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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

A diplomacia brasileira vive o seu PIOR momento - Editorial Estadão (19/02/2021)

 ‘É parte da cura o desejo de ser curado’

É muito triste constatar que a diplomacia brasileira vive o seu pior momento

Editorial Estadão | 19/02/2021, 3h

 

Sábias palavras do filósofo romano Sêneca, o Jovem, ainda no distante século 1.º. Pena que essa antiga máxima não tenha sido adotada pelo governo brasileiro ao tratar a pandemia de covid-19. Ao contrário, assumindo explícito negacionismo o presidente Jair Bolsonaro só colecionou atos contrários ao fundamental “desejo de ser curado”: o rebaixamento de uma doença nova, desconhecida e por vezes mortal a “gripezinha”, a demissão dos ministros Mandetta e Teich, culminando com a convocação de um militar especializado em logística para a pasta da Saúde. Apesar de sua “expertise”, o planejamento do atual ministro mostrou-se caótico e obscurantista: recomendou medicamentos não apropriados e foi negligente com a necessária pressa na compra de vacinas, sobretudo pelas interferências do presidente.

Não bastasse, foi de enorme gravidade o vergonhoso papel desempenhado pelo Brasil na defesa de seus próprios interesses e de potenciais aliados em causas comuns na cena internacional. Em outubro, Índia e África do Sul propuseram à Organização Mundial do Comércio (OMC) a liberação do licenciamento compulsório e temporário de patentes com vista às pesquisas de vacinas e medicamentos de combate à epidemia. O Brasil votou contra a proposta dos parceiros do Brics, contrariando uma tradição de pioneirismo nesse assunto nas últimas décadas, preferindo seguir a orientação de Donald Trump. Dado o apoio chinês e russo à proposta de liberação, o Brasil ficou totalmente isolado na entidade que agrega as potências emergentes.

A ideia de licença compulsória obrigatória de patentes numa circunstância grave que a justifique não é modismo atual. Essa possibilidade de suspensão temporária de um direito de propriedade intelectual diante de um motivo de grande interesse público foi prevista na legislação britânica contida no Estatuto dos Monopólios do Reino Unido, votado no Parlamento em 1624. Posteriormente o tema foi tratado em acordo internacional firmado em Paris em 1883, quando foram estabelecidas regras gerais de licença contra o exercício abusivo de direitos sobre patentes. Só em 1967 foram estabelecidas regras específicas, num congresso em Estocolmo.

Por fim, em 1994 foi firmado na OMC o Trade-Related Aspects in Intelectual Property Rights (Trips), ou direitos sobre propriedade intelectual relacionados ao comércio. O Trips prevê a quebra de patentes em situações emergenciais, mas antes deve ser feita uma tentativa de negociação entre governo e empresa detentora. Caso não cheguem a acordo, está prevista a liberação temporária da patente e uma compensação em royalties ao proprietário intelectual.

Rússia e China não assinaram o tratado. Índia firmou, mas conseguiu exercer por dez anos uma carência de suspensão temporária, durante a qual montou sua próspera indústria farmacêutica atual.

Já o Brasil não exigiu a carência e perdeu o bonde industrial que a Índia pegou. Mas fez insistente pressão para enfrentar as patentes dos medicamentos contra a aids, conseguindo grandes conquistas com os genéricos, liberações e preços junto aos grandes laboratórios detentores da propriedade intelectual. Essa atitude constante brasileira foi elogiada e admirada pelo mundo todo, tendo a Índia como apoiadora de primeira hora nessa direção. Dentro desse contexto histórico, foi grande a decepção na África do Sul e na Índia com a posição brasileira em plena pandemia, alinhada com os grandes laboratórios norte-americanos e europeus na reunião da OMC. Até manifestações de rua houve nesses países criticando o Brasil. Embora derrotada pelas pressões americanas e europeias, a proposta foi apoiada por mais de cem países e cerca de 400 entidades internacionais.

