O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 4 de abril de 2010

1023) O Brasil no Wall Street Journal - Rodrigo Constantino

Toda vez que sai uma matéria na imprensa internacional dizendo que o Brasil está bem, as "gentes" ficam entusiasmadas e correm para cantar novas loas a quem vocês sabem. Uma análise mais promenorizada, como esta que faz o economista Rodrigo Constantino, mostraria que os motivos de comemoração são bem outros, e que os de preocupação continuam presentes...

A matéria do WSJ
Rodrigo Costantino
29 de março de 2010

Em matéria sobre o Brasil, o renomado The Wall Street Journal conclui, de forma bastante otimista, que o amanhã chegou para o "país do futuro". Naturalmente, alguns esquerdistas já correram para soltar fogos de artifício: viva Lula! Seria bom mais cautela para esta turma, que já se queimou com a comemoração precipitada da matéria da The Economist com o Cristo Redentor na capa. Fica parecendo que essa gente nem sequer lê as matérias, e que o complexo de vira-lata é tão forte que eles vibram de emoção sempre que algum ícone do capitalismo faz elogios ao país. Se ao menos lessem a reportagem, evitariam tanto constrangimento. Tentarei facilitar a tarefa deles, colocando alguns trechos da matéria (em itálico), comentados em seguida por mim (em negrito).

"But the country has enormous challenges it must overcome before it can fully live up to its potential. Its public sector is bloated and riddled with corruption. Crime is rampant. Its infrastructure is badly in need of repair and expansion. The business environment is restrictive, with a labor code ripped from the pages of Benito Mussolini's economic playbook. Brazil also risks patting itself on the back so much that it fails to see the colossal work that remains to be done."

Logo no começo, o WSJ faz um caveat: os desafios que o país ainda enfrenta são enormes! E quais seriam esses desafios? Ora, justamente aquilo que a esquerda defendeu a vida inteira! O que ainda temos de ruim, de empecilhos ao progresso, é exatamente aquilo que figuras como Lula e Dilma sempre defenderam. Abaixo, maiores detalhes desses pontos.

"Things started changing in the 1990s. The government adopted strict monetary policies and a laser-like focus on balancing the books. That fiscal prudence has given the country remarkable cash reserves—and breathing room during crises."

O que aconteceu com a "herança maldita"? O WSJ parece pensar diferente do PT: o que veio ANTES é o que foi responsável pelas mudanças mais estruturais, e justamente aquilo que o PT lutou para impedir: estabilidade da moeda, responsabilidade fiscal, abertura comercial etc.

"Even a pledge for a bigger state role in the economy by Dilma Rousseff, Mr. da Silva's outgoing chief of staff and his hand-chosen successor as the party's candidate, isn't scaring off the business community. "It's refreshing to have an election and see there's no fuss about either outcome," says Andrew Béla Jánszky, a Brazilian investment lawyer in the São Paulo office of Shearman & Sterling LLP. "For once, stability is almost a given."

Ou seja, ATÉ MESMO uma Dilma da vida não assusta tanto, porque eles acreditam que ela não vai fazer... o que sempre defendeu na vida! Aqui está o maior ponto de discordância entre mim e o WSJ: considero a visão deles bastante ingênua. A Dilma não é "mais do mesmo"; ela é uma ameaça enorme de retrocesso, de mais autoritarismo ainda, de passos largos rumo ao modelo venezuelano. Souberam iludir o jornalista do WSJ direitinho com a retórica deles. Para cada público, um discurso diferente. Acorda, minha gente!

"For one thing, even after sweeping reforms, the government's role in the economy remains relatively big. Government spending totals more than 20% of the country's gross domestic product, compared with about 15% in the U.S., 13% in China and 7% in Indonesia, another fast-growing emerging market, according to data compiled by Mosaico Economia Política, a Brazilian consultancy."

Ops! Um dos maiores problemas do país: o tamanho excessivo do governo! E o que Dilma defende? Justamente mais governo ainda, um Estado "forte", ou seja, um monstrengo inchado que se mete em tudo na economia e nas nossas vidas. O que o país tem de pior é aquilo que Dilma mais gosta!

"Another problem is the restrictive business environment, especially strict labor laws that date back to the 1940s and were originally modeled on the statist policies of Mussolini."

Pois é... um dos piores pontos para o Brasil é a nossa lei fascista trabalhista, aquela que garante infindáveis privilégios aos sindicatos, aquela que dificulta a vida dos empresários, que gera desemprego e informalidade, e sim, que a esquerda adora e não aceita mudar! O país precisa de reformas liberais trabalhistas. A esquerda defende isso?

"Yet another obstacle to growth is a lack of infrastructure—from roads, railways and bridges to docks, airports and pipelines."

E o PAC?! Ah sim, Lula já vai lançar o segundo PAC, e o primeiro mal começou! Os setores que ficam sob a responsabilidade do governo são os mais caóticos? Não acredito!

"Crime is still a big problem in most cities and in lawless rural areas where ruthless prospectors, loggers and landowners at times ride roughshod over their neighbors."

Acho que o WSJ não defenderia muito o "movimento social" chamado MST, tão próximo do PT.

Em resumo, a matéria do WSJ se mostra bem otimista com o Brasil, é verdade. Mas aponta os pricipais obstáculos, todos eles bandeiras que os esquerdistas defenderam a vida toda. Para superá-los, o país necessita de muitas REFORMAS LIBERAIS. Mas não há partido que defenda tais reformas, muito menos o PT. Ao contrário: Dilma representa um retrocesso em relação a todas essas mudanças necessárias. E eis o maior erro do WSJ, em minha opinião: ignorar este risco, aceitar a premissa de que Dilma é apenas "mais do mesmo". Não é! Dilma é a candidata de Chávez. Ela representa, mais ainda que Lula, uma guinada rumo ao modelo autoritário venezuelano.

O segundo erro do jornal é pegar a foto relativamente favorável da economia brasileira, e ignorar seus pilares de areia. Aumento de transferências do governo para os mais pobres, crédito público explodindo, aumento de gastos públicos, nada disso representa um modelo de crescimento sustentável. Sem as reformas estruturais, o país terá apenas vôos de galinha, e continuará sim sendo o eterno "país do futuro". O WSJ tem a obrigação de saber bem disso. Afinal, ao lado do Heritage Foundation ele publica o Índice de Liberdade Econômica todo ano, que coloca o Brasil entre os menos livres do mundo. Sem liberdade econômica, não há progresso de longo prazo. O governo Lula e sua candidata Dilma, por acaso, defendem mais liberdade econômica ou mais Estado gerindo a economia? Pois é...

1022) Joaquim Nabuco - Bruno Garschagen

Joaquim Nabuco e a transição no Brasil
Bruno Garschagen
Ordem Livre e Instituo Millenium

O Brasil vive um período de transição bastante interessante. Se na década de 1990 surgiram no cenário público algumas vozes dissonantes da cartilha marxista e suas derivações, a partir do ano 2000 despontou uma nova geração livre dos grilhões ideológicos turbinados durante o governo militar (1964-1985).

A ditadura maculou três gerações nas esferas política e cultural: a que estava no auge na época do golpe, a que tentava abrir espaço e a que nascia sob os coturnos. Essas gerações foram atacadas de dois lados: por um regime ditatorial e pela dominação cultural e educacional da esquerda de vários matizes. Nas universidades, no meio artístico, no jornalismo etc. o sujeito que não fosse de esquerda (o que não quer dizer que fosse de direita) era mal visto e rechaçado. Era preciso se posicionar. Do lado deles.

E já que vivemos num período de transição é fundamental que determinadas idéias sejam apresentadas e estudadas. E aqui vai minha dica: Joaquim Nabuco e seu livro Minha formação (1900).

Nabuco teve a sorte de ter um pai que o influenciasse e estimulasse. Seu liberalismo, segundo revela logo no primeiro parágrafo da obra, tinha um fundo hereditário. A herança vinha por obra e graça do senador José Tomás Nabuco de Araújo, político conservador que fez sua passagem para o liberalismo entre 1857 e 1865.

Foi nesse período que José Nabuco arrastou consigo "um grande movimento em sentido contrário, do campo conservador para o liberal, da velha experiência para a nova experimentação, das regras hieráticas de governo para as aspirações ainda informes da democracia". É a esse pai inspirador que Nabuco dedica outra obra notável, Um estadista no império: Nabuco de Araújo (1896).

Aspecto pouco ou superficialmente tratado nos ensaios sobre Minha formação é não só o liberalismo vigoroso, contundente e empolgado, mas sua transição de liberal mezzorepublicano para entusiasta e, por fim, defensor ardoroso da monarquia constitucional liberal. Em ambos os casos, vê-se como o jovem forma o homem sem graves rupturas que levem ao extremismo, desencanto ou exasperação.

As chaves de sistemas e concepções políticas que modelaram a mente de Joaquim Nabuco, por ele chamado de "verdadeiros estados do espírito moderno", foi-lhes dada pela obra The English Constitution, do economista e jornalista inglês Walter Bagehot (1826-1877), autor de outros ensaios importantes como Lombard Street: A Description of the Money Market, de 1873, e A New Standard of Value, de 1875.

The English Constitution forjou no espírito liberal de Nabuco a idéia de que era não só possível, mas democraticamente justo, a conjugação do liberalismo com o regime monarquista sob a égide do sistema parlamentarista:

"Devo a esse pequeno volume que hoje não será talvez lido por ninguém em nosso país, a minha fixação monárquica inalterável; tirei dele, transformando-a a meu modo, a ferramenta toda com que trabalhei em política, excluindo somente a obra da abolição, cujostock de idéias teve para mim outra procedência". (1)

Bagehot, um estilista e retórico sedutor, convenceu Nabuco de que o governo de gabinete, a alma da então moderna Constituição inglesa, era, de fato, superior ao sistema presidencialista por permitir um governo mais direto e mais próximo do povo do que os mecanismos aplicados pelos governos republicanos.

Cabia ao Poder Legislativo, no governo de gabinete descrito por Bagehot, a escolha do Poder Executivo, espécie de comissão, incumbido de pôr em prática as medidas necessárias ao país. E a harmonia entre os poderes era garantida pela possibilidade de o Poder Legislativo mudar a comissão executiva, caso esta não atendesse aos interesses na nação. E para que o Poder Executivo não ficasse à mercê da obediência servil ao legislativo, a comissão tinha o direito de levar os parlamentares até os eleitores, que, por sua vez, poderiam trocá-los.

A tese de Bagehot assimilada por Nabuco é a de que os Poderes Legislativo e Executivo eram unidos pelo governo de gabinete, a principal comissão da Câmara dos Comuns, a única instituição a deter, de fato, o poder. O governo de gabinete se caracterizava pela combinação e fusão dos poderes Executivo e Legislativo, não na absorção de um pelo outro.

