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domingo, 28 de outubro de 2018

O Brasil e seu interminavel aprendizado politico - Paulo Roberto de Almeida

O Brasil e seu interminável aprendizado político

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 28 de outubro de 2018, 12:00hs.
 [Objetivo: revisão histórica; finalidade: esclarecimento de caráter didático]


Aparentemente se trata de uma recorrência recorrente, se me permitem a redundância: o Brasil, a cada 30 anos, ou seja, o espaço político de pouco mais de uma geração, se despede de um determinado arranjo político para tentar uma nova fórmula de acomodação dos interesses divergentes na sociedade. Entre um e outro podem ocorrer rupturas mais acentuadas, com golpes, revoluções, ditaduras, mas depois tudo volta a se encaixar num novo esquema de mandonismo político, que mais adiante será contestado por novas elites sequiosas de também conquistarem o poder.
Tem sido assim praticamente desde a emergência do Estado independente, na terceira década do século XIX. Os arranjos que estavam sendo feitos na primeira Constituinte foram rapidamente colocados de lado por um imperador impetuoso, que, ademais de centralizar o poder, legou uma carta razoavelmente liberal, como eram os ventos que corriam desde a revolução francesa, em prol de uma monarquia constitucional. Aspectos variados desse arranjo foram contestados rapidamente, e tivemos a abdicação do primeiro chefe de Estado – bem mais, talvez, pelos desacertos de sua pátria-mãe do que pelas controvérsias no Brasil –, assumindo um novo grupo de oligarcas ilustrados. As contestações entre luzias e saquaremas ocuparam as duas décadas seguintes, até que a presidência do gabinete e o Conselho de Estado trouxeram um pouco de paz no contexto do cenário político sempre mutável do Segundo Reinado (o imperador se encarregava de facilitar a alternância pelo uso do Poder Moderador, e o Brasil talvez tenha sido o único país a inscrever essa proposta de Benjamin Constant em sua constituição). Mas o Segundo Reinado também vivia em crises políticas constantes, seja pela oposição normal entre liberais e conservadores, seja pelo problema da abolição ou em torno de diversas mini-crises setoriais (questões religiosa e militar). 
Na fase seguinte, é o Exército quem exerce, na prática, o poder moderador, a começar pela derrocada da monarquia e a implantação da República. Depois de uma primeira década turbulenta, por revoltas, sedições, inflacionismo e endividamento excessivo, o Brasil conhece três décadas de alternâncias civilizadas entre as várias oligarquias regionais, com alguma preeminência da dupla café-com-leite, ou seja, presidentes de Minas e de São Paulo. A quebra desse padrão por um presidente paulista – que pretendia eleger um outro paulista, à revelia dos mineiros, e dos gaúchos – coloca mais uma vez o Exército no comando da alternância, depois de vários exercícios improvisados dos tenentes revoltosos, como representantes de uma nova classe média desejosa de também participar do jogo político. 
Serão mais três décadas de profundas transformações dos cenários políticos e do quadro econômico nacional, com uma ditadura e uma nova república liberal no meio das contestações normais de uma sociedade em crescimento. O agravamento das oposições, com o surgimento de um polo de esquerda contestador da dominação oligárquica, mais o agravamento da situação econômica por uma presidência inepta, trarão os militares de volta ao poder, desta vez para ficar um pouco mais do que um simples período de acomodação. O regime militar de 1964 representou o mais profundo processo de modernização da sociedade brasileira, mas também o aprofundamento da dominação estatal sobre várias esferas da vida econômica e até política. As duas décadas da ditadura podem ser perfeitamente divididas em duas fases claramente distintas pelo desempenho econômico: uma primeira fase de reformas e de crescimento acelerado, uma segunda fase de desarranjos econômicos e de crise estrutural do sistema.
Com a reconstitucionalização do país em 1988, tivemos mais três décadas de confrontos “normais” na esfera política, e resultados medíocres no campo econômico, com alternância de políticas de estabilização e de aceleração não sustentável de políticas redistributivas, e uma nova polarização da sociedade em torno de projetos distintos de organização política e econômica. O que se assistiu, vindo da classe média, a partir de 2013, foi uma rejeição muito clara do sistema política “carcomido” – como se dizia, em 1930, da República logo apelidada de “velha” –, projeto frustrado em 2014, mas retomado com ímpeto, a partir de diversas alavancas (nem todas “puras”) nos três anos seguintes. O impeachment de 2016 foi uma espécie de “golpe parlamentar” sancionado pelas ruas, como já tinha sido o caso de Collor em 1992: ele permitiu restaurar um começo de ajuste econômico, infelizmente não conduzido a termo pelos “malfeitos” da própria equipe do poder, enredada no jogo “normal” da velha corrupção política. 
Trinta anos depois da promulgação da Carta de 1988, ouviram-se sugestões ou de uma nova Constituinte – praticamente impossível pela não ruptura de regime – ou de profundas mudanças nas orientações principais das políticas públicas. A maior demanda da classe média é pelo fim da corrupção, e por maior eficiência do Estado, enquanto os restos das elites que foram sendo consolidadas na redemocratizam tentam se manter em meio aos reclamos da sociedade por mudanças ainda mais relevantes no papel do Estado e no controle dos recursos públicos. O Brasil ainda não decaiu, economicamente ou politicamente, o suficiente para que reformas mais radicais do que o provavelmente factível sejam introduzidas nesta nova fase que se abre ao país. A sociedade rejeita o que existe, mas ainda não existe um consenso razoável sobre o sentido dessas reformas.
Provavelmente vamos atravessara os próximos quatro anos no caminho de meias reformas e arranjos temporários, inclusive porque a divisão na sociedade percorre linhas não apenas de ordem prática, mas de natureza ideológica, ou mental. Não creio que possamos atingir o consenso necessário para essas reformas mais ousadas – necessariamente liberais e de abertura econômica – no período que se abre. Vamos continuar tateando em direção ao futuro. Não existe mais poder moderador, e o Judiciário, que poderia exercer esse papel, encontra-se fragmentado não apenas no plano das ideias, mas também no plano dos egos individuais de seus membros nas mais altas esferas. É a receita ideal para a paralisia e para a estagnação.
Espero não estar sendo muito pessimista.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 28 de outubro de 2018, 12:00

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

O Brasil dividido, com escolhas mais divisivas ainda - Revista Crusoe

A revista Crusoé, feita por jornalistas sensatos, e sobretudo bem informados, diz o seguinte, em sua edição de 13 de setembro (transcrevo excertos): 

(...)

