O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 6 de setembro de 2015

A grave crise de governança no Brasil - Paulo Roberto de Almeida

Não se trata de comemoração do 7 de Setembro, talvez o contrário: nunca o panorama pareceu tão sombrio...
Um trabalho rapidamente composto a partir de reflexões efetuadas ao início do poder companheiro.
Paulo Roberto de Almeida


A grave crise de governança no Brasil
Duas ou três coisas que eu sei dela e algumas maneiras de superá-la

Paulo Roberto de Almeida

Um problema grave de governança
O Brasil enfrenta atualmente uma das mais graves crises econômicas de toda a sua história, sendo que ela mesma, reconhecidamente, está na origem de outra grave crise, de natureza política, que teve início nas próprias eleições de outubro de 2014, e que se acentuou desde o primeiro dia do governo atual, inaugurado em janeiro de 2015 (sem prazo certo para terminar). Na verdade, quero demonstrar que, independentemente dos contornos mais ou menos graves dessas duas crises, a econômica, e sua consequência “natural”, a política, o país tem, sim, uma séria e grave crise de governança, que:
(a) paralisa a máquina pública;
(b) aumenta a volatilidade do ciclo econômico;
(c) diminui a confiabilidade do (e no) sistema judiciário; e
(d) influencia de modo negativo o quadro político-institucional.

Essa situação redunda:
(e) no acirramento dos conflitos entre os poderes, essencialmente entre o Executivo e o Legislativo, mas envolvendo igualmente o Judiciário; e, obviamente,
(f) na redução dramática das perspectivas de melhoria da mesma governança política.

Desejo, desde já, sublinhar o adjetivo “grave”, pois o quadro compromete a possibilidade de quaisquer políticas de correção parcial dos problemas existentes, uma vez que, no centro da crise, se situa a incapacidade completa da mais alta autoridade do Executivo de encaminhar, de modo racional e legítimo, soluções razoáveis às duas crises setoriais referidas. Não há governança porque não há governante legítimo, sendo que o atual perdeu a confiança de mais de quatro quintos da cidadania, que já demonstrou ter preferência pelo impeachment ou pela renúncia. No momento em que escrevo, não existem perspectivas muito claras quanto ao desenlace das crises conjugadas, ou sequer o vislumbre de uma solução positiva quanto à falta completa de governança política, por incapacidade própria e por uma visível carência de legitimidade da atual incumbente do poder político.

A crise latente em perspectiva histórica
Os contornos da crise econômica parecem evidentes no país. Registra-se, de forma aparentemente delongada, um ciclo de crescimento negativo do PIB, de aumento do desemprego, de fragilidade continuada nas contas públicas, de depreciação crescente da moeda nacional e de incapacidade do atual governo de enfrentar novas demandas por recursos públicos por parte dos agentes públicos e da própria sociedade. Tudo isso se reflete em indicadores negativos que nos remetem às semanas e meses de outro ciclo de falta de confiança que foi aquele despertado pela conjuntura eleitoral de 2002, quando o mesmo grupo dirigente da atualidade apresentou-se para dirigir o país, prometendo mudar tudo e alterar profundamente as regras do jogo.
O cenário, naquela conjuntura, era complicado por causa dos problemas existentes em escala regional, a partir da crise argentina do regime de conversibilidade, que se manifestava desde antes da derrocada fatal das políticas econômicas em curso no país vizinho, no final de 2001. O próprio Brasil tinha problemas de fragilidade interna e externa desde alguns anos, praticamente desde a fase da redemocratização – que jamais produziu anos de crescimento sólido e sustentável – e vinha penosamente, ao longo dos anos 1990, tentando colocar em ordem esses desequilíbrios, com base em políticas consistentes e adeptas do rigor fiscal, com maior ênfase a partir da mudança no regime cambial em 1999.
Quando o Brasil, finalmente, parecia ter colocado a casa em ordem, no decorrer do ano seguinte, a crise argentina e uma crise interna de abastecimento energético, ambas em 2001, vieram novamente testar a capacidade das lideranças políticas em conduzir políticas adaptativas e corretivas dos desafios mais prementes. Mais grave ainda, as promessas econômicas esquizofrênicas da oposição companheira ameaçavam desfazer o edifício macroeconômico das políticas que vinham sendo montadas para tentar colocar novamente o Brasil no itinerário de um processo de crescimento sustentado: flutuação cambial, regime de metas de inflação, Lei de Responsabilidade Fiscal e, conectado à ela, liberação de superávits fiscais para o pagamento da dívida pública, de acordo com entendimentos mantidos com o FMI, que sustentou o esforço fiscal e de reequilíbrio do balanço de pagamentos mediante acordos stand-by que se desenvolveram em várias etapas desde 1998. Em meados de 2002, em plena campanha presidencial, o governo de FHC negociou mais um acordo de sustentação financeira com o FMI, que foi acatado por todos os candidatos no processo eleitoral, inclusive o de oposição ao governo, que acabou sendo eleito poucos meses depois, em outubro.
A retomada de um processo de crescimento sustentado, compatível com as taxas historicamente registradas no passado, dependia então da manutenção daquelas políticas, o que entretanto tinha sido colocado em dúvida na conjuntura eleitoral de 2002. O Brasil pagou um alto preço em função da campanha demagógica do candidato principal, que prometia mudar tudo, o que se refletiu nos juros, no câmbio e nos valores dos títulos governamentais da dívida externa brasileira. Cabe reconhecer que a democracia tem um preço, em termos de aumento da cacofonia no processo decisório e de volatilidade das políticas de curto prazo, mas ela sempre é, em qualquer hipótese, infinitamente mais saudável, inclusive no plano econômico, do que qualquer sistema autoritário de debates (restritos) e de tomada (arbitrária) de decisões, como era o caso durante o período militar.
O sistema político precisaria estar preparado para acomodar qualquer aumento na dispersão de opiniões, típico nos regimes democráticos, mas é um fato que qualquer melhoria na institucionalidade do Estado depende dramaticamente da qualidade dos homens públicos, fator notoriamente carente na tradição social e cultural brasileira. Não se pode sempre dispor de condições ideais para o processo de desenvolvimento, mas as improvisações e voluntarismos podem por vezes custar caro.
Foi o que o Brasil passou a enfrentar a partir de janeiro de 2003, quando uma nova equipe chegou ao poder e começou a alterar de maneira por vezes radical a forma de funcionamento do Estado e suas políticas setoriais. O Estado, aliás, foi tomado de assalto por uma horda de militantes obedientes, disciplinados às ordens superiores, mas claramente incompetentes para fins de administração pública. Esse aparelhamento tinha inclusive um sentido “orçamentário” para o partido companheiro, pois cada um dos disciplinados militantes e, a partir de então, dos novos “funcionários” públicos, passou a contribuir para o partido com um percentual de seus salários individuais, enquanto outros deixavam uma parte dos subsídios adquiridos a título de cargos de confiança. Reconheça-se, de imediato, que a política econômica permaneceu praticamente intocada, uma vez que, sem dispor de pessoal competente, o partido companheiro teve de admitir a continuidade de alguns membros da equipe anterior, bem mais realista, preparada e competente, e inimiga declarada de qualquer improvisação ou magia econômica.
Ao longo do tempo, no entanto, a equipe foi sendo alterada, e a qualidade das políticas econômicas, macro e setoriais, foi sendo erodida, com um aumento contínuo nos gastos correntes – vários tornados permanentes –, o crescimento da máquina pública, o aparelhamento do Estado pelos companheiros de formação muito tosca, o que se refletiu na deterioração da governabilidade em várias áreas da administração pública, e em todos os demais setores que dependem do governo, como os de saúde, educação, infraestrutura, segurança, justiça e processo legislativo. A deterioração administrativa e o descalabro econômico se tornaram bem mais acentuados a partir do segundo governo companheiro, a partir de 2007, mas as raízes do problema já tinham sido colocadas desde o início, aliás refletidas nos primeiros escândalos que começaram a pipocar ainda em 2004.
O sistema político-partidário, assim como o próprio regime representativo apresentam, no Brasil, baixa qualidade intrínseca e baixíssimos níveis de eficiência, assim como não se teve, ao longo dos anos, qualquer melhoria em seu funcionamento, especialmente no Legislativo. As relações entre o Executivo e o Legislativo passaram a se caracterizar por uma chantagem recíproca, o que ficou evidente no curso do Mensalão, que se acreditava, naquele momento (2005), ser o maior caso de corrupção da história política brasileira. Todos, a começar pela alta cúpula do Judiciário, que começou a investigar o processo do Mensalão, a partir de 2006, e só veio a conclui-lo em 2012, consideravam que o Mensalão seria um marco corretor da governança política no Brasil, o que se revelou de uma ingenuidade exemplar. Paralelamente se desenvolvia um outro processo ainda mais insidioso de corrupção mafiosa na alta cúpula do Estado, que só seria revelado a partir de 2014, com os primeiros passos da Operação Lava Jato. O chamado Petrolão superou exponencialmente o Mensalão e já se converteu, não apenas no maior caso de corrupção da história brasileira, como também numa ocorrência de dimensões gigantescas, aparentemente ainda não rivalizado em qualquer outro país.

