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domingo, 4 de agosto de 2019

"Bolsonaro transgride separação de poderes" - Celso de Mello (FSP)

Bolsonaro transgride separação de poderes, diz Celso de Mello
O Estado de S. Paulo, 3/08/2019
"Presidente minimiza a Constituição’, diz decano”
Depois de dar o voto mais contundente no julgamento em que o Supremo Tribunal Federal contrariou o Palácio do Planalto e manteve a demarcação de terras indígenas com a Funai, o decano da Corte, ministro Celso de Mello, disse ao Estado que o presidente Jair Bolsonaro “minimiza perigosamente” a importância da Constituição e “degrada a autoridade do Parlamento brasileiro”, ao reeditar o trecho de uma medida provisória que foi rejeitada pelo Congresso no mesmo ano. “Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade suprema da Constituição da República”, afirmou. Ao longo dos últimos meses, o decano se tornou o principal porta-voz do Supremo em defesa das liberdades individuais e de contraponto às posições do governo. Alvo de um pedido de impeachment após votar para enquadrar a homofobia como crime de racismo, Celso de Mello disse que a Corte não se intimida com manifestações nas ruas ou ameaças de parlamentares. “Pedidos de impeachment sem causa legítima não podem ter e jamais terão qualquer efeito inibitório sobre o exercício independente pelo Supremo Tribunal Federal de suas funções”, disse. É do decano o voto considerado decisivo no julgamento da Segunda Turma do Supremo em que a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acusa o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, de agir com parcialidade ao condenar o petista no caso do triplex do Guarujá (SP). O ministro defendeu celeridade na análise do habeas corpus do ex-presidente, mas disse que sua convicção sobre o tema não está formada. 
Celso de Mello falou ao Estado após a sessão plenária de anteontem.
- Por unanimidade, o Supremo impôs nova derrota ao Palácio do Planalto e manteve a demarcação de terras indígenas com a Funai. Foi um recado ao presidente Jair Bolsonaro?
- É fundamental o respeito por aquilo que se contém na Constituição da República. Esse respeito é a evidência, é a demonstração do grau de civilidade de um povo. No momento em que as autoridades maiores do País, como o presidente da República, descumprem a Constituição, não obstante haja nela uma clara e expressa vedação quanto à reedição de medida provisória rejeitada expressamente pelo Congresso Nacional, isso é realmente inaceitável. Porque ofende profundamente um postulado nuclear do nosso sistema constitucional, que é o princípio da separação de Poderes. Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade suprema da Constituição da República.
-Faltou um melhor assessoramento jurídico para o presidente Jair Bolsonaro nesse caso?
- Isso eu não sei, eu realmente não posso dizer.
-O senhor deu um voto contundente, apontando “perigosa transgressão” ao princípio da separação dos Poderes. O Supremo também contrariou o Planalto ao proibir o governo de extinguir conselhos criados por lei e foi criticado pelo presidente Jair Bolsonaro por enquadrar a homofobia e a transfobia como racismo.
- Aqui (na demarcação de terras indígenas) a clareza do texto constitucional não permite qualquer dúvida, é só ler o que diz o artigo 62, parágrafo 10 da Constituição da República (o texto diz que é vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo). No momento em que o presidente da República, qualquer que ele seja, descumpre essa regra, transgride o princípio da separação de Poderes, ele minimiza perigosamente a importância que é fundamental da Constituição da República e degrada a autoridade do Parlamento brasileiro. A finalidade maior da Constituição é estabelecer um modelo de institucionalidade que deva ser observado e que deva ser respeitado por todos, pois, no momento em que se transgride a autoridade da Constituição da República, vulnera-se a própria legitimidade do estado democrático de direito. Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade suprema da Constituição da República. No momento em que se transgride a autoridade da Constituição da República, vulnera-se a própria legitimidade do estado democrático de direito.”
- O voto na criminalização da homofobia, considerado histórico por integrantes do STF, lhe rendeu um pedido de impeachment, assinado por deputados da ala conservadora. O senhor vê como uma forma de intimidar a Corte? 
- A história do Supremo Tribunal Federal, desde a primeira década republicana, nos tem revelado que tentativas de intimidação não têm efeito algum. Isso ocorreu no governo do marechal Floriano Peixoto, do marechal Hermes da Fonseca e, no entanto, o Supremo manteve-se fiel ao cumprimento de sua alta missão institucional, que consiste na tarefa de ser o guardião da ordem constitucional. Pedidos de impeachment sem causa legítima não podem ter e jamais terão qualquer efeito inibitório sobre o exercício independente pelo Supremo Tribunal Federal de suas funções constitucionais. O direito de o público protestar é legítimo, ninguém neste país pode ser calado. Qualquer cidadão tem, sim, o direito de protestar. É o direito legítimo. Agora, intimidações não são.
- É aguardada com expectativa a posição do senhor no caso em que a defesa do ex-presidente Lula alega parcialidade do então juiz Sérgio Moro na sentença do triplex. O voto do senhor, que deve ser decisivo, já foi concluído? 
- Eu tenho estudado muito, porque é uma questão que diz respeito não só a esse caso específico, mas aos direitos das pessoas em geral. Ainda continuo pensando, refletindo. Eu, normalmente, costumo pesquisar muito, ler muito, refletir bastante para então, a partir daí, formar definitivamente a minha convicção e compor o meu voto.
- A convicção do senhor já está formada nesse caso?
- Não, não, eu estou ainda em processo de reflexão.
- O senhor acha que seria ideal julgar o caso da suspeição de Sérgio Moro o quanto antes?
- A Constituição manda que o exercício da jurisdição se faça de maneira célere. O direito a um julgamento justo e rápido é um direito que hoje a Constituição assegura a todos, por isso eu acho que, sem distinção de casos, é possível e é necessário que o Supremo Tribunal Federal, como qualquer outro tribunal da República, decida com presteza, porém com segurança.
- Como o senhor avalia a situação da democracia brasileira?
- O regime democrático, muitas vezes, se expõe a situações de risco, mas eu confio que o regime democrático vai ser preservado em plenitude, ao menos enquanto o Supremo Tribunal Federal julgar com independência, como tem efetivamente julgado.
- O senhor ainda trabalha madrugada adentro, ao som de música clássica e bebendo Coca-Cola? 
- Eu gosto de trabalhar ouvindo música clássica, mas Coca-Cola não mais. Coca-Cola me deixa acordado.

