamento mesmo nos tempos sombrios e tristes de um outro regime autoritário.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2409: 14 de julho de 2012.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Reflexões ao léu, 7: A Pequena Estratégia do Brasil


Reflexões ao léu, 7: A Pequena Estratégia do Brasil

Paulo Roberto de Almeida

Andava com saudades de minhas “reflexões ao léu”, e com razão. De janeiro a março de 2011, como se pode constatar pela lista imediatamente a seguir, eu elaborei uma série de reflexões pouco refletidas, seis ao todo, que se destinavam apenas a impedir que ideias esparsas, que de vez em quando “pousam” na minha cabeça, ou “passam” pelo meu cérebro, se perdessem na imensidão conectiva dos neurônios não utilizados ou na vastidão dos espaços em branco do meu cérebro. Geralmente são frases, ou matérias inteiras, que eu leio na internet, que anoto eventualmente em um dos meus Moleskines de algibeira, mas que depois não servem para mais nada, a não ser, justamente, para esses pequenos textos que insistem em pulular na minha frente, mesmo quando tenho milhares de outras coisas para fazer, a começar pela leitura de coisas mais sérias, e pela escrita de ensaios idem. Em todo caso, esses foram, com seus respectivos links para leitura, os seis “exemplares” precedentes desta série, que ficou incompleta, desde mais de um ano:

2235. “Reflexões ao léu, 1: Fukuyama, ‘marxista’, detestado pelos ‘marxistas’”, Uberlândia, 6 de janeiro de 2011, 2 p. Primeiro de uma série, sobre temas diversos, classificando os “marxistas” que detestam Fukuyama de ingratos. Postado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/01/reflexoes-ao-leu-1-fukuyama-marxista.html).
2246. “Reflexões ao léu, 2: sobre as revoltas nos países islâmicos”, Brasília, 20 fevereiro 2011, 4 p. Reflexões sobre as mudanças em curso. Postado no Blog Diplomatizzando  (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/02/reflexoes-ao-leu-2-sobre-as-revoltas.html ).
2248. “Reflexões ao léu, 3: Diplomacia comercial brasileira”, Brasília, 24 Fevereiro 2011, 2 p. Com a implosão da Alca, evitou-se a “destruição” da indústria brasileira, para vê-la ameaçada pela concorrência chinesa. Postado no Blog Diplomatizzando  (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/02/reflexoes-ao-leu-3-diplomacia-comercial.html).
2249. “Reflexões ao léu, 4: o Brasil a caminho de novo desastre econômico”, Brasília, 27 Fevereiro 2011, 2 p. Sobre o crescimento da dívida pública patrocinada pelo governo. Postado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/02/brasil-caminho-de-novo-desastre.html).
2252. “Reflexões ao Léu, 5: Livros e leituras...”, Brasília, 8 Março 2011, 2 p. Quantos livros poderei ler em minha vida: cerca de 5 a 6 mil, no máximo. Blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/03/reflexoes-ao-leu-5-livros-e-leituras.html).
2253. “Reflexões ao Léu, 6: A Grande Estratégia do Brasil”, Brasília, 9 Março 2011, 2 p. Uma estratégia aparente, mas que não vem sendo implementada nos últimos tempos. Blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/03/reflexoes-ao-leu-6-grande-estrategia-do.html).

