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terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Ministério da Economia quer ter sua representação em Washington: é prêmio ou é trabalho sério?

 Ministério usa queda na captação de fundos para justificar base nos EUA

Nota técnica defende criação de escritório da Economia em Washington
Por Daniel Rittner — De Brasília
Valor Econômico, 14/12/2021 05h00

A alocação de recursos em ativos no Brasil por fundos internacionais (de pensão, private equity, soberanos) está caindo significativamente e atingiu o patamar mais baixo dos últimos 16 anos. Atualmente o país representa apenas 0,23% dos aportes globais e 5,10% dos investimentos em mercados emergentes, segundo números levantados pelo BTG Pactual e compilados em nota técnica da equipe econômica para justificar a criação do Escritório de Representação do Ministério da Economia no Exterior.

Em dezembro de 2018, às vésperas da troca de governo, a participação brasileira na carteira dos fundos estrangeiros era de 0,54% no total de desembolsos e de 7,69% entre aqueles destinados especificamente aos emergentes. No auge, em dezembro de 2005, essa parcela era respectivamente de 0,88% e de 12,72%

O escritório deverá ter sede em Washington e ser chefiado pelo secretário especial de Produtividade e Competitividade, Carlos Da Costa, um dos últimos sobreviventes da equipe original do ministro Paulo Guedes. Na nota técnica que embasa o decreto presidencial de criação da nova estrutura, a justificativa é de que o escritório facilitaria a interlocução com investidores e seria capaz de atrair mais recursos. A nomeação do secretário ocorreria por portaria, depois do decreto.

“[O escritório] visa preencher uma lacuna técnica no que se refere aos avanços e transformações econômicas e institucionais do país nos últimos anos”, afirma um trecho do documento, que foi obtido pelo Valor. “O relacionamento direto entre o Ministério da Economia e atores internacionais, em alinhamento com o Ministério das Relações Exteriores, garante maior efetividade na comunicação estratégica dessas ações.”

De acordo com o texto, o escritório deverá ter duas pessoas - um chefe e seu assessor -, ambas necessariamente com pelo menos um ano de experiência no Ministério da Economia e ainda vínculo formal com a pasta. Elas precisarão da “senioridade máxima possível”, equivalente à de um ministro de primeira classe (embaixador) e de um ministro de segunda classe no Itamaraty.

“Washington DC seria a cidade ideal, pela concentração de think tanks, interlocutores públicos e o alinhamento com a Embaixada do Brasil, que já possui programas e planos para estreitar relações com representantes do Executivo e do Legislativo do país, além de organismos internacionais. Além disso, Washington fica próxima o suficiente de Nova York e Miami para eventos e reuniões de um dia, além de ter logística excelente para eventos na Costa Oeste e na Europa (onde estão os maiores investidores, após os EUA)”, diz a nota técnica.

O governo, no entanto, jamais havia citado a ausência de um escritório do Ministério da Economia no exterior como uma das razões para capturar menos recursos internacionais em ativos brasileiros. A própria equipe econômica já havia atribuído essa dificuldade a cláusulas estatutárias dos fundos estrangeiros. Muitos estão impedidos de fazer desembolsos em países fora da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) ou que não possuem grau de investimento pelas agências de classificação de risco, uma condição perdida pelo Brasil em 2015.

Outro ponto muito comentado por gestores de fundos de investimento é a falta de incentivos específicos nas atuais regras das debêntures de infraestrutura, que oferecem isenção de Imposto de Renda. Só quem compra esses papéis como pessoa física goza do estímulo tributário. A nova lei de debêntures, já aprovada na Câmara, muda essa abordagem e coloca o incentivo na emissão dos títulos, facilitando investimentos por fundos. O projeto, porém, ainda depende de avanços no Senado.

A representação do Ministério da Economia foi mal recebida por muitos diplomatas, que enxergam sobreposição com o setor comercial da embaixada em Washington e os dois  escritórios da Apex nos EUA. Eles já têm como prioridade o diálogo com potenciais investidores e a atração de recursos. Fontes da equipe econômica rebatem que países como Reino Unido e Colômbia possuem estrutura semelhante, ligada às pastas congêneres.

