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quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Livro: Caste: the origins of our discontents By Isabel Wilkerson

 Um livro que não é propriamente um estudo sociológico, ou antropológico, mas uma reportagem com base nas histórias vividas de três sistemas de casta: o da sociedade Nazi (os arianos), o da Índia (milenar, num sistema rígido) e o dos Estados Unidos atuais, como a autora apresenta neste excerto abaixo. 


Caste: the origins of our discontents

By Isabel Wilkerson 

New York: Random House, 2020


A caste system is an artificial construction, a fixed and embedded ranking of human value that sets the presumed supremacy of one group against the presumed inferiority of other groups on the basis of ancestry and often immutable traits, traits that would be neutral in the abstract but are ascribed life-and-death meaning in a hierarchy favoring the dominant caste whose forebears designed it. A caste system uses rigid, often arbitrary boundaries to keep the ranked groupings apart, distinct from one another and in their assigned places. 


Throughout human history, three caste systems have stood out. The tragically accelerated, chilling, and officially vanquished caste system of Nazi Germany. The lingering, millennia-long caste system of India. And the shape-shifting, unspoken, race-based caste pyramid in the United States. Each version relied on stigmatizing those deemed inferior to justify the dehumanization necessary to keep the lowest-ranked people at the bottom and to rationalize the protocols of enforcement. A caste system endures because it is often justified as divine will, originating from sacred text or the presumed laws of nature, reinforced throughout the culture and passed down through the generations. 