Pois bem, e por que retomo agora a produção seriada, depois de mais de um ano de interrupção? Apenas porque acabo de concluir uma apresentação que devo fazer na Maison de l’Amérique Latine, terça-feira próxima, 22 de maio, aqui em Paris, para um público que ainda desconheço quem seja – mas certamente será uma audiência rarefeita – a convite de seu diretor, Alain Rouquié, ex-embaixador da França em Brasília, grande conhecedor de nossa história política, do Brasil e da região, que ele já teve a imaginação de chamar de “Occident Extrême”, o que não deixa de ser uma bonne trouvaille...
O tema que ele sugeriu foi este: Rio Branco et la diplomatie brésilienne, d’hier et d’aujourd'hui”, que eu preparei sob forma de apresentação em 25 slides (disponíveis no DropBox: http://dl.dropbox.com/u/4764310/2393RioBrancoMaisAmerLat.pptx). Ao preparar essa palestra, fui naturalmente levado a tratar da estratégia do Barão, em sua época, e a refletir sobre o que ele faria atualmente, se vivo fosse, e encarregado, como se esperaria, das relações exteriores do Brasil. Negligenciando o fato de que ele, quando vivo, já era quase um santo protetor da diplomacia brasileira, uma personalidade incontrastável, incontestável, o “dono” da política internacional do Brasil, além e acima de qualquer presidente, pode-se imaginar que ele atuaria segundo as instruções do presidente de turno, mas com certa latitude de ação, em vista de sua reconhecida competência para certos temas. Mas, vamos imaginar que ele apenas atuaria como um chanceler qualquer, em face dos mesmos desafios ou agendas, que se colocariam a um chanceler, hoje, nas circunstâncias atuais do Brasil, país que deixou de ser simplesmente em desenvolvimento, e um instável crônico na América Latina, para se tornar um “emergente”, um país dotado de pretensões a ter uma influência regional e global. Pois bem, com base nessas premissas, vamos à estratégia do Brasil que eu chamei de pequena.

A primeira estratégia pequena do Brasil, na verdade mesquinha, seria a de ter exibido, durante os oito anos da doutrina do “nunca antes neste país”, uma orientação de política externa não exatamente nacional, mas mais propriamente partidária, para não dizer sectária. Quando o Barão foi convidado para ser chanceler, cargo que ele ensaiou recusar, seja por motivos de saúde, de dinheiro ou qualquer outro, a primeira coisa que ele adiantou era a de que não vinha servir a qualquer partido, a qualquer causa política, mas ao Brasil, em benefício da nação e de seu prestígio na região e no mundo.
Cem anos depois, parece que tivemos não apenas uma diplomacia estreitamente partidária, mas até um chanceler que, talvez insatisfeito por ser “apenas” diplomata, resolveu se inscrever num partido, ou melhor, no partido do poder, o que aparentemente nunca lhe foi exigido como chanceler ou como funcionário de Estado. Mas, como defensor de um governo partidário, ele resolveu se filiar a esse partido. Como todo militante desse partido, como naquelas agrupações religiosas que exigem o dízimo, tem de contribuir com sua cota de boa vontade financeira, o mesmo chanceler escolheu ser conselheiro de algumas coisas, para arredondar o salário, já que o Brasil é hoje um país caro (talvez em função de algumas políticas de pequena estratégia que o mesmo partido aplica). O Barão, provavelmente, desprezaria gestos como esse.

A segunda estratégia pequena que o Barão lamentaria, se hoje contemplasse a diplomacia dos oito anos do “nunca antes”, seria justamente essa tal de “diplomacia Sul-Sul”. O Barão nunca compreenderia, e nunca admitiria, como se consegue ser tão reducionista, tão simplista, tão estreito geograficamente nas escolhas de relacionamento internacional, ele que sempre se bateu para equilibrar as relações do Brasil entre a velha Europa, os EUA emergentes, e a América do Sul, todos tão presentes em nossas relações imediatas. A despeito dessa “aliança não escrita” com os EUA, de que falam alguns acadêmicos, o Barão, na verdade, nunca se deixou prender, ou enredar, numa relação exclusiva, ou privilegiada, com qualquer sócio maior, mas procurava sempre manter equidistância dos grandes centros de poder, das velhas potências coloniais – mas ainda agressivamente imperialistas – e da nova potência que despontava no hemisfério – e já agressivamente imperialista, precisamente. Menos ainda ele compreenderia que o Brasil só tivesse olhos para o seu entorno imediato – claro, porque a África não “existia”, dominada que era pela Europa, e que a Ásia também se debatia na colonização direta e indireta das mesmas potências – e descurasse por completo das relações com aqueles que eram nossos principais mercados e fornecedores de capitais. Ele sorriria com certa complacência antes essas propostas de “nova geografia comercial internacional”, sabedor que, em matéria de comércio, toda e qualquer geografia é boa, desde que se consiga realizar todos os intercâmbios, nos dois sentidos, que interessariam ao Brasil.

