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segunda-feira, 7 de março de 2022

Uma renúncia infame: o abandono do Direito Internacional pelo Brasil - Paulo Roberto de Almeida (International Law Agendas)

Meu mais recente artigo, publicado no boletim eletrônico do ramo brasileiro da International Law Association (link: http://ila-brasil.org.br/blog/uma-renuncia-infame/).

Paulo Roberto de Almeida

Uma renúncia infame: o abandono 

do Direito Internacional pelo Brasil

Quando se fala em Direito Internacional, a primeira conexão a ser feita seria aquela que vincula o Itamaraty a essa outra ferramenta das relações internacionais, o que, entretanto, seria parcialmente inexato. Não foi o Itamaraty que abandonou o Direito Internacional, ato que eu chamei de renúncia infame, até uma acusação bastante grave quando se pensa que a ordem internacional do sistema onusiano, sobretudo do pós-Guerra Fria, está efetivamente organizada em função da adesão comum dos Estados membros da ONU à Carta fundadora e aos demais rituais que são observados em todos os seus órgãos e agências, ou seja, a moderna diplomacia multilateral. Mas, tampouco, seria justo acusar o Brasil, como Estado ou como nação, por esse ato infame em conexão com a agressão militar da Rússia contra um Estado soberano, o que nos desqualificaria como país membro dessa ordem que ajudamos a fundar nos estertores da Segunda Guerra Mundial, inclusive nos campos de batalha da Itália, que aliás apressou nosso retorno à democracia depois de oito anos da ditadura do Estado Novo.

Desde 1945, a despeito de altos e baixos, a diplomacia brasileira exibiu, manteve e desenvolveu uma notável adesão às bases conceituais e práticas de um dos princípios centrais do multilateralismo contemporâneo, que é a igualdade soberana dos Estados. Esse princípio foi expresso de maneira clara, em 1907, por Rui Barbosa, chefe da delegação brasileira à segunda conferência internacional da paz, realizada na Haia: ele defendeu praticamente sozinho esse eixo fundamental da ordem internacional, contra a vontade das grandes potências, que pretendiam criar, ou preservar, um sistema oligárquico de solução de controvérsias, no qual elas manteriam juízes permanentes, ao passo que as potências menores teriam apenas direito a cadeiras temporárias e rotativas. Esse princípio foi desenvolvido e defendido por todos os diplomatas brasileiros ao longo de décadas, notadamente por Oswaldo Aranha, no curso da Segunda Guerra Mundial, e, entre outras ocasiões, por San Tiago Dantas, na conferência interamericana de 1962 que decidiu, contra o voto do Brasil, pela suspensão de Cuba do sistema interamericano.

O abandono pelo Brasil de sua adesão inviolável aos grandes princípios do Direito Internacional foi extremamente raro, tão raro que as poucas ocasiões podem ser identificadas precisamente. Ocorreu, por exemplo, logo no primeiro ano da ditadura militar, quando apoiamos os Estados Unidos em sua intervenção na guerra civil da República Dominicana, em 1965. Ainda assim, nossa diplomacia, contra a pressa dos militares em “pagar” o apoio recebido quando do golpe de 1964, exigiu que essa intervenção tivesse pelo menos uma cobertura multilateral, em função do que se aprovou uma resolução da OEA criando uma Força Interamericana de Paz, ao abrigo da qual nossos militares seguiram para a ilha do Caribe. Depois, durante a ditadura, e confirmando as paranoias da Guerra Fria, exibimos uma espécie de “diplomacia blindada” – apenas parcialmente conduzida pelo Itamaraty –, através da qual manobras foram feitas para sufocar ou claramente derrubar governos esquerdistas ou ameaças guerrilheiras na região. Independentemente da famosa Operação Condor – um esquema de informação e de coordenação entre órgãos repressivos da América do Sul –, militares e diplomatas brasileiros estiveram ativamente envolvidos em manobras golpistas ou diretamente em golpes de Estado em países do Cone Sul, notadamente na Bolívia e no Chile.

O retorno à redemocratização eliminou por completo esse tipo de atitude que os vizinhos chamavam de “subimperialista”, mas também levou a um maior envolvimento, pelo menos pelo lado da integração, com todos os países da América do Sul, conceito que, em substituição ao de América Latina, passou a ser privilegiado pela diplomacia brasileira a partir dos governos de Fernando Henrique Cardoso (que promoveu uma reunião de todos os chefes de Estado e de governo em Brasília, em 2000, quando se criou a Iniciativa de integração Regional Sul-Americana, destinada a nos integrar fisicamente com todos os nossos vizinhos). Os governos seguintes, dominados pelo PT e pela figura de Lula, ainda que recusando uma suposta “herança maldita” da administração anterior, se apropriou das várias políticas internas e externas que estavam sendo conduzidas, as ampliou, sob novos rótulos, mas introduziu um elemento indesejável em nossa política externa, uma característica que já tinha sido denunciada pelo Barão do Rio Branco desde 1902, e que sempre recusamos ao longo de todo o século: a “diplomacia partidária”, que no caso do PT significou uma aliança, parcialmente administrada pelo Foro de São Paulo, com todas as forças de esquerdas da América Latina, sob o escrutínio cerrado e a direção firme dos comunistas cubanos.

Pois foi nesse contexto que ocorreu uma grave violação do Direito Internacional, aceita de forma submissa, e até colaborativa, pelo governo petista, quando da nacionalização dos hidrocarburos na Bolívia de Morales, um aliado do PT. Esse ato, que poderia ter sido conduzido perfeitamente em consonância com normas do Direito Internacional e até com pleno respeito a dispositivos do tratado bilateral Brasil-Bolívia regulando a cooperação nessa área, foi feito com violência – invasão de instalações da Petrobras no país vizinho – e rasgando esse tratado, assim como um acordo entre a empresa brasileira de petróleo e o governo boliviano. Tal ato violador das boas normas do Direito Internacional ocorreu no dia 1º de maio de 2006; pois no dia seguinte, uma nota do governo petista – felizmente não do Itamaraty – não apenas não repudiou a violação da legalidade nesse caso, como a apoiou explicitamente, trazendo sérios prejuízos à Petrobras (que de resto foi também impedida, pelo governo brasileiro, de recorrer aos dispositivos de garantia de investimentos previstos num acordo de proteção de investimentos estrangeiros então acatados, depois denunciados, pela Bolívia). Tratou-se, portanto, de uma renúncia infame, um abandono completo de nossa adesão aos princípios do Direito Internacional, que também estavam sendo violados, como também os da própria Constituição brasileira, no capítulo da não intervenção nos assuntos internos de outros Estados, em vista da contínua, recorrente, abusiva “torcida” do chefe de Estado em favor de seus amigos e aliados quando de campanhas eleitorais nos países vizinhos: Lula não apenas apoiou, politicamente, como praticamente fez campanha por alguns desses líderes, entre eles Hugo Chávez, da Venezuela, aliás violador serial da própria Constituição que vigorava após manobras por seu governo iliberal.