domingo, 21 de julho de 2019

O golpe contra a Lava Jato do ministro Toffoli - Fabio Serapião e Mateus Coutinho (Crusoé)

“Um golpe fulminante a favor do crime organizado”
Fabio Serapião e Mateus Coutinho
Revista Crusoé, 21 julho 2019

O ministro Dias Toffoli decidiu impedir que órgãos como o Coaf e a Receita Federal emitam, sem autorização judicial, alertas à polícia e ao MP acerca de operações financeiras consideradas “suspeitas” — operações típicas de lavagem de dinheiro, por exemplo.
A decisão se opõe ao padrão de excelência mundial adotado por países que se destacam na luta contra o crime organizado.
Além de corruptos, a decisão de Dias Toffoli favorece de traficantes a suspeitos de terrorismo e pode causar problemas para o Brasil no cenário internacional, revela reportagem de Fabio Serapião e Mateus Coutinho da mais recente Edição da Semana da revista Crusoé:

Destacamos dois trechos para você:
“A decisão monocrática do presidente da Suprema Corte deixa em suspenso centenas de procedimentos contra suspeitos de crimes de toda sorte. Até então, era comum que o Coaf, por exemplo, enviasse diretamente a investigadores da polícia ou do MP indícios surgidos a partir de transações financeiras consideradas atípicas. Por muitas e muitas vezes, esse tipo de procedimento deu origem a grandes investigações. Agora, a partir do entendimento de Toffoli, nem o Coaf nem a Receita podem comunicar esses indícios de maneira detalhada sem que antes haja uma autorização expressa da Justiça. A decisão é um duro golpe no modelo de atuação das instituições que atuam no combate à lavagem de dinheiro para chegar a corruptos e corruptores e traficantes que necessitam lavar o dinheiro amealhado com o crime…”
“Na Polícia Federal o golpe também foi sentido. Por lá, muitas das investigações sobre lavagem de dinheiro em algum momento se utilizam de relatórios do Coaf. ‘Agora é como se a PF e o MPF tivessem que adivinhar se alguém movimentou somas suspeitas. Um golpe fulminante a favor do crime organizado’, disse a Crusoé um experiente investigador…”

É uma decisão que pode mudar o rumo do combate ao crime organizado no Brasil.
Para pior.

