Contrastes históricos na diplomacia:
Paulo Roberto de Almeida
O Brasil avançou na pauta ambiental multilateral, desde a superação recente da antipolítica ambiental de Bolsonaro, que foi totalmente destrutiva no sentido estrito e lato do termo, ou seja, nos planos conceitual e operacional.
Cabe no entanto reconhecer que ele recuou tremendamente na pauta da paz e da segurança internacional, e isso desde a invasão da Crimeia em 2014 (quando Dona Dilma julgou a anexação ilegal de Putin um “assunto interno” da Ucrânia), e mais ainda desde a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia um ano atrás, quando Bolsonaro tinha recém se “solidarizado” com Putin, ao realizar uma inoportuna visita uma semana antes da invasão.
Fato inédito na história diplomática do país, o Brasil parece ter abandonado o Direito Internacional, postura que foi observada estritamente mesmo sob o Estado Novo de Vargas e durante o regime de exceção da ditadura militar de 1964.
No Estado Novo, nunca reconhecemos a invasão escabrosa da Polônia por Hitler, em 1939 (continuando relações com o governo no exílio, pois que nossa doutrina jurídica nunca aceitou usurpações pela força), assim como não reconhecemos a invasão e anexação pela URSS de Stalin, em 1940, dos três Estados bálticos, com os quais mantínhamos relações diplomáticas desde os anos 1920. Na ditadura militar, mesmo exibindo certa diplomacia blindada em direção de regimes esquerdistas da região— no Chile de Allende, por exemplo, na Bolívia do general Torres, no Uruguai ameaçado pelos Tupamaros, que chegaram a sequestrar um cônsul brasileiro —, mantínhamos um respeito pró-forma pelo Direito Internacional, absolutamente acatado pela diplomacia profissional.
Nesse sentido, o lulopetismo diplomático e o bolsonarismo na política externa se equivalem de maneira vergonhosa, ao se distanciarem de uma das tradições mais caras de nossa diplomacia, que vinha do próprio Império— ainda que usando o Direito internacional para defender o “direito” do Brasil ao tráfico escravo —, passando pelo Barão do Rio Branco, Rui Barbosa, Oswaldo Aranha, Afonso Arinos e San Tiago Dantas, entre outros.
Direita e esquerda negligenciam nossas maiores e melhores tradições jurídicas em nome do mais vulgar oportunismo economicista — por algumas toneladas de fertilizantes — ou de uma anacrônica oposição ao “hegemonismo” ocidental, o que nos coloca do lado de duas grandes autocracias, sendo uma a violadora brutal das normas mais elementares do Direito Internacional, assim como da própria Carta da ONU, que juramos defender desde 1945, mesmo não concordando com o iníquo e abusivo direito de veto exercido por cinco grandes potências.
O recuo não é só operacional, mas é sobretudo conceitual, isto é, no plano dos princípios e valores de nossa diplomacia. Lulopetismo e bolsonarismo diplomáticos deixaram completamente de lado a dimensão moral da nossa política externa. Retrocedemos a um populismo que já faz a nossa desgraça no plano doméstico.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 16/02/2023
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