domingo, 30 de agosto de 2020

Cultura e barbárie no Terceiro Reich - José Cabrita Saraiva

Cultura e barbárie no Terceiro Reich

José Cabrita Saraiva
jose.c.saraiva@sol.pt

https://sol.sapo.pt/artigo/706956

Quando o Presidente Paul von Hindenburg apontou Hitler como chanceler, a 30 de janeiro de 1933, de imediato o aparelho nazi pôs em marcha um plano para imprimir os seus preceitos e valores em todas as dimensões da vida alemã. «As revoluções nunca se limitaram à esfera puramente política», defenderia Joseph Goebbels, o infame ministro da Propaganda, em novembro desse ano. «Estendem-se a todas as áreas da existência social humana. A economia e a cultura, a academia e as artes, não estão ao abrigo do seu impacto».
Não por acaso, algumas das primeiras medidas postas em prática visaram aquilo a que os nacional-socialistas chamavam ‘bolchevismo cultural’. Por um lado, porque o novo poder acreditava que estas criações transmitiam valores errados ao povo alemão, e assim inquinavam a pureza da alma germânica; por outro lado, porque era aí que se concentravam, além de judeus ou de bolchevistas propriamente ditos, muitos pacifistas, socialistas e figuras independentes, que jamais se identificariam com o novo regime.
Logo em 1933 foi levada a cabo uma «purga enorme dos artistas judeus, abstratos, semiabstratos e de esquerda, aliás, de quase todos os artistas alemães com fama internacional», escreve Richard J. Evans em O Terceiro Reich no Poder, recentemente editado em Portugal pelas Edições 70. Artistas como Oscar Kokoschka, Vassily Kandinsky ou Paul Klee, com as suas distorções e o seu compromisso com a liberdade, eram encarados como uma influência perniciosa para a sociedade.
Hitler e Goebbels tinham as suas próprias conceções acerca da vida cultural e não iam permitir que um grupo de «charlatães» e «incompetentes» – como o Führer chamava aos artistas que não lhe agradavam – comprometessem os seus objetivos. Com um misto de dura repressão e generosos incentivos, foi promovida uma estratégia concertada que atingiu os jornais, a rádio, o cinema, a música e a literatura, as artes plásticas, os museus e galerias. Na segunda parte – ‘A Mobilização do Espírito’ – deste segundo volume da sua trilogia, hoje considerada a grande obra de referência sobre o nazismo, Evans faz uma síntese magistral da vida cultural e espiritual na Alemanha no tempo de Hitler.
‘Uma guerra de limpeza implacável’
A dimensão estética do movimento nazi foi notória desde o início, com a sua aposta em símbolos impactantes, como a suástica, e os seus impressionantes desfiles noturnos à luz dos archotes. Com a chegada ao poder, esse aspeto acentuou-se e foi afinado. Heinrich Himmler, por exemplo, quando tinha sob a sua alçada toda a Polícia alemã, definiu ao pormenor como deviam ser as fardas dos guardas.
Hitler tinha especiais pretensões a esse nível. Afinal, ele próprio se dedicara à pintura durante a juventude – e há mesmo quem o veja como um artista frustrado, o que não andará longe da verdade. Depois de lhe ser recusado o ingresso na Academia de Belas Artes de Viena, sobreviveu, no limiar da miséria, como pintor de postais e de pequenos quadros de paisagens naturais ou edifícios antigos, que, embora não convençam os críticos, revelam alguém não completamente destituído de dotes.
Não será abusivo supor que o fracasso como artista lhe suscitou um inultrapassável ressentimento contra esta classe. Logo no famoso discurso do Grande Comício de Nuremberga, em setembro de 1933, «Hitler proclama que era chegada a altura de uma nova arte, de uma arte alemã», nota Richard J. Evans. Infelizmente, ao contrário da maioria dos políticos, Hitler cumpriu muitas das suas promessas, e tinha ao seu serviço uma máquina terrivelmente eficaz para as levar a cabo.