Nabuco manteve-se fiel a esse modelo político contra o republicano sistema presidencial, que, segundo ele, enfraquecia o Poder Executivo e diminuía o valor intrínseco do Poder Legislativo. (2)

E a escolha desse sistema é, antes de tudo, a opção pelo liberalismo do tipo inglês, que guarda características importantes que o diferem do liberalismo continental. Uma delas é a tipificação normativa das condutas do indivíduo na sociedade:

"Freeman mostrava no seu pequeno livro O Crescimento da Constituição Inglesa que essa Constituição nunca foi feita; que nunca nas grandes lutas políticas da Inglaterra a voz da nação reclamou novas leis, mas só o melhor cumprimento das leis existentes; que a vida, a alma da lei inglesa foi sempre o procedente (...)". (3)

A segunda característica é a relação dos ingleses com a lei e com a Justiça:

"(...) só há um país no mundo em que o juiz é mais forte que os poderosos: é a Inglaterra. O juiz sobreleva à família real, à aristocracia, ao dinheiro, e, o que é mais do que tudo, aos partidos, à imprensa, à opinião; não tem o primeiro lugar no Estado, mas tem-no na sociedade. O cocheiro e o groom sabem que são criados de servir, mas não receiam abusos nem violência da parte de quem os emprega. Apesar de seus séculos de nobreza, das suas residências históricas, da sua riqueza e posição social, o marquês de Salisbury e o duque de Westminster estão certos de que diante do juiz são iguais ao mais humilde de sua criadagem. Esta é, a meu ver, a maior impressão de liberdade que fica da Inglaterra. O sentimento de igualdade de direitos, ou de pessoa, na mais extrema desigualdade de fortuna e condição, é o fundo da dignidade anglo-saxônica". (4)

Antes um entusiasta do modelo político americano, Nabuco, nas suas memórias escritas aos 51 anos, pretendeu desmontar aquele sistema de forma comparativa: se num grave momento o gabinete inglês tinha o poder de dissolução, os americanos deveriam esperar pacientemente a resolução dos conflitos de opinião entre os poderes Executivo e Legislativo até o término dos mandatos dos representantes eleitos:

"A idéia principal que recebi de Bagehot foi essa da superioridade prática do governo de gabinete inglês sobre o sistema presidencial americano: por outra, que uma monarquia secular, de origens feudais, cercada de tradições e formas aristocráticas, como é a inglesa, podia ser um governo mais direta e imediatamente do povo do que a república". (5)

A idéia parece sedutora pela aparente facilidade de mudança diante de problemas políticos sérios, mas não encerra o assunto. Nabuco era suficientemente inteligente para não cair numa esparrela dessas:

"Não podia deixar de inclinar-me interiormente à Monarquia a idéia de que o governo mais livre do mundo era um governo monárquico. Ainda assim um estrangeiro inteligente não seria no seu país inabalavelmente monarquista somente porque o governo chegou na Inglaterra a um grau maior de perfeição do que nos Estados Unidos, que tomaram a forma republicana, Desde que não tínhamos no Brasil os elementos históricos que a liberdade inglesa supõe, a não querer ou cometer o maior erro que se pode cometer em política, – o de copiar de sociedades diferentes instituições
que cresceram, – eu não podia repelir a República no Brasil somente por admirar a Monarquia inglesa de preferência à Constituição americana. Era preciso alguma coisa mais, no que respeita à forma de governo, para eu não me deixar arrastar". (6)

O interessante é lê-lo aos 21 anos, num texto para o jornal Reforma, aconselhar o imperador brasileiro a visitar os Estados Unidos para lá ver o progresso industrial e moral de uma sociedade amplamente liberal e livre que prescindia da tutela do rei, "um luxo, uma superfetação". (7)

Nabuco era um monarquista de ideal que julgava a República o melhor governo praticável num dado momento e dadas certas contingências. Independentemente do sistema político que adotara como o melhor, o que interessa em Nabuco é seu inabalável compromisso liberal. O sistema que regia as liberdades era menos importante do que a conquista, garantia e manutenção da liberdade.

A formação política teórica alicerçou o espírito do político eleito deputado em 1878. "Com efeito, quando entro para a Câmara, estou tão inteiramente sob a influência do liberalismo inglês, como se militasse às ordens de Gladstone; esse é em substância o resultado de minha educação política: sou um liberal inglês – com afinidades radicais, mas com aderências whigs – no Parlamento brasileiro; esse modo de definir-me será exato até o fim, porque o liberalismo inglês, gladstoniano, macaulayano, perdurará sempre, será a vassalagem irresgatável do meu temperamento ou sensibilidade política (...)". (8)

Nascido no Recife em 1849, Nabuco foi expoente de uma linhagem de intelectuais que, no início do século XIX, levada pelo espírito da geração anterior, "consolidou a idéia de que aos homens de letras cabia uma espécie de missão civilizatória", segundo notou em ensaio introdutório, Leonardo Dantas Silva, da Fundação Joaquim Nabuco. Esses homens de letras eram, entre outros, José Veríssimo, Silvio Romero, Álvares de Azevedo, Machado de Assis.

Nabuco também é autor de O abolicionismo, "um dos textos fundadores da sociologia brasileira", nas palavras do historiador Evaldo Cabral de Mello, livro que antecipou conceitos depois tornados célebres com Gilberto Freyre, como a existência de uma raça brasileira (embora célebre, o conceito de raça já foi derrubado).

Jornalista, deputado combativo, escritor, diplomata e membro fundador da Academia Brasileira de Letras, Nabuco trabalhava como embaixador em Washington quando morreu em 1910, ainda sorumbático pela queda do império em 1889. Já havia confessado em Minha formação que o espírito político que o moveu durante a vida tinha dado lugar a interesses religiosos e literários.

Perfeitamente explicável: tomou a queda do Império em 1889 como o fim de sua carreira. "A causa monárquica devia ser o meu último contato com a política... (...) O meu espírito adquirira em tudo a aspiração da forma e do repouso definitivo". (9)

Em vez do lamento improdutivo, Nabuco nos legou uma pequena jóia autobiográfica (e a notável biografia do pai) na qual compartilha sua visão liberal da política, da relação do indivíduo com a sociedade e com o poder constituído. Este texto é um pequeno tributo ao intelectual empolgado, vigoroso, combativo e, acima de tudo, apaixonado pela civilização.
_________________________________________

(1) NABUCO, Joaquim. Minha formação, Fundação Biblioteca Nacional, p. 3. Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000096.pdf.
(2) Ibid. 5.
(3) Ibid. 6.
(4) Ibid. 28.
(5) Ibid. 7.
(6) Ibid. 28.
(7) Ibid. 8.
(8) Ibid. 47.
(9) Ibid. 67.

1021) Politica externa brasileira: confirmando os vinculos com o Sul

Arrancada final na política Sul-Sul
Silvio Queiroz
Correio Braziliense, 03/04/2010

Nas próximas semanas, e provavelmente até o fim do semestre, o esforço para consolidar os espaços de diálogo e cooperação no eixo Sul-Sul deve dar o tom da atividade diplomática brasileira. É uma sucessão de compromissos, a maior parte no Brasil, que poderão marcar uma espécie de arrancada final do governo Lula para firmar, como política de Estado, a prioridade conferida nos últimos oito anos às relações com as demais potências emergentes e com o mundo em desenvolvimento.

Na semana que se inicia amanhã, o Itamaraty se concentra no texto final de declarações e outros documentos que devem ser aprovados na reunião dos chefes de Estado e governo do Fórum Ibas, sigla para Índia, Brasil e África do Sul. A atenção dispensada a essa iniciativa, lançada em Brasília em 2004, está expressa na criação de um departamento para Mecanismos Regionais. Entre outras áreas, o Ibas mantém um fundo para cooperação que tem projetos em andamento na Palestina e no Haiti. Paralelamente, acertam-se os últimos detalhes — inclusive de segurança e infraestrutura — para a segunda cúpula dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), com presença confirmada dos presidentes Dmitri Medvedev e Hu Jintao, além do primeiro-ministro Manmohan Singh.

Tabelinha no Haiti

O ministro Celso Amorim copresidiu, na última semana, uma reunião internacional de doadores para a reconstrução do Haiti, que terminou com a promessa de US$ 5,3 bilhões em ajuda. O Brasil, que comanda a força da ONU no país, ficou um tanto de escanteio na condução das obras pós-terremoto, entregues à coordenação do governo local com a ajuda do ex-presidente Bill Clinton, escalado por Barack Obama como emissário especial. Promessas à parte, o governo brasileiro acaba de firmar um memorando de entendimento com Cuba e Haiti para cooperação triangular no restabelecimento do sistema de saúde pública haitiano. Segundo o modelo desse gênero de tabelinha, nós entramos com suporte financeiro e logístico para os médicos e enfermeiros cubanos que — desde antes do terremoto — mantêm uma missão de assistência à população local.

Rio ecumênico

O calendário dos encontros multilaterais dá um breve intervalo até o fim de maio, quando o Rio de Janeiro sediará o 3º Fórum Mundial da Aliança de Civilizações, empreitada que tomou corpo também em 2004, depois dos atentados contra trens em Madri, por iniciativa do presidente do governo espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero. Ele estará presente, assim como o premiê da Turquia Recep Tayyip Erdogan, e o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon — além de Lula, o anfitrião. São esperados também representantes de alto nível das principais religiões, de organizações da sociedade civil e da intelectualidade.

Seria no mínimo curioso que viesse também o “patriarca” da ideia, o ex-presidente iraniano Mohammad Khatami. Foi ele quem levou à ONU, em 2000, a proposta (aprovada) de proclamar 2001 como o Ano Mundial do Diálogo entre Civilizações — expressão que foi um dos carros-chefes de sua política externa, inclusive no período em que presidiu a Organização da Conferência Islâmica. Khatami, um religioso xiita que expôs em escritos e conferência uma visão iluminista do islã e tentou aproximar em seu país a fé e as liberdades civis, hoje está na oposição. Ironia ou coincidência, o Fórum do Rio se reunirá pouco depois da esperada visita do presidente Lula ao colega iraniano, Mahmud Ahmadinejad.

Vozes d’África
Continua nesta semana o “aquecimento” para a nova turnê africana do presidente, a última antes da sucessão. Também aqui, a ideia é manter o recorde de alo menos uma visita anual ao continente que a diplomacia brasileira definiu sem rodeios como “segunda prioridade”, atrás apenas da integração latino e sul-americana. O Itamaraty ainda fecha o roteiro e a data da viagem, que deve coincidir com a Copa do Mundo na África do Sul e deve privilegiar o leste do continente.

Enquanto isso, Brasília receberá nesta semana dois chefes de Estado africanos. Na quarta, a presidenta da Libéria, Ellen Johnson-Searlif, herdeira de um país devastado por anos de guerra civil — e hoje um dos exemplos do amadurecimento institucional no continente, a despeito de tropeços como a sucessão de golpes e intervenções militares na Guiné-Bissau, ou as ondas de violência étnico-religiosa na Nigéria. Na quinta, o visitante será Amadou Toumani Touré, do Mali, que forma com Benin, Burkina e Chade o quarteto de produtores de algodão alinhados ao Brasil no combate aos subsídios com que o governo americano fecha seu mercado às importações.