Ainda no terceiro governo petista, em 2014, assistiu-se a mais uma violação do Direito Internacional que ficou impune, pelo menos do ponto de vista moral, ao não se ter nenhuma nota, nenhuma denúncia, sequer um pronunciamento do governo brasileiro a respeito da invasão ilegal efetuada pelo governo de Vladimir Putin, ao sequestrar a península da Crimeia da soberania da Ucrânia, em total descumprimento de acordos efetuados quando da implosão da ex-União Soviética em 1991, seguida do surgimento de mais de uma dezena de repúblicas independentes, no lugar das antigas repúblicas federadas do finado império. Enquanto os membros da União Europeia e outros países ocidentais denunciavam a violação, e introduziam sanções contra a Rússia, o governo petista ficou silente a esse respeito. A razão aparente foi a existência do Brics, de toda forma um grupo informal, não dotado de qualquer instrumento definidor de seus princípios e objetivos de atuação, constituído justamente como uma espécie de espelho opositor ao G7 e aos países “hegemônicos” do Norte.

O governo Temer, em 2016-2018, representou um breve retorno aos princípios e valores da diplomacia brasileira, tal como defendidos historicamente pelo Itamaraty, tanto que, em acordo com os demais três membros do bloco, decidiu suspender a Venezuela do Mercosul, alegadamente porque ele não tinha conseguido honrar nenhum dos dispositivos de política comercial que decidiu aceitar quando foi nele admitida – aliás ilegalmente – em 2012. A Venezuela não foi suspensa por se tratar de uma ditadura, o que em 2017 já estava claramente configurado – uma vez que o Protocolo de Ushuaia, que regula o princípio democrático no bloco e extremamente débil, no confronto, por exemplo, com o compromisso democrático da OEA –, mas por não cumprir normas básicas de funcionamento do Mercosul. O PT conduziu uma mentirosa campanha internacional contra o governo Temer, acusando-o de “golpe”, dando início a uma fase de rebaixamento de nossa imagem no mundo, mas que ficou muito aquém da verdadeira demolição da credibilidade da diplomacia brasileira a que assistimos a partir de 2019, quando teve início o governo que, mais do que qualquer outro em toda a nossa história, violou e desrespeitou cláusulas de nossa Constituição e princípios consagrados do Direito Internacional.

Independentemente e em acréscimo a violações de ambos os instrumentos em várias ocasiões – notadamente em relação à Venezuela chavista, quando o chanceler desrespeitou tradições consagradas em nossa diplomacia desde Rio Branco, Rui Barbosa, Oswaldo Aranha e San Tiago Dantas –, o caso da invasão da Ucrânia pela Rússia configura um grave desrespeito, pelo governo Bolsonaro, de normas basilares do Direito Internacional, sendo que o Itamaraty atuou mais pelo silêncio e omissão do que pelo desrespeito claro a princípios e normas da Carta da ONU. Para todos os efeitos, o mundo em geral, as democracias do Ocidente em particular, já não consideram como legítima expressão do Brasil palavras incoerentes do presidente com respeito a uma suposta “solidariedade” à Rússia, antes da invasão e agressão à Ucrânia, depois uma ainda mais bizarra “neutralidade” em face do conflito, finalmente substituída, pelo novo chanceler, pela noção de “imparcialidade”. Tais contorcionismos verbais não são sequer considerados pelas democracias consolidadas como representando uma postura política aceitável por parte da diplomacia brasileira. O mundo já não presta atenção a Bolsonaro, já incorporado à categoria risível dos dirigentes bizarros.

Em contrapartida, o mundo presta atenção ao que diz nosso representante nas Nações Unidas, suposto expressar a palavra e a postura oficial do Brasil no contexto das sérias discussões e tomadas de posição que são levadas a efeito no âmbito do seu Conselho de Segurança e no seio da Assembleia Geral. E o que vem dizendo esse representante ao longo da mais grave violação dos princípios do Direito Internacional e dos dispositivos da Carta da ONU desde o final da Segunda Guerra Mundial e da aprovação da Carta de San Francisco? Em nenhum momento se identificou e se qualificou o agressor, como tampouco se apontou a clara transgressão de artigos, quando não de capítulos inteiros da Carta da ONU, assim como o desrespeito mais brutal a normas consagradas do Direito Internacional, ou as condutas mais agressivas e desumanas registradas pela ofensiva guerreira, que de resto ferem as leis da guerra e até adentram no domínio dos crimes contra a humanidade. Em seu lugar, quais foram os posicionamentos mais comuns?

O que se pode ler, nas burocráticas leituras do representante na ONU, certamente instruído por Brasília, foram banalidades patéticas, do tipo “cessação de hostilidades” – como se elas fosse recíprocas e igualmente conduzidas – ou “legítimas preocupações de segurança das partes” – como se ambas estivessem em pé de igualdade nessas “preocupações”, ou então desconformidade com a “aplicação de sanções” – pois que elas complicariam a busca de uma “solução pacífica”, ou ainda a contrariedade com o fornecimento de armas defensivas à parte agredida, sob a alegação absolutamente patética de que elas agravariam o sofrimento da população, como se a parte agredida devesse ser isolada de qualquer ajuda externa, pelo simples desejo de se defender. São várias as expressões tortuosas e torturadas que confirmam o total abandono, não pelo Itamaraty ou pelo Brasil, pelo governo Bolsonaro de nossa velha e atualmente enterrada adesão ao Direito Internacional.

