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quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

OMC: acordo de Bali, sucessos e frustracoes - artigos variados

'O principal foi ter acordo, mas ele é modestíssimo', diz ex-embaixador
Renan Carreira
O Estado de S.Paulo, 10/12/2013

'Não resolve nenhum problema importante de acesso aos mercados', afirmou o diretor da Faculdade de Economia da Faap, Rubens Ricupero         

O primeiro acordo comercial global em quase duas décadas está sendo "superestimado", disse, ao Broadcast, o ex-embaixador e diretor da Faculdade de Economia da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), Rubens Ricupero. "É um acordo modestíssimo, é o mínimo. Não resolve nenhum problema importante de acesso aos mercados", afirmou.
A seguir, os principais trechos da entrevista.

Existe a estimativa de que o acordo de Bali abra o caminho para a injeção de US$ 1 trilhão na economia mundial. Quanto desse valor pode vir ao Brasil?
Existe uma tendência, há muito tempo, de superestimar esses acordos. Esta cifra é, em grande parte, papo furado. O principal foi ter um acordo, qualquer acordo. É algo mais institucional, de salvar a OMC. O acordo é modestíssimo, é o mínimo. Não resolve nenhum problema importante de acesso aos mercados.

Qual é o principal ponto do entendimento para o Brasil?
Pode ser que a administração de cotas agrícolas, que ainda vai depender de muita negociação, ajude. Para o Brasil, o mais concreto é isso. O País é beneficiário em várias cotas. Dizer que vai ganhar muito com acordo de facilitação de comércio é exagero. O Brasil não é exemplo nesse caso. É um dos países mais encrencados em matéria de aduana.

Mas as cotas já não existem?
Existem, mas o que está se tentando com esse acordo é obter uma regulamentação para fazer valer essas cotas. No momento atual, elas são meio facultativas, dependem de conjuntura. O que se quer são regras mais claras para fazer com que funcionem.

O entendimento deve beneficiar mais exportadores ou importadores?
No caso da facilitação do comércio, os beneficiados são os grandes exportadores, como China, Alemanha, EUA, pois torna mais ágil a liberação de produtos. O Brasil também pode ser beneficiado, na medida em que exporta produtos agrícolas. No momento, é mais para exportadores. Para os importadores, é bom para os privados, pois assegura que receberão logo os produtos.

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'É importante. Vai ajudar a recuperar o comércio'
Renan Carreira
O Estado de S.Paulo, 10/12/2013

Ex-embaixador e diretor do Centro de Investigação Laboratório do Século XXI da Faap, o setor manufatureiro brasileiro pode ser um dos grandes beneficiados desse entendimento

Ex-embaixador e diretor do Centro de Investigação Laboratório do Século XXI (LAB XXI) da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), Clodoaldo Hugueney disse ao Broadcast que o primeiro acordo comercial global em quase duas décadas foi importante porque terá impacto na recuperação do comércio mundial e mostra que a OMC está ativa. Segundo ele, o setor manufatureiro brasileiro pode ser um dos grandes beneficiados desse entendimento.
A seguir, os principais trechos da entrevista.

O sr. considera que o acordo de Bali está sendo superestimado?
Essa ideia de que o entendimento é uma propaganda enganosa é errada. O acordo é equilibrado e importante por duas razões: vai ter impacto na recuperação do comércio mundial, já que as economias estão custando a sair da crise, e mostra que a OMC está na jogada, não está sendo descartada.

De que forma o Brasil se beneficia do acordo?
Com o sistema de facilitação do comércio. Onde existem grandes dificuldades na área de facilitação do comércio, em termos de procedimentos aduaneiros, demora na liberação de importação, atrasos, práticas não transparentes? Nos países em desenvolvimento, que são importantes para o Brasil. Na realidade, muito do que está previsto no acordo já é feito no Brasil. Então, a contribuição adicional do País não vai ser muito grande.

Quais setores no Brasil teriam vantagem com o acordo?
Na área de manufaturados, na qual o Brasil tem mercados importantes em outros países em desenvolvimento, o acordo deve ter impacto positivo e isso é relevante porque a exportação de produtos manufaturados vem enfrentando dificuldades crescentes, com a indústria com cada vez menos participação no PIB.

Também há avanços na administração de cotas?
Com certeza. Com o acordo, essas cotas ficam regulamentadas, muito mais transparentes e submetem esse sistema ao Regime de Solução de Controvérsias da OMC. O acordo obtido não é uma coisa trivial nem tem pouca importância. Isto tem pelo menos uns 20 anos de negociação.