1020) As leis da politica, segundo Roberto Campos e Jose Guilherme Merquior

Relembrado e registrado pelo economista Ricardo Bergamini:

Leis da política (19/12/1999)
*Roberto de Oliveira Campos

Era uma crespa noite de inverno londrino. Eu tinha convidado para um jantar na embaixada brasileira, ao fim dos anos 70, o grande filósofo liberal francês Raymond Aron e dois sociólogos radicados na Inglaterra, Ralf Dahendorf e Ernest Gellner, este último professor de José Guilherme Merquior, meu conselheiro de embaixada. Na curva do conhaque, quando filosofávamos sobre nominalismo, realismo e existencialismo, contei uma piada que Aron achou divertida. Era a definição de "realidade" por um irlandês, revoltado pela interrupção de suas libações alcoólicas à hora do fechamento dos pubs. "A realidade", disse ele, "é uma ilusão criada por uma aguda escassez de álcool".

Quando partiram os hóspedes, resolvemos, Merquior e eu, em rodadas de uísque, testar duas coisas. Primeiro, a teoria irlandesa do realismo alcoólico. Segundo, nossa capacidade de recitarmos, de memória, aquilo que poderíamos chamar de "leis de comportamento sociopolítico" de variadas personagens e culturas. Alternávamos nas citações, que registrei num alfarrábio que outro dia desenterrei numa limpeza de arquivos. Ei-las:

A lei de Lenin: "É verdade que a liberdade é preciosa. Tão preciosa que é preciso racioná-la".

A lei de Stalin: "Uma única morte é uma tragédia; 1 milhão de mortes é uma estatística".

A lei de Krushev: "Os políticos em qualquer parte são os mesmos. Eles prometem construir pontes mesmo quando não há rios".

A lei de Henry Kissinger: "O ilegal é o que fazemos imediatamente. O inconstitucional é o que exige um pouco mais tempo".

A lei de Franklin Roosevelt: "Um conservador é um homem com duas excelentes pernas, que contudo nunca aprendeu a andar para a frente".

A lei de Lord Keynes: "A dificuldade não está nas idéias novas, mas em escapar das antigas".

A lei de Bernard Shaw: "Patriotismo é a convicção de que o país da gente é superior a todos os demais, simplesmente porque ali nascemos".

A lei de Hayek: "Num país onde o único empregador é o Estado, a oposição significa morte por inanição. O velho princípio de quem não trabalha não come é substituído por um novo princípio: quem não obedece não come".

A lei de Mark Twain: "Um banqueiro é um tipo que nos empresta um guarda-chuva quando faz sol, e exige-o de volta quando começa a chover".

A lei de Lorde Kelvin: "Grandes aumentos de custos com questionável melhoria de desempenho só podem ser tolerados em relação a cavalos e mulheres".

A lei de Charles De Gaulle: "As promessas só comprometem aqueles que as recebem".

A lei de John Randolph, constituinte na Convenção de Filadélfia: "O mais delicioso dos privilégios é gastar o dinheiro dos outros".

A lei de Getúlio Vargas: "Os ministérios se compõem de dois grupos. Um formado por gente incapaz, e outro por gente capaz de tudo".

A lei do governador Mario Cuomo, de Nova York: "Faz-se campanha em poesia e governa-se em prosa".

A lei de John Kenneth Galbraith: "A política não é a arte do possível. Ela consiste em escolher entre o desagradável e o desastroso".

A lei de Sócrates: "No tocante a celibato e casamento, é melhor não interferir, deixando que o homem escolha o que quiser. Em ambos os casos, ele se arrependerá".

No último uísque, Merquior me contou um chiste anônimo, que circulava em Londres: "A natureza deu ao homem um pênis e um cérebro, mas insuficiente sangue para fazê-los funcionar simultaneamente". Ao confidenciar a Merquior que pretendia aposentar-me do Itamaraty para ingressar na política, lembrou-me ele a lei de Hubert Humphrey, vice-presidente dos Estados Unidos na administração Lindon Johnson, que dizia: "É verdade que há vários idiotas no Congresso. Mas os idiotas constituem boa parte da população e merecem estar bem representados".

Tendo em vista minhas ambições políticas, combinamos fabricar conjuntamente uma lei, que passaria à posteridade como a lei Campos/Merquior: "A política é a arte de fazer hoje os erros do amanhã, sem esquecer dos erros de ontem". Ao nos despedirmos, já mais sóbrios, lembrei-me de duas leis. A lei do King Murphy, que assim reza: "Não estão seguras a vida, a liberdade e a propriedade de ninguém enquanto a legislatura estiver em sessão". E a lei do sábio Montesquieu, o inventor da teoria da separação de poderes: "O político deve sempre buscar a aprovação, porém jamais o aplauso". Em minha vida política no Senado e na Câmara procurei descumprir a lei do King Murphy e cumprir a lei de Montesquieu. Sem resultados brilhantes nem num caso, nem no outro...

*Defensor apaixonado do liberalismo. Economista, diplomata e político também se revelou um intelectual brilhante. De sua intensa produção, resultaram inúmeros artigos e obras como o livro A Lanterna na Popa, uma autobiografia que logo se transformou em best-seller. Foi ministro do Planejamento, senador por Mato Grosso, deputado federal e embaixador em Washington e Londres. Sua carreira começou em 1939, quando prestou concurso para o Itamaraty. Logo foi servir na embaixada brasileira em Washington, e, cinco anos depois, participou da Conferência de Bretton Woods, responsável por desenhar o sistema monetário internacional do pós-guerra.

1019) Em viagem: postagens momentaneamente interrompidas

Bem, eu tentava manter a normalidade das coisas, mas alguns leitores habituais deste blog andaram reclamando de minha ausência.
Por motivos compreensíveis: estou em viagem, e nem sempre disponível para ler e postar coisas interessantes, a despeito de estar vendo, visitando, conhecendo coisas muito interessantes.
Acontece que o dia só tem 24 hs, que o tempo é ocupado com deslocamentos e visitas, e o corpo pede descanso.
Pretendi fazer uma série de posts dedicados a esta viagem, mas não tive tempo ou lazer de fazê-lo. Talvez ainda faça, sob a rubrica geral de "Rota da seda" ou algo do gênero, posto que estou indo para a China, mas ainda não tive oportunidade de testar a série.

Vou apenas listar o rol de localidades por onde passei, nesta viagem, em avião ou carro, para se ter uma ideia da intensidade de visitas e trajetos.

Dia 23 de março: voo Brasilia-Lisboa
Dia 24 de marco: Lisboa, Parque das Nações: Oceanarium, passeio nos locais da antiga exposição dos Descobrimentos (comemorando, em 1998, o quinto centenário de Vasco da Gama)
25 de março: tour por Portugal: Óbidos, Alcobaça, Nazaré, Batalha, Fátima, Lisboa.
26 de março: Lisboa-Roma, aluguel de carro no aeroporto; viagem a Florença
27 de março: Florença, exposições, igrejas, praças, passeios a pé
28 de março: Florença e passeio pela Toscana: San Casciano, Sant'Andrea in Percussina (terra do Maquiavel), Certaldo (terra do Boccacio), San Gimignano, San Giovanni in Valdarno, chegada a Perugia (na Umbria)
29 de março: visita a Praça Maggiore, Sala del Cambio; passeio pelo Lago Trasimeno (Castiglione del Lago), Arezzo (casa do Dante), piazza Maggiore, etc.
30 de março: Perugia, visita ao Museo Nazionale della Umbria (obras da Idade Média e do Renascimento); viagem a Roma: visita ao Vaticano
31 de março: Roma: Chiesa Nuova (Corso Vittorio Emmanuele), Chiesa del Giesu, Campidoglio, Museo Capitolino (exposição sobre a Era da Conquista, impérios e seus bárbaros); Casa de Goethe (exposição de desenhos do Piranesi, e materiais do Goethe); jantar na Ostaria dell'Orso 80
1 de abril: viagem Roma-Dubai
2 de abril: visita ao Museu de Dubai; visita ao Shopping Ibn Battuta
3 de abril: aluguel de carro: Dubai-Sharjah (museus arqueológico e da civilização islâmica); viagem de carro a Abu Dhabi (nada de muito espetacular, comparado a Dubai); shopping Emirates
4 de abril (domingo): Souk, Palm Bujerai, mesquita, Burj, etc...

Ufa... ainda não acabou. Amanhã, viagem a Shanghai...

Paulo Roberto de Almeida
PS.: Acho que a falta de postagens está agora explicada...

sábado, 3 de abril de 2010

1018) Itinerarios academicos: um retrato perfeito do Brasil de hoje...

Recebido em consulta direta, por e-mail:

On Apr 3, 2010, at 5:34 PM, Axxxxx Pxxxxx xx Sxxxx Rxxx wrote:

Gostaria de esclarecimento sobre a criação dos planos economicos, período e situações reais para trabalho acadêmico de economia sobre os planos econômicos criados desde 1986 até os dias de hoje com fontes confiáveis. Obrigado, Axxxxx.


Minha única resposta foi:

Eu tambem gostaria. Quando voce encontrar, por favor, me avise...
-----------------
Paulo Roberto Almeida
(Dubai, 3.04.2010)

1017) Carreira diplomatica: um candidato perfeito para o Brasil de hoje...

Recebido de um eventual candidato à carreira:

On Apr 3, 2010, at 8:59 PM, dxxxx cxxx wrote:

Eu gostaria de algumas dicas qualquer coisa que possa me ajudar.
Eu estava pensando em fazer esse curso preparatoria oq q tu acha?
http://www.xxxxxxx.com.br/xxxxxx

Mais uma pergunta so estou curioso. Como tu ti tornou diplomata se tu nao foi para o instituto rio branco?

Só tive esta resposta:

Cum essi Purtugueis tu num entra nu Rio Branco...
.
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Paulo Roberto Almeida
(Dubai, 3.04.2010)

sexta-feira, 2 de abril de 2010

1016) Carreira diplomatica: um questionario academico

Dois estudantes de um curso de Relações Internacionais São Paulo, me contataram para um trabalho acadêmico. Abaixo minhas respostas a seu questionário.

Carreira Diplomática: um questionário acadêmico
Paulo Roberto de Almeida

1. O que o levou a seguir a carreira diplomática?
PRA: Primeiro, a natural afinidade com uma carreira de Estado que se aproximava de minha experiência precedente de vida, qual seja, o fato de ter saído do Brasil e residido por cerca de sete anos no exterior, como estudante, e o contato daí decorrente com temas internacionais. Em segundo lugar, o fato de ser uma carreira de Estado com a maior interface possível para atividades de natureza intelectual, o que se amoldava a meu espírito de pesquisador e estudioso de temas de desenvolvimento econômico em perspectiva comparada, tanto geográfica quanto historicamente. Em terceiro lugar, um questionamento pessoal quanto a minha situação política depois de alguns anos de exílio forçado – ainda que voluntário – e incerteza quanto ao estatuto pessoal do ponto de vista dos órgãos de segurança (na época se passava pelo escrutínio do SNI para ingresso numa carreira de Estado).