O atual processo de sucessão presidencial desponta como o mais frenético e indefinido da história brasileira.
Se por um lado temos um oceano de indecisos que torna impossível antecipar o desfecho destas eleições…
Por outro, não resta a menor dúvida: apenas um desses caminhos irá selar o seu destino pelos próximos anos:
1— Ou o país retoma as rédeas do crescimento, com a aprovação das reformas estruturais necessárias para resgatar a economia do limbo;
2— Ou retrocede à antiga matriz populista, responsável pelas atuais mazelas como desemprego, inflação, falência da indústria e total desajuste nas contas públicas.

(...)

Às vésperas da reeleição de Dilma Rousseff, em outubro de 2014, as verdadeiras intenções da ex-presidente não eram plenamente conhecidas.
E o resultado foi catastrófico:
O que Dilma prometeu em outubro de 2014
Impacto na economia até o impeachment
Baixar a conta de luz
Apagão e tarifaço
Retomada do crescimento
O PIB despencou e chegou a 3,85% negativos
Controlar a inflação
A inflação saltou de 6,40% para 10,67%
Não elevar juros
A Selic chegou a 14,25%
Geração de emprego
A taxa de desemprego cresceu 90%

Economia não admite experiências de laboratório. Erros cobram seu preço e as consequências podem se estender por gerações.
Acrescento (PRA):
 Se chegarmos às eleições com o país dividido entre dois extremos, e com os dois lados, eventualmente vencedores, contestando o resultado das eleições, com acusações de fraudes, estaremos no olho do furacão, inclusive porque militares (da ativa e da reserva) se pronunciam abertamente sobre o panorama eleitoral e político.
Em qualquer hipótese, o país permanecerá dividido, com possível crescimento da contestação política, manifestações mais do que ruidosas, e instabilidade agregando à deterioração da situação econômica.
Ou seja, o pior dos mundos...
Como muitos eleitores bem informados e ponderados, não tenho nenhuma via muito clara à nossa frente, e tampouco tenho soluções para o impasse.
Meu temor é o de que nos arrastemos penosamente no pântano político e na mediocridade econômica pelos próximos quatro anos, chegando moralmente debilitados ao segundo centenário de nossa independência, em 2022.
O Brasil não terá sido o único país na região a decair, em todos os quesitos, num continente que já carrega exemplos espetaculares de decadência, de crise e até de tragédia.
Espero que consigamos, ao menos, preservar instituições de governança para uma recuperação mais adiante.
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 17 de setembro de 2018

quinta-feira, 24 de maio de 2018

A Italia fabricando uma nova crise europeia - Sebastian Mallaby (WP)

Italy’s new government could be the force that finally breaks Europe

Europe has weathered so many shocks — the near breakup of the euro zone, the chaotic influx of 2.5 million refugees, the Brexit referendum — that it is tempting to dismiss the latest existential crisis unfolding in Rome. But Italy’s emerging radical-populist government could be the force that finally breaks the continent’s cohesion. When the man proposed as Italy’s new finance minister declares that “Germany has not changed its vision of its role in Europe since the end of Nazism,” it is time to wake up.
Whether or not Paolo Savona gets the finance job, there is no doubt that he represents the populists’ outlook — one that could have a devastating effect on Europe’s financial position. The two halves of Italy’s new coalition — the right-populist League and the left-populist Five Star Movement — disagree on many issues, but they are united in blaming Italy’s problems generally on the European Union and specifically on the Germans. After Savona’s outburst was published in an Italian newspaper this week, Matteo Salvini, the League’s leader, took to a Roman rooftop and announced on Facebook Live that Savona is “an economist, an expert recognized in Italy and the whole world . . . His only fault? He dared to say that this E.U. — as it is — doesn’t work.” 
This growling cannot be dismissed because, if shorn of the gratuitous reference to Nazism, it contains much truth. The European Union comprises one brilliant success (a single market that facilitates trade not just in goods but also in services); a series of useful collaborations (in policing, scientific research, student exchanges and so on); one brave but politically risky principle (the free movement of people); and one outright catastrophe (the common European currency). Britain is crazy to leave the European Union, because it is not in the currency zone and its flexible labor market allows it to absorb European immigrants effectively. But Italy is different. 
Indeed, Italy is the poster child for the flaws in Europe’s construction. It has amassed terrifying government debts not because it has the privilege of printing the world’s reserve currency (as the United States does); nor because it has a national central bank that can be relied upon to suppress borrowing costs (as Japan does); nor yet because it hid its borrowing behind Wall Street financial engineering and fake statistics (as Greece did). Rather, Italy has been plainly and openly reckless, because such were the incentives created by Europe’s monetary system. 
Europe’s policy mix acknowledges this problem. A single central bank with a single interest-rate policy links the borrowing costs of weak and strong countries, so that the weak can run up debts too easily. Recognizing this temptation, Europe has imposed caps on government borrowing, but these have failed in two ways. First, they have ensured that the main word that national politicians hear from Brussels is “no!” — no to government pensions, no to infrastructure spending, no to teacher pay raises. Second, because any budget rule is arbitrary, the caps have not been enforced in practice. They combine maximum friction with minimum effectiveness. 
Meanwhile, other European policies have actively promoted recklessness. The European Central Bank treats German government debt and Italian government debt equally, boosting the demand for Italian bonds that would otherwise be considered riskier. The central bank also encourages the presumption that, in a crisis, it would rescue Italy, dampening market discipline further. To get investors to believe Italy could plausibly default one day, Europe would have to break the “doom loop” between government and the banking system, so that the government could go bust without the banking system imploding. But that would require European-wide bank backstops. Despite much earnest discussion about centralized euro zone deposit insurance and a euro zone bond that banks could hold instead of dubious national bonds, neither is in the cards. 
In the absence of both political discipline and market discipline, Italy has — guess what — borrowed. When the euro was launched in 1999, Italy had a public debt to gross domestic product ratio of 105 percent; today it is 133 percent. The same incentives are evident elsewhere: In France, for example, the debt ratio has gone from 59 percent to 97 percent. When Italy’s newly elected populists promise to cut taxes and raise spending, they are merely extending the pattern. Their principal innovation is to be brazen about it — and to compare modern Germans to Nazis even as they flout German-backed deficit caps. This will only harden Northern European opposition to centralized bank backstops and so paradoxically entrench the doom loop that perpetuates those incentives for the Italian government to borrow.
How does this game end? In the short term, Europe’s economy is enjoying a cyclical upswing and the central bank is buying bonds via its quantitative easing program, so a crisis is unlikely. But in the longer term, Italy’s debt ratio seems headed into the stratosphere. When the next downturn comes, Europe may find itself dealing with a basket case many times the size of Greece during the last crisis. Greece was small enough to be containable. Italy will be too big to fail, and perhaps too big to save.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Reformas no Brasil, pela razao ou pela violencia - Bolivar Lamounier