Quais são os elementos da crise de governança no Brasil?
Retomando a caracterização central adotada na presente análise, não parece haver dúvida em afirmar que o atual cenário brasileiro não se caracteriza por uma “simples” crise econômica, ou por sua deriva inevitável para o terreno político, ainda que possam existir indicadores preocupantes na primeira vertente e “ruídos” (atualmente muito mais “ruidosos”) na segunda. O que parece, sim, constituir o núcleo central e o vetor principal dos atuais problemas brasileiros é o dramático quadro de falta de governança política, já caminhando para um cenário de anomia institucional, cujos elementos principais podem ser registrados a partir de agora.

Constitui um dos truísmos da vida prática, e até da teoria política, o fato de que o poder especificamente político, na sua esfera executiva, não pode ser dividido, nem deve ser dispersado, devendo existir de forma concentrada numa única fonte de autoridade. Esta tem de deter, legítima e incontestavelmente, por delegação dos eleitores, o comando do processo decisório, que deve então funcionar de maneira eficiente a partir dessa fonte unitária de decisões. Não é uma revelação inédita o fato de que, no Brasil atual, as fontes de poder estão dilaceradas em vários centros de decisão, e relativamente dispersas, ainda que de maneira informal. Sobre a incumbente atual, e esse quadro não vem da presente conjuntura, paira uma imensa sombra de poder, que parece sugar as forças da mandatária.
Não se trata de situação dos últimos meses, neste primeiro ano do segundo mandato da atual incumbente, mas de um cenário que se desenvolve desde antes do início do terceiro mandato companheiro, desta vez por delegação claramente reconhecida, depois de dois mandatos aparentemente bem sucedidos do demiurgo salvador que se considerava acima de quaisquer outros líderes brasileiros do último meio século. O líder populista se considerava um segundo Getúlio Vargas, talvez até com pretensões de alcançar um reconhecimento inigualado na história política brasileira. Desejoso de continuar seu reinado por preposto devidamente mandatado, o carismático sindicalista encarregou-se de selecionar ele mesmo seu sucessor, fora das fileiras tradicionais do partido companheiro, aliás, de maneira a assegurar que sua vontade seria feita em quaisquer circunstâncias, independentemente de sua ausência (temporária?) do poder.
Não surpreende, assim, que as fontes legítimas e reconhecidas de poder passaram a estar diluídas em diversas instâncias, o que parece ter sido aceito como “natural” pela atual incumbente. Sua figuração no comando central do governo apresentou-se, assim, exatamente como uma figuração, o que lhe fragilizou as bases de seu poder político desde o início do primeiro mandato. Havia ministros da cota do ex-presidente, outros que foram designados por partidos e que a incumbente sequer conhecia (e que nunca chamou para despacho) e vários que se revelaram envolvidos em falcatruas desde sempre, e que foi preciso demitir não por vontade própria, mas por pressão da imprensa. Ou seja, um governo saqueado por aventureiros políticos, fragmentado pela coalizão heteróclita que lhe garantia uma grande base de apoio congressual – aliás ainda maior do que a anterior,  sob o chefe inconteste do jogo político – e um potencial imenso para o desgoverno econômico e a confusão política.
De fato, o primeiro mandato já tinha sido caracterizado por problemas de governança, que foram sendo disfarçados pela tradicional mobilização das ferramentas de comunicação social – setor onde são gastos recursos superiores a diversos programas sociais – e pelo apoio congressual a despeito de tudo, já que sempre comprado a golpes de subsídios aos projetos e emendas provincianas dos parlamentares da base de sustentação do governo, cuja elasticidade é medida exatamente em função dessas transferências de verbas e de cargos que alimentam a promiscuidade política no país. O que não se sabia, ou não se conhecia exatamente a extensão, era a promiscuidade mantida com os meios empresariais, e que só veio completamente à tona com o deslanchar da Operação Lava Jato, revelando a enorme devastação companheira conduzida pelos companheiros pela maior empresa estatal do país. Mas também esse episódio revela a enorme diluição das bases do poder presidencial da incumbente, uma vez que a partilha dos despojos econômicos associados ao poder se fazia com o seu mero consentimento, mas não sob a sua direção ou total conhecimento. As bases do poder mafioso sobre a Petrobras tinham sido implantadas desde o início do governo companheiro, tinha passado incólume pelo episódio grotesco do Mensalão, e continuou se desenvolvendo, livre, leve e solto, durante todo o segundo mandato do demiurgo e no primeiro da incumbente.
Além de ser o retrato perfeito da corrupção companheira, o processo de sangria, drenagem, esquartejamento e dilapidação dos recursos da Petrobras constitui igualmente o espelho da fragmentação de poder sob a qual vive o Brasil desde 2011, pelo menos. Não será fácil sanar essa grave problema de governança, pois faltam totalmente à atual incumbente condições para corrigir sua total falta de poder sobre áreas inteiras de administração estatal, ainda sob o controle dos verdadeiros chefes da organização criminosa que tomou de assalto o Brasil em 2003.
A recomposição de uma única autoridade central e a existência de um comando político reconhecido constituem, obviamente, condições indispensáveis para a superação da atual crise de governança no Brasil. Sem isso, todo o mais, em termos de políticas públicas e setoriais, está e ficará comprometido pelo resto do período de governo (qualquer que seja ele). Não é preciso dizer que autoridade não se proclama, e sim se exerce, de modo claro e direto. Nas atuais condições de governança, em que o jogo político e as principais decisões da área econômica fogem completamente ao controle da incumbente, não se pode esperar que tal autoridade possa ser exercida, em qualquer extensão significativa para enfrentar os graves desafios colocados ao país.

Mas o quadro é ainda mais grave quando se passa da autoridade “para dentro” para a autoridade “para fora”, isto é, em direção de fontes concorrentes de poder ou no âmbito do exercício real da autoridade legítima, delegada pela sociedade e pelo sistema constitucional, para o cumprimento das leis. Ora, não é preciso muito esforço visual, para se constatar que diminuiu enormemente o respeito à lei e aos contratos nos últimos anos. Sem considerar questões partidárias ou mesmo de cunho ideológico (e persiste uma certa confusão aqui), deve-se reconhecer que essa situação faz aumentar, tremendamente, a volatilidade do cenário econômico, além de agregar custos reais ao funcionamento do sistema como um todo e de contribuir para agravar o quadro de anomia social e de desrespeito generalizado ao quadro legal no País.
A justiça, em si, já constitui um ônus terrível, direto e indireto, para o sistema econômico, diminuindo o PIB potencial. Mas o desrespeito à lei, endossado inclusive por ministros de Estado, constitui um imenso desincentivo aos investimentos (estrangeiros e nacionais) e à iniciativa privada, únicos capazes de criar empregos e disseminar renda no país. É dramático saber, por exemplo, que juízes de província podem criar obrigações para o Executivo sem qualquer amparo na legislação em vigor, que governadores podem promulgar leis anticonstitucionais ou que os mandatários, em geral, se eximem de fazer cumprir a lei em casos claríssimos de violação de direitos dos cidadãos (como as muitas invasões de propriedades). O desrespeito à legalidade chegou a níveis preocupantes no Brasil, mas isso não parece preocupar nem o sistema judiciário nem o próprio Executivo.

A desgovernança existente aparece em primeiro lugar na própria máquina pública, hoje ineficiente e descoordenada ao ponto da paralisia. Algo pode ser debitado aos custos do aparelhamento, ao cabo do qual parte da tecnocracia foi substituída pela militância, dedicada e entusiasmada com a causa da mudança, mas nem sempre habilitada a lidar com as reais complexidades da administração pública. Se o ministro da área não possui competências executivas, ou não dispõe de prévia experiência anterior no seu setor, o quadro pode ficar ainda mais dramático, dando a impressão de que os ministérios atuam em ordem dispersa, cada um com suas próprias prioridades políticas e um escasso comprometimento com as diretrizes gerais do governo (quando elas existem).
Não há uma solução simples a esse problema, pois qualquer estrutura ministerial, grande, média ou pequena – e a atual é desmesurada –, só pode funcionar bem se a qualidade da gestão, em suas diferentes vertentes, for razoavelmente satisfatória, com metas claras e cobranças regulares. A continuidade da atual lógica político-partidária na montagem ministerial significa a continuidade da inoperância administrativa na mesma proporção. Seria necessário uma completa reestruturação ministerial, com todos os custos que isso pode acarretar nas frentes congressual e partidária. Cabe ao supremo mandatário julgar o que seria possível fazer para aumentar a eficiência da “sua” máquina executiva.