2. Já pensou em seguir alguma outra?
PRA: Sim, diversas vezes, e teria sido, naturalmente, a carreira acadêmica. Em retrospecto, vejo que não teria sido a melhor escolha, em vista da crescente mediocrização das universidades públicas, sua partidarização, a carência de meios e, também, a impotência quanto aos processos decisórios mais importantes.

3. Onde e em que área o senhor realizou seus estudos?
PRA: Iniciei estudos de Ciências Sociais na USP, em 1969, abandonado no segundo ano por razões de militância política e auto-exílio. Retomei os mesmos estudos, na Universidade de Bruxelas, em 1971; conclui a graduação (1975), fiz um mestrado em Planejamento Econômico na Universidade de Antuérpia em 1975-76, e me inscrevi para um doutoramento na Universidade de Bruxelas, em 1976, deixado pendente durante alguns anos. Tendo ingressado na carreira diplomática em 1977, retomei o doutoramento, já como diplomata, em 1981, tendo concluído em 1984, na mesma universidade belga.

4. Quais são os principais prós e contras da carreira no Itamaraty?
PRA: Ser uma carreira aberta aos talentos, à reflexão e aos estudos, o mais próximo possível que se possa ter como atividade acadêmica, mas diversificada e aberta a diversas experiências, inclusive no plano decisório. Em contra ser uma carreira excessivamente hierarquizada e disciplinada, com mecanismos de controle que se coadunam mal com a liberdade acadêmica e o exercício do livre arbítrio; também se presta a politização indevida e pode ser excessivamente submissa a influências externas nefastas, no caso de uma presidência comprometida com princípios manifestamente em desacordo com os interesses nacionais (com base num julgamento pessoal, obviamente, do que seja o interesse nacional).

5. Na sua opinião, qual o perfil de um bom diplomata?
PRA: Disciplinado sem ser submisso; pesquisador e investigativo, mas sabendo inserir seus estudos no processo decisório próprio à diplomacia; detentor de todas as qualidades técnicas (inclusive lingüísticas) para bem representar e bem negociar externamente em nome do Brasil; dotado de conhecimento e imaginação suficiente para saber representar os interesses nacionais mesmo na ausência de instruções específicas quanto ao objeto em discussão num determinado foro; saber se comportar socialmente, ter um bom espírito (e estomago e disposição) para recepções sociais e eventos dessa natureza mundana, que são inevitáveis na diplomacia.

6. Sabemos que o domínio de línguas é fundamental, quais o senhor fala?
PRA: O domínio da própria é um requisito indispensável; o inglês é altamente necessário (e o meu é apenas razoável); Francês (perto da perfeição, por ter estudado todo o ciclo superior nessa língua); Espanhol (muito bem, por ter viajado, convivido, morado em países de língua espanhola); Italiano (razoável, por interesse próprio, acadêmico e de viagens); Alemão (muito precariamente).

7. Em quais países o senhor já morou?
PRA: Como estudante na Bélgica e na ex-Tchecoslováquia (Praga). Como diplomata na Suíça (duas vezes), na ex-Iugoslávia (Sérvia-Belgrado), no Uruguai, na França e nos Estados Unidos. Estou indo morar por sete meses na China (Shanghai).

8. Já exerceu atividades em alguma outra área em relações internacionais?
PRA: Apenas academicamente, como professor e consultor.

9. Durante sua carreira, qual a pessoa mais importante que o senhor já conheceu?
PRA: Não posso dizer que tenha “conhecido”, mas já estive, por trabalho ou em ocasiões sociais, com diversos presidentes ou chefes de Estado ou de governo e com personalidades tão dispares quanto Kissinger e Chávez.

10. Em seu ponto de vista, qual a importância das relações internacionais na vida.
PRA: Podem ser tudo, ou quase nada, dependendo de como o país organiza sua interface externa e como seu governo se relaciona com o mundo. Diria que num mundo globalizado, as oportunidades são imensas para o desenvolvimento, desde que o país se abra ao comércio e investimentos estrangeiros, o que não é exatamente o caso do Brasil, ainda protecionista e medroso quanto aos capitais estrangeiros.
Depende do governo e das lideranças políticas: algumas são bem medíocres ou mal informadas sobre as realidades do mundo, outras sabem das possibilidades e dos limites que se oferecem ao Estado e à nação num mundo interdependente. Em geral, sou contrário ao nacionalismo patrioteiro, estilo avestruz, e sou totalmente aberto às interações externas.

Florença (Itália), 28.03.2010)

segunda-feira, 29 de março de 2010

1015) Contas publicas enroladas - Carlos Alberto Sardenberg

Alguém vai se decepcionar
Carlos Alberto Sardenberg
O Estado de S.Paulo, 29.03.2010

Para ficar apenas no noticiário mais recente, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer capitalizar, ou seja, colocar mais dinheiro na Petrobrás, na Eletrobrás, na Telebrás, no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal, no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e num novo banco de financiamento à exportação.


Também quer gastar dinheiro, na forma de subsídios a compradores e de financiamento a empreiteiras, para "acabar com o maldito déficit habitacional", como disse na sexta-feira.

Acrescente aí os compromissos com o aumento real do salário mínimo e das demais aposentadorias, com a ampliação das bolsas e com os reajustes do funcionalismo, mais as megaobras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - como o trem-bala e a transposição do Rio São Francisco - e se verifica que, sem fazer contas, o governo não tem dinheiro para isso tudo.

Há algumas engenharias financeiras ou simplesmente alguns truques em andamento, como essa ideia do governo de capitalizar a Petrobrás "pagando" com barris do petróleo do pré-sal, que ainda não existem. Mas continuam enroladas.

Já o endividamento do Tesouro existe. O governo andou lançando uns papagaios na praça para emprestar ao BNDES - o que aumentou a dívida pública bruta, que, aliás, já se aproxima perigosamente dos limites.

Ou seja, esse é um artifício de pouco uso, daqui em diante, se o governo pretende, como promete, manter a estabilidade das contas públicas.

Também há - ou havia - promessas de aliviar a carga tributária de alguns setores da economia, como o de exportação, o que também significa custo para o Tesouro.

De novo, a conta real não fecha com as promessas.

E aí?

Aí é que muita coisa simplesmente não vai acontecer. O pacote de apoio à exportação, por exemplo, saiu bem mixuruca.

A principal reivindicação dos exportadores é que eles possam compensar automaticamente os impostos que pagam indevidamente. A exportação é isenta, mas, quando o exportador compra insumos e partes, esses produtos vêm com impostos embutidos no preço, em razão do nosso sistema - perverso - de cobrar antecipadamente.

Com isso, os exportadores ficam com uma espécie de crédito, que gostariam de descontar automaticamente de outros impostos, devidos sobre o comércio local, por exemplo. Gostariam, também, de poder vender esse crédito de maneira simples e rápida. Mas não saiu. Ficou o sistema antigo, pelo qual o exportador tem de praticamente implorar a devolução. Entra na fila, e aí já viu.

E por que não mudaram a regra, se todos estão de acordo que é preciso apoiar a exportação? Porque o governo precisa do dinheiro para os gastos já contratados, a Previdência Social, pessoal, os programas sociais e o custeio, que levam mais de 90% das receitas líquidas do governo federal.

Ou seja, eis a alternativa: ou o presidente Lula se convenceu de que ganhou uma licença para gastar e deixou de lado as metas de superávit primário e de redução do endividamento público ou esse amontoado de planos e promessas não passa de agitação e propaganda.

O mercado, que o presidente Lula e seus companheiros adoram atacar, acredita piamente na promessa de austeridade que está no Orçamento: superávit primário de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) - ante menos de 1% no ano passado - e redução da dívida líquida do setor público de 41,5% para 39,5% do PIB, com juros em alta e inflação contida. É o cenário que aparece no Relatório de Mercado, publicado pelo Banco Central (BC), com base nos cenários desenhados por instituições financeiras e consultorias.

Por outro lado, o setor produtivo - especialmente entre aqueles que dependem de encomendas do governo e das estatais - acredita piamente que o dinheiro para os seus negócios vai pintar.

Um dos dois vai se decepcionar. Capaz de os dois se decepcionarem, o que seria o pior cenário para o País.

Fixação. Parece que dois sentimentos movem a atividade externa do presidente Lula. Um é a fixação nos Estados Unidos. O outro é uma espécie de teimosia, que o leva a dobrar a aposta toda vez que é criticado.

Dirão: como fixação, se o presidente não perde a oportunidade para atacar "a subserviência" aos Estados Unidos?

Pois é justamente isso, uma fixação ao revés. Lembram-se daquela diplomacia do regime militar - "O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil ?" Troquem um "bom" por um "ruim" - e eis o comportamento atual.

Quanto ao segundo sentimento, basta observar as reações do presidente. Quanto mais criticam, por exemplo, sua futura visita ao Irã, mais Lula anuncia que vai lá, que vai falar isso e aquilo e que, para não perder o embalo, não vai deixar de ir só porque os Estados Unidos não querem.

Na sexta-feira passada, por exemplo, Lula disse que era "subserviência" aceitar a tese de que a paz no Oriente Médio depende dos Estados Unidos. Por isso, o Brasil está se metendo na história.

E, se dizem que a capacidade da diplomacia brasileira por lá é muitíssimo limitada, o presidente Lula acusa os críticos de sentimento de inferioridade e declara que vai fazer muito mais pela paz.

Bobagem, portanto, querer discutir a eficiência dessa política externa. A coisa não passa por essas racionalidades.

sábado, 27 de março de 2010

1014) Mudancas na economia mundial: perspectiva historica de longo prazo

Meu mais recente artigo publicado:

Mudanças na Economia: uma história de longo prazo
seção de Economia do Portal IG (23/03/2010).
Título original:
Transformações da economia mundial: visão histórica de longo prazo
Paulo Roberto de Almeida