(...)


sábado, 1 de junho de 2019

Temos um presidente inconstitucional? Assim é, se lhe parece... - Ministro do STF evangélico???!!!

Alguém já avisou ao presidente que para ser ministro do STF basta ser de reputação ilibada (ops!) e de notório saber jurídico (ops2!) ????
Teremos também, segundo essa nova doutrina, um ministro muçulmano, budista, umbandista, judeu?
Até quando teremos de conviver com esse tipo de absurdo?
Paulo Roberto de Almeida

Bolsonaro critica STF e fala em ‘ministro evangélico’ na Corte

Presidente diz que Supremo legisla
Criticou julgamento sobre homofobia
'O Estado é laico, mas eu sou cristão', disse o presidente da República
O presidente Jair Bolsonaro criticou nesta 6ª feira (31.mai.2019) o STF (Supremo Tribunal Federal) em discurso na Convenção Nacional das Assembleias de Deus no Brasil, na cidade de Goiânia (GO). Após dizer que o tribunal legisla ao discutir a criminalização da homofobia, questionou: “Será que não está na hora de termos um ministro do Supremo Tribunal Federal evangélico?”
“O Supremo Tribunal Federal agora está discutindo se homofobia pode ser tipificado como racismo. Desculpe aqui o Supremo Tribunal Federal, que eu respeito e jamais atacaria outro poder, mas, pelo que me parece, estão legislando. E eu pergunto aos senhores: o Estado é laico, mas eu sou cristão”, disse.
O STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria no dia 23 de maio para criminalizar a homofobia e a transfobia. Seis dos 11 ministros votaram para enquadrar tais formas de discriminação no crime de racismo. A sessão, no entanto, foi suspensa e será retomada em 5 de junho.

sábado, 20 de abril de 2019

Dois juizes inconstitucionais e um bravo jornalista - Mario Sabino

Os dois juízes não são apenas inconstitucionais. Eles são anti-constitucionais, e deveriam ser sancionados não apenas pelo próprio STF – que provavelmente vai se acovardar e não fazer nada – como também pelo Senado, que pode chamá-los a se explicar e até destituí-los, se tiver coragem e respeito pela Constituição.
O presidente atual do STF, um completo despreparado, ex-advogado do PT, uma organização criminosa, como todos sabem, cometeu calúnia contra o Antagonista e a revista Crusoé, e deveria ser processado por isso. Proponho um pedido inicial de R$ 200.000,00 como reparação.
Acho também que, tendo contribuído para aumentar a audiência e provavelmente as assinaturas da revista Crusoé, os editores poderiam lhe oferecer um ano de assinatura gratuita, como prêmio pelo serviço involuntário de ajuda no marketing (e um prêmio Darwin, pela estupidez demonstrada).
Abaixo, o artigo de Mário Sabino na Crusoé desta memorável semana.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de abril de 2019