A ausência de prioridades claras de governo e sobretudo a dispersão do comando central, têm atuado para aumentar a volatilidade do ciclo econômico, pois os agentes são levados a adotar um compasso de espera (seja para precaver-se contra uma possível mudança de regras, seja no aguardo de medidas que possam representar uma melhoria relativa das condições da atividade econômica). O problema aqui é tanto a falta de uma clara manifestação em favor da política econômica atual, com o engajamento do conjunto do governo, quanto o próprio fato de que agentes do Estado ainda determinam, por vezes de modo arbitrário, o comportamento de vários setores da economia, o que obviamente dá margem à manutenção do já referido quadro de incertezas. Ninguém sabe, com certeza, que tipo de política econômica se pretende imprimir ao país, à frente e além do processo de ajuste fiscal que tem necessariamente de ser feito, para evitar o agravamento ainda mais dramático da situação econômica.

A situação da justiça e do ordenamento legal é provavelmente um dos fatores mais negativos que afetam a governabilidade do e no país, aumentando dramaticamente os custos da atividade econômica. Não me refiro apenas à possível e provável existência de descoordenação no aparato judicial, com manifestações de corrupção e nepotismos que podem e devem ser coibidos por alguma forma de controle externo (como aliás deve ser o caso com qualquer poder: não é possível, por exemplo, que o Legislativo e o Judiciário possam criar fontes de despesas sem qualquer tipo de disciplina orçamentária). O que desejo destacar é a própria anomia dos processos jurídicos, nas três esferas da federação e em vários setores de atividade (nas relações de trabalho, por exemplo). Mais: controles internos e externos devem ser implementados para coibir a extraordinária profusão de medidas liminares, várias dotadas de escasso ou nenhum embasamento legal.

As obsessões obsessivas do incompetente poder companheiro
O poder companheiro sempre teve, antes mesmo de ser governo, várias obsessões sociais e diversos arremedos de políticas setoriais que passavam por grandes estratégicas de governança, quando constituíam, no máximo, fantasmas de mudanças radicais sem qualquer consistência intrínseca quanto à necessária adequação entre meios e fins. O distributivismo exacerbado sempre esteve entre essas obsessões, sem qualquer noção clara do que fazer para aumentar dramaticamente produção e produtividade no país, base inquestionável de qualquer programa distributivista sustentável. À falta disso, o aumento contínuo da carga fiscal financiou os programas sociais dos governos companheiros, que não representaram, de fato, diminuição da pobreza, apenas subsídio ao consumo dos mais pobres. As políticas industriais e as de “inclusão social” também representaram outras facetas dessas obsessões, todas elas voltadas para a “criação de um amplo mercado interno de consumo de massas”, como se a atividade exportadora, por exemplo, fosse contrária ao objetivo do aumento de renda para esse “grande mercado interno”.
Um governo, qualquer governo, não é feito para provar teses acadêmicas ou testar programas partidários. Ele tampouco atua com base em “grandes teorias” (aliás mais proclamadas do que reais). Ele é eleito, e constituído, para produzir o máximo de bem estar para os cidadãos, pelos meios os mais pragmáticos e racionais possíveis. Permanece latente no Brasil, desde 2003, uma luta contra o passado, para tentar provar a todos que nunca antes de fez tanto e tão melhor em favor dos subalternos e dos marginalizados. A luta contra o passado se exerce tanto contra antigos “adversários” (o que é revelado pela tese da “herança maldita”), como em relação a teses anteriores (o tal de “neoliberalismo”, essa outra invenção dos companheiros). Derivam dai essas tentativas de formulação de alternativas de políticas econômicas, muitas das quais – foi o caso da “nova matriz econômica – levaram ao caos econômico atualmente em desenvolvimento.
Essa obsessão com um passado mítico, seja para condenar (o dos outros), seja para se justificar (o seu próprio), ocupa uma parte substancial da atividade retórica do governo, o que constitui obviamente um grande perda de energia e um desvio do foco próprio da governança. Mas também existe, hoje, uma grave dispersão de esforços em diferentes áreas de atividade, mesmo quando elas não são prioritárias para o aumento do bem estar do povo, em setores concretos sob responsabilidade governamental.
O exemplo mais conspícuo é, obviamente, o das chamadas políticas industriais, várias delas implementadas ao longo dos três mandatos companheiros, não porque as anteriores estivessem absolutamente erradas, mas porque elas nunca produziram efeitos tangíveis para o aumento da competitividade brasileira internamente ou externamente. O fato é que as diversas políticas industriais criaram poucos empregos (que surgiram bem mais no setor de serviços, de baixa produtividade) e foram neutras em relação à iníqua distribuição de renda. A criação de mais uma agência pública nesse setor, a ABDI, junto com a expansão desmedida do BNDES, representou, por outro lado, mais um cartório de espera para alguns esperançosos em dádivas públicas, o que continuou influenciando negativamente o quadro de expectativas microeconômicas no país (ou seja, em lugar do livre empreendedorismo, o leilão de favores governamentais).
A tentativa de mudar um pouco de tudo, no Brasil e no mundo, que sempre esteve no centro do ativismo governamental, inclusive e principalmente na política externa – aliás mais pelo lado das intenções do que pelo das realizações –, também constituiu um entrave concreto ao exercício de uma boa governança em favor dos mais pobres e dos absolutamente carentes. Como as expectativas eram, de modo legítimo, muito grandes, o governo se esforçou para corresponder a todas elas, dando a impressão de que iria mudar tudo num curto espaço de tempo. Começou com o Fome Zero, como todo mundo se lembra, e ele conseguiu ser um fracasso desde o início, sendo abandonado ao cabo de poucos meses, em favor de um desdobramento das bolsas sociais pré-existentes e sua junção num único programa assistencialista chamado de Bolsa Família. A tentativa de se operacionalizar um “Fome Zero Universal”, com a eventual adoção do malfadado programa brasileiro pela ONU, constituiu outro fracasso companheiro, o que não impediu o governo de continuar insistindo nas instâncias internacionais durante vários anos.
O mesmo ocorreu com inúmeros outros programas de “inclusão social” – Primeiro Emprego, inclusão digital nas favelas, computadores a 100 dólares, incentivo à leitura, etc. – todos eles marcados pela improvisação, por um desperdício inacreditável de recursos para resultados pífios em todas as frentes. O PAC, “Programa de Aceleração do Crescimento”, sempre foi um slogan vazio, uma vez que simplesmente deveria fazer parte dos projetos normais de investimentos setoriais a cargo dos diversos ministérios (mas a propaganda sempre foi o forte em todos os governos companheiros). O “Minha Casa, Minha Vida”, se enquadra na mesma categoria, o de subsídios a construtores em projetos apressadamente costurados, que acabam consumindo muitos recursos pela via estatal quando o setor privado, aliviado de tributos, poderia fazer muito mais em termos de oferta habitacional. O mesmo se poderia dizer da substituição tributária da mão-de-obra por um percentual do faturamento em ramos selecionados da economia, um típico expediente discriminatório improvisadamente introduzido, para ser desmantelado ao sabor da crise fiscal. Outros não foram os resultados da política automotiva adotada para proteger os grandes amigos do poder companheiros – sindicatos de metalúrgicos e construtoras do setor – e que terminou por provocar acusações contra o Brasil no âmbito da OMC. Os exemplos mais recentes consistem no FIES e no Ciência Sem Fronteiras, dois programas eleitoreiros e demagógicos, que desviam recursos de áreas mais carentes na educação – ensino fundamental e estímulo real à ciência e tecnologia – por motivos claramente políticos, sem qualquer consistência sistêmica ou visão estratégica.


No cômputo global, as obsessões companheiras representaram poucos progressos na frente social – ainda assim revertidos a partir do recrudescimento da inflação e dos desequilíbrios acumulados nas contas públicas, provocados pela gastança sem limites – e uma dramática deterioração da institucionalidade no país, ao se combinarem com práticas claramente delituosas que se revelaram tanto no ambiente congressual quanto na (depois revelada) promiscuidade entre grandes capitalistas e os “donos do poder”. A Operação Lava Jato, ainda em curso, promete revelar aspectos ainda mais clamorosos dessa colusão criminosa entre os principais líderes companheiros e capitalistas promíscuos em busca de altos lucros obtidos com a manipulação das compras governamentais.

Um pequeno balanço dos desastres companheiros
Depois de três governos companheiros e do início de um quarto – que não se sabe se ou quando vai terminar – já está na hora de fazer um balanço (impressionista e ainda provisório) do quadro da governança companheira, que poderia ser assim apresentado:

1) Um sofrível, senão desastroso, desempenho macroeconômico, que se revelou por inteiro no quadro dramático de deterioração da maior parte dos indicadores internos e externos: inflação, juros, câmbio, contas públicas, risco Brasil, credibilidade externa (e talvez desinvestimentos maciços se o país perde o chamado investment grade). A destruição da confiança só não foi total porque, numa inversão completa do discurso e da prática do terceiro governo, foram buscar nas hostes “liberais” um típico representante dos “Chicago-boys” para dar sustentação a uma governança moribunda. Mas, a demanda por magia econômica contina alta (e não foi coibida) nas hostes companheiras.