A economia mundial, tal como a conhecemos atualmente, é um “arquipélago” em construção desde o século 16, pelo menos e, ainda hoje, ela não constitui um sistema perfeitamente unificado, sequer homogêneo, a despeito de toda a retórica em torno da globalização. Talvez, um dia, ela venha a ser unificada num mesmo universo de redes comerciais, financeiras e de recursos humanos circulando sem restrições sobre fronteiras e controles alfandegários. Por enquanto, contudo, trata-se de uma colcha de retalhos, reunindo pedaços hoje essencialmente capitalistas, é verdade, mas ainda dotados de características nacionais distintas em seu colorido diversificado. Ela poderá caminhar progressivamente para um conjunto mais homogêneo de sistemas econômicos nacionais, mas isso depende dos progressos da liberalização comercial, financeira e “humana”, o que ainda está longe de ser garantido.
Vejamos esse processo com lentes de longo alcance, começando na era dos descobrimentos. Mesmo a partir da unificação geográfica conduzida por Colombo (1492), Vasco da Gama (1498) e Fernão de Magalhães (1521), a economia mundial do início da era moderna não era, em absoluto, universal. Nessa primeira onda de globalização, de caráter mercantil, tratava-se, mais exatamente, de um arquipélago de economias centrais, predominantemente de origem européia, vinculadas a suas respectivas periferias nas novas terras descobertas, mediante um sistema usualmente conhecido como ‘exclusivo colonial’. Os demais centros regionais – o ‘Império do Meio’ (China), o império Mogul, na Índia, o mundo muçulmano (que começava a ser unificado sob o jugo otomano) e outros ‘blocos’ sub-regionais, na Eurásia ou nas Américas – não tinham realmente condições de disputar qualquer hegemonia econômica mundial, como diriam os marxistas.
Até o final do século 18, China e Índia constituíam duas grandes economias, produzindo bens valorizados nos mercados ocidentais, mas dotadas de instituições pouco adaptadas aos desafios da nova economia industrial, caracterizada pelo que se poderia chamar, ainda no jargão marxista, de um ‘modo inventivo de produção’. Foi precisamente a partir da revolução industrial na Inglaterra, nessa mesma época, que tem início a diferenciação dos centros econômicos mundiais, processo que os historiadores econômicos chamam de ‘grande divergência’, ou seja, a aceleração da transformação tecnológica no Ocidente, seguida da dominação absoluta das potências européias sobre o resto do mundo (destinada a durar cinco séculos, talvez até hoje).
Essa segunda grande onda da globalização, de natureza industrial, conforma o que se poderia chamar, pela primeira vez, de economia mundial, uma rede integrada de centros produtores de matérias primas, de um lado, servidas pelos centros financeiros europeus – com a libra inglesa e os bancos britânicos em seu núcleo – e as oficinas manufatureiras, de outro, dotadas das novas tecnologias industriais de produção em massa. As economias nacionais, até então pouco diferenciadas entre si – posto que uniformemente e predominantemente de base agrícola ou mercantil – começam a exibir diferenças estruturais, a partir de níveis de produtividade bem mais elevados nos sistemas industriais. A defasagem de renda começa sua escalada para índices sempre crescentes, entre o centro e a periferia, num processo que se desenvolveria durante praticamente dois séculos, com um recrudescimento ainda maior durante a maior parte do século 20, para diminuir apenas a partir da terceira onda de globalização, a partir do último quinto desse século.
No intervalo, a economia mundial capitalista seria desafiada por duas ameaças muito diferentes, entre si, mas concordantes em sua ação desagregadora de um sistema verdadeiramente unificado de relações mercantis e financeiras. A partir da primeira guerra mundial, as crises recorrentes dos centros capitalistas desenvolvidos no entre guerras (em especial a de 1929 e a depressão que se seguiu) e a implantação de sistemas coletivistas (de natureza soviética, desde 1917, e os fascismos, pouco depois), com suas experiências estatizantes e antiliberais, representaram uma ‘breve’ interrupção de setenta anos no processo de globalização. No imediato pós-segunda guerra mundial, as muitas experiências de nacionalizações e de estatizações no Ocidente capitalista, com seu cortejo de práticas intrusivas, dirigistas e planos de ‘desenvolvimento’ (com muito planejamento estatal centralizado, mesmo no capitalismo) representaram, igualmente, um retrocesso na reunificação de um sistema de mercado verdadeiramente mundial, desde então colocado sob a égide dos dois irmãos de Bretton Woods (o FMI e o Banco Mundial) e do GATT (OMC, em 1995).
Foi somente a partir das reformas econômicas ‘neoliberais’ iniciadas na China a partir dos anos 1980 e da implosão e quase completo desaparecimento dos regimes socialistas, entre 1989 e 1991, que o processo de reunificação da economia mundial é retomado, no bojo da terceira onda de globalização capitalista, desta vez dominada pela sua vertente financeira (mas que inclui também os investimentos diretos). O fim do socialismo representou pouco em termos de concorrência manufatureira – já que o socialismo era um medíocre produtos de bens industrializados – e menos ainda em termos de fluxos financeiros e tecnológicos – onde os países socialistas eram ainda mais marginais, senão irrelevantes – mas significou um impacto decisivo em termos de mercados e, sobretudo, de mão-de-obra (com um destaque absoluto para a China).
A fase atual, se ainda não pode ser identificada com um novo processo de ‘convergência’ da economia mundial, caracteriza-se, pelo menos, pela diminuição da divergência entre as regiões – com notáveis exceções, como nos casos da África, do Oriente Médio e em grande medida da América Latina – e pelo rápido catch-up experimentado por alguns emergentes dinâmicos. No curso dos últimos vinte anos de globalização, a China e a Índia retiraram centenas de milhões de pessoas de uma miséria abjeta, colocando-as numa situação de pobreza moderada, justamente em função das reformas econômicas empreendidas e de sua inserção na globalização. Esse processo deve continuar, pelo menos naqueles países que decidiram substituir antigas políticas protecionistas e estatizantes por uma abertura ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros diretos.
O lado financeiro permanece ainda a dimensão problemática da globalização, não porque a liberdade de circulação de capitais seria, em si, desestabilizadora das economias nacionais, mas porque os governos ainda insistem em praticar políticas monetárias e cambiais inconsistentes com os novos dados da economia mundial. O monopólio dos bancos centrais na emissão de moedas-papel, na fixação das taxas de juros (sem correspondência efetiva com o equilíbrio real dos mercados de capitais) e seu papel na manutenção de regimes cambiais irrealistas e desajustados explica muito das crises financeiras ocorridas na segunda metade dos anos 1990 e em 2007-2009. As bolhas que se formam não são o resultado de ‘forças cegas do mercado’ – como políticos inescrupulosos e economistas pretensamente keynesianos proclamam – mas sim a conseqüência das manipulações dos governos em setores sensíveis da economia real. A possibilidade de maiores progressos em direção à convergência econômica mundial depende, assim, tanto da continuidade da abertura dos países ao processo de globalização quanto da habilidade dos governos em manterem soberania monetária e cambial no novo contexto criado pela unificação paulatina dos mercados de capitais.
Não é provável que essa convergência se dê rapidamente, tendo em vista a resistência de muitos governos à abertura comercial e financeira e sua tendência a continuar manipulando taxas de juros e regimes cambiais, mas é previsível que a globalização continue avançando naqueles países e regiões propensos a aceitarem as novas regras de mercado. Independentemente do que digam aqueles que condenam as novas políticas ‘neoliberais’, é um fato que os países que mais progressos fizeram no plano do crescimento econômico e da prosperidade de seus povos são aqueles que mais rapidamente souberam integrar-se comercialmente na economia mundial, e dela puderam aproveitar os efeitos benéficos dos investimentos diretos, que trazem capitais, know-how e tecnologia. A lição parece ter sido aprendida, mas nem todos souberam dela retirar os ensinamentos adequados. Esse tempo chegará, um dia...

Rio de Janeiro, 17 de Março de 2010.

1013) Teoria da Jabuticaba (2): estudos de casos

Eis a segunda, mais completa:

Teoria da jabuticaba, II: estudos de casos
Brasília, 2 julho 2006, 5 p. Continuidade do exercício iniciado com o trabalho 1488, listando casos dignos de estudos e de serem enquadrados no modelo teórico pretendido.

Em outubro de 2005, retirando das catacumbas de meu pensamento algo que me incomodava desde longos anos, eu finalmente tive a petulância de redigir um pequeno ensaio sobre algumas das idiossincrasias nacionais, ou seja, nossa indesmentível tendência a achar – e oferecer ao resto da humanidade – soluções geniais a alguns dos mais velhos problemas que angustiam essa mesma humanidade. Dei ao pequeno ensaio o título sofisticado de “Teoria da jabuticaba, I: prolegômenos”, mas à época ele estava tão simplesmente apresentado como um conjunto de considerações sobre uma nova teoria em formação. Vejam que modesto, consciente e honesto pesquisador eu sou, sempre preocupado em não vender gato por lebre, nunca pretendendo oferecer aos leitores uma teoria grandiosa, quando eu tinha apenas os rabiscos de uma crítica à razão tupiniquim.
Em sua versão parcial e reconhecidamente incompleta – uma vez que eu não tinha ainda sido capaz de elaborar um verdadeiro tratado filosófico sobre essa nova “teoria da jabuticaba” –, esse texto preliminar foi publicado na revista eletrônica Espaço Acadêmico (nº 54, novembro de 2005) e ficou desde então aguardando complementação. Ou seja, os meus “prolegômenos” deveriam receber elaboração mais sofisticada, tendo em vista sua possível relevância teórica na vida intelectual do país e sua importância prática para a própria organização da nacionalidade.
Explico agora resumidamente do que se trata e volto em seguida ao objeto deste texto, que recebe o elegante número romano II, indicando que minha intenção agora é, justamente, a de oferecer case studies, como diriam nossos colegas anglo-saxões, também conhecidos como scholars. Repito aqui o que já disse antes a título de introdução à citada teoria:

“Teoria da jabuticaba é tudo aquilo que só existe no Brasil, como essa saborosa fruta selvagem da respeitada família das mirtáceas (myrciaria jaboticaba). Isso significa pertencer a uma família de ‘explicações sociais’ única e exclusiva neste planeta, situação inédita no plano universal, que consiste em propor, defender e sustentar, contra qualquer outra evidência lógica em sentido contrário, soluções, propostas, medidas práticas, iniciativas teóricas ou mesmo teses (em alguns casos, antíteses) que só existem no Brasil e que só aqui funcionam, como se o mundo tivesse mesmo de se curvar ante nossas soluções inovadoras para velhos problemas humanos e antigos dilemas sociais.” (Apud e copyright, Paulo R. de Almeida, op. cit., p. 1).