E lá fui eu parar na PF outra vez

Mario Sabino, revista Crusoé, 19/04/2019

Na última terça-feira, dia 16 de abril, apenas 24 horas depois de ser intimado pelo ministro Alexandre de Moraes, eu me apresentei ao delegado da Polícia Federal escolhido para conduzir o inquérito sigiloso e inconstitucional aberto para intimidar a imprensa (a história de que serve para apurar fake news e ameaças ao STF nas redes sociais é conversa para boi dormir. Pegaram uns coitados ao acaso). Foi a quarta vez na minha carreira profissional que me vi convocado a comparecer diante de um delegado pelo fato de ser jornalista. Na primeira, em 2008, fui à mesma Superintendência da PF em São Paulo, como redator-chefe da Veja, para sair de lá como o único indiciado no caso do dossiê dos aloprados. Contei essa história aqui, há menos de um mês. Em 2016, Lula também quis me levar para uma delegacia, sob a acusação de que O Antagonista era uma associação criminosa. Nossos advogados conseguiram evitar essa ignomínia. Em 2017, Wagner Freitas, presidente da CUT, foi outro a querer que um delegado me interrogasse. A tentativa foi novamente abortada.
É perturbador que um jornalista, pelo fato de exercer a sua profissão, seja intimado a ir quatro vezes à polícia, na vigência de um regime democrático. Tendo a crer que sou um recordista no Brasil. O delegado designado para conduzir o inquérito inconstitucional saído da cachola de Dias Toffoli e Alexandre de Moraes não soube dizer aos meus advogados em qual condição eu estava ali: se de investigado, testemunha ou, sei lá, colaborador. Ele afirmou ainda que, por ser sigiloso, desconhecia o teor exato do inquérito a meu respeito. Sim, você leu certo: o delegado designado para conduzir o inquérito inconstitucional saído da cachola de Dias Toffoli e Alexandre de Moraes disse não ter ideia sobre o que estava sendo investigado sobre mim. Se é que eu era investigado, claro.
Eu, no entanto, sei que não há objeto de investigação nenhum. Apenas quiseram calar a boca dos jornalistas da Crusoé e de O Antagonista que ousaram fazer reportagens sobre ministros do Supremo Tribunal Federal. Como não conseguiram – e nem conseguirão, se o Brasil realmente for uma democracia digna de tal nome –, o inquérito teratológico ampliou a sua ousadia autoritária, com Alexandre de Moraes prestando-se ao papel vexaminoso de censor da Crusoé e de O Antagonista.
Dias Toffoli e Alexandre de Moraes nutrem a ilusão de que irão destruir a Crusoé e O Antagonista, acusando-me de estar à frente de sites que não são jornalísticos, mas destinados a produzir notícias falsas contra o Supremo Tribunal Federal, em conluio com procuradores da Lava Jato e militares golpistas – ambos os veículos financiados por gente escusa do mercado financeiro. A ideia agora, pelo que depreendo, é tentar provar que não sou jornalista, embora tenha 35 anos de carreira e seja sócio-fundador de O Antagonista, que tem 15 milhões de leitores únicos por mês, e da Crusoé, a primeira revista inteiramente digital do país, que conta hoje com 72 mil assinantes.
Dias Toffoli mostrou que seguirá o caminho de tentar nos desqualificar e criminalizar, em entrevista ao Valor. Ele disse que orquestramos narrativas inverídicas para constranger o Supremo às vésperas de uma decisão sobre a prisão de condenados em segunda instância, o que seria obstrução de administração da Justiça. Respondi que o único constrangimento causado ao Supremo se dá pelo comportamento abusivo de Dias Toffoli, que está abolindo o devido processo legal, com o seu inquérito inconstitucional.
No dia seguinte, a Crusoé publicou que Dias Toffoli simplesmente mentiu ao Valor. Porque a reportagem foi publicada na quinta-feira, dia 11, “o julgamento estava marcado para o dia 10, um dia antes de ela ser publicada, mas já havia sido adiado seis dias antes, no dia 4, a pedido da Ordem dos Advogados do Brasil. E nem sequer havia sido marcada uma nova data. Alem disso, o documento da Odebrecht em que se baseou a reportagem foi anexado nos autos da Lava Jato no dia 9 de abril — após o julgamento ter sido adiado, portanto”. Pergunto-me se Dias Toffoli mentiria assim diante do delegado da Polícia Federal que tomou o meu depoimento.
O presidente do Supremo Tribunal Federal também disse que a Crusoé e O Antagonista não são imprensa livre, mas “imprensa comprada”. Respondi que não recebemos mesada e que Dias Toffoli não está imune a processo por calúnia.
Dias Toffoli e Alexandre de Moraes imaginavam que nós nos acovardaríamos porque teríamos rabo preso. Nós não nos acovardamos porque não temos o rabo preso. Eles imaginavam que não teríamos apoio dos grandes jornais e emissoras de rádio e TV. Nós tivemos o apoio dos grandes jornais e emissoras de rádio e TV. Todos perceberam que a ameaça não era apenas contra nós, mas contra a liberdade de imprensa. Eles imaginavam que nós mentíamos sobre a nossa imensa base de leitores. Nós temos uma imensa base de leitores, que podem não concordar com todas as nossas opiniões, mas sabem que somos honestos e transparentes. Os nossos ganhos são financiados por publicidade, jamais estatal, e assinaturas. Em 2018, finalmente consegui recuperar o dinheiro que gastei das minhas economias, enquanto procurávamos viabilizar comercialmente O Antagonista. Eles imaginavam que não contaríamos com o apoio de juristas e entidades de classe. Nós tivemos o apoio de juristas e entidades de classe.