É realmente muito triste constatar que a diplomacia brasileira vive erraticamente seu pior momento em sua respeitada história. Herdeira da eficiente diplomacia portuguesa do século 18, conduzida por brilhantes diplomatas como dom Luís da Cunha e Alexandre de Gusmão e continuada no século 19 pelos não menos brilhantes visconde do Rio Branco e seu filho, o barão. Este último e Joaquim Nabuco adentrariam o século 20 com um trabalho decisivo na discussão e consolidação de nossas fronteiras. E no decorrer do século o Itamaraty firmou-se no cenário internacional como exemplo de boas práticas diplomáticas para todo o mundo, despertando admiração e respeito. Prestígio confirmado pela atuação de Oswaldo Aranha no comando da Assembleia-Geral da ONU em 1947/48.

O mais surpreendente nessa guinada ideológica inconsequente da nossa diplomacia é que ela contraria até a política externa praticada pelo regime militar a partir de março de 1974, no governo Ernesto Geisel. O então chanceler Antônio Azeredo da Silveira, notabilizado como Silveirinha, anunciou a nova postura diplomática do “pragmatismo responsável”, em oposição ao anterior alinhamento automático aos Estados Unidos. Ironicamente, o Brasil adotava o mesmo pragmatismo comercial praticado pelos Estados Unidos em relação aos seus interesses. Ou como dizia John Foster Dulles, experiente diplomata conservador norte-americano dos anos 1950, “não existe amizade entre os países, apenas interesses comuns”.

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,e-parte-da-cura-o-desejo-de-ser-curado,70003620338


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Minhas críticas à diplomacia bolsolavista SEIS MESES ANTES de sua implementação - Paulo Roberto de Almeida

 Reproduzo o que escrevi numa recente postagem no Facebook: 

Antes mesmo de começar o desgoverno do capitão, eu antecipei que a política externa a ter início em janeiro de 2019 seria um desastre, isso com base unicamente em cinco medíocres parágrafos esquizofrênicos contidos no seu programa de governo, liberado em agosto de 2018. Não só antecipei a ruindade que seria, como publiquei minhas críticas em meu blog Diplomatizzando. Eu só pequei por ingenuidade, achando que os estronchos iriam se corrigir uma vez sentados nas cadeiras do poder. Que ilusão! Não se corrigiram e conseguiram ser MUITO PIORES do que o imaginado, mas MUUUIIITO PIORES.

Minhas críticas, formuladas imediatamente após conhecer a porcaria de programa do candidato tresloucado na parte da política externa, foram "externadas" neste trabalho:
3321. “Um programa insuficiente de política externa: comentários pessoais”, Brasília, 15-16 agosto 2018, 5 p. Comentários à parte de política externa do programa do candidato Bolsonaro. 
Divulgado no blog Diplomatizzando (15/08/2018; link:
e no Facebook: 

sábado, 6 de fevereiro de 2021

A esquizofrenia da atual política externa bolsolavista reflete a visão do mundo (se existe) de seus mandantes - Paulo Roberto de Almeida

A esquizofrenia da atual política externa bolsolavista reflete a visão do mundo (se existe) de seus mandantes

 

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.compralmeida@me.com)

[Objetivocrítica à política externa bolsonaristafinalidadedenúncia]

 

 

Algumas coisas precisam ficar claras: JMB é, sempre foi, e nunca deixará de ser um inepto total, um ignorante crasso em matéria de política internacional, relações exteriores, de diplomacia brasileira. Seu mundo é o do oportunismo político e das práticas corriqueiras do baixo clero da já extremamente baixa política de fundo de quintal, com a defesa corporativa dos estratos inferiores das forças de defesa e de segurança, a que se acrescentaram negócio milicianos ao longo de uma carreira política também marcada por malversação de fundos públicos (prática usada nas “transações” imobiliárias de toda a família estendida).

Na falta de qualquer visão mais sofisticada do mundo, o pouco que “aprendeu” de política externa lhe veio de intermediações fugazes com aquele guru destrambelhado da Virgínia, outro inepto completo em matéria de relações internacionais, mas que por algum tempo posou de conselheiro informal das FFAA e de militares aqui e ali, por exibir um anticomunismo de fachada, por denunciar o Foro de S. Paulo e outras tiradas “geopolíticas” da direita extrema, que encontram aceitação no mundo binário dos uniformizados. 

O resto veio dessa pauta de “costumes” reacionária que também impregna esses meios em diversos países: anticomunismo, antiprogressismo, antiabortismo e, com grande destaque, o antimultilateralismo e as posturas anti-ONU (forte na Direita dos EUA), que se juntou a essas outras correntes conspiratórias do antiglobalismo.  