Trata-se de um momento de vergonha, para a nação, quando o seu governo, no seu círculo decisório mais relevante – que não compreende a diplomacia – resolve desrespeitar o Direito Internacional e cobrir com um véu de desprezo nossas mais caras tradições na área externa, os valores e princípios que foram defendidos durante décadas por estadistas que honraram a dignidade do Brasil. A renúncia infame ao Direito Internacional não foi feita pelo Brasil, nem pelo Itamaraty, mas pelo governo Bolsonaro, enxovalhando, cobrindo de opróbio a nossa diplomacia; em algum momento do futuro, estadistas terão de empreender enormes esforços para limpar as estrebarias da presidência desse tipo de degradação tão vexaminosa.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Rui Barbosa e o direito internacional: "Entre os que destroem a lei e os que a observam não há neutralidade admissível." - Paulo Roberto de Almeida

 Rui Barbosa e o direito internacional 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, julho de 2016

 

         Há cem anos, quando a Argentina comemorou o primeiro centenário de sua independência, o governo brasileiro designou o senador Rui Barbosa como seu representante nos festejos. Além de participar das cerimônias oficiais, Rui Barbosa foi convidado a palestrar na Faculdade de Direito de Buenos Aires, ali pronunciando uma das mais importantes alocuções da história do direito internacional no Brasil. Dada a contribuição de suas reflexões para a construção da doutrina jurídica que sustenta a essência da política externa brasileira, bem como para a afirmação de valores e princípios da diplomacia defendida pelo Itamaraty, vale relembrar alguns conceitos fundamentais dessa conferência, ainda válidos em nossos dias.

         Em 1983 a Casa de Rui Barbosa publicou o texto definitivo, traduzido do espanhol, dessa palestra, Os Conceitos Modernos do Direito Internacional, durante muito tempo denominada como “O Dever dos Neutros”. Rui já era conhecido na Argentina, onde vivera entre 1893 e 1894, fugindo da perseguição que lhe movia o governo de Floriano por sua posição em defesa dos revoltosos da Armada. Depois de repassar os episódios mais relevantes do itinerário independentista argentino – iniciado em 1806, avançando em 1810 e consagrado definitivamente no Congresso de Tucuman, em 9 de julho de 1816, quando se proclamou a autonomia do país em face da Espanha –, Rui Barbosa cita Juan Bautista Alberdi, que condenava, no panfleto “A Onipotência do Estado”, o culto ao Estado como “a negação da liberdade individual”. 

Ele chega então ao cerne de sua exposição: a condenação formal do uso da força, representada pela violação da neutralidade da Bélgica por tropas do Império alemão, em total desrespeito aos princípios discutidos poucos anos antes na Segunda Conferência da Paz da Haia, na qual Rui fora o chefe da delegação brasileira. Suas palavras, em defesa desse princípio, foram muito claras: “Entre os que destroem a lei e os que a observam não há neutralidade admissível. Neutralidade não quer dizer impassibilidade; quer dizer imparcialidade; e não há imparcialidade entre o direito e a injustiça. (...) O direito não se impõe... com o peso dos exércitos. Também se impõe, e melhor, com a pressão dos povos. (...) Não há duas morais, a doutrinária e a prática. A moral é uma só: a da consciência humana, que não vacila em discernir entre o direito e a força.

         Essa conferência de Rui Barbosa foi relembrada pelo chanceler Oswaldo Aranha, em 1942, no exato momento em que o Brasil se viu confrontado à extensão da guerra europeia ao continente americano, instando, então, o país a assumir suas responsabilidades no plano dos princípios do direito internacional e em consonância com os deveres da solidariedade hemisférica. A Alemanha tinha, mais uma vez, violado a neutralidade da Bélgica, para invadir a França. A postura de Aranha – que havia recepcionado Rui, como jovem estudante no Rio de Janeiro, quando o jurista desembarcou em sua volta ao Brasil –, foi decisiva para que, ao contrário da vizinha Argentina, então controlada pelo Grupo de Oficiais Unidos, de orientação simpática ao Eixo, o Brasil adotasse uma postura compatível com a construção doutrinária iniciada por Rui e de acordo a seus interesses nacionais, nos contextos hemisférico e global, em face do desrespeito brutal ao direito internacional cometido pelas potências nazifascistas na Europa e fora dela.  

         Vinte anos depois, o chanceler San Tiago Dantas, um dos grandes tribunos do pensamento jurídico da diplomacia brasileira, defende o respeito ao princípio da não intervenção nos assuntos internos de outros Estados, que estava então em causa nas conferências e reuniões pan-americanas em torno do caso de Cuba. Outros juristas e diplomatas brasileiros, ao longo do século, a exemplo de Raul Fernandes, Afrânio de Melo Franco, Afonso Arinos e Araújo Castro, participaram dessa construção doutrinal e pragmática dos valores e princípios da diplomacia brasileira. Há que se reconhecer, no entanto, que Rui Barbosa foi um dos responsáveis pela contribuição das grandes diretrizes políticas e jurídicas que hoje integram plenamente o patrimônio da diplomacia brasileira.


 

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

A demolição do Direito Internacional sob o bolsolavismo diplomático, 2018-2021 - Paulo Roberto de Almeida, Matheus Atalanio

 Nesta sexta-feira, 27/08/2021, participo, com o advogado Matheus Atalanio, do 19. Congresso Brasileiro de Direito Internacional. Escolhi falar sobre o tema título, mas ainda não terminamos de escrever o paper, que na verdade só vai ser publicado mais tarde. Mas antes de abordar o tema principal, resolvi fazer uma longa digressão sobre o papel do Direito Internacional na diplomacia brasileira, que transcrevo abaixo. A segunda parte virá oportunamente.


A demolição do Direito Internacional sob o bolsolavismo diplomático, 2018-2021

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor

Matheus Atalanio; advogado, membro da Comissão de Direito Internacional da OAB

Notas para palestra no 19º. Congresso da ABDI (27/08/2021; 16:00, sala: 3)

Primeiro rascunho de artigo para publicação nos anais do Congresso

 

 

A tradição brasileira em direito internacional em perspectiva histórica

A América Latina tem, reconhecidamente, uma longa tradição em matéria de Direito Internacional. Mesmo os não especialistas saberiam reconhecer a importância da contribuição continental nesse terreno bastando, por exemplo, fazer referência ao princípio do uti possidetis, à cláusula Calvo, à doutrina Drago, ao instituto do asilo diplomático ou ao conceito de mar patrimonial. O Brasil, por sua vez, possui longa prática diplomática, alicerçada em sólida e igualmente longa tradição jurídico-legal, o que tornou sua política externa respeitada internacionalmente e merecedora da confiança dos demais membros do sistema interestatal contemporâneo. 