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A OMC depois de Bali
RUBENS BARBOSA
O Estado de S.Paulo, 10/12/2013

As grandes e rápidas transformações no cenário internacional, no campo político e econômico, deixaram, de certa maneira, a sua marca nas instituições multilaterais. A Organização Mundial do Comércio (OMC) não foi exceção na crise geral do multilateralismo.
A complexidade das negociações internacionais, a diversidade de interesses entre os 159 países-membros, as dificuldades causadas pelo processo decisório impossibilitaram o avanço real e a conclusão da Rodada Doha. Se a isso for acrescentado o desinteresse dos EUA e da União Europeia em discutir fórmulas multilaterais para perseguir a abertura de mercados e a liberalização comercial, fica explicado o final menos melancólico do que se antevia das negociações dos ministros de Comércio Exterior em Bali, na semana passada.
Apesar das avaliações iniciais positivas, os acordos alcançados - facilitação de comércio, medidas na área agrícola para garantir a segurança alimentar e incentivos a países mais pobres - não são suficientes para salvar a Agenda para o Desenvolvimento, lançada em Doha em 2002, nem para ressuscitar a credibilidade da OMC como fórum de negociações globais.
O limitado resultado de Bali - quase destruído pela ação dos países bolivarianos para acabar com o embargo a Cuba - prolonga a agonia da OMC, que dificilmente conseguirá incorporar uma nova agenda para a liberalização do comércio e a redução do protecionismo, negociada à margem da instituição.
O acordo de facilitação de comércio, que visa a simplificar os procedimentos aduaneiros e a burocracia nas fronteiras, para as importações e exportações - que deve beneficiar mais os países desenvolvidos - será positivo para o setor privado brasileiro, visto que, por ser obrigatório, forçará o governo a tomar medidas concretas de desburocratização, como mencionado em nota do Itamaraty.
A OMC ganhou mandato para tentar em um ano retomar as negociações da Rodada Doha. A Organização terá de passar por um profundo processo de reforma institucional se quiser contar com o apoio efetivo dos países desenvolvidos. O processo decisório consensual, como agora evidenciado, não mais se ajusta ao grande número de países-membros; os princípios do tratamento especial e diferenciado e a impossibilidade de acordos isolados (single undertaking) estão sendo questionados. Acordos parciais plurilaterais, não envolvendo todos os países-membros, como hoje, terão de ser aceitos, inclusive no tocante às regras OMC plus. Esse é o preço que os países em desenvolvimento terão de pagar.
As novas formas de comércio internacional, baseadas na integração das cadeias produtivas globais e de maior valor agregado - agenda da maioria dos acordos bilaterais e dos mega-acordos regionais de comércio -, estão sendo discutidas e negociadas fora da OMC. As regras que regulam esses acordos - investimento, competição, propriedade intelectual, serviços, de origem, compras governamentais - estão sendo discutidas por grupos de países na Ásia, por meio da Parceria Trans-Pacífico, e entre os EUA e a União Europeia. No caso do Acordo Transatlântico, estão sendo examinadas também regras relacionadas com a padronização de bens e serviços. Se e quando esses entendimentos forem concluídos, os produtos agrícolas do Brasil e do Mercosul, que têm na Europa seu maior mercado, passarão a competir com os produtos dos EUA, a maior potência agrícola global, e certamente nossos produtos terão suas exportações reduzidas.
O fim das negociações multilaterais de comércio no âmbito da OMC terá profundas consequências para países como o Brasil. Para se inserir nas novas formas de comércio global, no contexto das cadeias produtivas, o Brasil deverá ter de se ajustar, no futuro, a regras que foram definidas sem a sua participação e que refletem os interesses dos países desenvolvidos.
O Brasil manteve equivocadamente, nos últimos 12 anos, a estratégia de privilegiar as negociações multilaterais no âmbito da OMC, sem se voltar para a necessidade de também negociar acordos de livre-comércio, a exemplo de muitos outros países. O resultado todos conhecemos, em especial os empresários: enquanto estão em discussão mais de 500 acordos, dos quais 354 se encontram em vigor, o Brasil e o Mercosul, à margem desse processo, firmaram apenas três acordos de menor importância comercial, com Israel, Egito e Autoridade Palestina. As reformas que a OMC terá de sofrer para poder retomar a iniciativa nas negociações multilaterais colocarão enormes desafios para o Brasil, que até aqui sempre defendeu a Organização, sem aceitar mudanças em suas regras e seus princípios. O Brasil atuou construtivamente em Bali para salvar a OMC e evitar sua irrelevância, mesmo tendo de abandonar a defesa das concessões em subsídios agrícolas no contexto da Rodada Doha. Como o Brasil reagirá a essas mudanças?
O que acontece no mundo afeta diretamente os interesses do setor produtivo brasileiro. Governo e setor privado deveriam coordenar-se para mudar a atual estratégia de negociação comercial externa, influenciada por considerações políticas e partidárias.
Com a União Europeia, cujas negociações duram mais de 12 anos, o setor privado pressionou o governo a avançar nos entendimentos no âmbito do Mercosul, sem ficar amarrado a considerações ideológicas da Venezuela nem ao atraso da Argentina. O governo finalmente parece ter escutado os empresários e fará proposta para que se iniciem os entendimentos entre Bruxelas e os países-membros do Mercosul que assim o desejarem. Quem não quiser acompanhar o Brasil ficará para trás. Com isso a Argentina deve mudar de posição e acompanhar o Brasil. A Venezuela ficará isolada.
Afinal, ao menos nesse caso, estamos assistindo a mais pragmatismo e menos considerações ideológicas.