Esse é o caldo insosso, confuso, precário no plano conceitual (para não dizer tosco no substrato intelectual) que estão na base da falta de qualquer pensamento articulado  em matéria de relações exteriores do Brasil. O julgamento sumário é que o principal dirigente do país é um ignorante consumado em qualquer tema de política externa e um total despreparado para tratar de qualquer assunto nessa esfera. 

Na falta de qualquer pensamento próprio nessa área se apegou aos rudimentos que lhe foram sendo fornecidos por esses outros ignaros: o guru destrambelhado e seus seguidores familiares, conselheiros da tropa conspiratória, até que irrompeu, em 2016-17, o “modelo” americano que lhe serviu de guia “espiritual” nesse mundo para ele totalmente desconhecido, mas similar em estilo e objetivos: confrontar o “comunismo” (China), o globalismo, a ONU, as ONGs progressistas de DH e da pauta da sustentabilidade ambiental, enfim todo o progressismo do politicamente correto que pontifica nessas áreas. Trump foi a inspiração que lhe faltava para “conformar” essa “visão do mundo” precária, essa Weltanschauung tosca que JMB sempre exibiu nos temas externos. Quando não se tem nada na cabeça, qualquer coisa serve: instintos primitivos e raciocínio tosco passam na frente de qualquer elaboração mais sofisticada em assuntos internacionais.

 

Pois é esse o “mundo” primário, grotesco, antidiplomático, ao qual tinha de se moldar qualquer pretendente a mero executor servil dessas poucas “ideias” (todas elas equivocadas) que estivesse disposto a servir o capitão ignorante à frente do Itamaraty. Por acaso surgiu um...

 

Naquela onda de refluxo da esquerda, de ascensão precária de impulsos de uma direita grosseira, sem doutrina, sem ideias, com vários saudosistas da ditadura militar, que surgiu no Brasil no contexto da crise política e econômica e do impeachment de 2016, coube a um herdeiro daqueles tempos sombrios esse papel de operador fiel das concepções destrambelhadas dos novos donos do poder. Tinha de ser um operador confiável daquelas poucas ideias confusas sobre o papel do Brasil na Grande Aliança Conservadora que se desenhava na era Trump. Por acaso, não mais que por acaso, apareceu um artigo providencial “Trump e o Ocidente”, que JMB nunca leu — e que, se “lesse”, não compreenderia patavina — mas que serviu de catapulta oportunista e oportuna para que o guru expatriado, o Rasputin de Subúrbio designasse seu autor como o “homem certo no lugar certo” para executar o projeto trumpista desenhado pelos Bolsonaros para orientar a “nova política externa do povo brasileiro”. 

A encomenda excedeu as expectativas: nunca se viu sabujo tão obediente à frente do Itamaraty, cujo corpo profissional ficou estupefato com a escolha e designação. As surpresas desabaram sobre a Casa, como uma espécie de intervenção externa num ministério normalmente cioso de sua competência e até mesmo excelência na condução de praticamente todos os assuntos das relações exteriores do país.

E as “realizações” revelaram-se muito piores do que quaisquer antecipações nessas áreas: o Itamaraty foi descendo na escala dos horrores e o Brasil despencando na sua imagem e reconhecimento externo.

De fracasso em fracasso, as apostas foram sendo dobradas, sempre com o olhar satisfeito do chefão despreparado: afinal de contas, ele tinha vindo para destruir, não para construir qualquer nova concepção de uma “política externa para o povo”, como não cansava de repetir o fiel escudeiro da falta de ideias do capitão.

Uma constatação se impõe quanto à chefia do Itamaraty: EA vive num mundo paralelo que teve de criar para ser aceito pelos tresloucados do antiglobalismo, e foi, ao longo do exercício, aceitando e reforçando as loucuras e obsessões do capitão ignorante para se conformar a um molde artificial, o que aprofundou seu desequilíbrio emocional. Em algum momento entrou em parafuso, como transpareceu em certas tiradas feitas para agradar a seus amos e encantar a plateia de beócios que o aplaudem nas redes sociais. Os devotos do bolsonarismo são tão ignorantes quanto seu suposto líder, sem o cálculo político que anima o capitão em seu projeto de poder. O chanceler acidental é outra coisa: possui leituras, como o sofista da Virgínia, mas coloca tudo isso a serviço de chefes ignorantes, aos quais precisa se nivelar de forma medíocre e subordinada para se manter no cargo. 