2) Um pífio desempenho administrativo, na maior parte dos ministérios, o que é amplamente reconhecido até dentro dos círculos governamentais. O inchaço da máquina e a seleção dos titulares por critérios alheios a preocupações com o desempenho são os responsáveis por esse quadro lamentável. No início, os governos companheiros tinham um excesso de Antonio Gramsci e uma carência notável de Peter Drucker. Atualmente, é até difícil determinar qual a natureza dos problemas, pois todo o governo é uma grande confusão, sem que saiba exatamente quais são os planos de curto, médio ou longo prazo (e talvez o governo não tenha nenhum). Talvez, uma boa consultoria externa, dessas voltadas para a organização e métodos com metas e resultados, pudesse ajudar um pouco na reorganização da máquina do governo. Mas é duvidoso que esse governo aceite a suprema humilhação (ainda que ele já tenha sido em grande medida terceirizado), ou que alguma consultoria respeitável tenha a coragem de aceitar um encargo impossível.

3) Uma deterioração dramática do quadro político-institucional, sobretudo no que se refere ao cumprimento da lei, o respeito à legalidade e à administração de conflitos sociais. O Estado, aos olhos de muitos, não faz cumprir a lei, ou por falta de vontade, ou por falta de capacidade, ou por ambas, o que é, reconheçamos, extremamente grave. Uma caracterização desse tipo, se suficientemente embasada em fatos claramente delimitados, pode prestar-se a uma acusação de crime de responsabilidade, contra qualquer um dos agentes públicos, inclusive o mais alto. A experiência histórica nos ensina que o mais rápido e seguro caminho para a desgovernança prática começa pelo desrespeito à lei.

Não tenho a pretensão de oferecer soluções adequadas a todos os problemas de que padece atualmente (e estruturalmente) o país, em especial na vertente governamental. Tenho consciência, porém, de que um dos requisitos para encontrar respostas apropriadas está na correta formulação das perguntas pertinentes e no oferecimento de um diagnóstico ajustado aos problemas. Creio ter indicado os problemas que me parecem mais graves no Brasil atual, a começar pela crise de governança, que resulta ser uma crise da autoridade legal. Minha conclusão é, infelizmente, totalmente negativa: não vejo como diminuir, nas condições atuais, o quadro nebuloso que dificulta até mesmo visualizar a perspectiva de uma retomada da governança no país. Governança supõe, antes de mais nada, líderes políticos com capacidade de exercê-la, mercadoria dramaticamente faltante no Brasil.

Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 6 de setembro de 2015
(com base no trabalho n. 1241, Brasília, 9 de abril de 2004)

sábado, 5 de setembro de 2015

O Exercito do MST e as FFAA companheiras: uma foto reveladora

Jaques Wagner - atual Ministro da Defesa, e como tal, Comandante Geral das Forças Armadas Brasileiras, arengando outro tipo de tropas:

Estariam preparando algum assalto ao Palácio de Inverno?
Um capo di tutti i capi já se referiu ao exército de um neobolchevique invasor de terras.
Um desses pilantras de uma máfia sindical também já ameaçou "pegar em armas"...
Assim vai o Brasil em termos de legalidade constitucional e de respeito ao Estado de Direito...
Paulo Roberto de Almeida

Sobre a legalidade do Uber e sobre os desvios fiscais dos taxistas - Otacilio Miranda Guimaraes

Reproduzo aqui um debate que tenho seguido pela internet, com esclarecimentos que me parecem amplamente suficientes e adequados sobre a plataforma Uber.
Paulo Roberto de Almeida 

De: Otacilio Miranda Guimarães
Enviada em: sábado, 5 de setembro de 2015 14:50
Para: xxxxxxxxxx
Cc: xxxxxxx
Assunto: Taxis e Uber

Caros...,

A discussão é válida e esclarecedora. Principalmente no Brasil onde qualquer novidade que surja no mercado contrariando interesses de grupos detentores de reservas de marcado, como é o caso dos taxistas, e de grupos políticos que alimentam essas reservas, ganha logo uma legião de críticos contrários às novidades e aos interesses do consumidor, justamente porque essas novidades gestadas em países evoluidos onde se pratica a verdadeira democracia e o autêntico capitalismo visam principalmente atender aos interesses dos consumidores e, por consequência, reduzir o poder nefasto dos grupos que controlam essas reservas de marcado e usufruem de suas benesses em prejuizo dos consumidores.

Quem não sabe deveria saber que os serviços de taxi no Brasil é uma reserva de mercado copiada do sistema americano e controlada por sindicatos que não estão nem ai para o interesse dos consumidores, os que pagam a conta, juntamente com os órgãos públicos controladores do sistema onde a corrupção campeia. Uma licença de um taxi no Brasil custa dez vezes o preço de um carro médio, ou seja, R$ 500 mil reais. O serviço está organizado em empresas ou cooperativas porque a maioria dos motoristas não têm condições de adquirir uma licença, tornando-se portanto um mero escravo do sistema.

Por um daqueles esquemas políticos em que o Brasil é PHD, os veículos destinados a taxi foram isentados de quase todos os impostos e os motoristas idem, porque como não dão recibo do serviço prestado jamais pagam o imposto de renda, que seria o único que tal serviço geraria para beneficiar o estado. Percebe-se, pelo exposto, que os maiores prejudicados no caso são os usuários dos serviços de taxi e o estado que não arrecada o que deveria, e os maiores beneficiários os organizadores do esquema e os donos dos taxis. Mesmo os taxistas particulares são os principais beneficiários do esquema porque compram seus carros praticamente sem impostos e não pagam imposto de renda, pois jamais declaram o que realmente faturam. Tal esquema gera votos em profusão.

Este é o esquema vigente no Brasil. Agora vamos ao Uber.

É uma empresa norte americana fundada por pessoas dedicadas à inovação que visam facilitar a vida das pessoas e tornar mais econômicas suas atividades. Como está sediada nos Estados Unidos, com certeza não é clandestina e paga todos os impostos exgidos naquele país. Diferentemente do Brasil, nos Estados Unidos os fora da lei ou estão na cadeia ou foragidos. Portanto, o UBER é um negócio perfeitamente dentro da lei americana e internacional. Sugiro que acessem o site para ver como funciona o serviço:

https://www.uber.com/pt/about

Os motoristas que aderem aos serviços da Uber compram seus carros pagando todos os escorchantes e imorais impostos cobrados pelo governo brasileiro e também o imposto de renda, uma vez que o pagamento das corridas é feito com cartões de crédito e portanto não podem ser escondidos da receita, como fazem os taxistas brasileiros e de outros países assemelhados.

O Uber também tem uma vantagem em relação aos serviço de taxi tradicional, ou seja, o usuário escolhe o tipo de veículo em que quer se locomover, que pode ser um carro simples ou outro de alto luxo. Com a comodidade de pagar com seu cartão de crédito, coisa rara entre os serviços de taxi brasileiros. E pode chamar um carro da Uber pelo celular de onde estiver, sem precisar ficar procurando nas ruas um taxi que sempre demora de aparecer, quando aparece em determinados horários.

Diante das pressões promovidas pelos incomodados por esta magnífica inovação, o CADE foi consultado e deu a apinião que pode ser vista clicando aqui:

http://www.expressomt.com.br/economia-agronegocio/cade-diz-que-nao-ha-razao-economica-para-138643.html

Quanto a achar que o serviço precisa de uma regulamentação legal, o serviço já é legal porque se trata de uma empresa norte americana e funciona no mundo inteiro sem ferir as normas legais de nenhum país. A Uber não precisa pagar impostos no Brasil, quem tem que pagar são os seus contratados no país. E já o fazem. Nos Estados Unidos, onde está sua sede, com certeza paga todos os impostos sem recorrer as manhas brasileiras para sonegar.

E uma última informação: o valor de mercado da Uber hoje é de aproximadamente U$ 51 bilhões de dólares depois que a Microsoft resolveu investir na empresa. Vejam  aqui:

http://www1.folha.uol.com.br/tec/2015/07/1663191-microsoft-investe-no-uber-e-eleva-a-empresa-a-valor-recorde-diz-jornal.shtml

Quer queira ou não, e sempre não quer, o Brasil é empurrado para a frente pelas inovações que chegam de fora. O negócio no Brasil é a mandioca, sua  maior invenção tecnológica, segundo nos informou sua sapiens presidenta! Smiley piscando

Espero ter contribuido positivamente para o debate.

Abraços...,

Otacílio

Prata da Casa: os livros dos diplomatas, para o quarto trimestre de 2015 (Revista da ADB)

Como vai demorar para sair, e eu já estou encerrando os escritos (ou pelo menos diminuindo o ritmo), para me dedicar à arrumação das centenas de livros, dos milhares de papéis, e dos poucos pertences pessoais, já vou divulgar aqui as mini-resenhas preparadas para a próxima revista da Associação dos Diplomatas Brasileiros (um pouco menos capitalizados, atualmente, para comprar livros editados comercialmente, e mais dedicados a ler os livros gratuitos da Funag...).