A censura foi levantada, mas não sei até que ponto os demais ministros do Supremo Tribunal Federal deixarão essa alopragem correr solta. Sugiro modestamente que contenham Dias Toffoli e Alexandre de Moraes (o despacho que levantou a censura que não era censura, por exemplo, tem pegadinhas). A pretexto de salvaguardar o Supremo, a dupla só fez afundar ainda mais a imagem do tribunal como guardião da Constituição. São eles, portanto, que ameaçam a corte. Sem o Supremo Tribunal Federal, não há democracia. Assim como não há democracia sem liberdade de imprensa, o que significa o direito de criticar e fiscalizar todas as instituições, inclusive o STF. E, não canso de repetir, a liberdade de imprensa só se enfraquece quando não a exercemos. Se tiver de voltar à PF, direi isso ao delegado.

sexta-feira, 19 de abril de 2019

O vigor da liberdade - Duda Teixeira (Crusoé)

O vigor da liberdade

Nos Estados Unidos, decisões lapidares da Suprema Corte foram fundamentais para consolidar a liberdade de expressão e de imprensa, que já estavam contidos na Primeira Emenda da Constituição

Duda Teixeira,
Crusoé, 19/04/2019

A Primeira Emenda da Constituição Americana estabelece que o Congresso não pode elaborar leis que proíbam ou restrinjam a liberdade de religião, de expressão ou de imprensa. Adotada em 1791, o texto é invocado sempre que autoridades tentam esmagar os direitos alheios. Este ano, a peça pode até ganhar versão brasileira por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição, como informou Crusoé. Mas a Primeira Emenda não foi um consenso desde seus primórdios. Sua robustez foi erguida ao longo dos anos, cimentada com decisões da Suprema Corte americana. “A Suprema Corte tomou diversas decisões que afetaram a liberdade de imprensa. Em geral, seus membros tiveram uma posição muito vigorosa a favor do trabalho dos jornalistas e da liberdade de expressão”, diz o advogado Michael DeDora, do Comitê para a Proteção aos Jornalistas (CPJ), em Washington. “Foram essas sentenças que definiram como a Primeira Emenda deve ser interpretada atualmente.”
Até a década de 1960, era comum que pessoas que se sentiam ofendidas por uma matéria processassem os jornais por difamação. Elas alegavam que os textos eram falsos ou que suas reputações tinham sido afetadas. Em um caso de 1886, um tanatopraxista conseguiu 3.500 dólares do jornal New York Times. Uma matéria afirmara que ele se apresentara bêbado para preparar corpo do ex-presidente Ulysses Grant. Processado pelo agente funerário, o jornal não conseguiu provar que ele estava alcoolizado e teve de arcar com a quantia.
Casos como o do tanatopraxista praticamente desapareceram depois de 1964, quando o Times ganhou um caso na Suprema Corte americana. Após a prisão do pastor negro Martin Luther King, um grupo de apoiadores publicou um anúncio de uma página inteira no jornal com o título “Prestem atenção nas suas vozes crescentes”. A peça dizia que a detenção tinha sido politicamente motivada e pedia doações para ajudar na defesa legal de Luther King. Um comissário de polícia da cidade de Montgomery, no estado do Alabama, L.B. Sullivan, entrou na Justiça alegando que o New York Times o tinha difamado, apesar de não ter sido citado na propaganda. Ele e outros quatro oficiais afirmaram que o texto era difamatório, falso e que arranhava a sua honra. O juiz acatou a demanda e ordenou que o jornal pagasse 500 mil dólares. Quando questionado sobre a validade da Primeira Emenda da Constituição, o magistrado argumentou que ela não protegia publicações difamatórias.
A Suprema Corte do estado do Alabama manteve a decisão e o caso subiu para a Suprema Corte dos Estados Unidos. Por um placar de 9X0, seus membros reverteram a decisão dada no Alabama. Eles entenderam que não houve por parte do Times a intenção de publicar algo que os editores do jornal sabiam que poderia ser considerado falso. O efeito mais imediato foi o fim dos processos que eram iniciados em estados do sul dos Estados Unidos para silenciar os jornalistas que relatavam a violência contra o movimento pelos direitos civis. O impacto de longo prazo foi que a sentença estabeleceu que funcionários públicos que se sentissem atingidos deveriam provar não apenas que a matéria em questão era imprecisa e que tinha ferido suas reputações, como também que o jornalista as tinha publicado mesmo sabendo ou desconfiando da sua inverdade. Por ser essa uma missão praticamente impossível para os litigantes, a decisão da Suprema Corte desencorajou a abertura de processos em todos os estados dos Estados Unidos. “Essa decisão deu uma blindagem muito grande aos jornalistas”, diz Ronaldo Porto Macedo Junior, professor de filosofia do direito da USP e coordenador da Plataforma de Liberdade de Expressão e Democracia da Fundação Getúlio Vargas. “Poucas condenações e indenizações ocorreram depois disso.”
Outra decisão que moldou a relação da imprensa com o poder público foi a que se seguiu à publicação dos chamados Papéis do Pentágono. A disputa entre os jornais New York Times e Washington Post com o governo americano, então sob a presidência de Richard Nixon, foi o tema do filme The Post – A Guerra Secreta, dirigido por Steven Spielberg e lançado em 2017.
Em 1971, o New York Times começou a divulgar documentos que tinham sido vazados pelo analista militar Daniel Ellsberg. Ele fazia parte de um grupo convocado em 1967 pelo secretário de Defesa, Robert McNamara, para reunir documentos sobre o envolvimento americano na Guerra do Vietnã. Durante dezoito meses, Ellsberg copiou em uma máquina de xerox 7 mil páginas de documentos, que depois vazou para os dois jornais. Três dias depois de a primeira matéria ser publicada, o Departamento de Justiça obteve uma ordem de censura sob a alegação de que a circulação dos documentos secretos poderia causar dano irreparável e imediato aos interesses nacionais.
Durante quinze dias, advogados dos dois jornais tentaram derrubar a censura nos tribunais. No dia 30 de janeiro, a Suprema Corte deu seu parecer. Por 6 votos a favor e 3 contra, a corte entendeu que os dois veículos poderiam retomar a publicação das matérias sobre a Guerra do Vietnã. Os integrantes do tribunal concluíram que o governo falhou em justificar seu motivo para a censura. Não havia risco à segurança nacional. No filme de Steven Spielberg, a declaração do juiz Hugo Black é ouvida pelo telefone por uma jornalista, que repete o texto emocionada aos colegas: “Na Primeira Emenda, os Fundadores da Nação deram à imprensa livre a proteção necessária para que ela cumpra seu papel essencial na nossa democracia. O papel da imprensa é servir aos governados, não aos governantes.”