PRESIDENTE DO CONSELHO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA FIESP

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O Brasil e o sucesso da OMC
Editorial O Estado de S.Paulo, 10/12/2013

O governo brasileiro tem motivos especiais para festejar o sucesso da conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) em Bali, na Indonésia. O acordo entre os 159 participantes deu novo fôlego à maior negociação comercial da história, a Rodada Doha, reforçou o prestígio da OMC e foi a primeira vitória do novo diretor-geral da entidade, o brasileiro Roberto Azevêdo. Ruim para todos, o fracasso teria sido um desastre para o Brasil, porque seria mais uma derrota do sistema multilateral. Há dez anos a diplomacia petista pôs de lado os acordos com os países mais desenvolvidos, adotou uma política terceiro-mundista e subordinou a estratégia brasileira a um Mercosul cada vez mais emperrado pelo protecionismo argentino. Ao mesmo tempo, manteve a bandeira do multilateralismo, enquanto no resto do mundo se multiplicavam acordos bilaterais e inter-regionais.
Embora modesto em termos materiais, o pacote de Bali renova as possibilidades do multilateralismo. Mas novos avanços serão trabalhosos e acordos parciais continuarão sendo construídos. Em alguns casos, esses acordos poderão criar referências para a negociação mais ampla. Isso poderá ocorrer, por exemplo, na área de serviços, a partir de entendimentos entre várias grandes economias, incluídas a americana e a chinesa.
O governo brasileiro insistirá num erro perigoso, se continuar fora dos grandes arranjos parciais de comércio. O primeiro passo de uma ação mais eficiente será concluir um acordo com a União Europeia, com ou sem apoio argentino. Os europeus já mostraram disposição de avançar nesse entendimento, mesmo com a participação de apenas alguns países do Mercosul. Caberá à diplomacia brasileira, se for capaz de realismo no âmbito regional, criar uma solução para o impasse no bloco.
Será prudente seguir o mesmo critério nas próximas etapas da Rodada Doha, buscando objetivos ambiciosos e estimulando os parceiros regionais a tomar o mesmo caminho. O pacote de Bali só foi fechado quando o prazo inicial já estourava. Algo parecido havia ocorrido no lançamento da rodada, em 2001, no Catar, quando a negociação se estendeu muito além do tempo previsto. Mas a agenda era imensamente mais complicada e inovadora.
Em Bali, o compromisso mais importante foi sobre a facilitação de comércio - medidas para desburocratizar e simplificar entradas e saídas de mercadorias e dar mais transparência às regras. Ainda assim, será preciso oferecer assistência a alguns países para a realização do trabalho. Muito mais difícil foi o entendimento em torno da pretensão indiana de manter subsídios à formação de estoques de segurança alimentar.
Também foram acertados benefícios para os produtores africanos de algodão e os ministros do mundo rico reafirmaram o compromisso de liquidar em alguns anos os subsídios à exportação. Pacto semelhante havia sido firmado em Hong Kong, em 2005, para cumprimento até o fim deste ano. Mas, com a paralisação da rodada, em 2008, a promessa foi abandonada. Foi combinada em Bali, também, uma discussão de regras para a administração de cotas tarifárias - parcelas nem sempre preenchidas de importação com impostos reduzidos.
Mas a agenda total é muito mais ampla e os negociadores terão um ano para definir o roteiro. De toda forma, destravar a rodada foi uma realização importante. A OMC foi salva da irrelevância. Além do mais, a superação da crise internacional deverá criar um ambiente mais propício a compromissos globais.