Prata da Casa - Boletim ADB: 4to. trimestre 2015

Paulo Roberto de Almeida
Revista da Associação dos Diplomatas Brasileiros
(ano 23, n. 91, outubro-novembro-dezembro 2015, p. 3x-3x; ISSN: 0104-8503)

(1)
Abelardo Arantes Jr.:
A passagem do neoestalinismo ao capitalismo liberal na União Soviética e na Europa Oriental
(Brasília: Funag, 2015, 533 p.; ISBN: 978-85-7631-549-0; Coleção relações internacionais)


Curiosa esta tese de doutorado (UnB): nela se descobre que o socialismo surgiu por “deficiências do liberalismo no Ocidente”, que a contrarrevolução estalinista de 1923-27 traiu o marxismo-leninismo e os trabalhadores e está na origem dos eventos de 1989-91, quando a elite neoestalinista, numa espécie de conspiração para continuar no poder, efetuou sua conversão ao liberalismo. A tese é uma verdadeira revolução na história da Europa oriental e na do marxismo: a derrota do socialismo pode não ter sido definitiva e movimentos revolucionários de cunho socialista podem ser retomados; a elite neoestalinista usa malabarismos ideológicos para manter-se no poder, em aliança com a elite liberal. Mas seria o período pós-1991 marcado pelo “predomínio absoluto da hegemonia ocidental”? E será a Rússia pós-soviética um capitalismo liberal? Curioso...

 (2)
Paulo Cordeiro de Andrade Pinto:
Diplomacia e política de defesa: o Brasil no debate sobre a segurança hemisférica na década pós-Guerra Fria (1990-2000)
(Brasília: Funag, 2015, 262 p.; ISBN: 978-85-7631-566-7; Coleção CAE)
           

A tese não foi publicada quando devia e ficou defasada: já não se está nos anos 1990 quando os perversos imperialistas pretendiam fazer das FFAA os cães de guarda dos seus interesses na região: luta contra o narcotráfico e coisa e tal. Muita coisa mudou e o debate ficou para trás. O que mudou foi a criação de instâncias próprias de defesa no âmbito sul-americano, que aliás pretende a mesma coisa que os imperialistas expulsos: a promoção da coexistência pacífica regional, no que o Brasil está empenhado, mas sem os intrometidos. Aqui se superou a “reticência brasileira”. O mais importante, porém, seria saber contra quem, exatamente, exercer a defesa, com quais ferramentas e alianças fazê-lo. Quem sabe está na hora de reabrir o debate e discutir seriamente a questão, sem paranoias e sem falsos amigos? A tese oferece a base histórica para começar a pensar.
  
(3)
Luiz Alberto Figueiredo Machado:
A plataforma continental brasileira e o direito do mar: considerações para uma ação política
(Brasília: Funag, 2015, 174 p.; ISBN: 978-85-7631-555-1; Coleção CAE)


Publicada 15 anos depois da defesa, a tese do ex-chanceler (então conselheiro) integra um pequeno grupo de trabalhos altamente especializados sobre o direito do mar e os interesses brasileiros nos diversos aspectos dessa área anteriormente insondável, e agora devassada justamente em função de trabalhos técnicos de grande qualidade sobre a “ultima fronteira física” do Brasil, algumas vezes designada como “Amazônia azul”. A análise histórica e jurídica para trás permanece inteiramente válida, e as tarefas à frente caminham no sentido aqui discutido, o que confirma, não um caráter visionário, mas a adequação dos argumentos de 2000 às realidades do presente (e não apenas em função do pré-sal). Muito do que se fez, pelo Itamaraty e outros órgãos, em prol da extensão dos limites da plataforma brasileira, seguiu o roteiro traçado neste livro.

(4)
Renato Baumann et alii:
BRICS: estudos e documentos
(Brasília: Funag, 2015, 350 p.; ISBN: 978-85-7631-546-19; Coleção relações internacionais)

Dois diplomatas participam desta obra coletiva: Flávio Damico, de um ponto de vista histórico, analisa em primeiro lugar as razões históricas, econômicas e políticas que marcaram a passagem de uma simples sigla para uma realidade político-diplomática dotada de certo peso na comunidade internacional (embora muito disso se deve à China, quase exclusivamente). Carlos Márcio Cozendey, negociador internacional na área econômica, trata dos dois instrumentos aprovados na cúpula de Fortaleza, o Novo Banco de Desenvolvimento e o Acordo Contingente de Reservas. O título desse capítulo é, aliás, significativo: “Visão ou Miragem?” Cada país deve ter a sua visão sobre esses processos, mas a forte ênfase estatal em cada uma de suas iniciativas pode transformar tudo isso em miragem (o autor acha que não), se não forem simples utopias. A ver... 

(5)
Valério de Oliveira Mazzuoli; Eduardo Bacchi Gomes (orgs.):
Direito da Integração Regional: diálogo entre jurisdições na América Latina
(São Paulo: Saraiva, 2015, 590 p.; ISBN: 978-85-02-62745-1)

Um único diplomata neste volume coletivo: Otávio Cançado Trindade, que assina um estudo da jurisprudência internacional em matéria de controvérsias entre Estados no campo dos direitos humanos. Entre 1794 e 1900 ocorreram 177 arbitragens entre Estados, e só nos últimos 15 anos 80 Estados participaram de procedimentos contenciosos na Corte Internacional de Justiça, mas existem diferentes instâncias, mais de 20 foros, com funções judiciais ou quase judiciais. As questões de direitos humanos não costumam integrar controvérsias no campo da integração regional, geralmente limitadas a problemas comerciais, ou econômicos, no sentido amplo. O ingresso da Venezuela bolivariana no Mercosul pode, justamente, suscitar questões relevantes na área, mas os estudos do autor cobrem basicamente casos no âmbito europeu e da ONU.


(6)
Nilo Dytz Filho:
Crise e reforma da Unesco: reflexões sobre a promoção do poder brando do Brasil no plano multilateral
(Brasília: Funag, 2014, 334 p.; ISBN: 978-85-7631-511-7; Coleção CAE)

Houve um tempo em que a Unesco gastava a maior parte do seu orçamento na própria sede, ou pelo menos em Paris e arredores, uma das razões, junto com seu terceiro-mundismo rastaquera e a visão contrária ao chamado Ocidente, pelas quais os EUA se afastaram do órgão. Isso passou, mas a organização continua precisando de reformas, a serem feitas por uma auditoria externa, independente. Em 2011, os EUA, novamente, cortaram a sua dotação, por causa da admissão da Palestina. O Brasil tem poder, brando ou outro qualquer, para influenciar em processos ulteriores de reforma? A Unesco está à venda, como pergunta o próprio autor? Brando ou não, esse poder só se materializa com mais dinheiro. O Brasil está disposto a colocar mais dinheiro em Paris, ainda que seja para países em desenvolvimento? O mais provável é que a Unesco continue em crise.


Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 4 de setembro de 2015, 3 p.

O que nos separa de Maquiavel? - Paulo Roberto de Almeida

Meu Apêndice ao meu livro em formato Kindle O Príncipe, revisitado: Maquiavel para os contemporâneos:
(capa de Pedro Paulo Palazzo, sobre óleo de Santi di Tito)

O que nos separa de Maquiavel?

 Paulo Roberto de Almeida 

Se, por alguma fortuna histórica, Maquiavel retornasse, hoje, ao nosso convívio, com as suas virtudes de pensador prático, quase meio milênio depois de redigida sua obra mais famosa, como reescreveria ele o seu manual “hiperrealista” de governança política? Seriam os estados modernos muito diversos dos principados do final da Idade Média?
Este Maquiavel para os contemporâneos, voltado para a política dos nossos tempos, dialoga com o genial pensador florentino, segue seus passos naquelas “recomendações” que continuam aparentemente válidas para a política atual, mas não hesita em oferecer novas respostas para velhos problemas de administração dos homens. Aqui, como em outros aspectos, a constância dos “príncipes” nos desacertos é notável. Ela não parece ter evoluído muito, desde então.
De fato, Maquiavel permanece surpreendentemente atual – com o que concordariam os filósofos e cientistas políticos da atualidade –, mesmo (talvez sobretudo) nos traços malévolos exibidos pelos condottieri contemporâneos e pelos cappi dei uomine. Ainda que envenenamentos encomendados e assassinatos por adagas, tão comuns no Renascimento italiano, não estejam mais na moda – pelo menos fora do âmbito dos serviços secretos –, e que eles tenham sido substituídos por outros métodos para se desembaraçar de concorrentes e de adversários políticos, as técnicas para se apossar do poder e para mantê-lo exibem uma notável continuidade com aquelas descritas pelo experiente diplomata da repubblica fiorentina do Quattrocento.
O que pode estar ultrapassado, no seu “manual” de 1513, é meramente acessório, pois a essência da arte de comandar os homens revela-se plenamente adequada aos dias que correm, confirmando assim as finas virtudes de psicólogo político – avant la lettre – do perspicaz pensador do Cinquecento.
Este Príncipe, revisitado representa, antes de tudo, uma singela homenagem ao diplomata italiano que “inventou” a ciência política, ainda que ele o tenha feito nas difíceis circunstâncias do ostracismo, na sua condição de funcionário de Estado “cassado” pelos novos donos do poder em Florença. Obra de um momento político – talvez não muito diverso daqueles tempos vividos pelo segretario de cancelleria –, este novo Príncipe, que se pretende tão universal em seu escopo e motivações quanto seu modelo de cinco séculos atrás, oferece novos argumentos em torno dos velhos problemas da administração estatal.
A bem refletir sobre a política contemporânea, pouco nos separa de Maquiavel, se não é algum desenvolvimento institucional e uma maior rapidez nas comunicações. Quanto aos homens, tanto os condottieri quanto o popolo, eles não parecem ter mudado tanto assim...
 