Voilà! Creio que a teoria está mais ou menos exposta, ainda que sob prováveis protestos dos epistemólogos kuhnianos. Em todo caso, ela parece funcionar de acordo com aquele velho princípio segundo o qual “para cada problema complexo, existe uma solução simples, em geral equivocada”. Com efeito, como eu ainda explicava no citado trabalho, a teoria da jabuticaba pertence a essa família das respostas rápidas a problemas complicados que, aparentemente, se conformam ao chamado senso comum, mas que no fundo derivam de concepções equivocadas sobre a origem desses problemas e que apontam para soluções mais errôneas ainda. Nem por isso essas soluções “geniais” deixam de ser apresentadas como a mais perfeita resposta “indígena”, isto é endógena, a problemas supostamente universais, enchendo de justo orgulho patriótico seus formuladores e promotores.
Eu fazia digressões de cunho teórico e metodológico, tentando explicar o estatuto da “coisa” e procurando validar seus fundamentos epistemológicos. Eu falei, então, que ela consistia, nitidamente, em: (a) uma anomalia lógica, mas que tem toda a aparência de algo normal (ou seja, de solução aparentemente adequada ao problema que tenciona enfrentar); (b) que ela constitui uma contradição nos termos, uma vez que consagra e mantém o próprio problema que pretende resolver; (c) e que, finalmente, ela é absolutamente indígena, isto é, autóctone, legitimamente nacional (como a fruta que lhe dá o nome), constituindo mais uma dessas nossas contribuições originais para a felicidade geral da humanidade, podendo, talvez, rivalizar com o jeitinho, a caipirinha, a broa de milho. Em suma, um “fenômeno”.
Não sei se fui feliz na minha primeira abordagem do problema – os scholars diriam, nesse first approach –, mas eu ainda não consegui terminar a definição de um “tipo-ideal” de explicação “jabuticabal”, em sintonia com o que se espera de uma verdadeira teoria do conhecimento. Não seja por isso, não vamos ficar por aí nos enrolando em teorias quando a realidade brasileira é muito mais rica, motivadora e despreza solenemente qualquer teoria que não se conforma à prática, como sabem todos os empiristas anglo-saxões. Eu tinha, aliás, deixado de lado os contornos conceituais da teoria da jabuticaba, para oferecer, naquele momento, alguns exemplos práticos de como ela se apresentava no Brasil (e do Brasil para o mundo, como sempre acontece, modestamente, como nossas trouvailles mais geniais).
Pois bem, cessa agora tudo o que a antiga musa canta e vamos passar diretamente ao objeto desde segundo ensaio, que como diz o próprio conceito, é uma tentativa, cheia de erros e enrolações. Faço agora apelo à generosidade dos meus (poucos) leitores, para começar um enunciado de casos representativos da “teoria da jabuticaba”. Vale tudo o que se enquadra, de perto ou de longe, em meus citados critérios de inclusividade: anomalia lógica, contradição nos termos e caráter indígena do fenômeno em questão.
Sei que muitos candidatos a case studies não conseguem passar pelo teste de validação e legitimar-se como representativos da espécie, mas vale a tentativa e o esforço analítico, pois uma vez isolado o caso pode-se depois aplicar a famosa teoria popperiana da falsificabilidade e constatar se ele merece ou não elevação ao museu das jabuticabas. Por exemplo: seriam o “caixa 2” e os chamados “recursos não contabilizados” exemplos perfeitos dessa teoria ou simples inovações no campo da ciência política e da contabilidade partidária? Mistério ainda não resolvido, mas tenho certeza de que esses exemplos de “informalidade política” devem deixar boquiabertos de admiração os vizinhos imediatos e outros observadores estrangeiros.
Eu listava, naqueles prolegômenos, alguns poucos exemplos que me pareciam suficientemente representativos da “minha” teoria – mas estou disposto a compartilhá-la com outros pesquisadores –, dizendo que eram apenas ilustrativos e prometendo completar o rol em prazo razoável. Entre esses poucos casos encontravam-se os seguintes: bolsa-escola, bolsa-família e a reserva de mercado para jornalistas (ou seja, a obrigatoriedade de diploma para o exercício da profissão nas redações dos meios de comunicação).
Pois bem, chegou a hora, caro leitor, de arregaçar as mangas, tirar a poeira da memória e começar a colocar no papel todos os casos possíveis e imagináveis de teoria da jabuticaba que possam acorrer à lembrança. A tarefa, devo confessar, nos é imensamente facilitada pela atualidade política, pois esta sempre traz tudo o que é preciso e humanamente imaginável em matéria de exemplos perfeitos e acabados da “nossa” teoria (eu já a estou considerando uma construção coletiva). Não é que, nestes primeiros dias de julho de 2006, eu leio nos jornais um exemplo totalmente ilustrativo daquilo que pretendemos? Refiro-me ao projeto do ilustre presidente da Câmara dos Deputados sobre a adição de farinha de mandioca ao pão nosso de cada dia. É justamente por esse belo exemplo que eu começo a minha lista de case studies.

1) Mandioca no pão: projeto de lei que torna obrigatória a mistura de derivados de mandioca à farinha de trigo, do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), apresentado em 2001, agora em votação final na Câmara dos Deputados. Corre o risco de ser aprovado, para gáudio dos plantadores de mandioca e outros amigos dos tubérculos. Mas, atenção deputado: não vale mais patentear a invenção, pois o critério da confidencialidade já foi há muito rompido. Permanecem, no entanto, o salto inventivo, o chamado “estado da arte”, sua aplicabilidade industrial e o caráter absolutamente nacional da genial inovação para o pão nosso de todo dia; ou seja, é tudo o que se requer de uma boa invenção tupiniquim, conforme à teoria. Nosso tradicionalíssimo pão francês vai, finalmente, ser nacionalizado, sob o vibrante slogan: “Mandioca nele!”. Falando nisso, já foi instituído o “dia da mandioca”?

2) Estudos afro-brasileiros e de história da África nas escolas nacionais: mais uma genial contribuição para resgatar nossa imensa dívida histórica com o continente negro, sobretudo em direção daqueles alemãezinhos e polacos do sul do país, ou seja os descendentes dos imigrantes europeus, que ainda não sabem o quanto os antecessores dos atuais afro-brasileiros sofreram nas mãos dos feitores e latifundiários perversos que fundaram este Estado desigual e racista. Vale um prêmio Unesco de educação.

3) Obrigatoriedade do ensino de espanhol nas escolas primárias: vai no mesmo sentido de agregar valor aos estudos do ciclo básico, contribuindo para a plena integração dos povos do Mercosul e da Comunidade Sul-Americana de Nações, mesmo se eles, os castelhanos, ainda não agiram conforme a “teoria da reciprocidade” (que, como se sabe, comanda ao fichamento de americanos em nossos portos e aeroportos) e não decidiram, até o momento, introduzir o ensino de português em seus currículos correspondentes. Servirá, pelo menos, para constituir um imenso exército de professores treinados em “portunhol” que, como todo mundo sabe, é uma língua perfeitamente necessária e adaptada aos nossos tempos de globalização assimétrica.

4) Estatuto da Desigualdade Racial: Ops, perdão, eu quis dizer “igualdade”, mas é aquele projeto que vocês conhecem, n° 3.198/2000, do Senador Paulo Paim (PT-RS) que visa, africanamente, separar os brasileiros em afro-descendentes, de um lado, e todo o resto da população, do outro lado. Agora, teremos algo como “preto no branco”, já incluídos na primeira categoria, obviamente, os mulatos e assemelhados, o que permite, portanto, deixar as coisas muito mais claras do que elas são hoje, com todo esse racismo insidioso se infiltrando nos poros da nacionalidade. O digníssimo senador, que já tem alguns problemas com a aritmética simples – ele está sempre querendo corrigir o salário mínimo por um fator de três, o que faria estourar de vez o orçamento das prefeituras e da Previdência –, pretende apenas conferir direitos aos que nunca desfrutaram de um bom apartheid, organizado e patrocinado em bases racionais pelo Estado. Prêmio Martin Luther King para o senador.

5) O escritor de carteirinha: Trata-se do projeto de Lei nº 4641, apresentado em setembro de 1998 pelo deputado federal Antônio Carlos Pannunzio (PSDB-SP) e que “dispõe sobre o exercício da profissão de escritor”. A Câmara dos Deputados é realmente pródiga em case studies para a nossa teoria (e eu ainda nem fiz uma pesquisa em sua base de dados). Acredito que exemplos de nossa teoria seriam ainda mais surpreendentes nas câmaras de vereadores, mas aí o trabalho de seleção teria de ser deslocado para um exército inteiro de pesquisadores pagos. Não é preciso, sequer, descrever o projeto, não é mesmo, caros colegas escrevinhadores? Eu apenas queria saber se o escritor profissional terá de trabalhar 8 horas por dia (bate cartão em casa mesmo?), se ele descontaria imposto sindical, se teria férias remuneradas, FGTS, essas coisas todas... Com a palavra, o nobre deputado.

6) Sociologia e filosofia no ensino médio: traidor da categoria, me dirão alguns leitores, meus colegas. Pois é, não queria dizer, mas eu também pertenço à “tribo” dos sociólogos, embora nunca tenha exercido legalmente a profissão – esqueci de me inscrever na associação da categoria – e vivo por aí pontificando em sociologuês sem o devido registro na classe. Mas, não seja por isso: não deixo de me manifestar virulentamente contra essa iniciativa que visa apenas criar mais uma reserva de mercado legal para um bando de sociólogos e filósofos sem emprego no mercado, além de servir para infernizar a vida dos pobres estudantes com alguma contrafação do marxismo vulgar, sem que eles consigam aprender direito o que deveriam: português, matemáticas, ciências e estudos sociais (onde deveriam estar normalmente compreendidas essas matérias, junto com história e geografia, que não deixam de ser variações sobre um mesmo tema, inclusive com fortes doses de certa religião política). Alerto que eu não tenho nada contra o ensino das duas matérias em quaisquer anos dos ciclos fundamental e médio, e até da pré-escola, se assim decidirem os defensores da iniciativa, mas o que sou contra é essa “obrigatoriedade” que torna tudo o que é bom uma chatice insuportável. Por que é que o Brasil não pode ser um país normal, no qual as pessoas, as associações de pais e mestres, os educadores geniais, enfim, decidem democraticamente, depois de um bom estudo de “custo-benefício”, o que as escolas vão enfiar ou não na cabeça das crianças, sujeitas as decisões a revisões periódicas em função da experiência adquirida e das vantagens constatadas (if any)? Por que é que tudo tem de ser objeto de uma lei obrigatória? Nossa natureza jabuticabal está sempre nos traindo...

Creio que bastam esses casos, por enquanto, mas certamente eles existem em maior número: como, por exemplo, aquele outro projeto de um nobre deputado que pretende limitar o rendimento máximo dos brasileiros, desviando tudo o que ultrapassar um valor limite para uma poupança coletiva nacional. A cooperação de meus leitores não deixará de enriquecer a galeria de candidatos a exemplos puros da teoria da jabuticaba. Não me parecem ainda suficientemente claras as razões desse extraordinário sucesso, no Brasil, da teoria – não da fruta, obviamente – mas pode ter algo a ver com nossas bizarrices institucionais. Afinal de contas, qual é o país que consegue ter, simultaneamente, dois chefes de governo (e de Estado) atuando paralelamente, ambos dotados de plenos poderes para assinar atos legais? Sim, ninguém ainda ouviu dizer que quando o presidente viaja – e fica lá fora, assinando acordos internacionais, ou seja, no pleno exercício de seu mandato – o vice, montado na cadeira presidencial, também assina leis e outros atos de sua potestade imperial? Um país que tem coisas desse gênero, pode ter quaisquer outras coisas, podendo-se daí deduzir que a teoria da jabuticaba ainda tem, em nosso país, brilhantes dias (e anos) pela frente.
Com a ajuda dos leitores, nós vamos mapear todos esses casos, descrevê-los e extrair sua racionalidade intrínseca – sim, eles devem ter alguma, do contrário não se sustentariam no plano da institucionalidade jurídica e não se validariam do ponto de vista da teoria pura – de maneira a oferecer ao mundo mais alguns lampejos de nossa genialidade. Espero, portanto, a colaboração voluntária de todos – e de todas, como convém, agora, segundo um outro projeto de lei, que visa evitar, justamente, discriminações de gênero – nesse esforço jabuticabal de teorizar sobre o inútil e o absurdo. Se por um desses acasos do destino – e num desses exercícios de história virtual –, Kant fosse transplantado de Königsberg para este patropi, jamais teria conseguido escrever seus muitos tratados de filosofia, ou então teria virado um passista de escola de samba, com sua peruca empoada e sua bengala de mestre-sala. Enfim, alguma razão deve haver para tantos exemplos de surrealismo cotidiano em nossa terra. Com sua ajuda, encontraremos a explicação, caro leitor...