A célebre exposição de ‘arte degenerada’ (‘Entartete Kunst’), que abriu portas a 19 de julho de 1937 em Munique, foi o culminar de um processo de perseguição e difamação da arte moderna que conhecera muitos episódios anteriores. Diretores de museus e de galerias afetos ao partido nazi já haviam organizado mostras semelhantes, mas de menor dimensão e mediatismo, com títulos agressivos como ‘Câmara dos Horrores Artísticos’ ou ‘Espelhos da Decadência na Arte’.
Em Munique, as cerca de 650 obras confiscadas para o efeito foram selecionadas por diferentes motivos: umas por serem «borrões» mal executados; outras por terem sido criadas por artistas judeus; outras sob a acusação de serem pornográficas; outras ainda por atentarem contra Deus. Mas, no fundo, talvez o que mais incomodasse os responsáveis nazis fosse a forma como os artistas se estavam nas tintas para a tradição, desrespeitavam as convenções e desafiavam a autoridade. Por outras palavras, jogavam pelas suas próprias regras.
Hitler visitou a exposição antes de esta abrir ao público e emitiu uma opinião muito clara. Num discurso que teve lugar na véspera da inauguração declarou: «Travaremos uma guerra de limpeza implacável contra os últimos elementos de subversão da nossa cultura […]. No que nos diz respeito, estes pré-históricos e antediluvianos da Idade da Pedra e estes gagos da arte podem regressar às suas cavernas ancestrais para lá continuarem com os seus rabiscos».
A publicidade, ainda que negativa, teve efeitos espetaculares. «O aviso de que as crianças e adolescentes não podiam entrar porque as obras eram demasiado chocantes acrescentou um elemento de excitação que atraiu o público», nota Evans. A exposição de arte degenerada saldou-se por um sucesso estrondoso, com mais de dois milhões de visitantes em Munique e perto de três milhões quando a digressão que se seguiu chegou ao fim.
Uns queriam ver a ‘arte proibida’ porque a apreciavam e sabiam que tão cedo não teriam outra oportunidade para ver reunidas obras de mestres como Paul Klee, Henri Matisse ou Pablo Picasso; outros queriam apenas mostrar o seu desprezo pelos subversivos. Alguns chegaram a enviar telegramas para o Ministério da Propaganda a mostrar a sua indignação. Evans transcreve um desses comentários: «Os pintores deviam ter sido amarrados ao lado dos seus quadros para que todos os alemães lhes cuspissem na cara». Qualquer semelhança com a Revolução Cultural chinesa, que ocorreria três décadas depois, não será mera coincidência.
‘Vocês estão todos malucos’
Paralelamente à dos artistas proscritos, foi organizada uma outra exposição, para mostrar aqueles que mereciam ser apreciados. O título dizia tudo – Grande Exposição de Arte Alemã. Com pinturas e esculturas que veiculavam os valores ortodoxos defendidos pelo Estado, era o equivalente do que representava o Salon de Paris na França dos séculos XVII, XVIII e XIX.
Alguns artistas eram generosamente recompensados, como Arno Breker, o escultor favorito de Hitler, autor das duas enormes estátuas que ladeavam a entrada da chancelaria, e de monumentos espalhados por todo o território alemão. Outros viam as suas obras serem confiscadas, ridicularizadas ou mesmo queimadas em grandes piras que faziam lembrar as queimas de livros.
Mas a grande paixão de Hitler, que realmente o arrebatava, era a arquitetura. Talvez mais ainda do que um pintor frustrado, o Führer seria um arquiteto frustrado, como aliás confidenciou a Albert Speer, o arquiteto com quem passava horas e horas a discutir os seus planos megalómanos para Berlim – tão ambiciosos, de resto, que a transformariam numa nova cidade, Germania. «Todas as grandes eras encontram a expressão conclusiva dos seus valores nos seus edifícios», defendia.
