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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

A política externa argentina em ano eleitoral - Carlos Alberto Vidigal (Correio da Cidadania)

 

A política externa argentina em ano eleitoral 

PASO 2021: el Frente de Todos perdió 4 millones de votos entre 2019 y 2021,  y Juntos por el Cambio consiguió 800 mil más - Chequeado
O ano de 2023, mesmo em seu início, já pode ser iden­ti­fi­cado como mais um ano dra­má­tico na po­lí­tica ar­gen­tina. A eleição pre­si­den­cial pro­gra­mada para o dia 22 de ou­tubro, com a posse em 10 de de­zembro, é, neste mês de fe­ve­reiro, uma in­cóg­nita. As dú­vidas quanto ao pleito não se re­sumem, porém, a um mo­mento es­pe­cí­fico da crise econô­mica e po­lí­tica ar­gen­tina, mas re­vela uma crise mais pro­funda, de na­tu­reza es­tru­tural. Desde a re­de­mo­cra­ti­zação, talvez à ex­ceção dos go­vernos de Carlos Menem (1989-1999), o país se en­contra imerso em um pro­cesso de po­la­ri­zação e de ra­di­ca­li­zação – neste as­pecto, de forma se­me­lhante a ou­tros países la­tino-ame­ri­canos – e tem co­nhe­cido uma nova nor­ma­li­dade, mar­cada por con­flitos po­lí­ticos, dis­putas ide­o­ló­gicas acir­radas e pro­ce­di­mentos que atentam contra as ins­ti­tui­ções de­mo­crá­ticas.

As di­fi­cul­dades econô­micas e po­lí­ticas do país podem ser ate­nu­adas em mo­mentos de bom de­sem­penho do setor pri­mário-ex­por­tador, de au­mento da de­manda bra­si­leira por ma­nu­fa­tu­rados, de con­di­ções fa­vo­rá­veis às ne­go­ci­a­ções com o FMI ou, no plano in­terno, de aten­di­mento às de­mandas so­ciais de se­tores ca­rentes. Esses pe­ríodos têm sido, porém, mais a ex­ceção do que a regra, o que im­pacta ne­ga­ti­va­mente na for­mu­lação de uma po­lí­tica ex­terna pro­a­tiva.

Nesse sen­tido, quando imerso em uma grande crise, que pos­si­bi­li­dades tem um país se­mi­pe­ri­fé­rico de en­gen­drar um pro­jeto po­lí­tico em con­di­ções de agregar a mai­oria da so­ci­e­dade em torno de va­lores, prin­cí­pios e di­re­trizes ca­pazes de dar vazão às as­pi­ra­ções in­ternas e es­tendê-las às suas re­la­ções in­ter­na­ci­o­nais?

A Ar­gen­tina se en­contra di­vi­dida em dois grandes grupos po­lí­tico-ide­o­ló­gicos, re­pre­sen­tados em pas­sado re­cente por Cris­tina Fer­nández de Kir­chner e Mau­rício Macri.

A pri­meira, or­ga­ni­zada em torno da Frente de Todos (FT), agrega va­lores her­dados do de­sen­vol­vi­men­tismo ce­pa­lino, das “te­o­rias” da de­pen­dência, da jus­tiça de tran­sição (para a de­mo­cracia) e, em po­lí­tica ex­terna, os prin­cí­pios de au­to­nomia, de­mo­cracia e res­peito ao di­reito in­ter­na­ci­onal pú­blico. A frente Juntos por el Cambio (JC), li­de­rada por Macri, de­fende os prin­cí­pios do li­be­ra­lismo econô­mico, se co­loca ao lado do em­pre­sa­riado na­ci­onal e in­ter­na­ci­onal, vin­cula os pro­gramas so­ciais ao cres­ci­mento econô­mico e, em po­lí­tica ex­terna, re­co­nhece a re­le­vância dos laços com Washington, assim como o res­peito às re­gras fi­nan­ceiras e aos or­ga­nismos in­ter­na­ci­o­nais. Ambos, em mo­mentos de maior tensão e po­ten­ci­al­mente con­fli­tu­osos, se deixam levar pela ten­tação fas­cista da ne­gação do outro.

Ad­ver­sá­rios fer­re­nhos no co­ti­diano po­lí­tico, com­pre­endem as ne­ces­si­dades mai­ores do país, mas en­con­tram li­mites no mais das vezes in­trans­po­ní­veis. Em termos prá­ticos, as li­de­ranças da FT e da JC re­co­nhecem a re­le­vância do setor agro­ex­por­tador e de al­guns se­tores da in­dús­tria, mais densos em ci­ência e tec­no­logia, para a eco­nomia do país; sabem da im­por­tância dos pro­gramas so­ciais para os se­tores ca­rentes e do papel de­sem­pe­nhado por li­de­ranças sin­di­cais e da so­ci­e­dade civil or­ga­ni­zada para a es­ta­bi­li­dade in­terna; re­co­nhecem dí­vidas do Es­tado para com a so­ci­e­dade em ma­téria de em­prego, mo­radia, as­sis­tência à saúde e se­gu­rança. En­tre­tanto, têm igual cons­ci­ência da he­rança his­tó­rica do pe­ro­nismo para a FT, da força al­can­çada pelo kir­ch­ne­rismo nas elei­ções pre­si­den­ciais das duas úl­timas dé­cadas, à ex­ceção das de 2015. Macri, em meio a di­vi­sões pro­fundas na JC, não tem se mos­trado em con­di­ções de apontar um ca­minho (can­di­dato/a) al­ter­na­tivo capaz de re­petir o feito an­te­rior; mas o go­verno Al­berto Fer­nández, em meio a al­tís­simas taxas de in­flação, res­tri­ções cam­biais e atritos com a vice-pre­si­dente, Cris­tina Kir­chner – que foi de­ci­siva em sua as­censão ao cargo –, tam­pouco está as­se­gu­rado em seu in­tuito de se re­e­leger.

Pre­va­lecem, com Al­berto Fer­nández na pre­si­dência da Nação, e com o setor agro­ex­por­tador e in­dus­trial com di­fi­cul­dades de me­lhorar seu de­sem­penho, os im­passes e as in­de­fi­ni­ções. É esse quadro que con­tribui para a com­pre­ensão da re­to­mada do tema da moeda comum do Mer­cosul e do pleito ar­gen­tino para que o BNDES fi­nancie o ga­so­duto de Vaca Mu­erta, apre­sen­tados no en­contro bi­la­teral de 23 de ja­neiro, às vés­peras da Cú­pula da Celac. Em­bora o go­verno Lula tenha si­na­li­zado po­si­ti­va­mente – apenas si­na­li­zado – e con­tri­buído para o papel que Al­berto Fer­nández pre­tende de­sem­pe­nhar na re­gião, o de líder pro­gres­sista e de es­querda, os laços com o Brasil terão pouco peso no pro­cesso elei­toral ar­gen­tino, salvo uma forte re­to­mada do cres­ci­mento/de­sen­vol­vi­mento econô­mico bra­si­leiro, o que no mo­mento não está no ho­ri­zonte.

Carlos Edu­ardo Vi­digal é doutor em re­la­ções in­ter­na­ci­o­nais e pro­fessor de his­tória da UnB. Autor de Re­la­ções Brasil-Ar­gen­tina: a cons­trução do en­ten­di­mento (1958-1986).

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