Imagino que deva ser difícil encaixar-se na extrema precariedade das diretrizes que lhe oferecem ou são sugeridas para se manter na posição que ocupa de modo muito precário (mas conveniente para is que mandam nele).

 

O resultado final, em termos práticos, é que o Brasil deixou de existir como interlocutor fiável para os principais parceiros que o país mantinha até 2018 no plano internacional, na região e fora dela. As perdas concretas ainda não foram todas contabilizadas — embora as que resultaram da extrema subserviência a Trump possam ser calculadas —, mas as perdas potenciais começam a se acumular e a se precipitar, em especial no tocante ao meio ambiente. 

O fato é que JMB, EA e os demais “formuladores” e executores de uma política externa e de uma diplomacia miseráveis encolheram o Brasil no mundo. 

A recuperação será muito dura e incerta. 

Este é o legado de um bando de ignaros na condução das relações exteriores do país: um cenário de devastação e de fracassos.

 

Meu papel, nessa questão, é apenas o de, como diplomata profissional, apontar as imensas distorções que reduziram a pó a credibilidade do nosso serviço exterior. Não possuo, na condição de servidor graduado lotado no Arquivo, nenhuma condição para mudar o que quer que seja nesse cenário de terra devastada: apenas denunciar e esperar que o quadro de horrores tenha fim o mais pronto possível.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3852, 6 de fevereiro de 2021

 

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Google Alerts sobre "política externa brasileira": cada matéria mais deprimente que a outra...

 Os alertas do Google não conseguem trazer NENHUMA notícia positiva para o chanceler acidental, para a sua desastrosa política externa (que na verdade não existe, como alertam várias das matérias aqui selecionadas), para o desgoverno do capitão, para o Brasil. Todas são profundamente deprimentes, vergonhosas para o corpo profissional do Itamaraty, para a nação como um todo...

Quem fala muito em soberania, é porque, no fundo, tem o pressentimento de que ela não está sendo suficientemente defendida, e de fato é isso que ocorre, pois esse bando de malucos alienou a nossa soberania a um mentecapto estrangeiro, um pouco mais poderoso do que os mentecaptos nacionais.

Nem dá vontade de abrir qualquer uma dessas matérias, pois elas dizem o que já sabemos.

Paulo Roberto de Almeida

Google
politica externa do Brasil
Atualização semanal  21 de dezembro de 2020
NOTÍCIAS 
Publicado em 20/12/2020 - 09:42 Por Agência Brasil - Brasília. O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araujo, será entrevistado neste domingo (20) ...
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A destruição da política externa. O País nunca esteve tão isolado e os interesses nacionais nunca foram tão mal defendidos.
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A rejeição do Senado à indicação do embaixador Fabio Marzano para a delegação do Brasil junto à ONU em Genebra (Suíça) foi um recado político ...
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... do Brasil, com consequências para as políticas externa e interna do país, ... e externa americana, será um tema delicado na relação com o Brasil”, ...
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Profissionais não podem reclamar quando permitem que amadores mandem na política externa. William Waack, O Estado de S.Paulo.
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Em dois anos de governo, a política de Araujo-Bolsonaro só rendeu ao Brasil perda de prestígio e influência, isolamento e desmoralização. Mas a ...
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Sem política externa. Governo não moveu uma palha para evitar a perda do poder de voto do Brasil na ONU.
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Com as eleições americanas no horizonte e o alinhamento do Brasil à política externa dos Estados Unidos, diz Caramuru, o presidente e a ...
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Especialistas em política externa, no entanto, demonstram certo ceticismo com a perspectiva de uma adesão rápida do Brasil como membro.