«Em Munique, foram lançados os alicerces de uma gigantesca estação de comboios central destinada a ser a maior estrutura de aço do mundo, com uma cúpula mais alta do que os campanários gémeos do marco arquitetónico da cidade, a Frauenkirche», escreve Evans. «Outras cidades também seriam transformadas em enormes afirmações pétreas do poder e da permanência do Terceiro Reich. Hamburgo seria ornamentada com um arranha-céus – a nova sede regional do Partido Nazi – mais alto do que o Empire State Building em Nova York e encimado por uma enorme suástica de néon que serviria de farol para a navegação». A nova chancelaria tinha uma galeria que Hitler dizia com orgulho ter o dobro do comprimento da Sala dos Espelhos, em Versalhes. Por essas e por outras, quando Speer mostrou os novos projetos ao seu pai, este comentou: «Vocês estão todos malucos». Possivelmente não sabia como estava perto da verdade.
‘Algo positivamente inumano’
Para levar a cabo os planos do seu líder – que previa que as obras tivessem mudado a face de Berlim já na década de 50 – a Alemanha precisava de recursos que o seu território não poderia fornecer. Os sonhos megalómanos de Hitler acicataram a sede de conquistas do Terceiro Reich, mergulhando a Europa numa explosão de violência e destruição. A energia libertada pela eleição de Hitler acabaria por revelar-se fatídica a vários níveis.
No final do conflito, em 1945, a Alemanha ver-se-ia reduzida a escombros. Em cidades como Dresden ou Colónia pérolas da arquitetura do passado foram obliteradas pelos bombardeamentos dos Aliados. E os grandes edifícios públicos de Berlim não tiveram melhor sorte. As esculturas colossais de Arno Breker, que deviam transmitir virtudes viris de força, coragem e combatividade, acabaram derrubadas com facilidade. A arquitetura sólida da chancelaria nada poderia contra o poder do Exército Vermelho. Os projetos de Speer para a capital Germania, como a sua torre mais alta que o Empire State Building, não passariam nunca de um devaneio destinado a sobreviver apenas na escala miniatural de maquetes. E, ironia maior, acabariam por ser os soviéticos a ajudar a reconstruir muitos edifícios históricos transformados pelo excesso de ambição de Hitler em ruínas fumegantes.
No final, as políticas nacional-socialistas para a cultura não apenas tinham afunilado e mutilado a vida espiritual da Alemanha, como aquilo que pretendiam ser uma arte mais pura, edificante e elevada se desmoronou com estrondo.
Mas o Terceiro Reich, que tanta importância atribuía à dimensão estética, revelaria uma face ainda mais horrenda: a dos campos de concentração, onde milhões de seres humanos foram progressivamente explorados até se tornarem pouco mais do que almas penadas de pele e osso, e na maior parte dos casos literalmente reduzidos a cinzas nos crematórios.
Ainda hoje é estranho como estas imagens de puro horror não se tornaram insuportáveis para a sensibilidade de Hitler, o arquiteto frustrado que se dedicara à pintura na juventude; de Goering, que gostava de se rodear de belos objetos confiscados no seu pavilhão de caça; de Goebbels, que ficava chocado com a arte degenerada mas não com o sofrimento alheio; e de Heinrich Himmler, o arquiteto da Solução Final, que tivera uma educação esmerada da classe média culta.
William Shirer, um correspondente norte-americano (e autor do clássico The Rise and Fall of the Third Reich) que presenciou o Grande Comício de Nuremberga em 1934, a que assistiram 700 mil apoiantes, ficou «um pouco chocado com os rostos em especial das mulheres olhavam para ele como se fosse um messias, com as caras transformadas em algo positivamente inumano». No fundo, assim haveria de revelar-se o verdadeiro rosto do Terceiro Reich quando lhe caiu a máscara: distorcido, chocante e inumano.

