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domingo, 19 de fevereiro de 2023

O Brasil e a Ucrânia: do 'amor' de Bolsonaro a Putin ao anti-imperialismo de Lula - MaderMedia Lusa (Sapo 24)

O Brasil e a Ucrânia. Do 'amor' de Bolsonaro a Putin ao anti-imperialismo de Lula

SAPO 24, 19 fev 2023 09:59

A diplomacia brasileira tem mostrado uma atitude passiva em relação à invasão da Ucrânia, com o ex-presidente Jair Bolsonaro mostrando afinidade quanto a Vladimir Putin e com o atual chefe de Estado, Lula da Silva, ideologicamente anti-imperialista.

“O Brasil começou com uma diplomacia de Bolsonaro de maior aproximação com os Estados Unidos e ao longo do Governo com a derrota de [Donald] Trump” e a vitória nas presidenciais de Joe Biden, o Brasil “afastou-se dos EUA e aproximou-se de Putin”, explicou à Lusa o mestre em Ação Política e presidente do Conselho da Fundação da Liberdade Económica, Márcio Coimbra.

Bolsonaro (que governou o Brasil de 01 de janeiro de 2019 a 31 de dezembro de 2022) estava muito mais ligado à ideia de ter um apoio de um autocrata, insistiu o especialista.

“Ele mudou de autocrata”, disse, frisando: “Não importa onde esteja o autocrata desde que seja autocrata”.

Também à Lusa, Guilherme Casarões, Pesquisador Sénior do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), detalhou que o ex-presidente brasileiro olhava para a Rússia como a única potência disposta a apoiar a sua política externa, “além de enxergar em Putin um líder forte, conservador e nacionalista religioso, virtudes defendidas” por Jair Bolsonaro.

Desde o início da guerra, que na sexta-feira fará um ano desde o ataque russo à Ucrânia, Bolsonaro evitou condenar os ataques russos em território ucraniano e manteve uma posição “neutra” e “equilibrada” em relação ao conflito.

Dias antes do ataque russo, Jair Bolsonaro reuniu-se com Vladimir Putin na Rússia. Durante o seu mandato, o Brasil, apesar de condenar a invasão russa da Ucrânia na ONU, nunca apoiou as sanções impostas à Rússia, encetando esforços para que a venda de fertilizantes russos, necessários para a agricultura brasileiro, não fosse incluída nas sanções.

Ainda durante a campanha eleitoral para as presidenciais brasileiras, no ano passado, Lula da Silva foi criticado quando disse que o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, era “tão responsável” pelo conflito como Vladimir Putin.

O próprio Lula da Silva chegou a constar numa lista com personalidades acusadas de promoverem propaganda russa, formulada pelo Centro de Combate à Desinformação ucraniano.

“As diplomacias de Lula e Bolsonaro adotam posições semelhantes diante do conflito na Ucrânia, mas por razões distintas”, analisou Guilherme Casarões, acrescentando que a “despeito de boas relações históricas com Rússia e Putin, [Lula da Silva] parece movido por uma visão anti-imperialista da política internacional, que atribui à OTAN [NATO] responsabilidade primordial pelo conflito”.

No início do mês de fevereiro, o chanceler alemão, Olaf Scholz, veio a Brasília encontrar-se com Lula da Silva, tendo como um dos cadernos de encargos pedir ao Brasil que fornecesse munições de tanques para que Berlim as enviasse à Ucrânia. Esse pedido foi categoricamente recusado.

“O Brasil é um país de paz”, frisou Lula da Silva durante a conferência de imprensa ao lado de Olaf Scholz. Na mesma ocasião, o Presidente brasileiro chegou mesmo a afirmar que “quando um não quer, dois não brigam”, referindo-se aos líderes da Rússia, Vladimir Putin, e da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.

“O Brasil sempre se opôs ao envolvimento em conflitos de terceiros países. À exceção das duas Guerras Mundiais, nunca enviámos tropas ou equipamentos para campos de batalha, exceto quando expressamente solicitado pelas Nações Unidas, como no caso de Operações de Paz”, explicou o pesquisador do CEBRI.

O atual momento interno que o Brasil atravessa, na sequência dos ataques de radicais bolsonaristas às sedes dos três poderes em Brasília e com denúncias de que alguns membros das Forças Armadas seriam coniventes com essa ação, também reforçou esta tomada de decisão de Lula da Silva.

“O momento da relação entre o Governo e as Forças Armadas é bastante delicado. O Exército, em particular, parece ter sido conivente com os ataques antidemocráticos de 08 de janeiro em Brasília”, disse, recordando a troca de comando das Forças Armadas há menos de um mês.

Ainda assim, com a chegada de Lula da Silva ao poder e com o seu anseio de recolocar o Brasil no mapa das relações internacionais e de potência global, junto dos seus parceiros ocidentais, Márcio Coimbra considerou que as declarações e a postura de Lula da Silva “já vêm num sentindo de que Putin cometeu um erro e uma violação ao invadir um território soberano de uma outra nação”.

“Apesar de ter um discurso antirrealista, contra os EUA, vejo Lula como um pragmático”, afirmou o presidente do Conselho da Fundação da Liberdade Económica, detalhando que “os países da comunidade internacional exigem que para o Brasil se colocar no mundo tenha a mesma agenda das principais democracias”.