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Do lado do Brasil, vemos uma politização histórica da política externa", afirma Guilherme Casarões, professor de relações internacionais da ...
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sábado, 7 de novembro de 2020

Derrota de Trump interrompe delírios internacionais de Bolsonaro - Eliane Cantanhede


 

COLUNISTA

Eliane Cantanhêde

Caindo na real

Se Trump perder, arrasta junto a política externa e os delírios internacionais de Bolsonaro

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo

06 de novembro de 2020 | 03h00

O Brasil é o Brasil, o presidente Jair Bolsonaro é o presidente Jair Bolsonaro. O que é bom para o Brasil não é necessariamente bom para Bolsonaro e a recíproca é verdadeira. Aliás, muitas vezes é o oposto. O risco de derrota de Donald Trump é também de Bolsonaro, com sua política externa e seus delírios ideológicos, mas não para o Brasil, que lucra com um mundo melhor.

Com Trump e os Estados Unidos era uma coisa, sem ambos é outra. O projeto de um mundo de extrema direita vira um sonho (ou pesadelo) de uma noite de verão. É hora de acordar e cair na realidade – que, aliás, não está fácil, com pandemia, economia quebrada, dívida pública descontrolada e milhões de desempregados. O caos não é ideológico, é real.

Em 2018, após a vitória do pai, o deputado Eduardo Bolsonaro patrocinou a Cúpula Conservadora das Américas, em Foz do Iguaçu, como contraponto ao Foro de São Paulo, das esquerdas, mas a sociedade não deu bola para um nem para o outro. Em 2019, no primeiro ano de governo, ele voltou à carga, anunciando “o maior evento conservador do mundo” em São Paulo, mas só se ficou sabendo que o filho 03 foi recebido aos gritos de “mitinho” e que o seu guru só apareceu no telão, direto da Virgínia.

O 03 orna a parede da sala de jantar com um rifle (ou sei lá o que é aquilo), fritou muito hambúrguer nos EUA, desfilou com o boné da reeleição de Trump e passou vergonha ao ser indicado pelo papai para ser embaixador em Washington. Por sorte (dele e do Brasil), os senadores avisaram que era um pouco demais.

A ideia morreu, mas o delírio conservador – e autoritário – sobreviveu. Em fevereiro deste ano, o chanceler Ernesto Araújo – que definiu Trump como o único Deus capaz de salvar o Ocidente – foi a Washington para a criação, com EUA, Hungria e Polônia, de uma “Aliança Internacional pela Liberdade Religiosa”. O carimbo de “religiosa” escamoteava algo muito mais ambicioso.

O passo seguinte seria a ida do próprio presidente Bolsonaro à Hungria e à Polônia, ainda neste segundo semestre, para consolidar a aliança da extrema direita. Por ironia, a pandemia de Covid 19, tratada com igual ignorância por Trump e sua réplica brasileira, impediu a empreitada. Sem a reeleição de Trump, o que Bolsonaro poderia fazer agora em Budapeste e Varsóvia? Só chorar as mágoas.

O democrata Joe Biden não tem nada de socialista, diferentemente do que disse Trump e os cubanos e venezuelanos da Flórida engoliram. Biden é um liberal na economia, antirracista, defensor de minorias, direitos humanos, meio ambiente Acordo Climático de ParisONUOMC OMS. Eleito, interromperá as investidas de Trump e dos Bolsonaro, calcadas em ódios e armas, sob inspiração do mentor da extrema direita internacional, Steve Bannon, que nem Trump aguentou e anda às voltas com a polícia.

Sem Trump e EUA, evaporam o projeto ultra conservador e política externa de Bolsonaro. Bolsonaro chutou China e Europa porque tinha Washington na retaguarda, mas, agora sozinho, repete o muxoxo de que as potências querem nos tomar a Amazônia e empurrar a América do Sul para a esquerda. Não tem pé nem cabeça tanto que, sob a perspectiva de vitória de Biden, as Bolsas subiram, o dólar caiu no Brasil. Esse mercado está cada vez mais socialista...

Com a cabeça no lugar, o vice-presidente Hamilton Mourão trata a China com pragmatismo e lembra que a relação entre Brasil e EUA é entre Estados, não entre pessoas. É um claro contraponto a Bolsonaro, tão candidato a perdedor quanto Trump. O Brasil, porém, não perde nada com o equilíbrio político e pessoal de Joe Biden e a obrigação de voltar fazer política externa. Bolsonaro e Ernesto Araújo são capazes de fazer?

*COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO, DA RÁDIO JORNAL E DO TELEJORNAL GLOBONEWS EM PAUTA

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quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Um Ornitorrinco no Itamaraty: crônicas do Itamaraty bolsolavista - Ereto da Brocha (o cronista misterioso)

Tendo recebido estas crônicas paulatinamente, ao longo das últimas semanas, desde agosto, resolvi compilar as duas dúzias recebidas numa brochura, que coloco agora à disposição dos interessados. 


“Um Ornitorrinco no Itamaraty: crônicas do Itamaraty bolsolavista”, Brasília, 5 novembro 2020, 35 p. Compilação de 24 crônicas do cronista misterioso, um diplomata aposentado que se apresenta como “ministro Ereto da Brocha”, publicadas individualmente no blog Diplomatizzando, e agora reunidas em uma brochura. 

Índice

 

 

Nota liminar à 2ª. edição das Crônicas do Itamaraty bolsolavista

Introdução pessoal às crônicas do diplomata anônimo 

Paulo Roberto de Almeida

 

Crônicas recebidas até 4/11/2020

 

1. O papel do asno na sociedade brasileira (semana 01) 

2. Gusmão rendido  (semana 02)

3. Pela restauração! (semana 03)

4. Franjas lunáticas (semana 4) 

5. O Anti-Barão (semana 05) 

6. Alienáveis alienígenas (semana 06) 

7. Nobel (semana 07) 

8. Sussurram os Corredores (semana 08) 

8bis. Bolo de Laranja Lima (semana 08-bis) 

9. Meu caro amigo (semana 09) 

10. Aos fatos (semana 10) 

11. Kejserens nye Klæder (semana 11) [As Roupas Novas do Rei] 

12. A Era do Rádio (semana 12) 

13. Era uma vez na Arábia um homem chamado Abu (semana 13 - Parte 01) 

14. ABU V, o heterônimo (semana 14 - Parte 02)

15. O estranho caso de Abu (semana 15)

16. A jornada do herói (semana 16) 

17. Rumo à Idade Média (semana 17) 

18. Patriotas (semana 18)

19. Os leitões de Niemöeller (semana 19) 

20. Receita contra o globalismo (semana 20) 

21. O Ig Nobel (semana 21) 

22. O Discurso [na ONU] (semana 22) 

23. As cinzas de Pompeia (semana 23) 

24. Réquiem para um povo (semana 24)  

 

Um cronista misterioso anima a RESISTÊNCIA no Itamaraty 

Paulo Roberto de Almeida

Postado na plataforma Academia.edu; link:

https://www.academia.edu/44437505/Um_Ornitorrinco_no_Itamaraty_cronicas_do_Itamaraty_bolsolavista_Ereto_da_Brocha_2020_

Nota liminar à 2ª. edição das 

Crônicas do Itamaraty bolsolavista

 

Um cronista (até aqui) misterioso

 

No dia 20 de agosto de 2020 recebi, de um colega de carreira, uma dúzia de arquivos assinados com um nom de plume, nitidamente de um diplomata aposentado, empenhado em criticar os descaminhos do Itamaraty bolsolavista. Eles foram seguidos, nas semanas seguintes, por mais uma dúzia, perfazendo, até aqui, 24 crônicas saborosas.

Li, gostei, e resolvi republicar, por minha conta e risco, no Diplomatizzando, uma por uma destas crônicas, que tratam todas da lamentável situação do Itamaraty sob a gestão atual governo aloprado. Elas foram redigidas certamente por um diplomata experiente, mas já aposentado, o que o coloca ao abrigo de retaliações maciças que possam aflorar no cérebro confuso do seu principal objeto, o ornitorrinco que vive submergido, fora do alcance da imprensa e do escrutínio dos próprios colegas.

Como detectei grande interesse no material, resolvi compor uma pequena brochura para colocar essas crônicas de um autor ainda desconhecido à disposição dos interessados, consolidando o material recebido com pequenas introduções a cada uma delas e uma introdução geral ao conjunto, todos esses textos feitos claramente de improviso, no calor da hora.

Acredito que o cronista anônimo vai continuar se exercendo nas doçuras da crítica sarcástica, mas não tenho contato com ele. Dependo de colegas que recebem e me repassam o material, que não sei exatamente como circulam. O fato é que essas crônicas são lidas com indizível prazer pela nossa corporação de ofício, que assim pode desfrutar (ainda que clandestinamente) do sarcasmo que são a sua marca irrecusável.