terça-feira, 30 de junho de 2020

Crescimento do neonazismo no Brasil - Deutsche Welle

BRASIL

Dados indicam crescimento do neonazismo no Brasil

Cenário é visto em denúncias recebidas por ONGs, registros em delegacia especializada de São Paulo e pesquisa de antropóloga. Especialistas veem gestos do governo Bolsonaro como gatilho para aumento do extremismo.
 
Botas pretas sobre pedra
Grupos extremistas que propagam discursos de ódio contra minorias, embasados por argumentos nazistas e fascistas, estão aumentando no Brasil. Pesquisadora há 18 anos sobre movimentos do tipo, a antropóloga Adriana Dias, doutora pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), identificou um crescimento tanto no número de células neonazistas quanto no engajamento de seus integrantes nos últimos seis meses.
No fim do ano, segundo ela, estavam em atividade 334 grupos no país. Em junho, são 349. Mas o que mais aumentou não foi a quantidade de células, e sim o número de membros de cada grupo. Se há seis meses os engajados nesses grupos não passavam de 5 mil no Brasil, agora já são cerca de 7 mil.
Dias monitora periodicamente o cenário por meio de rastreamento das atividades desses grupos pela internet. "É como se uma parte do país tivesse perdido completamente o contato com a civilização", comenta ela, em conversa com a DW Brasil.
Sua pesquisa vai ao encontro de um levantamento da organização não governamental SaferNet Brasil, entidade brasileira que promove e defende os direitos humanos na internet.
Dados levantados com exclusividade para a DW Brasil mostram que este mês de junho de 2020 foi o período em que a ONG mais recebeu denúncias de neonazismo desde o início da série histórica, em janeiro de 2006. Foram 3.616 denúncias recebidas pela SaferNet sobre o assunto, referentes a 1.614 páginas diferentes, segundo números consolidados no dia 28 de junho.
Em junho de 2019, foram 31 denúncias, referentes a 25 páginas. O aumento, portanto, é de 11.564%. E a curva é ascendente. Em abril, foram 307 denúncias, referentes a 109 páginas; em abril de 2019, 87 denúncias e 46 páginas. Em maio deste ano, foram 498 denúncias e 204 páginas, frente a 53 denúncias e 42 páginas do mesmo mês do ano passado.
De acordo com a administração da ONG, depois de recebidas as denúncias, são coletadas evidências da materialidade dos crimes e disponibilizadas para análise e investigação do Ministério Público Federal, com quem a organização possui convênio.
Nazismo é crime no Brasil. O artigo 20 da lei 7.716/1989 ressalta que "fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo", é passível de "reclusão de dois a cinco anos e multa". O material deve ser recolhido imediatamente, e as mensagens ou páginas respectivas na internet devem ser retiradas do ar.
Conforme ressalta o advogado Rodolfo Tamahana, coordenador de pesquisa e professor da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília, o Brasil é signatário de dois acordos internacionais contra discriminações a minorias: a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1968 – integrada ao ordenamento jurídico brasileiro –; e a Convenção Americana de Direitos Humanos, mais conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, de 1992.
"Pessoas que participem ou não de grupos nazistas podem responder por crime caso fabriquem, comercializem, distribuam ou veiculem quaisquer símbolos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, com a finalidade de divulgar o nazismo. Nesse caso, para configurar o referido crime é necessária a intenção específica de divulgar o nazismo, não sendo suficiente, por exemplo, apenas a publicação da cruz suástica em um perfil pessoal do Facebook, de acordo com alguns julgados que encontramos", explica o professor.
"Falta penalização rígida nesse sentido", avalia o advogado criminalista José Beraldo, que atua na área desde 1981. Ele afirma que o atual cenário não favorece a "diminuição" dos casos.
Terreno fértil
Especialistas associam gestos do governo Jair Bolsonaro como gatilhos para essa onda neonazista. Além da política armamentista, atos recentes são associados ao movimento. Em janeiro, o então secretário de Cultura Roberto Alvim divulgou discurso parafraseando Joseph Goebbels (1897-1945), ministro da Propaganda da Alemanha nazista, com o compositor favorito de Adolf Hitler (1889-1945), Richard Wagner (1813-1883), ao fundo.
Ainda ministro da Educação, Abraham Weintraub declarou em reunião ministerial ocorrida em 22 de abril que odeia os termos "povos indígenas" e "povo cigano".
No início de maio, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência divulgou um post em redes sociais com frase que lembra slogan nazista. "Parte da imprensa insiste em virar as costas aos fatos, ao Brasil e aos brasileiros. Mas o governo, por determinação de seu chefe, seguirá trabalhando para salvar vidas e preservar o emprego e a dignidade dos brasileiros. O trabalho, a união e a verdade libertarão o Brasil", publicou o órgão, sobre a pandemia de covid-19. "O trabalho liberta" é a frase que os nazistas afixavam nas entradas dos campos de concentração.
Bolsonaro também compartilhou em seu Facebook um vídeo com a citação "melhor um dia como leão do que cem anos como ovelha", atribuída ao líder fascista Benito Mussolini (1883-1945).
Em live transmitida em 29 de maio, o presidente tomou um copo de leite. Ele argumentou que se travava de uma homenagem aos produtores rurais. Mas o gesto é visto como de conotação extremista, já que é adotado por supremacistas brancos.
"O aumento da atividade de células neonazistas no Brasil está diretamente associado à retórica violenta e discriminatória do governo Bolsonaro, que, ao sistematicamente estigmatizar grupos vulneráveis, acaba por legitimar e empoderar pautas do movimento neonazista, como a eugenia e a segregação de pessoas negras, LGBTs e estrangeiros não europeus", afirma, em nota, a organização SaferNet Brasil.
O ativista Agripino Magalhães, da ONG Aliança LGBT+, conta que os ataques em relação a esse grupo, monitorados por ele, aumentaram 90% no último semestre. Ele próprio diz que tem sido ameaçado constantemente, pela internet e por telefone, pelo seu ativismo. "E não somos só nós as vítimas. Eles incitam o ódio aos negros, às mulheres e a outras minorias", afirma.
Geografia neonazi
De acordo com o mapeamento de Adriana Dias, o estado de São Paulo segue sendo a unidade da federação com maior atividade neonazista: são 102 células na localidade, três a mais do que no fim do ano passado.
Segundo dados enviados à reportagem pela Secretaria de Segurança Pública do estado, a Delegacia de Polícia de Repressão aos Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) registrou 57 boletins de ocorrência e instaurou 31 inquéritos para apurar ocorrências de intolerância na capital paulista, de janeiro a abril deste ano.
Em segundo lugar no levantamento da antropóloga, o Paraná ultrapassou Santa Catarina no último semestre – são 74 grupos paranaenses em atividade, frente a 69 catarinenses.
Foi um crescimento grande no estado, que há seis meses tinha 66 células extremistas. "Isso é preocupante", avalia Dias. De acordo com a pesquisadora, o perfil dos novatos paranaenses é basicamente formado por gente ligada ao meio rural e a igrejas evangélicas fundamentalistas.
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sábado, 30 de maio de 2020