O instinto nos salva

*Bolívar Lamounier
O Estado de S.Paulo, 25/02/2018

A ideia é aterradora e absurda, mas, no momento, tudo indica que o Brasil está perdendo a capacidade de equacionar seus problemas de maneira racional e civilizada, pela via da política. Nessa marcha, só o instinto de sobrevivência nos salvará. 
No falatório sobre a intervenção, sobre as candidaturas presidenciais, sobre o funcionamento das instituições, o tom predominante é um desânimo furibundo, e até mais que isso, uma vontade meio doida de achar uma solução fácil, rápida e definitiva, ainda que o preço seja a quebra da ordem civil. No limite, é como se todos quisessem que metade (sua metade) da população matasse a outra, presumindo que a metade sobrante se dedicaria sinceramente à realização dos valores que elegeu como os mais altos. Isso vem por todos os lados, não é privilégio de nenhum partido ou grupo ideológico. 
E o pior, infelizmente, é que por trás dessa fumaça realmente há muito fogo. Tal desorientação não chega a surpreender, pois estamos mal e mal saindo da pior recessão de nossa História e tomando consciência da metástase de corrupção que se difundiu por quase todo o sistema institucional do País. Dispenso-me de elaborar este ponto, limitando-me a observar que o cartel das empreiteiras botou no bolso praticamente toda a estrutura partidária de que dispúnhamos: quatro ou cinco organizações com algum potencial e umas trinta obviamente inúteis. Hoje vemos esvair-se até aquele elementar sentimento de lealdade sem o qual a vida interna de um partido se torna inviável. Na mais alta Corte de Justiça do País, salta aos olhos que alguns juízes trabalham sorrateiramente para livrar o sr. Luiz Inácio Lula da Silva, um corrupto notório, já sentenciado a 12 anos e um mês de prisão. No Senado e na Câmara, só quem mantém as estatísticas em dia sabe quantos parlamentares estão indiciados, acusados ou já na condição de réus. 
A intervenção federal no sistema de segurança do Rio de Janeiro pôs em alto-relevo a questão da corrupção nos corpos militares e policiais, que inclui a entrega de armas potentes ao narcotráfico e à bandidagem em geral. Noves fora, então, a ressalva que se há de fazer diz respeito à competência e à seriedade da equipe econômica, da equipe liderada pelo juiz Sergio Moro e pela Polícia Federal, graças às quais o País não descarrilou por completo. 
No culto da irracionalidade, a esquerda ganha por duas cabeças. Na questão da intervenção no Rio de Janeiro, por exemplo, ela aposta no fracasso com base em seus tradicionais cálculos eleitorais, ou num requintado cinismo, “esquecendo”, por exemplo, no tocante à concessão de mandados coletivos, as posições que a ex-presidente Dilma Rousseff defendeu em 2016. Não só a esquerda, mas ampla parcela do Congresso recusou-se a aprovar a reforma da Previdência, embora consciente da precariedade fiscal em que nos encontramos e de que o sistema brasileiro de seguridade é campeão mundial em transferir renda dos pobres para os ricos. 
Não me sinto no direito de aborrecer os leitores me estendendo sobre a deterioração em que se encontra nossa capacidade de conduzir racional e civilizadamente as operações de governo, mas há uma questão mais ampla, que transcende todas as já mencionadas, para a qual me vejo obrigado a chamar a atenção. Refiro-me ao médio prazo, ou seja, ao futuro de nosso país dentro de uma ou duas décadas. Nessa referência de tempo, se não recuperarmos a capacidade de raciocinar e colaborar, realmente, só o instinto de sobrevivência nos salva. 
O quadro que me esforcei por esboçar é em si mesmo sinistro, mas é brincadeira de criança se o colocarmos num horizonte de 20 anos. Já me referi outras vezes a esse ponto e temo ter de voltar a ele muitas vezes nos próximos meses, ainda mais em se tratando de um ano eleitoral. A incapacidade da política acarreta uma progressiva liquefação do próprio Estado. O País perde sua stateness, ou seja, a presença efetiva da máquina de governo. Ninguém ignora que diversas áreas do Rio de Janeiro já há muito tempo se tornaram inacessíveis à autoridade pública. O que muitos talvez não saibam é que os Correios já não entregam correspondência em quase metade dos endereços da Cidade Maravilhosa. Refiro-me a ela porque é lá que a perda da “estatalidade” se tornou mais perceptível, mas em maior ou menor grau o processo se manifesta no País inteiro. Com um fator agravante: temos agora um vizinho, a Venezuela, onde o Estado atingiu um estágio avançado de putrefação, forçando centenas de milhares de cidadãos a buscarem refúgio em Roraima. 
Com a contração causada pela recessão engendrada pelo lulopetismo, nossa renda anual por habitante deve ser atualmente metade da correspondente à Grécia e bem inferior à de Portugal. Se, recuperando a economia, lograrmos crescer 3% ao ano, o que não é trivial, precisaremos de mais de 20 anos para alcançar os dois países citados, e lá chegaremos com uma distribuição de renda muito pior, com uma situação educacional claramente inferior, com as condições de saneamento que conhecemos e possivelmente com índices ainda muito mais altos de violência. Isso significa que o debate público dos últimos anos nem sequer arranhou a superfície dos verdadeiros problemas, que são a velocidade do crescimento e a profundidade das reformas de que necessitamos. 
Escusado dizer que não me estou referindo à antiga ladainha do “governo forte”, pedra de toque da retórica fascista, que por aqui vicejou vigorosamente à época da ditadura getulista. Refiro-me ao óbvio: o imperativo de quebrar a resistência dos grupos corporativos e encetar um esforço reformista muito maior. As reformas virão, de um jeito ou de outro: pelo caminho mais ou menos civilizado da política ou por sucessivas ondas de anarquia e violência. 

*Cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria, é autor do livro ‘Liberais e Antiliberais’ (Companhia das Letras, 2016)

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Minha agenda de reformas ANTES do impeachment - Paulo Roberto de Almeida

O que será que ocorreu de um ano e meio para cá?
Pouco antes do impeachment, às vésperas daquela grande manifestação nacional que finalmente convenceu os parlamentares a expulsar os companheiros do poder, eu  formulava a minha lista de reformas necessárias para aproximar o Brasil de um país normal.
Ainda não conferi, mas minha impressão é a de que não se fez praticamente nada, a não ser colocar alguns band-aids na hemorragia orçamentária, isso à custa da retomada do crescimento.
Em todo caso, podemos conferir o que eu pretendia para o Brasil.
Serei um ingênuo? Provavelmente.
O Brasil ainda não decaiu o suficiente para se reformar.
Vai continuar afundando por algum tempo, e depois viver na mediocridade.
Paulo Roberto de Almeida



Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2937; 9 de março de 2016

No dia 13 de março, quando sairemos às ruas pacífica e democraticamente para manifestar nossa inconformidade com o presente estado de coisas no Brasil, não pretendemos apenas e tão somente o impeachment de um governo ilegítimo – porque ilegal – e corrupto – pois que já identificado como associado a diversos crimes tipificados no Código Penal – mas também uma série de outras mudanças no atual cenário político e econômico do país.
Permito-me, com base numa observação sumária da presente situação em nosso país, apontar as seguintes questões, que tanto podem ser reivindicações para mudança imediata no cenário político e econômico, quanto propostas de reformas substantivas que necessitam ser implementadas gradualmente, mas metódica e sistematicamente, no país:

1) Redução radical do peso do Estado na vida da nação, começando pela diminuição à metade do número de ministérios, com a redução ou eliminação concomitante de uma série de outras agências públicas, na linha do que já propus nesta “mensagem” ao Congresso Nacional: http://domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=4955;
2) Fim do Fundo Partidário e financiamento exclusivamente privado dos partidos políticos, como entidades de direito privado que são;
3) Redução e simplificação da carga tributária, com seu início mediante uma redução linear, mas geral, de todos os impostos atualmente cobrados nos três níveis da federação, à razão de 0,5% de suas alíquotas anualmente, até que um esquema geral, e racional de redução ponderada seja acordado no Congresso envolvendo as agências pertinentes das unidades da federação dotadas de capacidade arrecadatória;
4) Eliminação da figura inconstitucional do contingenciamento orçamentário pelo Executivo; a lei orçamentária deve ser aplicada tal como foi aprovada pelo Parlamento, e toda e qualquer mudança novamente discutida em nível congressual; fica também eliminadas as emendas individuais ou dotações pessoais apresentadas pelos representantes políticos da nação; todo orçamento é institucional, não pessoal;
5) Extinção imediata de 50% de todos os cargos em comissão, em todos os níveis e em todas as esferas da administração pública, e designação imediata de uma comissão parlamentar, com participação dos órgãos de controle e de planejamento, para a extinção do maior volume possível dos restantes cargos, reduzindo-se ao mínimo necessário o provimento de cargos de livre nomeação; extinção do nepotismo cruzado;
6) Eliminação total de qualquer publicidade governamental que não motivada a fins imediatos de utilidade pública; extinção de órgãos públicos de comunicação com verba própria: a comunicação de temas de interesse público se fará pela própria estrutura da agência no âmbito das atividades-fim, sem qualquer possibilidade de existência de canais de comunicação oficiais;
7) Criação de uma comissão de âmbito nacional para estudar a extinção da estabilidade no setor público, com a preservação de alguns poucos setores em que tal condição funcional seja indispensável ao exercício de determinadas atribuições de interesse público relevante;
8) Início imediato de um processo de reforma profunda dos sistemas previdenciários (geral e do setor público), para a eliminação de privilégios e adequação do pagamento de benefícios a critérios autuarias de sustentabilidade intergeracional do sistema único;
9) Reforma radical dos sistemas públicos de educação, nos três níveis, segundo critérios meritocráticos e de resultados;
10) Reforma do Sistema Único de Saúde, de forma a eliminar gradualmente a ficção da gratuidade universal, com um sistema básico de atendimento coletivo e diferentes mecanismos de seguros de saúde baseados em critérios de mercado;
11) Revisão dos sistemas de segurança pública, incluindo o prisional-penitenciário, por meio de uma Comissão Nacional de especialistas do setor;
12) Eliminação de todas as isenções fiscais e tributárias, ou privilégios exorbitantes, associados a entidades religiosas;
13) Reforma da Consolidação da Legislação do Trabalho, no sentido contratualista, e extinção imediata do Imposto Sindical e da unicidade sindical, conferindo liberdade às entidades associativas, sem quaisquer privilégios estatais para centrais sindicais;
14) Revisão geral dos contratos e associações do setor público, nos três níveis da federação, com organizações não governamentais, que em princípio devem poder se sustentar com recursos próprios, não com repasses orçamentários oficiais;
15) Privatização de todas as entidades públicas não vinculadas diretamente a uma prestação de serviço público sob responsabilidade exclusiva do setor público.

