A esquizofrenia da atual política externa bolsolavista reflete a visão do mundo (se existe) de seus mandantes
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org; http://diplomatizzando.blogspot.com; pralmeida@me.com)
[Objetivo: crítica à política externa bolsonarista; finalidade: denúncia]
Algumas coisas precisam ficar claras: JMB é, sempre foi, e nunca deixará de ser um inepto total, um ignorante crasso em matéria de política internacional, relações exteriores, de diplomacia brasileira. Seu mundo é o do oportunismo político e das práticas corriqueiras do baixo clero da já extremamente baixa política de fundo de quintal, com a defesa corporativa dos estratos inferiores das forças de defesa e de segurança, a que se acrescentaram negócio milicianos ao longo de uma carreira política também marcada por malversação de fundos públicos (prática usada nas “transações” imobiliárias de toda a família estendida).
Na falta de qualquer visão mais sofisticada do mundo, o pouco que “aprendeu” de política externa lhe veio de intermediações fugazes com aquele guru destrambelhado da Virgínia, outro inepto completo em matéria de relações internacionais, mas que por algum tempo posou de conselheiro informal das FFAA e de militares aqui e ali, por exibir um anticomunismo de fachada, por denunciar o Foro de S. Paulo e outras tiradas “geopolíticas” da direita extrema, que encontram aceitação no mundo binário dos uniformizados.
O resto veio dessa pauta de “costumes” reacionária que também impregna esses meios em diversos países: anticomunismo, antiprogressismo, antiabortismo e, com grande destaque, o antimultilateralismo e as posturas anti-ONU (forte na Direita dos EUA), que se juntou a essas outras correntes conspiratórias do antiglobalismo.
Esse é o caldo insosso, confuso, precário no plano conceitual (para não dizer tosco no substrato intelectual) que estão na base da falta de qualquer pensamento articulado em matéria de relações exteriores do Brasil. O julgamento sumário é que o principal dirigente do país é um ignorante consumado em qualquer tema de política externa e um total despreparado para tratar de qualquer assunto nessa esfera.
Na falta de qualquer pensamento próprio nessa área se apegou aos rudimentos que lhe foram sendo fornecidos por esses outros ignaros: o guru destrambelhado e seus seguidores familiares, conselheiros da tropa conspiratória, até que irrompeu, em 2016-17, o “modelo” americano que lhe serviu de guia “espiritual” nesse mundo para ele totalmente desconhecido, mas similar em estilo e objetivos: confrontar o “comunismo” (China), o globalismo, a ONU, as ONGs progressistas de DH e da pauta da sustentabilidade ambiental, enfim todo o progressismo do politicamente correto que pontifica nessas áreas. Trump foi a inspiração que lhe faltava para “conformar” essa “visão do mundo” precária, essa Weltanschauung tosca que JMB sempre exibiu nos temas externos. Quando não se tem nada na cabeça, qualquer coisa serve: instintos primitivos e raciocínio tosco passam na frente de qualquer elaboração mais sofisticada em assuntos internacionais.
Pois é esse o “mundo” primário, grotesco, antidiplomático, ao qual tinha de se moldar qualquer pretendente a mero executor servil dessas poucas “ideias” (todas elas equivocadas) que estivesse disposto a servir o capitão ignorante à frente do Itamaraty. Por acaso surgiu um...
Naquela onda de refluxo da esquerda, de ascensão precária de impulsos de uma direita grosseira, sem doutrina, sem ideias, com vários saudosistas da ditadura militar, que surgiu no Brasil no contexto da crise política e econômica e do impeachment de 2016, coube a um herdeiro daqueles tempos sombrios esse papel de operador fiel das concepções destrambelhadas dos novos donos do poder. Tinha de ser um operador confiável daquelas poucas ideias confusas sobre o papel do Brasil na Grande Aliança Conservadora que se desenhava na era Trump. Por acaso, não mais que por acaso, apareceu um artigo providencial “Trump e o Ocidente”, que JMB nunca leu — e que, se “lesse”, não compreenderia patavina — mas que serviu de catapulta oportunista e oportuna para que o guru expatriado, o Rasputin de Subúrbio designasse seu autor como o “homem certo no lugar certo” para executar o projeto trumpista desenhado pelos Bolsonaros para orientar a “nova política externa do povo brasileiro”.
A encomenda excedeu as expectativas: nunca se viu sabujo tão obediente à frente do Itamaraty, cujo corpo profissional ficou estupefato com a escolha e designação. As surpresas desabaram sobre a Casa, como uma espécie de intervenção externa num ministério normalmente cioso de sua competência e até mesmo excelência na condução de praticamente todos os assuntos das relações exteriores do país.
E as “realizações” revelaram-se muito piores do que quaisquer antecipações nessas áreas: o Itamaraty foi descendo na escala dos horrores e o Brasil despencando na sua imagem e reconhecimento externo.
De fracasso em fracasso, as apostas foram sendo dobradas, sempre com o olhar satisfeito do chefão despreparado: afinal de contas, ele tinha vindo para destruir, não para construir qualquer nova concepção de uma “política externa para o povo”, como não cansava de repetir o fiel escudeiro da falta de ideias do capitão.
Uma constatação se impõe quanto à chefia do Itamaraty: EA vive num mundo paralelo que teve de criar para ser aceito pelos tresloucados do antiglobalismo, e foi, ao longo do exercício, aceitando e reforçando as loucuras e obsessões do capitão ignorante para se conformar a um molde artificial, o que aprofundou seu desequilíbrio emocional. Em algum momento entrou em parafuso, como transpareceu em certas tiradas feitas para agradar a seus amos e encantar a plateia de beócios que o aplaudem nas redes sociais. Os devotos do bolsonarismo são tão ignorantes quanto seu suposto líder, sem o cálculo político que anima o capitão em seu projeto de poder. O chanceler acidental é outra coisa: possui leituras, como o sofista da Virgínia, mas coloca tudo isso a serviço de chefes ignorantes, aos quais precisa se nivelar de forma medíocre e subordinada para se manter no cargo.
Imagino que deva ser difícil encaixar-se na extrema precariedade das diretrizes que lhe oferecem ou são sugeridas para se manter na posição que ocupa de modo muito precário (mas conveniente para is que mandam nele).
O resultado final, em termos práticos, é que o Brasil deixou de existir como interlocutor fiável para os principais parceiros que o país mantinha até 2018 no plano internacional, na região e fora dela. As perdas concretas ainda não foram todas contabilizadas — embora as que resultaram da extrema subserviência a Trump possam ser calculadas —, mas as perdas potenciais começam a se acumular e a se precipitar, em especial no tocante ao meio ambiente.
O fato é que JMB, EA e os demais “formuladores” e executores de uma política externa e de uma diplomacia miseráveis encolheram o Brasil no mundo.
A recuperação será muito dura e incerta.
Este é o legado de um bando de ignaros na condução das relações exteriores do país: um cenário de devastação e de fracassos.
Meu papel, nessa questão, é apenas o de, como diplomata profissional, apontar as imensas distorções que reduziram a pó a credibilidade do nosso serviço exterior. Não possuo, na condição de servidor graduado lotado no Arquivo, nenhuma condição para mudar o que quer que seja nesse cenário de terra devastada: apenas denunciar e esperar que o quadro de horrores tenha fim o mais pronto possível.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 3852, 6 de fevereiro de 2021