Numa conjuntura de tantos absurdos e bizarrices, a maior parte composta de declarações presidenciais imensamente constrangedoras para nosso país, internamente e externamente, uma das reações usadas em todas as épocas é a derrisão, ou seja, a ironia ferina, ou sarcástica, usada como armas da crítica, desde Erasmo e Swift, até nossos dias. Dois dos nossos saudosos cronistas de costumes, Stanislaw Ponte Preta – autor do (hoje de mais rara menção, mas inesquecível) Febeapá, o “Festival de Besteiras que Assola o País” – e Millôr Fernandes, também conhecido como Vão Gogo, se sentiriam à vontade e escreveriam novas crônicas impagáveis sobre os atuais pândegos do poder estabelecido.

Se eu tivesse de dar um conselho ao nosso cronista misterioso, eu pediria que ele datasse, pelo calendário efetivo, cada uma de suas saborosas crônicas, pois o registro cronológico é importante para a história, uma vez que o Brasil necessita ter um registro preciso destes tempos tão pouco memoráveis, não convencionais, em nossa vida de retinas fatigadas pelas pedras no caminho que temos de enfrentar em nossa incerta trajetória em direção a um vago futuro.

Em todo caso, desejo uma excelente continuidade no bom trabalho que vem sendo desenvolvido pelo cronista misterioso. Não sei se a Funag, em alguma administração futura, poderá publicar estar crônicas de costumes, mas fica a sugestão, talvez num estilo não muito diferente daquele seguido, no século XIX, por uma dupla que se exercia nesse tipo de crítica: Bouvard e Pecuchet. 

  

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 24 de agosto, 4 de novembro de 2020

 

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Ser pária - Merval Pereira (Globo, 23/10/2020)

Ser pária

Merval Pereira

O Globo, sexta-feira, 23 de outubro de 2020

O resultado da eleição presidencial dos Estados Unidos pode ser fundamental para o resto do mundo, mas especialmente para países como o nosso, governado por extremistas de direita que sentem-se protegidos pela “relação carnal” com a administração Trump.

O presidente Bolsonaro ainda tem em mente a ideia de uma China comunista que quer dominar o mundo. Realmente, ela quer, como todo potência, mas com armas capitalistas, investimentos e produção, o que faz parte do jogo do capitalismo internacional. O Brasil tem que se aproveitar da sua importância geopolítica para tirar vantagens dos EUA, da China e da Europa, e não ficar entregue aos EUA, fazendo a política de Trump, que até agora não nos deu nada em vantagem. 

Se Joe Biden vencer a eleição americana, vai ficar difícil dar continuidade à política externa brasileira, porque o governo democrata vai exigir contrapartidas importantes do Brasil, especialmente na política ambiental. Com essa briga com a China, corremos o risco de virarmos párias mundiais, sem aliados, se EUA e Europa se unirem e voltarem a nos pressionar na questão do meio ambiente, o que é provável com a vitória de Joe Biden.

O chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, um dos pilares da visão extemporânea de mundo que rege esse governo, anunciou ontem aos formandos do Instituto Rio Branco que o Brasil está disposto a ser um ‘pária internacional’ se for pela defesa da ‘liberdade’. 

Segundo ele, na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas deste ano, os presidentes Bolsonaro e Trump “foram praticamente os únicos a falar em liberdade”. Para Ernesto Araújo, a ONU “foi fundada no princípio da liberdade, mas a esqueceu”. Ele acredita que o Brasil é o porta-voz da liberdade pelo mundo, e “se isso faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”.

Para Araújo, “talvez seja melhor ser esse pária deixado ao relento, do lado de fora, do que ser um conviva no banquete do cinismo interesseiro dos globalistas, dos corruptos e semicorruptos”. Globalismo é como os direitistas mais radicais chamam a globalização, e o “banquete” seriam os organismos internacionais como a ONU ou a Organização Mundial da Saúde (OMS) que representam a ideia de um mundo multipolarizado, mas que a direita internacional critica por, nessa visão, serem controlados por uma orientação esquerdizante do mundo, que quereriam impor a todos os países.

