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domingo, 6 de setembro de 2020

Eleições no Império: Richard Graham - resenha por Ivana Stolze Lima


Mana

Print version ISSN 0104-9313On-line version ISSN 1678-4944

Mana vol.5 n.2 Rio de Janeiro Oct. 1999

http://dx.doi.org/10.1590/S0104-93131999000200010  



GRAHAM, Richard. 1997. Clientelismo e Política no Brasil do Século XIX. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ. 542 pp.

Ivana Stolze Lima
Doutoranda em História, UFF
  
Por que um sistema político forjado para assegurar a manutenção das hierarquias sociais, garantir a continuidade da escravidão e do virtual monopólio da propriedade fundiária precisou de eleições tão constantes e que ocupavam a atenção das comunidades durante quase todo o ano? Por que o último país a pôr fim à escravidão, e única monarquia americana tinha um número de pessoas envolvidas com o processo eleitoral maior que o de alguns países europeus da mesma época? Como o clientelismo, que assegurou o predomínio social e político do chefe local sobre seus parentes e aderentes, foi a base através da qual se construiu a centralização política de um Estado "moderno" e familiar ao mesmo tempo? Estas são algumas das originais e instigantes questões levantadas por Richard Graham em livro que enriquece decisivamente a historiografia sobre a sociedade brasileira do século XIX, mas que nos leva a uma inevitável e um tanto angustiante reflexão sobre as nossas próprias crenças eleitorais.
Através de descrições minuciosas de situações, rituais eleitorais, do detalhamento de processos políticos e administrativos, Graham evidencia o contexto histórico sem separar política, relações sociais, e experiências culturais. O clientelismo, ainda que gerado para consolidar a supremacia dos proprietários de terra e escravos articulada ao poder central, não aparece como um sistema infalível ou isento de incertezas e tensões. O controle social obtido nunca foi absoluto, e as ameaças de desordem, brechas, desobediências, ansiedades continuaram a atuar. Ao tratar das ansiedades dos líderes políticos, das mobilidades sociais e espaciais, Graham indica que sua perspectiva não está restrita à elucidação de um modelo formal, ou de um sistema em funcionamento perfeito e harmônico, uma vez que a tensão e o movimento estão presentes no fenômeno que desvenda.
A legislação, relatórios ministeriais e de outras autoridades, memorialistas, discursos parlamentares, e outras publicações do século XIX foram pesquisados. Mas as principais fontes do livro são correspondências oficiais e pessoais, em quantidade formidável, a que a análise empresta uma inédita dimensão de conjunto, a partir da qual o autor indica a extensão nacional do clientelismo. No fundo mais do que isso, pois a construção do Estado centralizado baseou-se nas redes clientelistas. Nega-se uma imagem mais ou menos atual, provavelmente gestada na Primeira República, de que o Nordeste seria o grande responsável pelo atraso de um suposto projeto de modernidade.
"As estruturas da política", "A atuação política" e "A prática do clientelismo" são as três partes do livro através das quais se vislumbra a vida social e política do Império, em uma narrativa circular. "O Teatro das Eleições" é o capítulo mais inovador e pode ser escolhido como entrada, merecendo um comentário mais longo. A Constituição de 1824 implementou um sistema de eleições indiretas e censitárias. Os votantes escolheriam os membros do colégio eleitoral – ou eleitores – que por sua vez escolheriam os componentes da Câmara dos Deputados. Mas a dúvida levantada pelo autor é: quem eram de fato os votantes? Longe estavam de pertencer a uma "classe dominante", como nebulosamente defenderam algumas correntes da historiografia que não haviam ainda se debruçado sobre tal documentação, e com olhos menos predispostos a reconhecer a especificidade da política na época imperial. Vinham, antes, do variegado mundo dos homens livres, sem distinção formal baseada em raça ou exigência de alfabetização. A junta de qualificação, controlada pela facção no poder, decidia quem seria ou não qualificado como votante. As interpretações da lei sobre as exigências de renda obedeciam à necessidade dos chefes locais em arrebanhar protegidos, levando-os quase como um pequeno exército a encher nos dias de eleição as pequenas cidades. Ali eram calçados, vestidos, alimentados e alojados, e mantidos sob cuidadosa vigilância, pois adeptos do exército inimigo poderiam aliciá-los. Exibir seu número significava medir forças com o adversário. Havia um complexo jogo entre ações extralegais – pela força ou pela fraude – e a legalidade. Ostentar uma força (mesmo que não se concretizasse) seria o caminho para o futuro reconhecimento de um líder político.
Encenava-se a detalhada hierarquia social, os diferentes status dos votantes – bacharéis, membros da Guarda Nacional, clérigos, agregados ou simples lavradores –, a posição inferior dos votantes diante dos superiores, e mesmo a superioridade dos votantes sobre os demais habitantes livres e os escravos (distinção esta fundamental, ali mais uma vez lembrada). Mais do que uma exclusão, as eleições eram uma forma de diferenciação. Os clientes demonstravam lealdade, obediência, reconhecimento; os patrões reafirmavam seu dom de proteção. Por tudo isso o espetáculo devia e podia ser amplo, bem como essencialmente público, quase uma festa, embora uma festa sempre tensa e que podia ser também violenta.