Eu teria muitas outras propostas de “slogans” a fazer, mas me contento no momento com estas quinze reivindicações de reforma do Brasil.
Também acho que nenhuma delas cabe em cartazes de manifestação, mas é preciso que pelo menos tenhamos consciência do que queremos, que vai muito além da mudança de um governo inepto e corrupto.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2937; 9 de março de 2016

Addendum em 11/03/2016:

Mini-reflexão à véspera da grande manifestação de 13/03/2016:

Considerando todo o cenário político que se nos apresenta, e ponderando sobre os problemas da nação, cheguei às seguintes constatações:

1) O pedido de impeachment de Madame Pasadena deixou de ser o problema ou a agenda mais importante a partir de agora. Que Madame seja absolutamente inepta -- até para falar qualquer coisa, o que revela uma incapacidade de pensar -- todo mundo já sabe. Que ela seja totalmente conivente com a quadrilha mafiosa que vem assaltando o Brasil desde 1ro de janeiro de 2003 (e antes em outras instâncias da federação), isso também todo mundo já constatou. Ou seja, Madame Pasadena já é carta fora do baralho: que ela renuncie, que seja impeached, que seja renunciada, que seja cassada por qualquer outra forma institucional, que saia no quadro de uma crise ainda mais grave, tudo isso já não importa muito: trata de um cadáver político ainda insepulto mas já em processo de decomposição, tanto mais acelerada quanto a crise econômica se agravar pari passu à incapacidade da classe política e dos tribunais superiores de darem encaminhamento rápido ao seu afastamento.

2) Portanto, considerando que o prazo de validade de Madame Pasadena já se extinguiu, podemos nos concentrar na tarefa mais importante, aliás crucial: expulsar a corja de mafiosos organizados que assaltou o Brasil desde o final de 2002. Esta é a agenda principal: a quadrilha de criminosos políticos precisa, primeiro ser extirpada do poder e de todas as demais instituições nas quais eles meteram as suas mãos sujas; depois, os meliantes precisam ser processados, condenados e levados à cadeia, onde deveriam apodrecer por longos anos, sem que juízes venais façam o que estão fazendo agora com os condenados do Mensalão (deixando-os livres de qualquer pena, o que é propriamente escandaloso).

3) Segunda grande tarefa da nacionalidade, depois de liquidar os principais criminosos, referidos acima, prosseguir com a limpeza do sistema político de todos os demais bandidos e meliantes que ainda poluem o sistema legislativo, o que inclui os presidentes das duas casas, e muitos outros representantes políticos que meteram a mão em recursos públicos e se aliaram aos mafiosos neobolcheviques para roubar o Estado (ou seja, todos nós).

4) Liquidar com o controle público, ou melhor estatal-governamental, de todas as agências públicas que podem e DEVEM ser privatizadas, pois elas são fonte de corrupção permanente.

5) Empreender a reforma política com a EXTINÇÃO do Fundo Partidário e de subsídios públicos para todo e qualquer partido.

Tem muito mais coisas que eu poderia dizer, e que já resumi nesta outra postagem que fiz outro dia (https://www.facebook.com/paulobooks/posts/1103224506407665), mas deixo para nova oportunidade de importunar os leitores de minhas postagens.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11/03/2016

sábado, 22 de julho de 2017

Nas origens da crise: a divisao estrutural do Brasil, e a atual fase de transicao politica


Lições da história, 1961-2017: da necessidade de reformas no Brasil

Paulo Roberto de Almeida
 [Rememorar uma crise anterior; tirar lições para a modernidade]