Minha homenagem (antecipada) pelo dia do Professor - Paulo Roberto de Almeida

Em meados de outubro, quando se comemora mais um dia do Professor, não vou poder, provavelmente, estar disponível para fazer mais uma homenagem a meus colegas de "profissão", de "emprego", de "ocupação", ou de simples atividade (remunerativa, como é o caso da maior parte deles, no meu caso simplesmente prazeirosa, pois a tenho como opção, não como obrigação ou necessidade).
Vou estar preparando minha mudança para o Brasil, para voltar a exercer atividades professorais, digamos assim, e portanto não vou poder ficar escrevendo tanto quanto faço normalmente.
Antecipo-me, portanto, à data, e posto, preventivamente, um texto que havia feito em 2009 que se dedicava, no caso, a prestar homenagem aos alunos, que são os que legitimam, explicam, fundamental a atividade de todo professor, por opção ou por obrigação.
Reproduzo, portanto, o texto que segue.
Paulo Roberto de Almeida 
Hartford, 5 de setembro de 2015

Minha homenagem no dia do Professor
Paulo Roberto de Almeida

Neste dia 15 de outubro, convencionalmente dedicado aos professores, desejo prestar uma homenagem aos que se revelam essenciais às lides docentes: os alunos. Sim, se não fossem os estudantes, os professores não teriam razão de ser, não apenas pelo fato deles constituírem a “outra parte” absolutamente indispensável à atividade dos professores, mas porque, sem alunos inquisidores, o encargo docente seria incrivelmente aborrecido. Minha homenagem, portanto, aos alunos, a todos eles, os meus e os de todos os outros professores. Obrigado, alunos, por me permitir existir como professor, o que faço por prazer, não por obrigação ou necessidade.

Tenho com a atividade docente uma antiga relação de dedicação parcial, no tempo, mas integral, no espírito. Salvo um ou outro romance, em volume bem mais rarefeito, todas as minhas leituras são feitas – e anotadas – em função daquilo que eu posso transmitir a meus alunos, diretos ou indiretos, oralmente ou por escrito, em contato pessoal ou à distância. Estou sempre anotando alguma coisa, em alguns dos meus muitos cadernos de notas, que servem para leituras, reflexões, registros de viagens, contatos, enfim, uma variedade de objetivos. Também estou sempre lendo algo, geralmente o que comprei no minuto anterior: andando ou dirigindo, sempre dá para avançar alguns parágrafos, talvez mesmo algumas páginas. Tudo isso é para ser revertido em alguma aula ou algum escrito, que é também uma forma de aula, por extensão.
Preferiria, claro, ter mais alunos perguntadores do que ouvintes passivos, mas cada um deve decidir o que é melhor para si, independentemente da vontade do professor. Este só existe para tentar melhorar os estudantes, e estes só existem, se forem conscienciosos e inquisitivos, para melhorar o professor. Alguns crêem que se trata de uma relação assimétrica, mas para mim se trata de algo absolutamente relacional, com conivências recíprocas, ainda que não isentas de contradições. O aluno contestador ajuda o professor a ser responsável, ajustar o foco, preparar suas aulas de forma responsável, a sempre fazer a síntese de suas leituras, a expor claramente os seus argumentos, a embasá-los de forma pertinente em elementos factuais ou empíricos relevantes, sob risco de não convencer e não persuadir. O professor precisa de alunos iconoclastas, que contestem as meias-verdades e as afirmações puramente opinativas ou impressionistas.
Alguns são chatos, é verdade, não por questionar o professor, mas por desprezar o aprendizado, conversar ou ausentar-se de forma ostensiva no meio da aula, não que isso represente uma ofensa absoluta ao professor, mas porque perturba a aula pelo barulho do deslocamento, pela conversa paralela, pelo zumbido intermitente da concorrência desleal. Muitas vezes a culpa é do próprio professor, que não soube tornar a sua aula suficientemente atraente para motivar e capturar a atenção dos alunos. Aqui também se trata da lei da oferta e da procura num mercado pouco transparente: o aluno “compra” aquilo que lhe parece de boa qualidade e suscetível de oferecer algum prazer intelectual e se a aula é chata e pouco vinculada às realidades cotidianas, merece o desapreço e desatenção que lhe dedicam os alunos.
São os alunos, portanto, que fazem um bom professor, ainda que as qualidades deste também dependam de seu investimento preliminar no estudo e na leitura, sua acumulação primitiva de conhecimentos e informações, tudo isso apresentado com alguma pedagogia atrativa. De minha parte, não tenho reclamações de meus alunos, apenas motivo de satisfação. Sinto que estou contribuindo, ainda que modestamente, para o seu enriquecimento intelectual e, quiçá, para a elevação de seus padrões morais. Algumas sementes só vão frutificar alguns anos à frente, mas isso não importa para o professor, se ele tem certeza de que fez corretamente o seu trabalho docente.
Por tudo isso, só tenho a agradecer sinceramente aos meus alunos e prestar-lhes, neste dia, uma merecida homenagem por permitir-me ser um simples professor.
Cheers...

Brasília, 15 de outubro de 2009

A liberdade de destruir a liberdade: o caso do Partido Totalitário (lembrando Norberto Bobbio)

Quando Norberto Bobbio estaria fazendo 100 anos, em 18 de outubro de 2009 (ele morreu cinco anos antes), eu fiz a minha homenagem a ele, selecionando um trecho de um livro de coletânea de obras suas sobre a liberdade, e seus inimigos.
Como temos muitos inimigos da liberdade, em nosso próprio pais, agora mesmo, creio que seria útil transmitir outra vez essa minha postagem de seis anos atrás.
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 4 de setembro de 2015

A liberdade de destruir a liberdade: um aviso preventivo vindo do passado
Paulo Roberto de Almeida

Norberto Bobbio, o maior intelectual italiano do século 20, nasceu em Torino no dia 18 de outubro de 1909, e teria, portanto, neste dia 18 de outubro de 2009, exatamente cem anos, o que ele ‘falhou’ em completar em aproximadamente cinco anos, tendo falecido em Torino em 9 de janeiro de 2004. Retomo esses dados da excelente cronologia elaborada sobre sua vida e obra por Marco Revelli, no volume que adquiri recentemente em Veneza tão pronto ele foi publicado:

Norberto Bobbio
Etica e Politica: Scritti di impegno civile
Progetto editoriale e saggio introduttivo di Marco Revelli
(Milano: Arnoldo Mondadori Editore, 2009, 1718 p.; ISBN: 978-04-57314-2)
(Paguei 55 euros, o que representa 3 centavos de euro por página, cada uma bem mais valiosa em sabedoria e conhecimento do que o seu estrito valor monetário)

O volume é uma compilação de seus escritos mais importantes, divididos em cinco partes, começando por sua Autobiografia intellettuale: Compagni e Maestri (seus colegas de colégio, de universidade e de lutas políticas, sobretudo antifascistas e pela liberdade e democracia na Itália republicana do pós-guerra); Valori Politici e Dilemmi Etici (escritos e conferências sobre a ética e a política, sobre a liberdade e a igualdade, sobre a paz e a guerra); Le Forme della Politica (seus textos mais famosos de polêmica: Democrazia e dittatura, Socialismo e comunismo e Destra e sinistra); e, ao final, Congedo (seus escritos da idade senil: De senectute e A me stesso).
O livro é precedido por uma introdução magistral de Marco Revelli (Nel labirinto del Novecento), de uma cronologia e notas a esta edição, do mesmo autor, que também complementa o livro por notas sobre os textos, por uma bibliografia completíssima e por um índice dos nomes (não, infelizmente não existe um índice de ideias, que teria sido um instrumento muito útil ao pesquisador).

O livro é um tesouro de trouvailles (como os textos sobre os amigos, homenagens publicadas em revistas, para nós obscuras, geralmente por ocasião da morte de cada um deles; e Bobbio sobreviveu à maior parte dei suoi compagni), assim como um instrumento poderoso de referências sobre todos os seus trabalhos publicados, aqui apenas selecionados. Bobbio tem, segundo Revelli, 4.803 escritos catalogados, em todas as categorias – livros, artigos, conferências, entrevistas – o que daria 128 volumes, com 944 artigos, 1.452 ensaios, 457 entrevistas, 316 palestras). Ufa!: vai ser preciso alguém tempo para ler tudo, por isso mesmo este volume é um achado.