Que sirva de lição a alguns magistrados brasileiros.

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Nota pública sobre a censura à Crusoé - Mario Sabino (Antagonista)

15 de Abril de 2019

Nota pública sobre a censura à Crusoé


Fomos surpreendidos na manhã desta segunda-feira, 15 de abril de 2019, pela decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, de censurar a reportagem “O amigo do amigo de meu pai”, publicada na sexta-feira passada pela revista Crusoé. 

A reportagem revela, com base em documento da Lava Jato reproduzido pela revista, que Marcelo Odebrecht, ao utilizar o codinome em mensagem a executivos da sua empreiteira, disse à Força Tarefa da operação que se referia a Antonio Dias Toffoli, na época Advogado Geral da União e hoje presidente do Supremo Tribunal Federal.
Além de censurar a revista, o ministro Alexandre de Moraes determinou que a Polícia Federal tomasse depoimentos dos jornalistas.
Nossos advogados entrarão com recurso ao colegiado do STF, para tentar reverter esse atentado contra a liberdade de imprensa, aspecto fundamental da democracia garantido pela Constituição. Na nossa visão, trata-se de ato de intimidação judicial. A liberdade de imprensa só se enfraquece quando não a usamos. Continuaremos a lutar por ela.
Mario Sabino
Publisher da Crusoé 