P.S.: Não vale incluir a seleção brasileira de futebol na teoria da jabuticaba, pois ela não passaria pelo teste. Como adiantei, os exemplos precisam ser genuinamente nacionais e nossa seleção está mais para Legião Estrangeira Futebol Clube (sans aucun Beau Geste).

Brasília, 2 de julho de 2006

1912) Teoria da Jabuticaba (1): formulando a propria

Para ajudar na leitura, transcrevo aqui meu primeiro artigo sobre a teoria da jabuticaba, disponível online, mas melhor quando diretamente acessável:


Teoria da jabuticaba, I: prolegômenos
Paulo Roberto de Almeida
Espaço Acadêmico (ano 5, n. 54, novembro 2005).

No contexto da produção sociológica, categoria das obras “inúteis e inacabáveis”, estou interessado em formular e propor formalmente à comunidade acadêmica, uma “teoria da jabuticaba”. Explico rapidamente do que se trata e volto depois aos meus prolegômenos, já que esta teoria deveria merecer, no Brasil, elaboração mais sofisticada, tendo em vista sua relevância teórica na vida intelectual do país e sua importância prática para a própria organização da nacionalidade.

Teoria da jabuticaba é tudo aquilo que só existe no Brasil, como essa saborosa fruta selvagem da respeitada família das mirtáceas (myrciaria jaboticaba). Isso significa, para ser rápido, pertencer a uma família de “explicações sociais” única e exclusiva neste planeta Terra, situação inédita no plano universal, que consiste em propor, defender e sustentar, contra qualquer outra evidência lógica em sentido contrário, soluções, propostas, medidas práticas, iniciativas teóricas ou mesmo teses (em alguns casos, até antíteses) que só existem no Brasil e que só aqui funcionam, como se o mundo tivesse mesmo de se curvar ante nossas soluções inovadoras para velhos problemas humanos e antigos dilemas sociais.

Como já disse um ministro do ancien régime, pensando nas propostas geniais que volta e meia pipocavam com estridência nos meios da oposição (hoje situação), “para cada problema complexo, existe uma solução simples, em geral equivocada”. Pois a teoria da jabuticaba pertence, justamente, a essa família das respostas rápidas a problemas complicados que, aparentemente, se conformam ao chamado senso comum, mas que no fundo derivam de concepções equivocadas sobre a origem desses problemas e apontam para soluções mais errôneas ainda. Nem por isso essas soluções “geniais” deixam de ser apresentadas como a mais perfeita resposta “indígena”, isto é autônoma, a problemas supostamente universais, enchendo de justo orgulho seus formuladores e promotores.

Pois bem, vejamos em primeiro lugar o estatuto do “fenômeno” antes de entrar em seus fundamentos epistemológicos. Infelizmente, se é verdade que ela existe, de fato, trata-se de uma teoria extremamente rara et pour cause. Uma pesquisa rápida na Internet – via Google “normal” – revelou a existência de apenas oito “reações” a essa menção entre aspas, dentre cerca de 33 possibilidades virtuais, mas aparecem respostas repetidas, como uma pesquisa mais acurada se encarregou de comprovar. De fato, uma investigação mais focada nessa expressão – via Google Scholar – deu zero resultado (“Your search – “teoria da jabuticaba” – did not match any articles”), o que não deveria surpreender além da conta. Afinal de contas, essa temática ainda não existe enquanto objeto de preocupações acadêmicas e a teoria ainda precisa ser construída (e testada).

Não seja por isso: estou decidido a “desenterrá-la” enquanto conceito respeitado e respeitável e mesmo a propor sua elevação à categoria de recurso heurístico, para casos evidentemente complicados, como ocorrem ser os problemas sociais do Brasil. Aliás, dos oito retornos na pesquisa Google, dois se referem a um texto anterior meu, sobre o “fim do desenvolvimento” (artigo publicado na revista eletrônica Intellector, disponível no link www.revistaintellector.cenegri.org/pauloralmeida.pdf, ou então em meu próprio site: www.pralmeida.org/05DocsPRA/1353FimDesenv.pdf), no qual argumento que o Brasil já é, para todos os efeitos práticos, um país desenvolvido, bastando agora melhorá-lo socialmente (não, sinto muito, mas isto não é uma demonstração da referida teoria).

Uma pesquisa mais acurada sobre os fundamentos epistemológicos da teoria da jabuticaba certamente revelaria seus traços fundamentais, no contexto da formação social brasileira, contribuindo, quiçá, ao desenho de uma proposta explicativa abrangente – no sentido da Verstehen weberiana –, podendo inclusive contribuir para o oferecimento de algum “tipo-ideal” de explicação “jabuticabal”, em perfeita sintonia com o que se espera de uma verdadeira teoria do conhecimento. Antes que isso se faça, vejamos rapidamente quais seriam os contornos conceituais da teoria da jabuticaba, para oferecer em seguida alguns exemplos práticos de como ela se apresenta no Brasil (e daqui para o mundo).

Essa “teoria” – concedamos-lhe aspas, por enquanto, já que alguns poderiam objetar ao seu estatuto “científico” – se apresenta, antes de mais nada, como uma anomalia lógica. Isto é: ela se refere a algum evento real, a algum processo efetivamente existente, mas ela introduz uma irregularidade ou anormalidade nesse processo, ao formular proposições que são aparentemente factíveis ou até mesmo necessárias, mas que contrariam profundamente a lógica formal, quando não a trajetória normal daquele processo ou evento. Nota de dicionário: segundo o Aurélio, anomalia, em astronomia, se refere a “qualquer desigualdade periódica na trajetória normal de um planeta”, o que me convém inteiramente, sendo o planeta, no caso da “minha” teoria, este nosso Brasil. A “teoria da jabuticaba” também contraria a lógica, mas ela tem toda a aparência de algo normal, de solução absolutamente adequada ao problema que tenciona enfrentar.

A “teoria” em questão constitui, em segundo lugar, uma contradição nos termos, uma vez que ela consagra o próprio problema que pretende resolver. Ou seja: o que ela proclama não é a solução do problema, mas sua eternização ou perenidade, pois a solução desse problema a inviabilizaria enquanto “teoria”, isto é (ainda segundo o dicionário), um conjunto de princípios fundamentais ou de proposições sobre um domínio qualquer de conhecimento. Para que ela seja “teoria” e adquira com isso a devida respeitabilidade é preciso que o aglomerado de banalidades lógicas que ela pretende promover seja aceito enquanto “solução genial” a angustiantes problemas da nacionalidade.

A “teoria”, finalmente, é absolutamente indígena, autóctone, legitimamente nacional, como a própria fruta que lhe dá o nome, constituindo mais uma dessas nossas contribuições originais para o bem-estar da humanidade. Ela pode, talvez, rivalizar com o “jeitinho”, a “caipirinha”, a “broa de milho” (um ministro da cultura chegou a propor sua universalização) e outras tantas invenções, como por exemplo, no campo da ética política e da contabilidade partidária, a normalização do “caixa 2” e dos chamados “recursos não contabilizados”, que devem deixar boquiabertos de admiração nossos vizinhos imediatos e outros observadores estrangeiros.

Interrompo, pelo momento (prometendo voltar em outra ocasião), esta tentativa de sistematização de propostas sobre este campo novo de conhecimento prático – mas que ainda requer, volto a alertar, algum teste para sua validação empírica – para propor um conjunto de exemplos, nos mais diversos campos da inventividade nacional, destinados a ilustrar esta discussão inicial sobre a “teoria da jabuticaba”, esperando receber depois contribuições de gente mais sábia do que eu, ou de simples curiosos na matéria, leitores eventuais desta digressão utópica e interessados, como eu, em desvendar as razões do sucesso da referida teoria neste nosso Brasil. Vejamos alguns poucos casos nos quais se poderia aplicar a nova doutrina que aqui vem proposta em caráter preliminar.

Bolsa escola: Trata-se, obviamente, da genial solução encontrada para “reter” as crianças nas escolas e “obrigá-las” – aqui obviamente no sentido alegórico – a aprender alguma coisa, contra a prestação regular, geralmente de caráter mensal, de algum tipo de contribuição financeira, que se dirige à mãe do aluno visado, como contrapartida para o esforço de enviá-lo à escola, em lugar de ajudar no orçamento familiar mediante algum tipo de trabalho informal ou de simplesmente ficar na rua jogando bolinha de gude (não considero alternativas mais enriquecedoras). Esse programa, quando introduzido em caráter experimental, depois testado em escala mais ampla no Distrito Federal, chegou a ser incorporado, em escala modesta, pelo governo federal, tendo sido inclusive oferecido, pelo seu principal propagandista, à comunidade internacional, como se um “bolsa escola universal” fosse algo de que devêssemos nos orgulhar e vangloriar.

Ele é, no entanto, um perfeito exemplo da teoria da jabuticaba, pois que incide sobre um problema real – a ausência dos bancos escolares de crianças de famílias carentes – e propõe a solução aparentemente lógica: pagar pela freqüência. Que o programa seja apresentado como solução provisória, emergencial e com um horizonte finito de aplicação (isto é, tendencialmente dispensável) pode ser aceito por qualquer mente aberta e propensa a aceitar second best solutions. Que ele seja considerado como a trouvaille genial capaz de nos conceder um prêmio Nobel de economia (ou da paz), sendo, como tal, digno de exportação, constitui, precisamente, o paradigma acabado do que se requer como teste prático da citada teoria.

Parece evidente, com efeito, que em qualquer país normal o objetivo básico a ser alcançado pela política macroeconômica seja uma dinâmica econômica suscetível de fornecer emprego e renda em níveis suficientes à maior parte dos cidadãos, que podem assim prover às suas necessidades básicas, inclusive a manutenção dos filhos nas escolas públicas com o adequado provimento de material escolar. A anomalia é justamente esta: o bolsa escola não é algo de que devemos nos orgulhar, mas a confissão estarrecedora de nossas piores mazelas econômicas e sociais, uma excrescência assistencial que transforma pais e mães em dependentes crônicos da mesada dos filhos.

Tal como concebido – e eventualmente desativado por não se sabe qual razão imperiosa de racionalidade fiscal – o bolsa escola tinha tudo para se perpetuar como programa de transferência de renda por motivos aparentemente nobres e compreensíveis nas condições brasileiras. Mas ele constitui a confissão de um fracasso, não o retrato de um estado desejável de “inclusão social”. O surpreendente, justamente, é que ele seja apresentado, orgulhosamente, como programa exemplar. É tudo o que se requer de um modelo acabado de “teoria da jabuticaba”.