Na impossibilidade de falar aqui de todos, ou sequer dos mais importantes textos selecionados neste volume, prefiro fazer uma transcrição de um dos escritos compilados por Revelli, que talvez guarde alguma similaridade com a situação política do Brasil atual. Ele foi escrito por Norberto Bobbio em 1969 e fazia parte de uma homenagem prestada ao seu colega de colégio Leone Ginzburg, intelectual de origem russa, judeu, lutador antifascista, assassinado pela Gestapo em Roma, em 1944. No 25o. aniversário de sua morte, Bobbio publicou uma carta numa edição especial, Dialogo con Leone Ginzburg, na revista Resistenza (a. XXXIII, n. 4, aprile 1969), na qual dizia o seguinte (transcrevo o original italiano, e depois tento a minha tradução improvisada):

Oggi, sappiamo che la libertà si può usare per il bene e per il male. Si può usare non per educare ma per corrompere, non per accrescere il proprio patrimonio ideale ma per dilapidarlo, non per rendere gli uomini più saggi e nobili, ma per renderli più ignoranti e volgari. La libertà si può anche sprecare. Si può sprecarla fino al punto di farla apparire inutile, un bene non necessario, anzi dannoso. E a furia di sprecarla, un giorno o l’altro (vicino? lontano?) la perderemo. Ce la toglieranno. Non sappiamo ancora chi: se coloro che abbiamo lasciato prosperare alla nostra destra, o coloro che stanno crescendo tumultuosamente alla nostra sinistra. Abbiamo comunque il sospetto, alimentato da una continua severa lezione durata mezzo secolo, che la differenza non sarà molto grande. (p. cviii-cix)

(tradução não autorizada, e sobretudo não competente, de Paulo R. de Almeida:)
Hoje, sabemos que a liberdade pode ser usada para o bem e para o mal. Ela pode ser usada não para educar, mas para corromper, não para aumentar o próprio patrimônio ideal [mental], mas para dilapidá-lo, não para tornar os homens mais sábios e nobres, mas para torná-los mais ignorantes e vulgares. A liberdade pode inclusive ser desperdiçada. Pode-se desperdiçá-la até o limite de fazê-la parecer inútil, um bem não necessário, aliás prejudicial. E nessa fúria de desperdiçá-la, um dia ou outro (próximo? longínquo?) nós a perderemos. Vão tirá-la de nós. Não sabemos ainda quem: se aqueles que deixamos prosperar à nossa direita, ou aqueles que estão crescendo tumultuosamente à nossa esquerda. Temos de toda forma a suspeita, alimentada por uma contínua e grave lição que perdurou por meio século, que a diferença não será muito grande.

Acredito, pessoalmente, que esta advertência de Bobbio, feita no seguimento das convulsões estudantis que agitaram a Europa, e um pouco todo o mundo, a partir de 1968, com seu cortejo de atos libertários, bastante criatividade e espontaneidade, mas também com muitas exibições de irracionalidade anticapitalista e de comportamentos antidemocráticos – basta dizer que a Revolução Cultural chinesa, um exemplo extremo de irracionalidade obscurantista, era saudada pelos revoltosos de “maio de 1968” como se fosse a libertação final da exploração capitalista e da democracia burguesa –, se aplica inteiramente à conjuntura presente no Brasil, com seu cortejo de ataques velados à liberdade de imprensa, seu festival de banalidades políticas e de irracionalidades econômicas, enfim suas ameaças latentes a uma liberdade duramente conquistada em algumas décadas de lutas democráticas (hoje enganosamente apropriadas por aqueles mesmos que queriam esmagar a liberdade no altar de suas crenças ultrapassadas).
Bobbio nasceu numa Itália pré-fascista, cresceu na crise política do pós-primeira guerra, atravessou todo o período de totalitarismo mussoliniano (tendo inclusive, por razões familiares, flertado com o movimento em sua juventude), se fez homem na luta antifascista dos anos 1930 e 40, participou da construção constitucional da Itália liberada e republicana do pós-segunda guerra, e deu sua imensa contribuição intelectual para os debates do seu tempo: as difíceis escolhas entre liberdade e igualdade, entre democracia representativa e seus simulacros pela via direta ou plebiscitária – um cenário que infelizmente ressurge de maneira irracional na América Latina – e faleceu sem ter visto o sistema político italiano expurgado das pragas da corrupção e do loteamento das instituições estatais por políticos fisiológicos.
A sua Itália era – e é – muito parecida com o Brasil em seus “costumes” políticos. Pena que não ostentemos (ainda?) nenhum Norberto Bobbio entre nós.
Minhas homenagens a Norberto Bobbio em seus ‘100’ anos de vida...

Brasília, 2051: 17.10.2009

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Na teoria e na pratica do cartel do PT, se tratava de um cartel solitario: o PT roubando sozinho

Pelo depoimento do bandido maior, vulgo presidente do clube das empreiteiras, fica completamente esclarecida a existência de um cartel dedicado a assaltar a Petrobras e o país.
Esse cartel era formado pelos líderes máximos do partido totalitário, representado pelo seu tesoureiro, o homem dos pixulecos, tendo como assessores seus prepostos na Petrobras e em diversas outras instâncias de diversas outras empresas e agências públicas.
Ou seja, se tratava de um cartel de um único CNPJ, o do PT.
Esse cartel deve ter tentáculos em outras esferas do poder público, dos poderes privados, das ONGs e de quaisquer outras interfaces que possam existir que coloquem numa linha de relação dinheiro de um lado e cupidez desmedida do outro.
Em qualquer outro país sério, o juiz teria ordenado uma devassa nas contas do partido totalitário, a PF teria vasculhado seus escritórios, e seus responsáveis teriam sido levados para responder pelos desvios de dinheiro.
Desvio não! Roubo deliberado, declarado, planejado, cartelizado (numa única organização criminosa).
O PGR, o Preposto Garantidor da Roubalheira será chamado a se explicar porque hesita, delonga, tergiversa, evita, contorna, teme fazer o seu dever.
O que fazem os demais procuradores do cartel da PGR?
Eles se olham no espelho, todas as manhãs, e pensam o quê, exatamente?
Paulo Roberto de Almeida

Depoimento de Ricardo Pessoa: devastador para o PT
4/09/2015

O empresário, dono da UTC Engenharia, afirmou em depoimento à Justiça ter depositado dinheiro de propina da Petrobras diretamente na conta do Partido dos Trabalhadores (PT). Segundo ele, as propinas da diretoria de Serviços da Petrobras eram pagas ao gerente Pedro Barusco, e o diretor de Serviços da Petrobras, Renato Duque, sempre o encaminhou a João Vaccari Neto, então tesoureiro do partido.
Pessoa afirmou que a cobrança de propina em contratos com a Petrobras começou com o deputado José Janene, do PP, quando Paulo Roberto Costa assumiu a diretoria de Abastecimento. Na diretoria de Serviços, o primeiro contato foi feito por Pedro Barusco e, depois, o diretor Renato Duque passou a pedir contribuições financeiras por meio de Vaccari.
O juiz Sérgio Moro quis saber se a contribuição ao PT era mesmo parte do acerto da propina, se essa relação ficava clara. - Mais clara impossível, eu depositava oficialmente na conta do Partido dos Trabalhadores. Nunca paguei nada ao Duque, estava pagando a Vaccari - afirmou o empresário.
O empresário disse que o pagamento de propina começou por volta de 2005 e existia mesmo que não houvesse cartel ou acerto entre as empresas para vencer licitações. - Independente de ter pacto de não agressão ou arranjo entre empresas, eu era procurado para pagar. Tem contrato que não tinha arranjo e tivemos que pagar - afirmou o empresário.- Não sei se todas (as empresas) eram solicitadas ou admoestadas para isso. Mas sempre fui solicitado e tive que comparecer firmemente com esses pagamentos.
Pessoa confirmou ter feito pagamento de propinas em duas obras, da Repar e do Comperj, onde a UTC participou ao lado da Odebrecht. As duas empresas não falaram sobre quanto seria o valor a ser pago, apenas dividiram responsabilidades em relação ao pagamento. - Na Repar ficamos encarregados de pagar diretoria de Abastecimento e a Odebrecht, de resolver o problema da diretoria de Serviços. No Comperj ficamos encarregados de pagar a Vaccari e Barusco. A diretoria de Abastecimento ficou a cargo de Márcio resolver o que fazer - contou, explicando que o valor da propina era pactuado entre todos os participantes do consórcio, já que o custo era do consórcio.
O empresário afirmou que recebeu o primeiro aviso de cobrança de propina na Petrobras do deputado federal José Janene, do PP, por volta de 2005, quando Paulo Roberto Costa assumiu a diretoria de Abastecimento e que houve alguns jantares na casa do parlamentar, onde ficou estipulado o pagamento. Logo em seguida, a diretoria de Serviços acompanhou. Pessoa afirmou que, depois de alguns anos, chegou a conversar com Márcio Faria, da Odebrecht, e Eduardo Leite, sobre o fim do esquema, já que não havia sentido em continuar pagando propina.