Muitos dos “pais fundadores” da nação, antes, durante e no processo de construção do Estado independente, tinham formação jurídica, a maior parte realizada em Coimbra, sendo que no decorrer do Império dezenas de dirigentes, ademais obviamente dos magistrados, frequentaram os dois principais cursos jurídicos criados no país em 1827, em São Paulo e no Recife. Um dos líderes dos Conservadores, ou do chamado Regresso, Paulino José Soares de Souza, o Visconde do Uruguai, ministro dos negócios estrangeiros em duas ocasiões, deixou sua marca na literatura, com obras dedicadas à organização do Estado e ao funcionamento da administração pública: Ensaio sobre o Direito Administrativo(1862) e Estudos práticos sobre a administração das províncias (1865). 

José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio Branco, a despeito de não ter formação na área – era matemático e professor na Escola de Guerra Naval –, também se exerceu como chanceler, tendo criado, em 1859, o cargo de Consultor Jurídico na Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros, função que ele próprio exerceu durante certo tempo. O cargo foi depois extinto, mas recriado por seu filho Paranhos Jr., o Barão do Rio Branco, quando ocupou por sua vez o Itamaraty na República. Muitas das negociações diplomáticas conduzidas pela chancelaria, pelo Barão do Rio Branco pessoalmente, em especial nas questões de fronteiras e na construção das posições do Brasil no campo das relações exteriores estavam solidamente ancoradas no respeito ao direito internacional, a marca do país na sua ação diplomática. Rio Branco proclamou uma vez que “o Brasil do futuro há de continuar invariavelmente a confiar acima de tudo na força do Direito”, e de fato essa postura foi rigorosamente seguida em todas as demais gestões.

Essas características foram ainda mais reforçadas por ocasião da Segunda Conferência Internacional da Paz, realizada na Haia, em 1907, na qual Rui Barbosa foi o chefe da delegação brasileira. Os temas da agenda eram os mais vastos possíveis, compreendendo a humanização da guerra (como um primeiro passo para a manutenção da paz), o primado da juridicidade nas relações internacionais, a revitalização do Direito das Gentes, o reexame dos conceitos de soberania, o arbitramento obrigatório em litígios pendentes, um tribunal de apelação em matéria de presas, a cobrança de dívidas, o estabelecimento de uma Corte Permanente de Arbitragem, assim como a composição de um Tribunal de Presas. Rui foi um resoluto defensor da igualdade soberana de todos os Estados, independentemente de seu tamanho ou poder militar, esforçando-se por estabelecer uma conceituação da soberania política em bases claras. Na conceituação de um diplomata, Rui foi um dos pioneiros na formulação doutrinária que conduziu à aceitação universal do princípio da igualdade jurídica dos Estados, pedra basilar do multilateralismo contemporâneo.[1]

Desde essa época, a construção dos valores e princípios da diplomacia brasileira sempre se fez pela via da adesão irrestrita às grandes cláusulas do direito internacional, o que aliás vinha reforçado pela presença de grandes juristas em sua Consultoria Jurídica. Segundo a definição constante do antigo Regimento da chancelaria do Império, a Consultoria Jurídica estava encarregada de “dar parecer sobre as negociações de quaisquer ajustes internacionais, os atos internacionais submetidos à aprovação ou ratificação, a inteligência e execução de quaisquer obrigações internacionais, as indenizações reclamadas por via diplomática, as contestações de Direito Internacional Público ou Privado e as propostas legislativas e regulamentos apresentados ou expedidos pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros”.[2]

Renovada pelo Barão, a Consultoria Jurídica foi imediatamente ocupada por Carlos Augusto de Carvalho, ex-chanceler na década anterior (presidência Floriano Peixoto), mas ele não ocupou o cargo senão por dois meses. O segundo Consultor Jurídico do Itamaraty foi Amaro Cavalcanti Soares de Brito, fundador e presidente da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, que também permaneceu pouco tempo no cargo por ter sido nomeado para o Supremo Tribunal Federal em maio de 1906. O terceiro, e provavelmente mais longevo, consultor jurídico do Itamaraty foi Clóvis Beviláqua que, nomeado em 1906, permaneceu no cargo até 1934, quando foi aposentado compulsoriamente, por disposição constitucional, tendo sido sucedido pelo jurista Gilberto Amado. Beviláqua é talvez mais conhecido como o autor, em 1916, do Código Civil brasileiro, que na verdade tinha sido iniciado por Epitácio Pessoa. 

Quase dez anos depois de ter defendido, em nome do Brasil, a igualdade soberana das nações na conferência da paz da Haia, Rui Barbosa, designado embaixador especial do Brasil nas comemorações do primeiro centenário da independência da Argentina, pronunciou, em 14 de julho de 1916, na Faculdade de Direito e Ciências Sociais, na qual recebeu o título de Doutor Honoris Causa, um longo discurso entremeando história argentina e os problemas do momento, vale dizer, a Grande Guerra. Sua conferência, “Los Conceptos Modernos del Derecho Internacional”, abordou não apenas o patrimônio jurídico e político do país platino, mas também os problemas causados pela invasão da Bélgica pela Alemanha, em total desrespeito aos princípios da neutralidade. A conferência – que ficou mais conhecida como “O dever dos neutros” – teve enorme impacto, tanto na Argentina quanto no Brasil, e os “conceitos modernos” enunciados por Rui também conheceram repercussão fora dos dois países, alcançando prestígio internacional, e passando, de certa forma, a integrar o patrimônio jurídico e doutrinário da diplomacia brasileira.[3]

Esse exato discurso de Rui Barbosa em Buenos Aires foi relembrado pelo chanceler Oswaldo Aranha, em 1942, quando o Brasil se viu confrontado à extensão da guerra europeia ao continente americano, instando, então, o Brasil, a assumir suas responsabilidades no plano dos princípios do direito internacional e dos valores da solidariedade hemisférica. A Alemanha tinha, mais uma vez, violado a neutralidade da Bélgica, para invadir a França. A postura de Aranha – que havia recepcionado Rui, quando jovem estudante no Rio de Janeiro, no memento em que o jurista desembarcava triunfalmente na volta ao Brasil –, foi decisiva para que, ao contrário da vizinha Argentina, então controlada pelo Grupo de Oficiais Unidos, de orientação simpática ao Eixo, o Brasil adotasse uma postura compatível com a construção doutrinal iniciada por Rui e de acordo a seus interesses nacionais, nos contextos hemisférico e global, em face do desrespeito brutal ao direito internacional cometido pelas potências nazifascistas na Europa e fora dela.