Nazismo de esquerda? Holocausto do STF? Polêmicas em série irritam Israel - Raphael Veleda (Metrópoles)

Nazismo de esquerda? Holocausto do STF? Polêmicas em série irritam Israel

Em ao menos 6 oportunidades, autoridades como ministros de Estado e o próprio presidente Bolsonaro fizeram relações que incomodaram judeu

ATUALIZADO 29/05/2020 8:41
Longe de ser um grande parceiro comercial ou diplomático do Brasil historicamente, o Estado de Israel aceitou com satisfação as tentativas de aproximação do presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que desde antes de ser eleito já fazia acenos àquele país como forma de agradar ao eleitorado evangélico no Brasil. A relação entre as duas nações se fortaleceu desde então e as autoridades israelenses resistiram muito a reclamar oficialmente de uma espécie de banalização de citações ao nazismo promovida por membros do governo brasileiro.
A resistência foi quebrada após o ministro da Educação, Abraham Weintraub, invocar o massacre judeu para criticar a operação ordenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) contra suspeitos de produzir e distribuir notícias falsas.
A estrada até o fim da paciência diplomática, porém, teve outros trechos marcantes. 
O nazismo “de esquerda”
As polêmicas foram inauguradas pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e por causa da fixação bolsonarista pela esquerda, que é sempre apontada como o pior dos inimigos.
Antes de entrar no governo, o chanceler já havia escrito um texto dizendo que o nazismo era um movimento de esquerda, contrariando o consenso histórico sobre o tema: o movimento nasceu da direita radical alemã.
Questionado pela reportagem do Metrópoles sobre o tema no início de abril, durante visita oficial a Israel, Bolsonaro não titubeou: “Não há dúvida. Partido Socialista… como é que é? Da Alemanha… Partido Nacional Socialista da Alemanha. Não há dúvida [que era de esquerda]”, disse.
Weintraub em campo
ministro da Educação, Abraham Weintraub, que é cristão, mas tem família de origem judaica, entrou no governo em abril do ano passado e, em outubro, fez uma postagem comparando o terror nazista a uma agressão ocorrida na Universidade de São Paulo. O titular da Educação também aproveitou para relacionar o ditador nazista Adolf Hitler ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Alvim x Goebbels
Em janeiro deste ano, o então secretário de Cultura do governo, Roberto Alvim, saiu confiante de uma das lives semanais do presidente Jair Bolsonaro, na qual foi muito elogiado, e gravou um vídeo que acabou com sua trajetória no órgão e manchou a imagem brasileira mundo afora.
Alvim ainda tentou se segurar garantindo que a citação não havia sido proposital, mas a enorme pressão o derrubou no mesmo dia, em 17 de janeiro de 2020.
A repercussão foi tão ruim que obrigou o presidente, que no dia anterior havia prestigiado Alvim, a fazer uma declaração de desculpas. “Reitero nosso repúdio às ideologias totalitárias e genocidas, bem como qualquer tipo de ilação às mesmas. Manifestamos também nosso total e irrestrito apoio à comunidade judaica, da qual somos amigos e compartilhamos valores em comum”, disse Bolsonaro na época, em nota.
Ernesto, o “comunavírus” e os campos de concentração
Poucos meses depois, em abril deste ano, o chanceler Ernesto Araújo voltou a provocar o repúdio de entidades judaicas no Brasil, nos Estados Unidos e em Israel após comparar as medidas de isolamento social impostas por governadores para conter o avanço do coronavírus no Brasil aos campos de concentração nazistas.
“Essa analogia usada por Ernesto Araújo é profundamente ofensiva e totalmente inapropriada”, reclamou o Comitê Judaico Americano em uma nota oficial que exigia desculpas do diplomata brasileiro. Mas Araújo não apenas não se desculpou, como acusou de ignorância quem não gostou das palavras.
Dando bandeira
Outro fato que causa incômodo em porta-vozes de entidades judaicas é o uso da bandeira de Israel em manifestações que também têm pautas antidemocráticas, como o fechamento do Congresso.
No dia 4 de maio, após o presidente Jair Bolsonaro aparecer ao lado de bandeiras de Israel e dos Estados Unidos em um desses atos (imagem em destaque desta reportagem), Fernando Lottenberg, presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib), divulgou uma nota dura em nome da entidade: “Lamentamos o uso da bandeira de Israel, uma democracia vibrante, em atos antidemocráticos. Isso pode passar uma mensagem errada sobre a comunidade, que é plural, com judeus e judias em todo espectro político”, dizia o texto.
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Weintraub e a “Noite dos Cristais”
O silêncio da diplomacia israelense mesmo diante de reclamações cada vez mais ruidosas da comunidade judaica no mundo foi quebrado nesta quinta-feira (28/05).
Após o ministro brasileiro usar suas redes sociais para comparar a ação policial ordenada pelo STF contra suspeitos de integrar um sistema de distribuição de fake news a um dos eventos mais dramáticos da perseguição nazista aos judeus europeus, houve críticas oficiais de Israel.
O cônsul geral do país em São Paulo, Alon Lavi, foi o mais contundente. Ele fez cinco postagens divulgando o repúdio de entidades como o Museu do Holocausto do Brasil, o Comitê Judaico Norte-Americano e a Confederação Israelita do Brasil, acompanhadas de uma frase sua dizendo que o assassinato de 6 milhões de judeus não tem comparação com “qualquer realidade politica no mundo”.
Já a Embaixada de Israel no Brasil divulgou comunicado oficial sem citar o ministro Weintraub ou outros membros do governo, mas reclamando que “houve um aumento da frequência de uso do Holocausto no discurso público, que de forma não intencional banaliza sua memória e também a tragédia do povo judeu”.
A instituição faz então um pedido ao governo e ao povo brasileiros: “Em nome da amizade forte entre nossos países, que cresce cada vez mais há 72 anos, requisitamos que a questão do Holocausto como também o povo judeu ou judaísmo fiquem à margem do diálogo político cotidiano e das disputas entre os lados no jogo ideológico”.
Diante das duras cobranças, Weintraub voltou ao Twitter na noite de quinta. E não foi para pedir desculpas.