Justamente, mesmo se ele tivesse de administrar uma “estratégia Sul-Sul” para o Brasil – fatalidade lamentável que ele certamente se escusaria por completo de iniciar – ele jamais se permitiria ser complacente, leniente, inconsequente ou descuidado em relação aos direitos do Brasil. Ele jamais permitiria, por exemplo, que tripudiassem injustamente sobre nossas exportações – como infelizmente ocorre muito frequentemente com certo vizinho arrogante – ou que, ao arrepio de tratados bilaterais e de contratos internacionais, outros vizinhos inconsequentes invadissem nossas propriedades legítimas para esbulhar-nos de nossos direitos, rasgando unilateralmente compromissos que tinham sido solenemente contraídos anteriormente. Por muito menos ele fez deslocar tropas para proteger nacionais ameaçados de maus tratos; ainda que não fosse o caso de fazê-lo em todas as circunstâncias, o Barão certamente teria sido bem mais vigoroso na reação a certos atos de expropriação ilegal. Por exemplo: ainda que confrontado a uma declaração inevitável de expropriação de bens nacionais, ele JAMAIS assinaria uma nota na qual se reconhecia o direito soberano de outro país de, sem a cortesia de sequer um alerta preliminar, expropriar sem negociações ou consulta prévia propriedades nacionais, em total desrespeito às normas do direito internacional e à letra de tratados que constituíam obrigações para as duas partes. Ele certamente consideraria certas atitudes registradas nesses tempos caóticos de diplomacia confusa não só como marcas de uma pequena estratégia, mas como uma demonstração cabal de uma estratégia vergonhosa.

A mais forte razão, o Barão se guardaria escrupulosamente, e faria com que o seu presidente também observasse esse tipo de recato, de jamais interferir nos assuntos políticos internos de outros países, seja demonstrando apoios eleitorais indevidos, seja adiantando preferências ideológicas ou ainda rompendo normas e costumes de direito internacional e de relações diplomáticas. A melhor forma de manter boas relações com quaisquer vizinhos – mesmo os mais turbulentos – e com todo e qualquer país da comunidade internacional é manter reserva total quanto aos assuntos internos desses outros países, mesmo quando se possa, em privado, manter preferência por um outro personagem da vida política que possa ter influência nas relações com o Brasil. Expressar publicamente interesse nesse tipo de assunto é a mais pequena estratégia que o Barão poderia conceber, e isso ele deixou registrado em vários escritos públicos.

Finalmente, o Barão tampouco consentiria em dividir o processo de tomada de decisão em múltiplas cabeças, em fracionar o comando da diplomacia em diversos centros independentes de formulação e de execução de uma política nacional, como deve ser a política internacional de um país. Consciente, provavelmente, de que a política externa é uma espécie de política interna por outros meios, e sabedor de que a diplomacia, como a arte da guerra, exige unidade de formulação, de decisão e de implementação das ações requeridas, ele obstaria por completo a qualquer fragmentação da atuação diplomática do Brasil em unidades separadas de atuação. Já ao assumir a chefia do Ministério, e confrontando-se com a provecta figura de Cabo Frio, ele apressou-se em inaugurar um busto em homenagem a essa magnífica figura do Império, como forma de afastá-lo dos assuntos correntes, encaminhando-o a uma merecida aposentadoria que ainda tardou a acontecer. Independentemente desses dissabores, ele jamais consentiria, por exemplo, que dirigentes partidários, representantes de interesses especiais, neófitos palacianos ou quaisquer outros aprendizes de diplomatas lhe viessem sugerir esta ou aquela política em matérias que fossem de sua competência exclusiva. Como “general” da diplomacia, ele sabia que comando não se divide: ou se assume, ou se assiste a confusão predominar em temas que têm a ver com a segurança nacional.

Enfim, falamos da “pequena estratégia” que o Barão não teria, e não poderia ter, para as relações internacionais do Brasil, cem anos depois de sua morte, se por acaso voltasse ao nosso convívio; faltou falar, positivamente, da grande estratégia que ele poderia exibir na atualidade. Mas isso fica para uma outra ocasião...

Paris, 2394: 18 Maio 2012