A Tobin Tax e o interesse do
Brasil
Paulo Roberto de Almeida
Doutor em Ciências Sociais. Diplomata.
(Washington, 11/10/2001)
A
proposta de introdução de uma taxa específica sobre os movimentos
internacionais de capital de curto prazo (TT) vem sendo debatida com muita
intensidade (e pouca clareza) no período recente. O próprio presidente [FHC] a ela
referiu-se favoravelmente em seu discurso do Dia do Diplomata, no Itamaraty
(10.10.2001). Do ponto de vista de seus propósitos presumidos – diminuir a
instabilidade dos mercados financeiros e amealhar recursos adicionais para fins
de desenvolvimento dos países mais pobres – ela parece ser inatacável, ainda
que muitos duvidem de sua praticabilidade. Independentemente, porém, de seus
objetivos meritórios e sem procurar, agora, resolver definitivamente o problema
de sua operacionalização, uma outra questão mais importante se coloca do nosso
ponto de vista: a do interesse do Brasil.
Com
efeito, antes de procurar saber se a TT pode ser colocada em prática e se os
objetivos fixados serão ou não atingidos pela metodologia proposta, seria
preciso determinar se a medida invocada atende ou não aos interesses nacionais.
Meu argumento é pela negativa, mas devemos examinar os vários aspectos do
problema para chegar a alguma conclusão.
O
primeiro problema é o da instabilidade dos mercados financeiros, algo que
parece assustar os países que eventualmente necessitem de fluxos contínuos de
capitais “voláteis”. Os mercados, por definição, sempre são instáveis, e os
capitais puramente financeiros sempre são voláteis, ainda que, obviamente,
flutuações e movimentos erráticos ocorrem com maior intensidade nos momentos de
crise. As crises são, entretanto, inerentes aos mercados livres, e apenas uma
boa gestão dos chamados “fundamentais” pode neutralizar ou diminuir os efeitos
mais nefastos para as economias neles integradas. O que representa a introdução
de uma taxa sobre determinados movimentos de capital? A diminuição da
turbulência – que me parece “estrutural” – ou tão simplesmente a imposição de
custo adicional sobre esses fluxos? Esta hipótese é mais provavel e o mercado
continuará tão turbulento quanto antes, apenas que funcionado, com a TT, em um
patamar ligeiramente superior de “custos de transação”.
A
TT não pode resolver esse problema estrutural, ainda que se argumente que ela apenas
visa colocar “areia na engrenagem” da especulação cambial (seu objetivo
original quando James Tobin a sugeriu, em 1971, no momento da derrocada do
sistema de Bretton Woods, lembre-se, de extrema volatilidade das taxas
cambiais). A dificuldade óbvia é a de distinguir as transações puramente
“especulativas” das transferências legítimas para pagamentos de fatores ou para
compra de ativos de maturação mais longa. Na impossibilidade de fazê-lo (uma
vez que a integração financeira internacional significa a simplificação dos
procedimentos aplicados aos fluxos transfronteiriços), a solução prática é a
taxação de todas as transações, na suposição de que os capitais movimentados
toda a semana terão um retorno sensivelmente menor do que as aplicações de
maior prazo e os investimentos diretos. Ou seja, essa CPMF universal acaba
tendo de ser aplicada a todos os fluxos para tentar diminuir a volatilidade
inerente a apenas uma parte deles. Para o Brasil, portanto, enquanto receptor
líquido de capitais de todos os tipos, as perspectivas são a de ter de pagar um
pouco mais pela importação do mesmo volume de capital.
A
praticabilidade e eficiência da CPMF brasileira é, como sabemos, total: ela é
inescapável, insonegável, fácil e rápida. Dispondo do controle legal sobre o
sistema bancário, o Estado brasileiro vai buscá-la diretamente no bolso do
cidadão, quando este faz um simples movimento contábil. Ora, no sistema
semi-anárquico de soberanias estatais que caracteriza o mundo, o controle
territorial absoluto se afigura impossível, daí porque os economistas apontem a
impraticabilidade da TT. O dinheiro, aliás, nem precisa sair fisicamente da
praça financeira que lhe dá origem para dirigir-se a outra. Basta que a
transação seja registrada e operada a partir de um centro off-shore, e que os dois agentes nele tenham conta, para que o
“longo braço” dessa CPMF universal se revele simplesmente inoperante e
ineficaz. Como não existe uma entidade bancária internacional “de última
instância”, é de se supor que o problema da jurisdição apresente um obstáculo
praticamente incontornável a uma TT eficiente e operante. Pretender taxar
apenas as dez principais praças financeiras internacionais é inócuo.