Nas igrejas – onde antes havia sido montado um cenário ligeiramente diferente daquele dos dias comuns e que recortava, na hierarquia social, a ordem política – chegavam, ostentando as insígnias oficiais de cada cargo, o juiz de paz e membros da Câmara municipal, ocupando a mesa eleitoral, soberana sobre o resultado local das eleições. Ao lado destes, o padre. A partir de 1842 juntava-se a estes o delegado, presença do distante poder central, que roubava do juiz de paz – ele próprio eleito localmente – o lugar de presidente da mesa e outras atribuições policiais e judiciais, mudança que não se operou sem reações violentas.
Espelhando o paradigma familiar, a troca de lealdade e obediência por proteção e favores constituía a matriz das relações sociais entre clientes e patrões, recriada quase indefinidamente entre os vários estratos sociais. 
O virtual monopólio da propriedade da terra consistia não tanto em interesse econômico imediato, mas em um decisivo instrumento político. Um grande proprietário transformava-se efetivamente em um chefe local ao formar sua própria clientela. Podia conseguir dos "moradores" que ocupavam suas terras algo parecido com um pequeno exército, fosse para trabalhar em alguma empreitada ocasional, para votar ou para lutar. Ele também conseguiria livrar seus potenciais protegidos do recrutamento forçado, poderoso instrumento de controle social, da mesma forma que entregaria os recalcitrantes.
Também o governo central – simbolizado no primeiro pai, o Imperador – funcionava como uma espécie de padrinho para os chefes locais, constituindo-se na proteção contra as tensões sociais latentes, ao controlar uma rede de autoridades para vigiar a manutenção da ordem pública. Ficava cada vez mais claro que a autonomia regional ou provincial podia significar perigo. Ocupar aquela mesma rede de autoridade era objetivo dos chefes locais, uma vez que significaria aumentar sua clientela e prestígio. Surge daí o sentido da expressão "tomar posse" dos cargos públicos, ainda em voga. Por outro lado, o gabinete ministerial necessitava da lealdade do chefe local para consolidar a centralização política. Os ministros, mesmo nomeados pelo Imperador, dependiam do Congresso. Os deputados eram eleitos pelos chefes locais. Mas os ministros tinham o poder de controlar o processo eleitoral através das nomeações, seja para funções diretamente ligadas às eleições, seja para outros cargos que precisariam ser devidamente retribuídos com lealdade. Claro que o poder que nomeava também afastava. Toda a rede clientelista é minuciosamente explorada por Graham, nesse movimento de direções dispersas e às vezes contraditórias entre o poder local e o central.
A estrutura política recriava a hierarquia social. A cada voto, pedido de emprego, concessão de um favor, cada um reconhecia sua posição de inferior ou superior, dependendo da situação. Atender às solicitações dos clientes colocava em questão a própria posição como protetor, mesmo tratando-se de um ministro de Estado.
A análise da organização partidária do Império, evitando categorias anacrônicas, indica como Liberais e Conservadores participavam igualmente dos procedimentos clientelísticos. Sua cisão não era ideológica ou programática. A lealdade partidária, cuja manutenção não era tarefa fácil, dobrava-se antes a uma lealdade pessoal. Durante as campanhas procuravam-se as afinidades familiares, as amizades, as influências, as obrigações muito mais do que se defendia uma plataforma singular.
Curiosamente, era comum a preocupação em realizar eleições justas, o que significava aceitar que os adversários em algum momento participassem do poder. Os políticos acreditavam-se portadores de uma adesão plena aos princípios constitucionais e representativos. 
Uma espécie de revezamento implícito expressava como cada partido ou facção, mais do que estar no governo, almejava ser o governo. As tensões entre facções ou entre autoridades, se bem administradas, perpetuavam o sistema como um todo. 
Embora estabeleça como limites temporais do livro o reinado de D. Pedro II, entre 1840 e 1889, Graham reflete sobre o contexto de implantação do regime republicano ao abordar a reforma eleitoral de 1881 como fruto de transformações sociais. A introdução das eleições diretas e a exigência de alfabetização reduziu o número de habitantes envolvidos nas eleições de um milhão para 150 mil. Os argumentos favoráveis à reforma evidenciam que, com o fim iminente da escravidão, e o risco de que o sistema, tal como era, não fosse mais capaz de servir a seus objetivos, os fazendeiros aceitaram a restrição aos alfabetizados, bem como a nova forma de comprovação de renda. No entanto, a mudança era uma adaptação do clientelismo, pois os procedimentos básicos continuaram. A República continuou tanto com o voto restrito sob a nova aparência de universal, quanto com o clientelismo, desde então tornado federal. Haveria, entretanto, agora, novos cargos na disputa.
Finalmente, a narrativa não segue um tom comum entre alguns brasilianistas norte-americanos, pretendente a uma descrição empírica neutra que desperta certo enfado, apesar do mérito das pesquisas de grande alcance. Ao contrário, a leitura de Clientelismo e Política no Brasil do Século XIX é marcada pelo envolvimento de sua escrita. A um entendimento estreito de que o clientelismo seria um fenômeno tipicamente brasileiro o autor contrapõe uma série de referências a lugares e épocas nos quais fenômenos semelhantes têm sido analisados.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Richard Graham: homenagem a um brasilianista exemplar