O Brasil foi a princípio neutro no conflito, sendo que o Consultor Jurídico nessa época, James Darcy, usou argumentos de seu antecessor Clóvis Beviláqua para examinar princípios e regras da guerra no direito público internacional, aplicáveis em caso de beligerância: bloqueio, busca e captura, respeito aos territórios e águas neutros. Depois de relembrar que o Brasil já era parte da Convenção relativa ao rompimento de hostilidades, aprovada na conferência da Haia de 1907, na qual se previa a notificação da beligerância às “potências neutras”, o Consultor recomendava, para o caso de guerra internacional envolvendo o Brasil, a adoção dos princípios formulados no Projeto de Código de Direito Internacional Público de Epitácio Pessoa.[4]

No imediato pós-guerra, assume a Consultoria Jurídica Levi Carneiro, que assina inúmeros pareceres nos quais ainda dominam vários problemas decorrentes da guerra. Um dos seus últimos pareceres, assinado em 5/12/1951, já tratava da criação de uma Corte Criminal Internacional: uma comissão de 15 países reuniu-se em Genebra, em agosto desse ano, sendo o Brasil representado por Gilberto Amado, antigo Consultor do Itamaraty em meados dos anos 1930, depois membro da Comissão de Direito Internacional. Amado dedicou-se, segundo ele, a fazer prevalecer o “bom senso”, eliminando, por exemplo, a competência da proposta corte para julgar “criminosos internacionais”.[5]

A década de 1950 pertence inteiramente, por assim dizer, ao eminente jurista Hildebrando Accioly, autor de um alentado Tratado de Direito Internacional Público que serviu a diversas gerações de diplomatas, e candidatos a tal, e não só no Brasil. Accioly, que ingressou na carreira diplomática em 1916, assinou, com o também diplomata e historiador Heitor Lyra, textos introdutórios aos Arquivos Diplomáticos da Independência, publicados por ocasião do primeiro centenário da autonomia nacional.[6] Tendo chegado a embaixador em 1938, exerceu diversos cargos no Itamaraty, entre eles Secretário-Geral, Ministro de Estado interino e dirigiu o Instituto Rio Branco nos seus primeiros dois anos de existência. 

Os inúmeros pareceres de Hildebrando Accioly cobrem todos os temas de que se ocupou a chancelaria brasileira nos anos 1950 e 60: declaração sobre direitos e deveres dos Estados, reservas a tratados internacionais (1952), projeto de Convenção da ONU sobre nacionalidade (1953), fundamentos jurídicos da extradição, projeto da Comissão de Direito Internacional sobre processo arbitral, convenção internacional sobre um estatuto para os apátridas, Corte Interamericana para a proteção de direitos humanos (1954), problemas jurídicos da aplicação do Tratado Interamericano de 1947 de Assistência Recíproca (TIAR), projeto de convenção sobre execução de sentenças arbitrais internacionais (1955), asilo diplomático, acordo de assistência militar Brasil-Estados Unidos (1956), disposições da Constituição sobre atos internacionais, refugiados políticos de países vizinhos, projeto de acordo com a Bolívia sobre exploração de petróleo (1957), problemas do espaço exterior, protocolos de emenda ao Gatt (1958), projetos da Comissão de Direito Internacional sobre relações e imunidades diplomáticas (1959), acordo de comércio e pagamentos com a União Soviética e inviolabilidade do domínio reservado dos Estados (1960).

Vinte anos depois que Oswaldo Aranha recorreu ao memorável discurso de Rui em Buenos Aires para sustentar a postura do Brasil em face da guerra europeia, quando se discutia na conferência interamericana de Punta Del Este (1962) a dimensão jurídica da opção de Cuba pela sua opção de sua adesão a um regime comunista, o então chanceler San Tiago Dantas soube preservar o patrimônio jurídico da diplomacia brasileira ao defender, de maneira clara, o respeito ao princípio da não intervenção nos assuntos internos de outros Estados. Outros juristas e diplomatas brasileiros, ao longo do século, a exemplo de Raul Fernandes, Afrânio de Melo Franco, Afonso Arinos de Melo Franco, pouco depois Araújo Castro e mais adiante Celso Lafer, participaram dessa construção doutrinal e pragmática dos valores e princípios da diplomacia brasileira. Há que reconhecer, no entanto, que Rui Barbosa foi o pioneiro na defesa do direito internacional, ou foi, pelo menos, um dos grandes iniciadores e batalhadores pela afirmação dessas grandes diretrizes políticas que hoje integram plenamente o patrimônio consolidado da diplomacia brasileira.

O início dos anos 1960 foi especialmente turbulento na esfera internacional e no terreno doméstico, um momento em que a Guerra Fria chegou ao seu auge, inclusive no hemisfério, com o problema dos mísseis soviéticos em Cuba. Além desse problema, San Tiago Santas se ocupou igualmente do reatamento de relações diplomáticas com a União Soviética e de outros grandes temas do momento, como a questão do desarmamento nuclear, da descolonização, das relações com os países vizinhos e com os Estados Unidos, potência com a qual ele tentaria, já como ministro da Fazenda, encontrar um alívio para a difícil situação do endividamento externo do Brasil.