Nas últimas semanas, especialmente com a vinda do chanceler alemão e da ministra dos Negócios Estrangeiros francesa a Brasília e com a visita de Lula da Silva a Washington para se encontrar com Joe Biden, os apelos destes países para uma tomada de posição mais alinhada ao ocidente intensificaram-se.

A chefe da diplomacia francesa recordou que 24 de fevereiro marca o “triste aniversário de um ano desta guerra”, dizendo ter a certeza que o Brasil “vai relembrar os factos no final deste mês” e ainda esta semana a subsecretária de Estado norte-americana para Assuntos Políticos, Victoria Nuland pediu “ao Brasil que se colocasse no lugar da Ucrânia”.

“Lula naturalmente colocar-se-ia a favor da Rússia, porém o que nós vimos foi que, pragmaticamente, por pressão especialmente de França, Alemanha e EUA, Lula tem adotado uma postura mais pró-ocidente em relação à Ucrânia”, frisou Márcio Coimbra.

“Não uma relação em que o Brasil seja capaz de enviar armamento, como a Alemanha tentou”, mas que já é “uma mudança profunda do Brasil, do Governo de Bolsonaro para o Governo Lula”, disse.


quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Concurso do Itamaraty: ah, esse anti-imperialismo instintivo, esse antihegemonismo viceral...

Neste caso, o Itamaraty não tem a ver, diretamente, com a formulação das questões, embora devesse, talvez, se interessar pela natureza das questões, para ver se não há nada em contradição com a postura anti-hegemônica oficial. O redator, entusiasmado com os novos tempos, deve ter sido mais realista do que o rei, ou melhor, mais anti-imperialista do que a Casa mãe. Prova de que os sinais são confusos. Em todo caso, ele pensou estar contentando seus patrões, tão, tão, como diríamos?, engajados em certas causas anti-hegemônicas...
Mas neste caso específico, como deveria responder o candidato?
Se ele concordasse que a França é perversamente imperialista, ele poderia seguir essa assertiva. Mas se achasse, e esse era um direito seu, que a França só agiu motivada apenas por nobres intenções, ele responderia pela negativa. E, segundo o examinador, estaria errado, e perderia pontos.
Como saber, no entanto, qual a posição correta, já que dificilmente se pode certificar, subjetivamente, de uma posição ou outra? Ambas posições poderiam estar certas. Oh, God, dilema cruel...
Bizarro, pois não?
Remeter ao formulador não resolve a questão.
Paulo Roberto de Almeida

ITAMARATY
 Prova para Itamaraty faz crítica à França
FLÁVIA MARREIRO DE SÃO PAULO
Folha de S.Paulo, 22/08/2013 

Teste de candidatos a diplomata diz que intervenção no Mali visa proteger jazida de urânio

A intervenção militar liderada pela França no Mali "foi motivada, de fato, pela necessidade de proteção da zona de extração de urânio do vizinho Níger, que alimenta as usinas nucleares francesas."
A asseveração --contrastando com as notas do Itamaraty sobre o tema, que tratam Paris de forma bem mais suave-- era a resposta correta na prova aplicada a candidatos à carreira diplomática brasileira no último domingo.
Parte do teste múltipla escolha de geografia, a questão tem provocado controvérsia em fóruns de candidatos ao Itamaraty na internet, que prometem tentar anulá-la porque ela não se alinharia à posição oficial do Brasil.
"Achei o de fato' forte. [...] Na verdade, ofensivo. Se essa for a certa, mandamos para a embaixada da França e vamos causar uma tensão Brasil x França", brincou um candidato, num fórum.
Em janeiro, a França iniciou uma intervenção militar no Mali, colônia francesa até os anos 1960, para auxiliar no combate a grupos islâmicos. Alinhados à Al Qaeda, ameaçavam derrubar o governo do país da África ocidental.
A ONU havia aprovado uma intervenção, mas sob condições, como o treinamento prévio do Exército do Mali. Após apressar a ação, a França teve a chancela do Conselho de Segurança.
Oficialmente, o Brasil insiste que resolução da ONU tem de ser respeitada. A presidente Dilma Rousseff chegou a dizer, em janeiro, que a intervenção não deveria "reavivar antigas tentações coloniais". Mas nem Itamaraty nem Dilma falaram explicitamente de controle de reservas minerais, como citado no enunciado.
"É uma questão muito pouco diplomática. Preparo alunos há dez anos para a prova e é a primeira vez que vejo algo assim", disse à Folha Paulo Afonso Velasco, do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro).
Velasco diferencia o caso da intervenção no Mali das ações no Iraque e na Líbia, às quais o governo brasileiro se opôs formalmente. "É mais uma possível saia justa com a França, um parceiro estratégico do Brasil, do que um erro. Mas a banca pode decidir anular para evitar um possível problema", diz. "Essa não é uma prova qualquer. É a prova para a escola de formação de diplomatas brasileiros, que vão amanhã negociar com a França."
Itamaraty disse que cabe ao elaborador da prova, o Cespe (Centro de Seleção e de Promoção de Eventos) ligado à UnB, manifestar-se.
A pasta citou notas oficiais do Brasil sobre o Mali e lembrou que o prazo para recorrer formalmente do gabarito da prova termina hoje.
A embaixada francesa no Brasil não quis se pronunciar.