O Brasil e a Ucrânia. Do 'amor' de Bolsonaro a Putin ao anti-imperialismo de Lula
“O Brasil começou com uma diplomacia de Bolsonaro de maior aproximação com os Estados Unidos e ao longo do Governo com a derrota de [Donald] Trump” e a vitória nas presidenciais de Joe Biden, o Brasil “afastou-se dos EUA e aproximou-se de Putin”, explicou à Lusa o mestre em Ação Política e presidente do Conselho da Fundação da Liberdade Económica, Márcio Coimbra.
Bolsonaro (que governou o Brasil de 01 de janeiro de 2019 a 31 de dezembro de 2022) estava muito mais ligado à ideia de ter um apoio de um autocrata, insistiu o especialista.
“Ele mudou de autocrata”, disse, frisando: “Não importa onde esteja o autocrata desde que seja autocrata”.
Também à Lusa, Guilherme Casarões, Pesquisador Sénior do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), detalhou que o ex-presidente brasileiro olhava para a Rússia como a única potência disposta a apoiar a sua política externa, “além de enxergar em Putin um líder forte, conservador e nacionalista religioso, virtudes defendidas” por Jair Bolsonaro.
Desde o início da guerra, que na sexta-feira fará um ano desde o ataque russo à Ucrânia, Bolsonaro evitou condenar os ataques russos em território ucraniano e manteve uma posição “neutra” e “equilibrada” em relação ao conflito.
Dias antes do ataque russo, Jair Bolsonaro reuniu-se com Vladimir Putin na Rússia. Durante o seu mandato, o Brasil, apesar de condenar a invasão russa da Ucrânia na ONU, nunca apoiou as sanções impostas à Rússia, encetando esforços para que a venda de fertilizantes russos, necessários para a agricultura brasileiro, não fosse incluída nas sanções.
Ainda durante a campanha eleitoral para as presidenciais brasileiras, no ano passado, Lula da Silva foi criticado quando disse que o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, era “tão responsável” pelo conflito como Vladimir Putin.
O próprio Lula da Silva chegou a constar numa lista com personalidades acusadas de promoverem propaganda russa, formulada pelo Centro de Combate à Desinformação ucraniano.
“As diplomacias de Lula e Bolsonaro adotam posições semelhantes diante do conflito na Ucrânia, mas por razões distintas”, analisou Guilherme Casarões, acrescentando que a “despeito de boas relações históricas com Rússia e Putin, [Lula da Silva] parece movido por uma visão anti-imperialista da política internacional, que atribui à OTAN [NATO] responsabilidade primordial pelo conflito”.
No início do mês de fevereiro, o chanceler alemão, Olaf Scholz, veio a Brasília encontrar-se com Lula da Silva, tendo como um dos cadernos de encargos pedir ao Brasil que fornecesse munições de tanques para que Berlim as enviasse à Ucrânia. Esse pedido foi categoricamente recusado.
“O Brasil é um país de paz”, frisou Lula da Silva durante a conferência de imprensa ao lado de Olaf Scholz. Na mesma ocasião, o Presidente brasileiro chegou mesmo a afirmar que “quando um não quer, dois não brigam”, referindo-se aos líderes da Rússia, Vladimir Putin, e da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.
“O Brasil sempre se opôs ao envolvimento em conflitos de terceiros países. À exceção das duas Guerras Mundiais, nunca enviámos tropas ou equipamentos para campos de batalha, exceto quando expressamente solicitado pelas Nações Unidas, como no caso de Operações de Paz”, explicou o pesquisador do CEBRI.
O atual momento interno que o Brasil atravessa, na sequência dos ataques de radicais bolsonaristas às sedes dos três poderes em Brasília e com denúncias de que alguns membros das Forças Armadas seriam coniventes com essa ação, também reforçou esta tomada de decisão de Lula da Silva.
“O momento da relação entre o Governo e as Forças Armadas é bastante delicado. O Exército, em particular, parece ter sido conivente com os ataques antidemocráticos de 08 de janeiro em Brasília”, disse, recordando a troca de comando das Forças Armadas há menos de um mês.
Ainda assim, com a chegada de Lula da Silva ao poder e com o seu anseio de recolocar o Brasil no mapa das relações internacionais e de potência global, junto dos seus parceiros ocidentais, Márcio Coimbra considerou que as declarações e a postura de Lula da Silva “já vêm num sentindo de que Putin cometeu um erro e uma violação ao invadir um território soberano de uma outra nação”.
“Apesar de ter um discurso antirrealista, contra os EUA, vejo Lula como um pragmático”, afirmou o presidente do Conselho da Fundação da Liberdade Económica, detalhando que “os países da comunidade internacional exigem que para o Brasil se colocar no mundo tenha a mesma agenda das principais democracias”.
Nas últimas semanas, especialmente com a vinda do chanceler alemão e da ministra dos Negócios Estrangeiros francesa a Brasília e com a visita de Lula da Silva a Washington para se encontrar com Joe Biden, os apelos destes países para uma tomada de posição mais alinhada ao ocidente intensificaram-se.
A chefe da diplomacia francesa recordou que 24 de fevereiro marca o “triste aniversário de um ano desta guerra”, dizendo ter a certeza que o Brasil “vai relembrar os factos no final deste mês” e ainda esta semana a subsecretária de Estado norte-americana para Assuntos Políticos, Victoria Nuland pediu “ao Brasil que se colocasse no lugar da Ucrânia”.
“Lula naturalmente colocar-se-ia a favor da Rússia, porém o que nós vimos foi que, pragmaticamente, por pressão especialmente de França, Alemanha e EUA, Lula tem adotado uma postura mais pró-ocidente em relação à Ucrânia”, frisou Márcio Coimbra.
“Não uma relação em que o Brasil seja capaz de enviar armamento, como a Alemanha tentou”, mas que já é “uma mudança profunda do Brasil, do Governo de Bolsonaro para o Governo Lula”, disse.
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