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sábado, 11 de fevereiro de 2023

A prepotência americana no caso Bustani agora em vídeo e a cores: José Maurício Bustani - João Batista Natali (FSP)

 Documentário mostra como razões de Estado produzem mentiras internacionais


'Sinfonia de um Homem Comum' conta atuação de brasileiro em mito das armas de destruição em massa do Iraque

FSP, 9.fev.2023 às 21h00
João Batista Natali

SÃO PAULO
Em meio às tensões em 2001 após os atentados terroristas do 11 de Setembro, uma das vítimas indiretas foi o embaixador José Maurício Bustani. O diplomata brasileiro era diretor-geral de uma importante agência da ONU, a Opaq (Organização para a Proibição de Armas Químicas).

Ele foi defenestrado de seu posto em manobra abertamente chefiada pelos EUA porque os inspetores a ele subordinados não podiam comprovar a tese americana de que o Iraque estava clandestinamente empenhado na produção de armas de destruição em massa.

O ditador iraquiano Saddan Hussein, que no passado chegou a usar armas químicas contra os iraquianos xiitas do sul de seu país, não tinha mais essas armas em seus arsenais.

Não que ele tivesse se convertido à ética. Mas o Iraque estava submetido a um forte embargo econômico, com o qual era difícil trapacear a proibição de fabricar armamentos. Mas a falsa certeza era necessária para justificar a invasão do Iraque em 2003 por americanos, britânicos e países a ambos alinhados.

A história do embaixador Bustani é contada pelo documentário "Sinfonia de um Homem Comum", que estreou nesta quinta-feira (9) nos cinemas. Dirigido por José Joffily, o filme é uma bem construída denúncia sobre como as chamadas razões de Estado produzem grandes mentiras internacionais.

Com relação ao Iraque, ocorreu a trombada entre duas lógicas. A do presidente George W. Bush consistia em fazer crer que a ditadura iraquiana tinha até armas nucleares escondidas dos ocidentais. A lógica da Opaq, ao contrário, era a de fazer com que o Iraque se tornasse signatário do tratado internacional que proíbe armas químicas, para que inspetores passassem a fazer uma varreduras de suas instalações.

Já havia inspeção dentro do Iraque. Mas ela cobria 95% dos arsenais. Os americanos achavam que os 5% restantes escondiam coisas proibidas. O documentário traz uma sucessão de depoimentos que provam a fragilidade da suposição de que Bustani deixava que armas perigosas passassem por debaixo de suas pernas. Do ex-chefe dos inspetores no Iraque ao ex-porta-voz de Bush, todos admitem erros.

Mas o cerco dos Estados Unidos era cerrado. A única parede não envidraçada do gabinete do diplomata brasileiro em Haia, na Holanda, estava forrada de aparelhos escondidos de escuta. O cidadão que os instalou desapareceu ao ser descoberto. Ele com certeza era agente americano.

O jogo era pesado ao ponto de o presidente Bush ter contornado o Senado (que estava em recesso) para nomear como embaixador na ONU o ultraconservador John Bolton. Este, ao não convencer Bustani a renunciar, disse saber onde moravam seus três filhos, numa pouco velada ameaça à segurança pessoal dos jovens.

Bolton voltou ao primeiro plano com o presidente Donald Trump e chegou a ser apontado como um dos bons amigos de Jair Bolsonaro.

Outro detalhe curioso. A sessão plenária da Opaq em que Bustani foi demitido inexiste em atas no site ou em gravações na biblioteca da agência. Tais registros, diz o diplomata, mostrariam de modo cabal as vaias ao representante americano e ao da Índia, que mudou seu voto para receber do Pentágono aviões militares.

Um dos inspetores afirma que o Iraque tinha tecnologia para conservar armas químicas durante no máximo cinco anos. E que, nos cinco anos anteriores, nada havia sido fabricado.

Bustanni diz acreditar que a única maneira de evitar o blefe de Saddam estaria em fazê-lo aderir ao tratado da Opaq para que o conteúdo de seus estoques de armas se tornasse transparente.

O documentário poderia ter ainda revelado que o establishment americano envenenou com falsas informações uma jornalista do New York Times, para quem Saddam produzia escondido até ogivas nucleares. A jornalista em questão, chamada Judith Miller, foi demitida tempos depois.

A demissão, ou "afastamento por comum acordo", foi uma maneira de o jornal americano se desculpar por ter engrossado o coro dos que acreditavam que Saddam, por ser um ditador horroroso, não poderia estar dizendo a verdade ao negar que estava lidando com as célebres armas de destruição em massa.

O fato é que, afastado em manobra americana, Bustani voltou ao Itamaraty, onde caiu no limbo dos mal-amados. Até que Lula, recém-eleito presidente, nomeou-o para a embaixada de Londres. A estrela do diplomata voltou a brilhar.

Ela também poderia tê-lo projetado como músico. Pianista amador, ele sempre demonstrou familiaridade pelo teclado. Tanto que o documentário começa com Bustani interpretando, com a Orquestra Jovem do Rio de Janeiro, o "Concerto para Piano e Orquestra nº 21", de Mozart.

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