Na sequência do grande teste para a diplomacia brasileira que foi o problema de Cuba, ao sustentar posturas contrárias à diplomacia truculenta dos Estados Unidos, o Itamaraty voltou a contar com grandes juristas a serviço de uma fidelidade consagrada ao Direito Internacional. Os anos 1961-71 estão identificados com o trabalho de Haroldo Valladão, professor catedrático de Direito Internacional Privado da antiga Universidade do Brasil (depois UFRJ) e que tinha como divisa, estampada em todos os seus escritos, a frase em latim: nulla dies sine linea nec schola (nenhum dia sem escrever ou lecionar), o que parece representar um magnífico programa de vida. Antes de se tornar consultor do Itamaraty, já tinha sido Consultor Geral da República (1947-50) e professor no Instituto Rio Branco. Muitos dos seus pareceres atenderam às necessidades do Itamaraty dessa época, como a adesão de novas partes contratantes ao Gatt, o estabelecimento tácito de relações diplomáticas (1961), a pesca da lagosta por barcos franceses (1962), recursos naturais da plataforma continental, entre eles a lagosta (1963), acordo de comércio e pagamentos com a Polônia (1964), mar territorial e direito de pesca, modificações constitucionais de interesse do Itamaraty (1966), Convenção da ONU sobre Direito dos Tratados (1968), projeto da convenção interamericana de direitos humanos (1969), e vários outros temas da agenda internacional daquela época. Um outro jurista, colega de carreira, Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva, fez uma advertência quanto à efetividade desse trabalho, no sentido de que nem sempre os argumentos e propostas formulados pelo consultor eram necessariamente seguidos pela Casa na implementação efetiva de uma dada política (dados outros elementos diplomáticos em jogo).

Em todo caso, muitos diplomatas, assim como juristas que desempenharam funções diplomáticas nessa época, entre eles San Tiago Dantas e Afonso Arinos, nunca deixaram de reconhecer, desde a famosa conferência de Rui Barbosa em Buenos Aires, a poderosa influência de seus argumentos para apoiar posições diplomáticas do Brasil nos contextos regional e internacional. Nos anos 1970, o Itamaraty se serviu de seus consultores para orientar suas posturas em relação a diferentes temas dessa época: aspectos jurídico-internacionais da demarcação do Salto de Sete Quedas e da delimitação dos rios internacionais (que depois desembocariam na solução diplomática aplicada ao caso de Itaipu, com o Paraguai), a crise entre a Argentina e o Reino Unido em torno das ilhas Malvinas e a necessidade de prévia autorização legislativa para a participação das Forças Armadas em operações militares no exterior.[7]

O primeiro Consultor Jurídico do Itamaraty na redemocratização foi o professor Antônio Augusto Cançado Trindade, já autor, a despeito de relativamente jovem, de vasta obra no campo do direito internacional. Ele foi um dos mais dinâmicos, produtivos e eficientes consultores com que o Itamaraty contou, sendo, praticamente sozinho, responsável por uma impressionante coleção de mais de duzentos circunstanciados pareceres. Sua gestão coincidiu também com o processo de reconstitucionalização do Brasil, por meio do Congresso constituinte de 1987-88, o que determinou que ele fosse ouvido nas comissões que se ocuparam dos princípios que regem as relações internacionais do país e o processo de celebração de tratados. 

Entre 1985 e 1990, Cançado Trindade assinou alentados pareceres, praticamente todos recheados de notas de rodapé, milhares delas, referenciando obras relevantes de cada uma das áreas examinadas especificamente, o que praticamente nunca tinha sido visto nos textos dos antigos consultores, que se contentavam em citar, no corpo do texto, um ou outro tratadista mais conhecido. Em outros termos, Cançado Trindade elevou a arte da consultoria jurídica à condição de scholarly work, de trabalho científico no pleno conceito da expressão, representando assim, uma acumulação inédita de citações eruditas nos trabalhos da chancelaria brasileira, sem esquecer suas reflexões de alto conteúdo intelectual, que honram não só a inteligência da Consultoria Jurídica como também ajudaram a construir, ou a reforçar, a própria credibilidade e reconhecida excelência do Itamaraty.

Seguiram-se a Cançado Trindade, outros eminentes juristas, como Vicente Marotta Rangel – eminente professor da Faculdade de Direito da USP, depois juiz do Tribunal Internacional sobre Direito do Mar (Hamburgo) –, João Grandino Rodas – também oriundo da São Francisco, posteriormente Diretor da Faculdade e Reitor da USP –, e imediatamente após, o professor Antonio Paulo Cachapuz de Medeiros, que se desempenhou no Itamaraty desde 1998 até 2015, sucedendo a Marotta no Tribunal de Hamburgo (onde veio infelizmente a falecer precocemente). Pode-se dizer, de maneira geral, que os juristas a serviço da diplomacia brasileira construíram boa parte das doutrinas e das posições nacionais em matéria de política exterior, colaborando assim, de modo significativo, para o reforço da credibilidade, seriedade e da reputação de excelência que caracterizam, desde muito tempo, o serviço exterior brasileiro. 

As posições doutrinais e práticas da diplomacia brasileira foram sendo elaboradas progressivamente ao longo de mais de um século de construção do Estado nacional, de consolidação de sua diplomacia profissional e da lenta acumulação de valores e princípios que passaram a guiar sua política externa e sua diplomacia, sobretudo a partir do regime republicano. Desde meados do século XIX, a formulação desses princípios e valores contou com a inteligência e a ação de grandes homens públicos, diplomatas, juristas, tribunos e intelectuais de diversas orientações políticas, mas concordantes no essencial: a preservação da soberania nacional, o respeito ao direito internacional, a solução de controvérsias internacionais por meios pacíficos, a não intervenção nos assuntos internos de outros Estados, a defesa intransigente do caráter nacional, sobretudo apartidário da política externa (como alertou Rio Branco, logo ao início de sua gestão), a assunção de responsabilidades internacionais quanto a conflitos interestatais que possam ter repercussões globais (como no caso dos dois conflitos mundiais) e diversos outros elementos que podem ser identificados numa análise mesmo perfunctória desse processo de construção de valores e princípios da diplomacia brasileira.

Ao longo de sua história, o Brasil teve de apelar para todos os recursos do direito internacional, para as suas capacidades próprias e, algumas vezes, até para a força das suas armas, para fazer valer a sua integridade territorial, sua soberania nacional, a honra e a defesa da pátria, quando ameaçadas por algum contendor regional ou fora dela. Para tanto apoiou-se naquelas ideias, naquele conjunto de valores e princípios, eventualmente adaptados às suas necessidades específicas e às circunstâncias que presidiram a cada tomada de decisão em relação ao desafio em causa. Os desafios estiveram geralmente ligados à definição dos limites do “corpo da pátria” – sempre pelas negociações, desde a independência –, ao equilíbrio de poderes e à liberdade de acesso nas fronteiras platinas, às relações com as grandes potências europeias e, depois, com o grande poder hemisférico, à abertura de mercados para os seus produtos e o acesso às fontes de financiamento para seu desenvolvimento, à participação, em bases equitativas, nas grandes definições relativas à ordem mundial, sua manutenção e funcionamento em bases adequadas à cooperação multilateral.