Jânio Quadros e a modernidade: alguma lição?
“Fi-lo porque qui-lo”, esta parece ter sido a frase mais famosa pela qual ficou conhecido, pelo menos gramaticalmente, o presidente Jânio Quadros, que poderia ser alcunhado de O Breve (janeiro a agosto de 1961). Independentemente da eventual genialidade da expressão (que provavelmente nunca foi dita por ele), reveladora talvez de seu espírito atilado, essa resposta surpreendente, imaginada, a um jornalista por demais inquisitivo, revela o caráter afirmativo, senão voluntarioso, de um dos políticos mais famosos do Brasil, criador de um movimento que continua a ter seguidores ainda hoje, mesmo muitos anos (um quarto de século, exatamente) depois do desaparecimento físico (mas não político) de seu inspirador, em 1992. Mais até do que sua ascensão fulgurante, nos dez anos anteriores à sua eleição como o presidente mais votado do país, até então (proporcionalmente), seu breve mandato, escassos oito meses, representou um dos momentos culminantes de transformação do Brasil, para o bem e para o mal.
Jânio Quadros foi, sem dúvida alguma, um populista, no sentido que emprestam ao conceito os cientistas políticos, ou seja, num entendimento necessariamente não depreciativo do termo, apenas refletindo um determinado tipo de postura política. De fato engajado em reformas moralizadoras e progressistas, Quadros padeceu, entretanto, de certa tendência ao autoritarismo e à superestimação de si mesmo, o que o fez, justamente, apostar numa espécie de “golpe branco” de corte gaullista, causando então sua derrocada do poder. Mas antes de provocar um dos maiores terremotos da história política do Brasil – e que esteve indubitavelmente na origem da crise do governo subsequente e do golpe de Estado militar de 1964 – Jânio Quadros empreendeu várias reformas necessárias e relevantes na vida econômica do país, como a breve tentativa de estabilização monetária (mas destruída por sua própria renúncia), a desvalorização e a reunificação cambial, depois de mais de oito anos de um regime de taxas múltiplas que, além de heterodoxo do ponto de vista das regras de Bretton Woods, foi relativamente flexível para acomodar as dificuldades de carência de dólares e os desequilíbrios de balanço de pagamentos, a despeito de gerar certa corrupção na atribuição de divisas, ademais de focos inflacionários setoriais.
O sistema tinha sido distorcido pela política demagógica de enfrentamento com o FMI que JK provocou, com sua insistência em construir Brasília sem orçamento e à margem do orçamento, o que deixou o Brasil sem acesso a novos créditos ou fontes de financiamento externo. Uma das primeiras medidas tomadas por Jânio Quadros foi, portanto, despachar o banqueiro Walter Moreira Salles e o diplomata e economista Roberto Campos para renegociar as dívidas bilaterais brasileiras respectivamente com os EUA e diversos países europeus, o que permitiu contornar o estrangulamento cambial já em curso. Outra medida importante, no plano das relações exteriores, foi a continuidade da aproximação diplomática e do processo de integração comercial com a Argentina, na continuidade do Memorando Lafer-Taboada, concluído no governo JK.
Bem mais ambiciosa, talvez servindo de compensação para uma política econômica conservadora, foi a chamada Política Externa Independente, comandada pessoalmente por Jânio Quadros, e equilibradamente bem administrada pelo chanceler Afonso Arinos de Mello Franco, um grande tribuno do regime de 1946. Herdeiro de uma das grandes famílias políticas da República velha, Arinos pontificava como jurista e ideólogo da UDN, talvez o único partido de oposição ao sistema varguista, que tinha a seu favor os dois outros partidos criados pelo ex-ditador ao final do Estado Novo, o PSD e o PTB. A UDN era, na definição um pouco maldosa de Roberto Campos, “um partido burro de homens inteligentes”, definição que ele estendia, jocosamente, à sua própria instituição, o Itamaraty.
Jânio Quadros, por sua vez, não era um homem de partidos, de nenhum partido, e transitava soberanamente por diversos, até por nenhum, sendo até cobiçado, como candidato, por alguns deles. Justamente, conduziu sozinho sua trajetória de candidato a presidente em 1960, e estabeleceu seus próprios requerimentos, a cavaleiro dos partidos, sendo considerado um fenômeno eleitoral por quase todos os analistas políticos. Reinou da mesma forma como ascendeu na carreira política: rápida e surpreendentemente, sendo o único responsável por seu sucesso eleitoral extraordinário, e igualmente por sua queda estrondosa da presidência. Suas medidas mais bizarras – proibir as brigas de galo, os biquínis nas praias, etc., esta a pedido do então poderoso lobby das “senhoras católicas” – constituíram uma espécie de diversionismo político para diminuir a pressão em direção das iniciativas mais importantes: a austeridade fiscal, a unificação cambial e uma política externa com certo grau de controvérsia.
Neste último terreno, precisamente, algumas iniciativas suscitaram intensos debates em diversos meios: o estabelecimento de relações diplomáticas com os países socialistas, o afastamento cauteloso (ou dissociação) do colonialismo português, este fortemente representado por poderosos grupos de interesse no Rio de Janeiro. Outras iniciativas despertaram, como seria de se esperar, amplas reações nos meios militares e conservadores em geral, como a aproximação e a simpatia demonstrada em relação ao regime comunista de Fidel Castro, assim como a condecoração num grau elevado da Ordem do Cruzeiro do Sul ao guerrilheiro argentino-cubano Ché Guevara.
A maior fonte de fricção de Jânio Quadros foi, no entanto, o próprio Congresso, onde dispunha de frágil apoio, dados seu desprezo pelos partidos, sua condenação generalizada da corrupção política e sua atitude soberba de tentar governar segundo sua própria concepção da política e vontade pessoal, e não em função das forças representadas no parlamento. Essa animosidade se transmutou em choque no momento decisivo de sua cartada de corte bonapartista, e esteve na origem da tragédia anunciada que se desenvolveu de agosto de 1961 a março de 1964, um drama que não teve o desenlace que ele talvez esperasse, no momento em que apresentou sua carta de renúncia à presidência, aceita imediatamente pelo presidente do Congresso.