URGENTE: MINISTRO DO STF CENSURA CRUSOÉ


Desde o fim da manhã desta segunda-feira, 15, Crusoé está sob censura, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Passava pouco das 11 horas da manhã quando um oficial de Justiça a serviço da corte bateu à porta da redação para entregar cópia da decisão.
Alexandre de Moraes determina que Crusoé retire “imediatamente” do ar a reportagem de capa da última edição, intitulada “O amigo do amigo de meu pai”.
A decisão é extensiva a O Antagonista.
Moraes também ordena que a Polícia Federal intime os responsáveis pela publicação da reportagem “para que prestem depoimentos no prazo de 72 horas”.
O ministro afirma haver “claro abuso no conteúdo da matéria veiculada”.
A reportagem de que trata a decisão do ministro foi publicada com base em um documento que consta dos autos da Operação Lava Jato.
Nele, o empreiteiro Marcelo Odebrecht responde a um pedido de esclarecimento feito Polícia Federal, que queria saber a identidade de um personagem que ele cita em um e-mail como “amigo do amigo de meu pai”.
Odebrecht respondeu tratar-se de Dias Toffoli, conforme revelou Crusoé em sua edição de número 50, publicada na última sexta-feira, 12.
No despacho de três páginas, Alexandre de Moraes primeiro menciona o inquérito aberto por Toffoli em março, e dentro do qual a decisão foi tomada: “Trata-se de inquérito instaurado pela Portaria GP No 69, de 14 demarço de 2019, do Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente, nos termos do art. 43 do Regimento Interno desta CORTE, para o qual fui designado para condução, considerando a existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e asegurança do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, de seus membros e familiares, extrapolando a liberdade de expressão”.
Em seguida, ele afirma que ainda na sexta-feira, dia da publicação da reportagem, Dias Toffoli “autorizou” a investigação sobre a reportagem. O ministro reproduz a mensagem que recebeu de Toffoli:
“Exmo Sr Ministro Alexandre de Moraes, Permita-me o uso desse meio para uma formalização, haja vista estar fora do Brasil. Diante de mentiras e ataques e da nota ora divulgada pela PGR que encaminho abaixo, requeiro a V. Exa. Autorizando transformar em termo esta mensagem, adevida apuração das mentiras recém divulgadas por pessoas e sites ignóbeis que querem atingir as instituições brasileiras.”
Toffoli, no pedido para que a reportagem fosse objeto de apuração, alegando tratar de “mentiras” destinadas a atingir as “instituições brasileiras’, se refere a nota oficial divulgada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) dizendo não ter recebido, ainda, cópia do documento enviado à Lava Jato por Marcelo Odebrecht e revelado por Crusoé.
É justamente à nota de Raquel Dodge que Alexandre de Moraes se apega para ordenar a censura, alegando que a reportagem é “um típico exemplo de fake news”.
Diz o ministro:
“Obviamente, o esclarecimento feito pela PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA tornam falsas as afirmações veiculadas na matéria “ O amigo do amigo de meu pai”, em típico exemplo de fake news – o que exige a intervenção do Poder Judiciário, pois, repita-se, a plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não constitui cláusula de isenção de eventual responsabilidade por publicações injuriosas e difamatórias, que, contudo, deverão ser analisadas sempre a posteriori, jamais como restrição prévia e genérica à liberdade de manifestação.”
Em seguida, observando que “a plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas”, Alexandre de Moraes passa a decidir.
“É exatamente o que ocorre na presente hipótese, em que há claro abuso no conteúdo da matéria veiculada, ontem, 12 de abril de 2019, pelo site O Antagonista e Revista Crusoé, intitulada “O amigo do amigo de meu pai. A gravidade das ofensas disparadas ao Presidente deste SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no teor da matéria, acima mencionada, provocou a atuação da PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA”, escreve o ministro.
Eis a ordem para que a reportagem seja imediatamente retirada do ar:
“Em razão do exposto. DETERMINO que o site O Antagonista e a revista Cruzoé (sic) retirem, imediatamente, dos respectivos ambientes virtuais a matéria intitulada “O amigo do amigo de meu pai” e todas as postagens subsequentes que tratem sobre o assunto, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais), cujo prazo será contado a partir da intimação dos responsáveis. A Polícia Federal deverá intimar os responsáveis pelo site O Antagonista e pela Revista CRUSOÉ para que prestem depoimentos no prazo de 72 horas. Cumpra-se imediatamente. Servirá esta decisão de mandado.”
Crusoé reiteira o teor da reportagem, baseada em documento, e registra qud a decisão se apega a uma nota da Procuradoria Geral da República sobre um detalhe lateral e a utiliza para tratar como “fake news” uma informação absolutamente verídica, que consta dos autos da Lava Jato.
Importa lembrar, ainda, que, embora tenha solicitado providências ao colega Alexandre de Moraes ainda na sexta-feira, o ministro Dias Toffoli não respondeu às perguntas que lhe foram enviadas antes da publicação da reportagem agora censurada.