Os organismos internacionais, comandados por pessoas que não foram eleitas, querem impor ao mundo uma visão unificada, impedindo que as nações exerçam sua soberania. Como já disse o chanceler Ernesto Araújo, o globalismo seria “a configuração atual do marxismo”.

Mesmo com essa visão estereotipada das relações internacionais, o Brasil não tem se esquivado de se aliar a ditaduras, mesmo a chinesa, para defender seus pontos de vista sobre direitos humanos no Conselho da ONU, alterando fundamentalmente a posição tradicional brasileira a respeito do tema.

Em junho, apoiou uma resolução proposta por China, Cuba, Venezuela, Irã e Síria, que acabou aprovada, reduzindo o âmbito de atuação do Conselho dos Direitos Humanos, transformando-o em um lugar de debate de cooperação, e não de monitoramento de violações dos direitos humanos no mundo. 

Juntamente com essas ditaduras, o Brasil tem recebido muitas críticas com respeito à violação dos direitos humanos, sobretudo de indígenas e minorias. O Brasil também se aliou a governos autoritários como Arábia Saudita , Paquistão, Egito e Iraque sobre direitos sexuais das mulheres, propondo, entre outras coisas, retirar o tema “educação sexual” das prioridades da ONU.

Nos documentos brasileiros, não há mais referências a temas como tortura, gênero, LGBT, desigualdade, e, juntamente com a Arábia Saudita, defende o fortalecimento da família com “pai e mãe”. Os crimes do ditador Duterte, das Filipinas, cometidos na guerra às drogas, não tiveram o voto do Brasil para uma investigação. Já somos, portanto, párias em diversos setores da sociedade internacional, e não acompanhamos mais os países progressistas da Europa ou mesmo da América Latina.


quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Perspectivas para as relações internacionais do Brasil: desafios de uma diplomacia ideológica - Paulo Roberto de Almeida

 Perspectivas para as relações internacionais do Brasil:

desafios de uma diplomacia ideológica

 

Paulo Roberto de Almeida

Notas para palestra para estudantes de RI da USP, a convite do Instituto Brasileiro de Debates; dia 28/10 às 20h, via zoom; disseminado via YouTube (link: https://youtu.be/xoOyjqahJRI). 

 


Questões selecionadas para exposição e debate: 

1) O sistema global: multilateralismo, direito internacional, política de poder

     Como a diplomacia brasileira vê o mundo e o papel dos principais atores

2) As Nações Unidas: reforma da Carta e conquista de cadeira no CSNU

     Uma velha aspiração, por vezes uma obsessão, o G-4 e as ilusões diplomáticas

3) A OMC e o esgotamento das negociações comerciais multilaterais 

     Brasil: ator diplomático relevante, a despeito da pequena participação nos fluxos

4) As relações bilaterais, em especial com países em desenvolvimento 

     A lenta construção de uma liderança, nem sempre bem orientada ou bem-sucedida

5) OCDE, G7; OTAN e os dilemas dos emergentes; como quebrar barreiras?

     Penetrar no inner circle, sem necessariamente entrar no clube; dupla personalidade?

6) Brasil, membro do BRICS: divergências, assimetrias, novas ilusões

     O peso de uma herança diplomática: o que fazer com cúpulas e com um banco? 

7) Mercosul: a escolha estratégica desde os anos 1990, necessitando reformas

     De um projeto de mercado comum às realidades da desintegração: o que fazer?

8) Relações com a Argentina: a mais importante relação, no mais baixo ponto

     Compromissos e não-soluções: fuga para a frente, em lugar de enfrentar os problemas

9) Relações com a China: a dimensão mais crucial do presente e do futuro do país 

     Objetivos múltiplos, estratégias diferentes para cada carência percebida do Brasil

10) Relações com a União Europeia: quais são as prioridades?

     A grande ilusão de um acordo comercial generoso: enfrentando as duras realidades

11) Relações com os Estados Unidos: da negligência benigna ao servilismo? 

Ups and downs de uma relação não muito especial: distância e proximidade

12) A ferramenta diplomática do Brasil: existe coerência na política externa?

     O processo de tomada de decisões: atores, iniciativas, orientações subjacentes. 


[Brasília, 9 de outubro de 2020]