As ideias e as ações foram as de seus líderes políticos, seus dirigentes estatais, seu corpo de profissionais da diplomacia, seus intelectuais e os membros da elite, de forma geral. Essas ideias e essas ações não existem, portanto, em abstrato, mas sim conectadas a pessoas que a elas aderem e que as fazem movimentar-se, em função de seu próprio substrato intelectual, de seu envolvimento com os assuntos públicos, de sua iniciativa e mobilização numa causa que ultrapassa a dimensão específica das vidas privadas e das atividades profissionais: as pessoas passam a encarnar os interesses do Estado. Os juristas a serviço do Itamaraty foram justamente alguns desses pensadores e agentes de uma diplomacia reconhecidamente competente e absolutamente sintonizada com a agenda internacional e preparada para enfrentar os desafios nela colocados.

 

A violação da tradição brasileira em direito internacional sob o governo Bolsonaro

A despeito dessa brilhante tradição jurídica acumulada ao longo do tempo, uma das maiores rupturas dos valores e princípios da diplomacia brasileira veio a ocorrer justamente no terreno do Direito, cuja responsabilidade incumbe única e exclusivamente aos amadores ineptos que passaram a guiar a política externa, e por conseguinte a diplomacia, de janeiro de 2019 até março de 2021. A rigor, os descompassos, inconsequências, desrespeito e atentados àquela tradição tiveram início ainda antes, tanto na fase da campanha presidencial de 2018, quanto imediatamente após a vitória do candidato em outubro desse ano, com os anúncios das novas orientações que seriam impostas às relações exteriores do Brasil.

(...)

[Falta completar...]


[1] Ver GARCIA, E. V. (1996). Aspectos da vertente internacional do pensamento político de Rui Barbosa. Textos de História, revista do programa de pós-graduação em História da UnB, vo. 4, n. 1, p. 103-124, cf. p. 122.

[2] Cf. CASTRO, F. M. O., História da Organização do Ministério das Relações Exteriores. Brasília: Editora da UnB, 1983, p. 105.

[3] BARBOSA, Rui, Os Conceitos Modernos do Direito Internacional. Rio de Janeiro: Fundação Casa Rui Babosa, 1983.

[4] Ver Cachapuz de Medeiros, Antonio Paulo (org.), Pareceres dos Consultores Jurídicos do Itamaraty, vol. III (1935-1945). Edição Fac-similar [à edição de 1961 da Imprensa Nacional]; Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2000, p. 218.

[5] Cachapuz de Medeiros, op. cit., p. 590.

[6] Os Arquivos Diplomáticos da Independência foram publicados pela Imprensa Nacional, em seis volumes, entre 1922 e 1925; eles foram novamente publicados pelo Itamaraty em 1972, quando do sesquicentenário da independência, tendo sido, recentemente, objeto de republicação fac-similar da primeira edição, pela Funag, na coleção do Bicentenário da Independência.

[7] Ver AMEIDA, P. R. “A construção do direito internacional do Brasil a partir dos pareceres dos consultores jurídicos do Itamaraty: do Império à República”, Cadernos de Política Exterior, ano II, n. 4, 2016, p. 241-298.



quinta-feira, 1 de abril de 2021

Especulações sobre a evolução da ordem global do século XXI, à luz do Direito Internacional e da Política Mundial - Paulo Roberto de Almeida

Especulações sobre a evolução da ordem global do século XXI, à luz do Direito Internacional e da Política Mundial

Brasília, 1 abril 2021, 18 p. 

Palestra Magna no Curso de Pós-Graduação em Direito Internacional oferecido pela Faculdade CEDIN, a convite do professor Leonardo Nemer e da professora Amina Guerra.

5/04/2021, 19hs, via Sympla.


DESCRIÇÃO DO EVENTO

O curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Internacional do CEDIN tem por finalidade promover uma análise profunda das relações jurídicas internacionais, de modo a desenvolver nos alunos maior capacidade de compreensão dos modos de formulação de políticas e ações jurídicas de inserção internacional, capacitando os futuros especialistas a operar com o instrumental normativo das Relações Internacionais. Desde 2005, seu primeiro ano, a especialização em Direito Internacional conta com professores altamente qualificados, tratando de temas relevantes e atuais, organizados em quatro módulos, cujos conteúdos estão centrados no estudo de temas do Direito Internacional Público e Privado.

Especulações sobre a evolução da Ordem Global do Século XXI, à luz do Direito Internacional e da Política Mundial, com o Embaixador Paulo Roberto de Almeida.

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Programa do VII Simpósio de Direito Internacional da UFC (19-20/08/2020)

[PROGRAMAÇÃO COMPLETA - VII SDI]

Conheça a programação completa do
VII Simpósio de Direito Internacional da UFC.

Marque na sua agenda! O VII SDI acontecerá nos dias 19 e 20 de agosto de 2020 e, pela primeira vez, de forma 100% online!

As inscrições para o evento estão abertas no link:

https://www.sympla.com.br/vii-simposio-de-direito-internacional-da-universidade-federal-do-ceara---organizado-pelo-gedai__918402

Não perca essa oportunidade!
 #VIISDI #gedaiufc #vemserGEDAI 🌎⚖
___
Facebook: @gedaiufc | @sdiufc
E-mail: gedai.ufc@gmail.com






VII Simpósio de Direito Internacional da Universidade Federal do Ceará - organizado pelo GEDAI

Já mandei minha colaboração: 
3729. “O Brasil no cenário internacional e o futuro da diplomacia brasileira”, Brasília, 8 agosto 2020, 13 p. Ensaio elaborado como texto de apoio a palestra na 7ª edição do Simpósio de Direito Internacional da Universidade Federal do Ceará, a convite do Grupo de Estudos em Direito e Assuntos Internacionais da UFC (GEDAI-UFC) no dia 19 de agosto, das 16h30m às 18h.Inserido na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/43844245/O_Brasil_no_cenario_internacional_e_o_futuro_da_diplomacia_brasileira_2020_);divulgado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/08/o-brasil-no-cenario-internacional-e-o.html). 