Vejamos,
porém, seu outro objetivo presumido, do qual ela retira sua legitimidade: levar
o dinheiro dos mais ricos (os “especulativos”) em benefício dos mais pobres
(que podem ser também as vítimas dos “capitais voláteis”). Supondo-se que ela
seja implementada, como canalizar essa nova cornucópia financeira para os
efetivamente necessitados?
Na
ausência de um “taxador de última instância”, a TT teria de depender da ação
das autoridades nacionais para o seu recolhimento e redistribuição. Um nova
burocracia mundial eficiente e justa teria de ser estruturada para recolher as
“contribuições nacionais” da TT e repassá-las a projetos de desenvolvimento nos
países mais pobres. Considerando-se que o Brasil é um país de renda média, e
portanto não beneficiário da TT por definição, o cenário previsível é o a
criação eventual de uma “CPMF externa” inteiramente voltada para a remessa de
capital para a nova burocracia internacional. Belo gesto de solidariedade tipo
exportação.
Pergunta-se
agora: o que a TT faria que os capitais de empréstimos e as dotações
concessionais existentes já não estão fazendo?; os mecanismos operando no plano
bilateral tradicional e no atual quadro multilateral (BIRD, BID etc.) já não
estão servindo mais para a concessão de ajuda oficial ao desenvolvimento?
Obviamente que não, razão pela qual seria infinitamente mais fácil atuar no aumento
das “economias de escala” do sistema existente de financiamento do
desenvolvimento – ainda que reforçando o papel das ONGs humanitárias, que
eliminam a burocracia e as comissões das grandes entidades financeiras
internacionais – do que pretender criar uma nova burocracia para simplesmente
fazer “more of the same”: projetos de infraestrutura, investimentos em saúde,
educação, governabilidade, enfim.
Pouco
gente sabe, mas o Brasil já vem colaborando com esse esforço de “promoção
social” dos países mais pobres, tanto diretamente – mediante seu papel de
contribuinte líquido para a Associação Internacional de Desenvolvimento, do
BIRD – como indiretamente, ao abater amortizações de devedores mais pobres em
foros como o Clube de Paris. Os custos são “socializados” internamente, via
orçamento geral ou via Tesouro. Qual a vantagem imediata de se criar mais uma
fonte de aprovisionamento externo em capital brasileiro (sim, porque o capital internacional repassará o custo da nova taxação ao tomador, que
somos nós), que não repercutirá minimamente para o Brasil, uma vez que o
esforço não refletirá diretamente nos mecanismos nacionais de política
financeira externa? Não vejo nenhuma vantagem.
Resumindo:
a TT não diminui a volatilidade dos capitais (apenas agrega um custo extra a
uma transação necessária, sobretudo, e especialmente, para o Brasil); ela não
consegue dispor de uma base universal de aplicação e teria de depender de
autoridades nacionais para sua (ine)ficiência relativa; ela não faria nada mais
do que já não pode ser feito através dos mecanismos e instituições existentes,
que poderiam ser induzidas a captar (ou disporem de) mais recursos financeiros
.dos doadores tradicionais. Admite-se que ela aumente os fluxos de capitais
para fins de redistribuição burocrática, o que é próprio de toda punção fiscal
adicional. Mas, em que isto mudaria dramáticamente o panorama do
desenvolvimento mundial? Já se assistiu, historicamente, a um legítimo processo
de desenvolvimento com base unicamente em recursos externos?
Do
ponto de vista do Brasil, nada se resolve com a eventual introdução de uma TT:
os capitais ficariam mais caros, não deixariam por isso de ser voláteis (essa
característica é determinada internamente, não externamente) e os benefícios
seriam todos carreados para fora do país. Para o interesse nacional, o retorno
de uma TT não é sequer marginal, ele é próximo de zero.
[Washington, 816: 11.10.2001]