Tecnicamente, está reaberto o caminho da modernização do comércio global. Só a facilitação de procedimentos poderá, segundo estimativa muito citada, abrir espaço para mais US$ 1 trilhão de negócios, graças à redução de custos e à simplificação de operações. Mas, para esse passo, foi preciso também vencer a resistência de Cuba, Venezuela, Nicarágua e Bolívia. Seus representantes cobraram o fim do bloqueio comercial dos Estados Unidos a Cuba, ameaçando vetar o acordo e levar a reunião ao fracasso. Acabaram recuando, mas deixaram clara, mais uma vez, a qualidade das alianças ideológicas do governo brasileiro.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Nova geografia do comercio internacional: finalmente um acordo...

O modesto acordo Sul-Sul
Editorial - O Estado de S.Paulo
21 de setembro de 2010

O Brasil e mais dez países poderão concluir em dezembro a primeira Rodada Sul-Sul, uma negociação comercial lançada em São Paulo em 2004. O ponto principal do acordo será uma vantagem tarifária - ou margem de preferência - de 20% para a maior parte dos produtos comercializados entre os participantes. O governo brasileiro propõe a assinatura do compromisso em Foz do Iguaçu, durante a próxima conferência de cúpula do Mercosul. Até lá, os diplomatas terão de torcer para ninguém mais desistir. No começo da negociação os envolvidos eram 40 países. O número foi minguando e dos 11 atuais 4 são do Mercosul.

O resultado econômico será provavelmente modesto, mas o governo brasileiro poderá apresentar o acordo como um feito diplomático importante: pela primeira vez países emergentes da América, da Ásia e da África terão formalizado uma troca de vantagens dentro do Sistema Geral de Preferências Comerciais.

Será também o primeiro acordo brasileiro com vários parceiros de fora da América do Sul. A negociação entre Mercosul e União Europeia foi retomada recentemente, depois de quase seis anos de abandono, e sua conclusão é incerta. O projeto da Área de Livre Comércio das Américas envolveria 34 países do hemisfério, mas foi implodido em 2003. A mais ambiciosa iniciativa multilateral, a Rodada Doha, lançada em 2001, está paralisada há mais de um ano e ninguém sabe quando se poderá retomá-la para valer.

Fora da vizinhança, o Mercosul tem acordos de livre comércio com Israel e com o Egito, Além disso, acertou algumas facilidades com o México, mas em escala muito limitada. A primeira Rodada Sul-Sul foi lançada em São Paulo, há seis anos, durante evento da Unctad, a Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento. Realizada pela primeira vez em 1964, em Genebra, essa conferência, concebida como um fórum de países do Terceiro Mundo, se converteu em órgão permanente.

A ideia de uma Rodada Sul-Sul ajustou-se perfeitamente às novas bandeiras da diplomacia brasileira, adotadas a partir de 2003. Mas três quartos dos países mobilizados inicialmente abandonaram o projeto. A China, embora considerada uma potência emergente, seria um parceiro incômodo, por causa de suas condições especiais de competitividade. O grupo remanescente inclui, além dos quatro membros do Mercosul, a Coreia, por muitos considerada um país industrializado, a Índia, a Indonésia, a Malásia, o Egito, o Marrocos e a pequena Cuba, a menor e mais fraca dessas economias.

O Mercosul já tem um acordo de livre comércio com o Egito, assinado este ano. A Coreia já negociou um acordo desse tipo com os Estados Unidos, ainda não aprovado pelo Congresso americano, e suas conversações com a União Europeia estão avançadas. Dentre as economias envolvidas na Rodada Sul-Sul, a mais desenvolvida é a coreana, com elevado nível de industrialização, respeitável estoque de capital humano e alto padrão de competitividade.

A rodada encolheu não só em número de participantes. Também as propostas se tornaram mais modestas. O Mercosul defendeu inicialmente uma redução de tarifas de 40%. Mas a margem de preferência acabou ficando em 20% - apreciável, de toda forma. Além disso, os negociadores foram cautelosos na seleção dos produtos com tarifas sujeitas à redução. O Brasil não terá facilidades maiores para exportar produtos do agronegócio. Sua competitividade nessa área é reconhecida. Mas, em contrapartida, não concederá facilidades para o ingresso de produtos têxteis, eletrônicos, veículos e bens de capital.

A conclusão dessa rodada provavelmente criará oportunidades comerciais. Mesmo com esse acordo, no entanto, o balanço do governo Lula, no campo da diplomacia comercial, será muito pobre. Parte desse resultado será atribuível às suas escolhas. Decisões políticas erradas privaram o Brasil, por exemplo, de uma presença maior no mercado americano e de acordos vantajosos com parceiros do mundo rico. Nossos concorrentes se beneficiaram desse equívoco.