VII Simpósio de Direito Internacional da Universidade Federal do Ceará - organizado pelo GEDAI
Simpósio de Direito Internacional da UFC é um evento acadêmico e científico promovido anualmente pelo GEDAI - Grupo de Estudos em Direito e Assuntos Internacionais. Nesta sétima edição, o SDI conta com o apoio da União Europeia, do Programa de Pós Graduação em Direito PPGD UFC, da international law association e o Centro de Excelência Jean Monnet.
 Nos dias 19 e 20 de agosto de 2020 acontecerá a sétima edição do Simpósio de Direito Internacional da UFC, com o tema "Desenvolvimento Sustentável e Dinâmica Global Contemporânea: perspectivas do direito internacional". O evento é distribuído entre painéis e minicursos que versam sobre diversas temas do Direito Internacional, tais como: Direitos Humanos, Direito Econômico Internacional, União Europeia, Direito Penal Internacional e Meio Ambiente.
 E, pela primeira vez, o SDI acontecerá de forma 100% online, com preços distribuídos em lotes e muito acessíveis. Possui duração de dois dias e conta com painéis de discussão sobre direito internacional e palestras, minicursos e workshops proferidos por grandes nomes da área.
 Nesta edição, o Simpósio conta com a presença de Michel Prieur (Universidade de Limoges - França), Alexandre Turra (Cátedra UNESCO/USP), Jamile Mata Diz (Cátedra Jean Monnet/UFMG), Leonardo Pasquali (Universidade de Pisa/Cátedra Jean Monnet - Itália), Agnès Michelot (Presidente da Sociedade Francesa de Direito Ambiental e Professora da Universidade la Rochelle -França), Sylvia Steiner (Juíza do Tribunal Penal Internacional - 2003-2016), Aziz Tuffi Saliba (International Law Association - UFMG), Nuno Cunha Rodrigues (Universidade de Lisboa - Portugal), Solange Teles (Universidade Presbiteriana Mackenzie), Paulo Roberto de Almeida (UniCEUB), Ana Flávia Granja e Barros (Universidade de Brasília), Alice Rocha (Centro Universitário de Brasília), Renata Mantovani (Universidade de Itaúna), Arnelle Rolim (GEDAI-UFC), Rodrigo Leite (Universidade Federal Rural do Semiárido), Emmanuel Furtado Filho (UFC) e Júlia Motte-Baumvol (Universidade de Paris - França) e mais, em breve a programação completa.

Programação: 
19 de agosto de 2020
 09:00  - Mesa de Abertura: Prof. Mauricio Benevides (Diretor da Faculdade de Direito – UFC), Prof. Augusto Albuquerque (Pró-reitor de Relações Internacionais), Professor Sérgio Rebouças (Orientador do GEDAI), Theresa Rachel Correia (Orientadora do GEDAI) e Tarin Mont`Alverne (Coordenadora do GEDAI).
09:30-11:00  - Painel: Os indicadores jurídicos: instrumento de efetividade da proteção internacional do meio ambiente
Palestrante: Michel Priuer (Université de Limoges); Debatedora: Solange Teles (Universidade Mackenzie); Presidente de Mesa: Profa. Dra. Tarin Mont`Alverne (GEDAI - UFC)
11:00-12:00  -Sessão Solene -  Diálogo Sustentável: relação entre o Brasil e a União Europeia com a participação do Embaixador Ignacio Ybáñez.
Moderador: Cândido Albuquerque (Reitor da UFC)
13:00 às 14:30 h - Mini-Curso: Análise do Impacto das regulações europeias nas mídias digitais
Palestrantes: Nuno Cunha Rodriguês (Cátedra Jean Monnet/Universidade de Lisboa) e Alice Rocha (UNICEUB)
 14:40 às 16:10 h - Mini-Curso: Direito de Integração e sustentabilidade: União Euopeia e Mercosul
Palestrantes: Profa. Dra. Jamile Mata-Diz (Universidade Federal de Minas Gerais/Centro de Excelência Jean Monnet) e Profa. Dra. Liziane Paixão (UNICEUB).
 16:30 às 18:00 h  - Mini-Curso: O Brasil no cenário internacional e o futuro da diplomacia brasileira
Palestrantes: Paulo Roberto de Almeida (Embaixador/UNICEUB) e Aziz Tuffi Saliba (Presidente do Ramo Brasileiro da International Law Association/ UFMG); Presidente de Mesa: Emmanuel Furtado Filho (UFC)
20 de agosto de 2020
09:00 –11:30 - Painel: Governança Internacional do Meio Ambiente e Poluição Transfronteiriça
Palestrantes: Profa. Dra. Agnès Michelot (Presidente da Sociedade Francesa de Direito Ambiental e Professora da Universidade la Rochelle), Alexandre Turra (Cátedra UNESCO/USP), Prof. Leonardo Pasquali (Universidade de Pisa/Cátedra Jean Monet), Prof. Jeferson Manhães (Universidade de Versailhes) e Profa. Ana Flávia Granja e Barros (UNB); Presidente de Mesa: Profa. Dra. Julia Motte-Baumvol (Universidade de Paris)
 11:45 - Lançamento do Livro “Perspectivas do Direito Internacional”.
 Apresentação Profa. Alice Rocha (UNICEUB)
 13:00 às 15:00 h - Mini-Curso: Cumprimento de Sentenças da Corte Interamericana e da Corte Europeia de Direitos Humanos
Palestrantes: Arnele Rolim (GEDAI - UFC); Rodrigo Leite (UFERSA); Presidente de Mesa: Theresa Rachel (GEDAI - UFC)
 15:30 às 17:30 h - Painel de encerramento: Os novos desafios do Direito Penal Internacional
Palestrantes: Renata Mantovani (Reitora/Universidade de Itaúna); Camila Perruso (Universidade de Paris); Sylvia Steiner (Ex-juiza do TPI) e Prof. Sérgio Rebouças (GEDAI - UFC)
 17:30 h - Cerimonia de encerramento e Menções honrosas
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Apresentação de Trabalhos:
17 de agosto de 2020 –  a lista dos GT será divulgada
18 de agosto de 2020 – a lista dos GT será divulgada
Para mais informações sobre o VII SDI, contate-nos pelas nossas páginas do facebook, instagram (@gedaiufc) ou pelo email gedai.ufc@gmail.com.