O legado indesejável: a divisão do país e a crise permanente
Jânio Quadros, que talvez se considerasse uma espécie de De Gaulle tropical, provocou a maior divisão da história política do Brasil de que se teve notícia até a recente destituição de um fantoche do líder de uma organização criminosa travestida em partido político. Ele também criou a maior crise política de nossa história até a recente crise provocada por investigações, revelações, denúncias, indiciamentos e processos contra uma classe política notoriamente corrupta, mas que também serviu para reforçar e aprofundar a divisão política do país estimulada pelo lulopetismo mafioso.
Mais de meio século depois da crise política deslanchada pela renúncia de Jânio Quadros, agravada pelas turbulências geradas pelo governo errático e inepto de seu sucessor, e também pelas divisões políticas e sociais criadas pelos embates entre varguistas e anti-varguistas, e por uma esquerda que já era incompetente e ignorante naquela época (e que continua a sê-lo ainda hoje), o Brasil volta novamente a viver num ambiente de crise política profunda, deslanchado pelo processo de impeachment e agravado pelas dubiedades do governo sucessor, num quadro de divisões políticas e sociais surgidas nos embates entre lulistas e anti-lulistas, tudo isso num cenário de incertezas trazidas pelas investigações contra praticamente a maioria da classe política, atingindo indistintamente todos os partidos e forças organizadas nacionalmente.
O Brasil carece, urgentemente, de um estadista que esteja à altura deste momento de transição, e que saiba traçar uma agenda clara de reformas estruturais e de medidas conjunturais, suscetíveis de superar o atual quadro de anomia política, de recessão econômica e de desesperança social, e que deveria começar sua tarefa esclarecendo à população sobre as razões do atual desastre econômico e descalabro moral, e sobre os caminhos possíveis e os processos capazes de restabelecer a confiança dos cidadãos na legitimidade e na capacidade de novas lideranças políticas. O fato é que a população perdeu completamente a confiança nas suas supostas elites políticas e empresariais, nos atuais dirigentes nacionais, quase todos eles comprometidos em atos sórdidos de corrupção, mantendo negócios promíscuos entre si, envolvendo os representantes públicos e os empreendedores privados, num coalizão de delinquentes.
Daí o chamamento a novos líderes, que não sejam mais representantes da velha classe política, dos partidos tradicionais, mas que sejam gestores dotados de um outro tipo de discurso e de outras práticas que não a velha demagogia política e o execrável populismo econômico. Uma liderança desse tipo precisar propor uma agenda de reformas compatível com a gravidade do momento e a profundidade da crise moral que se abateu sobre o país. Quais lições, então, tirar de nossa experiência historicamente vivida, na atualidade e na origem de nossa crise atual – o fracasso do populismo, com Vargas, com Jânio Quadros, com Sarney, com Lula –, tal como hoje refletida nos impasses criados pelas novas formas de populismo, o lulopetismo, em sua forma mais depravada, mais nociva, essencialmente criminosa?
As lições são muitas, mas podemos dividi-las em dois universos imbricados um no outro, nem sempre coerentes entre si, até mesmo contraditórios, mas de certa forma inter-relacionados, que constituem os dois lados de nossa existência enquanto cidadãos e enquanto sociedade, ou país: eles são, respectivamente, numa moldura conceitual à la Spinoza, as relações reais, tais como existem no mundo dos negócios e da política, de um lado, e as concepções que as pessoas mantêm sobre esse mundo e sobre as maneiras de melhor organizá-lo, de outro lado. Ou seja, o mundo da realidade, de um lado, e o mundo das ideias, de outro, sendo que as ideias podem moldar a realidade, mas esta acaba se impondo, por vezes se vingando, das ideias eventualmente erradas que podem ter impulsionado as pessoas em suas relações e interações na economia e na política.
Agora, como nos idos de 1961-64, as concepções e as relações sociais reais não evoluíram muito em sua essência, ou natureza, e elas se dividem, por sua vez, em dois universos distintos, por vezes opostos e distantes, por vezes mais próximos ou complementares entre si. Elas são, respectivamente, as concepções, as ideias e os modos socialistas de ser, e os modos liberais de conceber e de organizar a sociedade e a economia. Esses dois universos costumam ser identificados respectivamente ao Estado e aos mercados, mas estes dois termos não traduzem perfeitamente toda a complexidade e os matizes das realidades e das concepções que eles são supostos descrever.

Estado e mercados: uma divisão artificial, e no entanto tangível
O Estado é uma construção social tangível, imanente ao progresso civilizatório e um atributo indispensável e indissociável de qualquer sociedade ou comunidade humana relativamente complexa, e ele vem necessariamente acompanhado de todos os acessórios que o compõem, quais sejam: os mecanismos de segurança e defesa coletiva, de justiça, de representação política e da burocracia, com todos os seus componentes regulatórios. O Estado tende a crescer, naturalmente, uma vez que a complexidade da vida moderna tende a se ampliar continuamente.
Já os mercados não costumam ou não precisam ser tangíveis, embora eles o possam ser, acompanhando a complexidade da regulação estatal (nacional e supranacional), mas eles são, em sua essência, interações sociais bilaterais ou plurilaterais, que se criam e se desfazem incessantemente, cada vez que dois ou mais agentes, atuando na qualidade de ofertantes e compradores, resolvem interagir em busca de sua satisfação. Mercados livres são mais dinâmicos, mais criativos e inovadores, os mais conformes à natureza imanente das pessoas, que é a de sempre procurar satisfazer suas ambições, desejos, interesses, gostos ou necessidades, na medida exata dos ativos de que dispõem para concretizar essas interações. Mercados organizados ou regulados pelos Estados costumam ser mais letárgicos, menos dinâmicos, sujeitos a restrições diversas, impondo limitações à liberdade dos agentes na busca da realização de seus objetivos legítimos (mas que nem sempre são perfeitamente legais, num sentido que pode ser definido pela comunidade em causa). Mercados não são morais ou imorais, pois são perfeitamente amorais, ao simplesmente permitir a realização de trocas entre quaisquer tipos de parceiros para quaisquer objetivos que eles possam ter.
Daí uma distinção fundamental na história da humanidade, entre, de um lado, povos e sociedades mais prósperos, nos quais os mercados são mais livres, e de outro, nações materialmente ou espiritualmente menos avançadas, que são aquelas nas quais as interações sociais são mais controladas e limitadas pelo Estado ou pelas autoridades que o representam. Não é preciso dizer de que lado se situa o Brasil, não é mesmo? Pode-se aliás facilmente dizer que o Brasil é, e continua sendo, um país insuficientemente desenvolvido justamente porque o Estado desempenha, em nosso país, um papel vastamente superior, no sentido de regulador e intrusivo, do que outras sociedades mais livres, com maior grau de liberdade econômica deixada aos cidadãos e empresas.
Não seria difícil traçar a origem da grande recessão que caracteriza o Brasil atual na gestão perfeitamente incompetente exercida nos últimos anos, na última década e meia, por líderes políticos particularmente ineptos e corruptos, agregando o problema do desvio de recursos à má gestão exercida nas políticas macroeconômicas e setoriais durante o período que deveria passar à história como sendo o da Grande Destruição (não só material, mas de valores igualmente). Mas essa gestão inepta e corrupta não teria conseguido ser tão “bem sucedida” na sua obra destruidora se o Estado não dominasse tão amplamente, tão completamente, vastos setores da economia e da organização e oferta de determinados bens e serviços de interesse coletivo. Um espaço maior deixado aos mercados livres teria corrigido precocemente os grandes equívocos de gestão exercidos pelas lideranças da organização criminosa que esteve no comando do país nos últimos três lustros. Justamente devido a essa preeminência do Estado na vida nacional, os erros cumulativos de gestão, agregados à monumental corrupção já quase plenamente identificada, puderam redundar na grande destruição material e no imenso descalabro moral que contemplamos atualmente.