EXECUTIVOS RECLAMAVAM DE PROPINA
O ex-vice-presidente da Camargo Correa, Eduardo Leite, afirmou à Justiça Federal que a Camargo Corrêa pagou propina "em todos os contratos" com a Petrobras. Ele disse que negociou valores irregulares com os ex-diretores Renato Duque (Serviços) e Paulo Roberto Costa (Abastecimento) e com o ex-gerente de Serviços Pedro Barusco.
- Pelo o que eu sabia na época, todas as empresas prestadoras de serviços junto a Petrobras tinham obrigação de fazer esse pagamento. Isso era comentado no mercado. E por uma ou duas vezes, encontrando com executivos, eles chegaram até a reclamar desse pagamento.
Segundo Leite, Márcio Faria, da Odebrecht, e Ricardo Pessoa, da UTC, foram alguns dos executivos que se queixaram de ter que pagar propina para funcionários corruptos: - Você começa a conversar sobre o cliente e aí a reclamação recorrente era o volume de recurso que você tinha que informar.
O MPF convocou os funcionários de carreira da Petrobras Luis Antônio Scarva e Sérgio Costa, que participaram da licitação e contratação das obras da Repar. Ambos declaram ao juiz Sérgio Moro terem sido pressionados para aprovar a contratação da obra.
De acordo com o depoimento, o PT roubou a Petrobras. Lula foi eleito com dinheiro de propina. Dilma Rousseff foi eleita com dinheiro de propina.
O PT ainda está no poder apenas porque Rodrigo Janot escondeu os outros depoimentos de Ricardo Pessoa - aqueles que incriminam diretamente as campanhas de Lula e Dilma Rousseff.

Eugenio Gudin: um profeta da racionalidade derrotado pela realidade brasileira

Um artigo de 1977 que continua atual: a deficiência brasileira em capital humano continua a ser nosso principal problema "econômico".
Apenas destaco uma frase, que resume todo o sentido da discussão:
"Precisamos reformar a fundo nossa mentalidade, substituindo o culto do “diploma” pelo culto da “experiência”."
Paulo Roberto de Almeida

Capital Humano
*Eugênio Gudin Filho
28/03/1977

Na edição de Janeiro da revista Commentary, Norman Gall, referindo-se ao Brasil, mencionou “a tradicional incapacidade dos brasileiros para investir naquilo que se poderia chamar de capital humano”.

Se Norman Gall lesse os jornais brasileiros, teria podido citar, em apoio à sua opinião sobre a nossa escassez de capital humano, três tópicos tão característicos quanto impressionantes.

1) Estado de são Paulo, em editorial de 17 de corrente, relata o que tem sido o fracasso do Lloyd Brasileiro, no serviço de passageiro, com os navios tipo “princesa” lindo e moderno navios, importados há 15 anos atrás. O último deles, o Anna Nery, chegou ao Rio de Janeiro no dia 16, rebocado, depois de malograda viagem de turismo pelo norte do Brasil. Não foi a primeira vez (longe disso) que o navio teve de parar em meio de viagem, por acidentes nas máquinas. O Princesa Izabel foi vendido a preço de sucata e reformado pelo comprador, fazendo viagens de longo curso, sob o nome de Marco Pólo. O Princesa Leopoldina foi também vendido a preço de sucata a uma empresa inglesa, por apenas um milhão e setecentos mil dólares; hoje faz cruzeiros no Extremo Oriente, sob o nome de Coral Princess. Agora tudo indica ter chegado a vez do Anna Nery, porque os reparos de que necessita não são exeqüíveis no Brasil, malgrado nossos grandes estaleiros de construção naval. Vai ser substituído por um navio de registro panamenho, chamado Romanza, com 33 anos de idade, fretado a um custo de 5 a 6.000 dólares por dia.

2) Outro fato impressionante é o do terceiro forno da siderúrgica Nacional em Volta Redonda, o maior (naturalmente o mais dispendioso) da América Latina, inaugurado há poucos meses pelo Presidente Geisel. Depois de outras peripécias, teve agora seu funcionamento suspenso “por tempo indeterminado” devido às precárias condições do sistema de alimentação.

3) As comportas da eclusa da Lagoa Mirim há poucos dias inaugurada pelo Presidente da República, na funcionaram no dia da inauguração!

4) No gênero, poder-se-ia mencionar, a título de recordação, o caso do trem Teresina-Fortaleza, inaugurado pelo Ministro Andreazza, com bombástico discurso na estação da partida. “Enguiçou” poucas horas depois da partida; e afinal desmantelou-se em descarrilamento nas linhas do Ceará....

A culpa de tudo isso não é das máquinas, devidamente projetadas, importadas e fiscalizadas, e sim da falta de gente competente para manobrá-las e conserva-las.

É o caso que tão sabidamente assinala Sr. Roy Harrol, autor da famosa fórmula Harrod-Domar: “Nos países em desenvolvimento, este depende principalmente da taxa a que os quadros humanos de empreendedores, engenheiros de produção, gerentes, inspetores, projetores, desenhistas, contadores, et hoc genus omne se desenvolvem.

As taxas de crescimento e expansão desses quadros humanos impõem, na minha opinião, uma limitação muito mais importante ao desenvolvimento econômico dos países do que escassez do capital, conquanto este também tenha o seu lugar“.

Mas como se explica, malgrado a multiplicação de universidades e faculdades verificada nos últimos decênios, que persista tanta penúria de gente competente para os misteres ordinários de engenharia industrial e mecânica?

A meu ver, a resposta está na grave deficiência do ensino nesse setor. Porque a mecânica aplicada aos vários setores da indústria (inclusive estradas de ferro e navegação) não se aprende apenas nos livros, como no caso do direito, da economia, ou da matemática. O ensino da física aplicada, da química, da mecânica industrial exige laboratórios e oficinas, inexistentes em ossos cursos. E se o ensino da medicina sofre menos que os demais é porque nesse curso a oficina e o ensino prático se encontram no hospital, que os estudantes são obrigados a freqüentar. 

Persiste, de outro lado, entre nós, a velha prevenção, oriunda da civilização grega, contra o trabalho manual, em contraste com o apreço pela cultura livresca.

Somos países onde se cultua o “diploma” (canudo) e se despreza a “experiência”.

Em 1936, em conferência pronunciada, a convite do Ministro Capanema, sobre o tema “Educação e Riqueza” aproveitei a ocasião para demonstrar a necessidade de criarmos escolas técnicas com oficinas de mecânica, de eletricidade, de siderurgia, etc, do tipo que os franceses chamam de arts et métiers, onde se preparam, em três anos, engenheiros com boa base matemática corrente, desenho de projetos e trabalhos de oficina, inclusive o manual. Propus que se criasse uma primeira escola em São Paulo, montada com bom aparelhamento e professores contratados no exterior, quando necessário. Ao fim de dez anos, aproveitando a experiência e os recursos da primeira, far-se-ia uma segunda escola em Recife. 

Fizeram-se “escolas técnicas”, uma em cada Estado (!!), mas sem aparelhamento nem professores competentes. É como se não existissem.

Precisamos reformar a fundo nossa mentalidade, substituindo o culto do “diploma” pelo culto da “experiência”.

E não podemos perder tempo. Porque, como se vê pelos supracitados e muitos outros, o atraso do elemento humano nesse setor é considerável.

Constrói-se uma máquina, mesmo um grande equipamento, em um ou dois anos. Mas a formação de gente competente e experiente exige uma ou mais dezenas de anos.

A não ser que encontrássemos outros espécimes de homens como o Governador Faria Lima; que fez em dois anos mais do que todos os seus antecessores em cem! Mas é que é muito difícil outro exemplar de tão milagrosa capacidade.

 =============
*Eugênio Gudin Filho (Rio de Janeiro, 12 de julho de 1886 - Rio de Janeiro, 24 de outubro de 1986) foi um economista brasileiro, ministro da Fazenda entre setembro de 1954 e abril de 1955, durante o governo de Café Filho.

Formado em Engenharia Civil em 1905 pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, passou a interessar-se por Economia na década de 1920. Entre 1924 e 1926, publicou seus primeiros artigos sobre Economia em O Jornal, do Rio de Janeiro.

Em 1944, o então ministro da Educação, Gustavo Capanema, designou Gudin para redigir o Projeto de Lei que institucionalizou o curso de Economia no Brasil. Nesse mesmo ano, foi escolhido delegado brasileiro na Conferência Monetária Internacional, em Bretton Woods, nos Estados Unidos, que decidiu pela criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) .

Durante os sete meses em que foi ministro da Fazenda (1954-1955), promoveu uma política de estabilização econômica baseada no corte das despesas públicas e na contenção da expansão monetária e do crédito, o que provocou a crise de setores da indústria. Sua passagem pela pasta foi marcada, ainda, pelo decreto da Instrução 113, da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), que facilitava os investimentos estrangeiros no país, e que seria largamente utilizada no governo de Juscelino Kubitschek. Foi por determinação sua também que o imposto de renda sobre os salários passou a ser descontado na fonte.

Ricardo Bergamini
www.ricardobergamini.com.br