Richard Graham to receive Brazilian Studies Association Award

Richard Graham, the F.H. Nalle Professor of History at the University of Texas at Austin, has been named the 2012 recipient of the Brazilian Studies Association’s Lifetime Contribution Award, BRASA announced on March 9, 2012. 
BRASA’s Lifetime Achievement Award (LCA) recognizes Professor Graham as a leader in the field of Brazilian studies with both a record of outstanding scholarly achievement and significant contributions to the promotion of Brazilian studies in the United States. BRASA especially wishes to emphasize Professor Graham’s lifetime contributions to our field.
Richard Graham will be recognized in an awards ceremony at BRASA’s 11th International Congress at the University of Illinois at Urbana-Champaign, September 8, 2012 at 7 p.m.  BRASA will present Professor Graham with a plaque expressing the organization’s deep appreciation for his lifelong commitment to Brazilian studies and Professor Graham will address the congress.  A group of prominent Brazilianists, former students of Professor Graham, will introduce him at the ceremony and comment on his many achieve¬ments discuss the enormous influence his work has had on the field of Brazilian history.
Professor Graham’s stellar career merits such an honor for his scholarship, teaching, publishing, mentoring, and institutional development.  Professor Graham is recognized internationally for his contributions to deepening our understanding of Brazilian history.   He has acted as a scholarly ambassador between Brazil and the United States, fostering the exchange of ideas, skills, scholarship, and cultural understanding and has inspired countless students and colleagues to pursue the study of Brazil.
Professor Graham’s first book, Britain and the Onset of Modernization in Brazil, 1850-1914 (1968), is a landmark study of British influence in Brazil. It won the prestigious Bolton Prize from the Conference on Latin American History in 1969.  A rare honor for a North American, in 1971 Professor Graham was one of the first North Americans to be asked to publish a chapter in Brazil’s preeminent multi-volume historical opus, the História Geral da Civilização Brasileira, edited by Sérgio Buarque de Holanda.  In 1978, he published The Jesuit Antonio Vieira and his Plans for the Economic Rehabilitation of Seventeenth-Century Portugal, an important contribution to colonial Brazilian and Portuguese imperial history.  The following year, Escravidão, reforma e imperialismo (1979) brought together some of his article-length work on Brazilian slavery and profoundly shaped the emerging Brazilian scholarship on the country’s slave society. His pioneering work on slave families appeared in Portuguese in this volume, and laid out an agenda for future research on slave families in Brazil.
Professor Graham’s 1990 Patronage and Politics in Nineteenth- Century Brazil quickly became a canonical work on Brazilian state formation in the nineteenth century.  Perhaps his greatest contribution to Latin American history more broadly is the invaluable, The Idea of Race in Latin America, 1870-1940 (1990); it remains in wide use as an introduction to the field.  Professor Graham has published well over seventy articles and book chapters. Many are considered classics in the field, such as “Slave Families on a Rural Estate in Colonial Brazil,” Journal of Social History 9 (1976) or “Slavery and Economic Development: Brazil and the U.S. South,” Comparative Studies in Society and History 23 (1981).   In his retirement, Professor continues to research and write major contributions to Brazilian history. Feeding the City: From Street Market to Liberal Reform in Salvador, Brazil, 1780-1860, a study of the production and marketing of food in Salvador, Bahia, from the end of the eighteenth century through independence and the time of liberal reforms to the mid- nineteenth century was published in 2010.  This book won the Bolton-Johnson Prize awarded by the Council on Latin American History in early 2011.
Born in 1934 in the interior of Brazil to an American Presbyterian missionary father and a Brazilian mother, Richard Graham studied with Lewis Hanke at the University of Texas at Austin in the 1950s, receiving his doctorate in 1961, upon which he began his long and distinguished teaching career at Cornell University.  In 1970, Professor Graham moved to the University of Texas and taught both undergraduates and graduate students there until his retirement in 1999.  During that time, he supervised twenty-one PhD dissertations and was instrumental in establishing a graduate program at the Universidade Federal Fluminense (UFF) in Niterói, Rio de Janeiro, today ranked one of the top three history programs in Brazil.  Professor Graham’s enduring legacy lies as much in
the students and colleagues he has nurtured, taught, and advised.  They have found their work profoundly influenced by him.

BRASA’s Lifetime Achievement Award Committee, consisting of BRASA Vice President Jan Hoffman French and Executive Committee members Bryan McCann, Cristina Ferreira-Pinto Bailey, and Vânia Penha-Lopes, received numerous nominations for this prestigious award.  The committee selected Professor Graham for his enduring scholarship, outstanding contribution to the field of Brazilian history, and his advancement of Brazilian studies. The BRASA Executive Committee ratified the nomination.
For further information, please contact Professor French at
jfrench@richmond.edu.  Additional information on the Brazilian Studies
Association is available at www.brasa.org.