Que tipo de agenda seria necessário traçar para a restauração moral do Brasil, quais reformas seriam indispensáveis para retirar a economia de sua atual letargia, quais as mudanças a serem introduzidas em seu sistema político para que deixemos de exibir o atual cenário de baixíssima qualidade democrática, para recompor a funcionalidade das instituições centrais de governo, enfim, para superar o atual quadro de esquizofrenia social?
É a tal tarefa analítica, de diagnóstico e de prescrições que devemos nos dedicar proximamente...

Paulo Roberto de Almeida
Em voo, Lisboa-Brasília, 3134: 30 de junho de 2017

terça-feira, 11 de julho de 2017

Fora Meirelles! O inimigo do Povo! - Samuel Pinheiro Guimarães


Não sei porque, mas acho que o Samuel estava um pouco masoquista quando escreveu isto aqui: 
"os professores universitários, formados em universidades estrangeiras, em teorias próprias dos países desenvolvidos..."
Se não me engano, ele também estudou economia na Universidade de Boston, quando serviu no Consulado naquea cidade.
Será que está arrependido?
O resto da diatribe é puro samuelismo, da mais fiel extração...
 Paulo Roberto de Almeida

Fora Meireles! [sic] O inimigo do Povo!
Por Samuel Pinheiro Guimarães 

1. O Senhor Henrique Meirelles, Ministro da Fazenda, ex-presidente do Bank of Boston e durante vários anos presidente do Conselho da J e F (de Joesley), de onde saiu para ocupar o Ministério da Fazenda, procura, à frente de uma equipe de economistas de linha ultra neoliberal, implantar no Brasil, na Constituição e na legislação uma série de “reformas” para criar um ambiente favorável aos investidores, favorável ao que chamam de “Mercado”.
2. O Senhor Henrique Meirelles já declarou, de público, que se o Presidente Temer “sair” ele continua e todos os jornais repetem isto, com o apoio de economistas variados e empresários, como o Senhor Roberto Setúbal, presidente o Itaú.
3. Estas “reformas” são, na realidade, um verdadeiro retrocesso econômico e político e estão trazendo, e trarão, enorme sofrimento ao povo brasileiro e grande alegria ao “Mercado”.
4. Enquanto crucificam o povo brasileiro e em especial os mais pobres, os trabalhadores e os excluídos, o debate político fica centrado na corrupção, desviando a atenção da classe média e dos moralistas, em torno de uma verdadeira “novela” com heróis e bandidos.
5. Discute-se se Michel Temer levou ou não “contribuições pessoais” e se foram 500 mil ou 20 milhões, a prazo; se o Senador Aécio Neves pediu uma propina ou um empréstimo (informal!!) de 2 milhões de reais; se a JF corrompeu quem e quantos e ficaram livres de pena; se o Senhor Joesley merecia o perdão; se Sérgio Moro, juiz de primeira instancia, é ou não a principal autoridade judiciária do país, acima da Lei; se o Ministro Marco Aurélio é justo; se o Ministro Gilmar Mendes é imparcial etc etc etc.
6. O tema verdadeiramente importante é a tentativa das classes hegemônicas brasileiras, aqueles que declararam ao Imposto de Renda ganharem mais de 160 salários mínimos por mês (cerca de 160 mil reais) e que são cerca de 70 mil pessoas e que constituem, em seu conjunto, aquela entidade mística que os jornais e analistas chamam de “Mercado”.
7. O “Mercado” contra o Povo. 

8. De um lado, o “Mercado”:
  • os empresários, promotores do Pato e financiadores do MBL; exceto aqueles que já se deram conta que Meirelles é contra a indústria;
  • os rentistas;
  • os grandes proprietários rurais (entre eles o Senador e Ministro Blairo Maggi e o avião interceptado pela FAB);
  • os grandes proprietários urbanos;
  • os banqueiros (não os bancos) e seus lucros;
  • os gestores de grandes empresas privadas, modestos ex-professores universitários;
  • os proprietários dos meios de comunicação;
  • os grandes executivos brasileiros de megaempresas multinacionais;
  • os professores universitários, formados em universidades estrangeiras, em teorias próprias dos países desenvolvidos e que, mesmo lá, fracassam;
  • os economistas e os jornalistas econômicos, empregados do Mercado. 

9. De outro lado, o Povo:
  • os 53 milhões de brasileiros que recebem o Bolsa Família, isto é, cuja renda mensal é inferior a 182 reais;
  • as dezenas de milhões que são isentos do imposto de renda por terem renda inferior a 2.500 reais por mês.
  • os 61 milhões que estão inadimplentes, com seus crediários;
  • os 14 milhões de desempregados;
  • os 3 milhões de crianças fora da escola;
  • os mais de 11 milhões de habitantes de favelas (hoje chamadas comunidades!!);
  • os subempregados;
  • os 47 milhões que ganham menos de um salário mínimo por um mês;
  • os milhões sem remédios e sem hospital.
    10. O programa econômico de Henrique Meirelles é o verdadeiro inimigo do povo! Não é a corrupção que distrai a atenção da verdadeira catástrofe que está sendo consolidada na legislação através de um Congresso que representa principalmente empresários, banqueiros, proprietários rurais, rentistas, etc.
    11. O Mercado agora deseja colocar um presidente de imagem limpa para que, como disse o Senhor Roberto Setúbal, na Folha de São Paulo, o importante são as reformas! Não importa quem as conduza!
    12. É preciso lutar com todas as forças contra este programa de “retrocessos” disfarçados, cinicamente, de reformas a “favor” do Povo!