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/12/14/ministerio-usa-queda-na-captacao-de-fundos-para-justificar-base-nos-eua.ghtml

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Mercosul em seu "annus horribilis", sob responsabilidade do Ministério da Economia - Rubens Barbosa

MERCOSUL: ANNUS HORRIBILIS

 

Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 9/11/2021


Na última sexta-feira, 5, o governo brasileiro reduziu em 10% as alíquotas ad valorem do Imposto de Importação de aproximadamente 87% do universo tarifário, sem abranger as exceções já existentes no Mercosul. Foram excluídos os setores de calçados, têxteis, automóveis, autopeças, brinquedos, entre outros. As alíquotas serão temporária e excepcionalmente reduzidas até 31 de dezembro de 2022, ao amparo do disposto na alínea "d" do artigo 50 do Tratado de Montevidéu de 1980 (TM-80), da ALADI, que prevê a possibilidade de adoção de medidas voltadas para a proteção da vida e da saúde das pessoas. O recurso a esse dispositivo foi justificado pela situação de urgência trazida pela pandemia de Covid-19 e pela necessidade de poder contar, de forma imediata, com instrumento que possa contribuir para aliviar seus efeitos negativos sobre a vida e a saúde de população brasileira e para reduzir a inflação, argumento que está longe de corresponder à realidade, para não chamar de “fake news”. Segundo comunicado oficial, o Brasil permanece plenamente engajado nas negociações em curso no Mercosul e tem trabalhado intensamente, no âmbito do Mercosul, para promover a revisão da Tarifa Externa Comum (TEC), que, em seus mais de vinte e cinco anos de existência, jamais sofreu um processo de reforma integral. Dentro desse espírito, continua a nota, o Brasil reiterou o caráter excepcional e temporário da decisão, reafirmou seu compromisso com o Mercosul e informou ter a redução da TEC seguido os parâmetros acertados com a Argentina e o Paraguai.

 

A decisão unilateral do Brasil, embora apoiada pela Argentina e Paraguai, é um duro golpe contra o Mercosul. A responsabilidade por essa violação do Tratado de Assunção de 1991 cabe exclusivamente ao Ministério da Economia, que, com pouca sensibilidade política, ignorou o valor estratégico do Mercosul para o Brasil, em especial para a indústria, e desconheceu as regras mais elementares para o cumprimento dos compromissos internacionais assumidos pelo país. Contra a posição do Itamaraty, o ministério da Economia, segundo se informa, estava disposto a apoiar a posição do Uruguai de flexibilizar as regras do Mercosul para permitir a negociação individual daquele país com a China. O Uruguai por seu lado, esticou ao máximo a corda, ao vincular seu apoio à rebaixa da TEC ao respaldo do Brasil `a proposta de flexibilização.

Na prática, o Tratado de Assunção foi duplamente desrespeitado, durante a presidência do Brasil, pela quebra da cláusula de consenso para a tomada de decisões e pela decisão unilateral brasileira. Foi também desrespeitado quando o ministério da Economia atropelou a coordenação do processo de negociação que cabe ao Itamaraty pelo Tratado de Assunção, com a omissão da Presidência na arbitragem dessa diferença de posição entre os dois ministérios. Sem base legal no Mercosul, a decisão teve de ser baseada no TM-80. Amparado nesse precedente, nada impede que o Uruguai decida unilateralmente seguir adiante com a negociação com a China.

De todo esse lamentável episódio, que enfraquece ainda mais o Mercosul, o ministério da Economia será responsabilizado pela eventual ruptura do subgrupo regional. A única solução será tentar convencer o Uruguai a não vetar a redução da TEC, legalizando-a, ao “mercosulizar” a decisão, como o ministério da Economia espera possa acontecer. Na hipótese de Montevidéu seguir adiante com as negociações comerciais unilaterais, não haverá alternativa senão pedir ao Uruguai que cumpra o que ameaçou fazer: desembarcar do Mercosul (UREXIT). Será inaceitável para os interesses brasileiros, sobretudo industriais, ter as exportações chinesas entrando no Brasil com as regras de origem atuais e com tarifa zero. Não acredito que o governo chinês queira assumir uma posição de confronto com o Brasil e assinar um acordo comercial com uma economia da escala do Uruguai, quando comparada com a do Brasil.

A decisão unilateral de redução da TEC foi um precedente que poderá ser questionado por setores industriais, com boas chances de sucesso, em vista do inegável descumprimento do Tratado de Assunção.

 

A discussão sobre o futuro do Mercosul tornou-se urgente. Não se trata de um debate teórico e no vácuo. Há uma situação real em curso no Mercosul comercial que tem de ser examinado, acima de qualquer outra consideração, `a luz dos interesses concretos nacionais, levando em conta as novas realidades geopolíticas globais que apontam para o fortalecimento da regionalização e a multiplicação de acordos regionais e bilaterais de comércio, com novas regras que afetarão a todos os países. Ao contrário do que ocorre na América do Sul, sob o olhar complacente do Brasil. O fim do Mercosul como união aduaneira não é uma alternativa nem para o governo, nem para o setor privado.

 

A posição do Brasil, a médio e longo prazo, em relação à integração regional e ao Mercosul vai depender do resultado da próxima eleição. Dependendo do resultado dela, deveria haver uma revisão dessas políticas, para aprofundá-las e fortalecê-las como resposta a globalização e na defesa do interesse nacional.

 

Ao completar seu 30º.aniversario, 2021 se tornou o “annus horribilis” do Mercosul.

Rubens Barbosa, ex-coordenador nacional do Mercosul (1991-1994)