Bolsa família: Trata-se de uma derivação ou substituição do anterior, ou melhor, uma consolidação de diversos programas sociais, tendente a conceder auxílio a famílias vivendo com menos de meio salário mínimo. No Brasil se conseguiu tirar um número da cartola – 11,5 milhões de famílias – e se persegue ardorosamente o objetivo de incluir todas elas no mensalão governamental. É um outro nobre objetivo, o de fazer com que cada brasileiro tenha três refeições por dia, café, almoço e janta, nessa ordem e com essa simplicidade cartesiana. Não se cogitou de investimentos em infra-estrutura e educação, não se cogitou de promover o emprego e a formação técnico-profissional, ainda que esses objetivos figurem entre os elementos declarados do programa. O elemento novo em relação ao programa anterior é, justamente, essa vontade deliberada de incluir o maior número possível de brasileiros “assistíveis”, não o de tornar “desassistíveis” o maior número de pessoas por via de capacitação profissional e inclusão no mercado de trabalho, que não comparece em absoluto, tendo sido substituído pelo símbolo mágico do “cartão magnético”. Ao contrário: o mercado foi declarado incapaz de resolver os problemas sociais do Brasil, uma curiosa excepcionalidade em dez mil anos de história civilizada.

A “teoria da jabuticaba” entra, precisamente, por esse viés assistencialista que o programa inevitavelmente carrega consigo, como se o objetivo maior das três refeições diárias tivesse necessariamente de passar pelas mãos do governo, no caso o brasileiro. Ao proclamar que o combate à fome é um “objetivo estratégico” do país, as autoridades responsáveis não se dão conta de que, ao fazê-lo, eles estão na verdade confirmando o fracasso do Brasil enquanto sociedade e enquanto nação, pois a alimentação diária é algo tão básico e elementar que sequer mereceria figurar entre os “objetivos estratégicos” de qualquer nação, só ocorrendo neste país por uma dessas manifestações recorrentes da “teoria da jabuticaba”. Não estou obviamente considerando aqui aspectos políticos ou diretamente eleitorais do programa em apreço, mas apenas sua “lógica jabuticabal”.

Reserva de mercado para jornalistas: Não é só uma excrescência, é uma perfeita aberração, em tudo e por tudo contrária ao bom senso, à lógica econômica, à boa gestão das empresas de mídia e às necessidades dos leitores e consumidores de informações jornalísticas. Infelizmente, escrevo esta rubrica da “teoria da jabuticaba” – tendo já uma antiga birra contra a obrigatoriedade de diploma de jornalista para trabalho em jornal – no exato momento em que uma decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (Brasília) cassou uma decisão que declarava inconstitucional uma decisão de primeira instância, que se opunha à obrigatoriedade do diploma de jornalista. Não conheço outro país que imponha essa condição para o exercício da profissão, que deveria estar ao alcance de qualquer profissional, com ou sem diploma, medianamente instruído nas artes da língua e disposto a se aperfeiçoar na prática diária, não nos bancos das faculdades de jornalismo, que são uma outra faceta dessa guilda de defensores do mercado fechado que é formada pelos sindicatos de jornalistas. Essa exigência absurda preenche todos os requisitos para se qualificar de pleno direito como membro distinguido da família da “jabuticaba”.

Muitos outros exemplos poderiam ser arrolados em apoio desta minha construção tentativa de uma teoria da jabuticaba – e estou aguardando contribuições voluntárias de leitores atentos – mas esses poucos bastam para chamar a atenção sobre como é rica e variada a nossa galeria de modelos ideais da referida teoria. Seria preciso, a partir de agora, continuar a obra de formalização conceitual da teoria em questão, propor alguma estrutura explicativa convincente sobre as razões de porque ela encontrou um terreno particularmente fértil no Brasil – certamente que outros países terão suas particularidades e bizarrices nacionais, sendo os Estados Unidos um grande candidato a galardão nessa área – e prosseguir a obra de compilação de exemplos patentes e reconhecidos da referida teoria (com vários outros incógnitos e não sabidos). Estou seguro de que a teoria se sustenta totalmente com base na vasta experiência nacional em matéria de bizarrices econômicas e de surrealismos jurídicos. As bases estão lançadas: falta agora completar a cartografia do modelo. Mãos à obra!

1911) Jabuticabas educacionais: so podia dar no que deu

Abaixo, matéria da revista Veja sobre o ensino obrigatório de Sociologia e Filosofia no ciclo médio. Volto depois para comentar.
Paulo R. Almeida (27/03/2010)

Educação: Ideologia na cartilha
Revista Veja, edição 2158 - 31 de março de 2010

Agora obrigatórias no ensino médio brasileiro, as aulas de sociologia e filosofia abusam de conceitos rasos e tom panfletário. Matemática que é bom...

Os 8 milhões de estudantes brasileiros matriculados no ensino médio passaram a receber neste ano aulas de sociologia e filosofia - disciplinas que, por lei, se tornaram obrigatórias em escolas públicas e particulares. Com base nas diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Educação, cada estado fez o seu currículo, no qual a maioria dos colégios privados também se espelha em algum grau. A leitura atenta desse material traz à luz um festival de conceitos simplificados e de velhos chavões de esquerda que, os especialistas concordam, estão longe de se prestar ao essencial numa sala de aula: expandir o horizonte dos alunos. Não faltam exemplos de obscurantismo. Para se ter uma ideia, no Acre uma das metas do currículo de sociologia é ensinar os estudantes a produzir regimentos internos para sindicatos de trabalhadores - verdadeiro absurdo. Um dos explícitos objetivos das aulas em Goiás, por sua vez, é incrustar no aluno a ideia de que "a constante diminuição de cargos em empresas do mundo capitalista é um fator estrutural do sistema econômico" (visão pedestre que desconsidera o fato de que esse mesmo regime resultou em mais e melhores empregos no curso da história). Sem dar às questões a complexidade que elas merecem, as aulas abrangem de tudo: no Espírito Santo, por exemplo, a filosofia abarca da culinária capixaba aos ritmos indígenas. Conclui o sociólogo Simon Schwartzman: "Tratadas com superficialidade e viés ideológico, essas disciplinas só tendem a estreitar, no lugar de ampliar, a visão de mundo".

O viés presente nas aulas de sociologia e filosofia tem suas raízes fincadas nas faculdades de ciências sociais - de onde saíram, ou a que ainda pertencem, os professores responsáveis pela confecção dos atuais currículos. Desde a década de 70, quando se firmaram como trincheiras de combate à ditadura militar nas universidades, tais cursos se ancoram no ideário marxista, à revelia da própria implosão do comunismo no mundo - e estão cada vez mais distantes do rigor e da complexidade do pensamento do alemão Karl Marx (1818-1883). Diz a doutora em ciências sociais Eunice Durham, da Universidade de São Paulo: "Boa parte dessas faculdades propaga apenas panfletos pseudomarxistas repletos de clichês e generalizações, sem se dar sequer ao trabalho de consultar o original". Isso se reflete agora, e de forma acentuada, nos currículos escolares de sociologia e filosofia, criticados até mesmo por quem participou da feitura deles. À frente da equipe que compôs os do Rio de Janeiro, a educadora Teresa Pontual, subsecretária estadual de Educação, chega a reconhecer: "Se criássemos diretrizes distantes demais da realidade dos professores, eles simplesmente não as aplicariam na sala de aula - fomos apenas realistas".

Sob a influência francesa, a sociologia e a filosofia começaram a ganhar espaço no ensino médio brasileiro no fim do século XIX, até se tornarem obrigatórias, ainda que com pequenas interrupções, entre 1925 e 1971. Seu retorno definitivo ao currículo, sacramentado por uma lei aprovada no Congresso dois anos atrás para entrar em vigor justamente agora, era um pleito antigo dos sindicatos dos profissionais dessas áreas. Em 2001, projeto de lei com o mesmo propósito havia passado pelo Congresso, só que acabou vetado pelo então presidente (e sociólogo) Fernando Henrique Cardoso. À época, um parecer do MEC afirmava que os gastos para os estados seriam altos demais e que não havia no país professores em número suficiente para atender à nova demanda. Desta vez, o próprio ministro Fernando Haddad, filósofo de formação, empenhou-se para aprovar o texto. Daqui para a frente, de acordo com um levantamento do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, serão recrutados mais 20 000 professores no país inteiro. Trata-se de algo temerário, segundo alerta o sociólogo Bolívar Lamounier: "Não há tanta gente qualificada para desempenhar tal função no Brasil". A experiência recente das próprias escolas já sinaliza isso. "Está sendo duríssimo achar professores dessas áreas que sejam desprovidos da visão ideológica", conta Sílvio Barini, diretor do São Domingos, colégio particular de São Paulo.

Ao obrigar as escolas a ensinar sociologia e filosofia a todos os alunos, o Brasil se junta à maioria dos países da América Latina - e se distancia dos mais avançados em sala de aula, que oferecem essas disciplinas apenas como eletivas. Deixá-las de fora da grade fixa é uma decisão que se baseia no que a experiência já provou. Resume o economista Claudio de Moura Castro, articulista de VEJA e especialista em educação: "Os países mais desenvolvidos já entenderam há muito tempo que é absolutamente irreal esperar que todos os estudantes de ensino médio alcancem a complexidade mínima dos temas da sociologia ou da filosofia - ainda mais num país em que os alunos acumulam tantas deficiências básicas, como o Brasil". Em outros países da América Latina, esse tipo de iniciativa também costuma resvalar em aulas contaminadas pela ideologia de esquerda, preponderante nas escolas. Não será desse jeito que o Brasil dará o necessário passo rumo à excelência.

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Eu tinha previsto que essa obrigatoriedade acabaria sendo um cabide de emprego para marxista desempregado. Não imaginava que sindicalistas raivosos fossem queimar livros de sociologia como aparece na foto abaixo.

O Brasil é campeão em criar obrigatoriedades inúteis e custosas para a sociedade, no que eu chamo de "teoria da jabuticaba:, como já descrevi algum tempo atrás:

1488. “Teoria da jabuticaba, I: prolegômenos”, Brasília, 29 out. 2005, 6 p. Considerações sobre uma nova teoria em formação. Publicada na Espaço Acadêmico (a. 5, n. 54, novembro 2005).

1631. “Teoria da jabuticaba, II: estudos de casos”, Brasília, 2 julho 2006, 5 p. Continuidade do exercício iniciado com o trabalho 1488, listando casos dignos de estudos e de serem enquadrados no modelo teórico pretendido. Publicado em versão corrigida e ligeiramente ampliada no site do Instituto Millenium (5.07/2006; disponível neste link).

1910) Rififi no FMI (3): Brasil corre o risco de perder a cadeira...

...por incompetência e incontinência ideológica do atual representante e diretor pelo Brasil...

Demissão no FMI abre crise Brasil-Colômbia
Gustavo Chacra
O Estado de S.Paulo, 27 de março de 2010

Decisão do representante brasileiro de demitir colombiana provoca irritação no país vizinho; Lula diz que não vai se envolver no caso

A decisão do representante brasileiro no Fundo Monetário Internacional (FMI), Paulo Nogueira Batista Jr., de demitir a representante colombiana, provocou irritação em Bogotá, com o governo da Colômbia exigindo explicações do Brasil. Não está claro se a atitude foi individual ou se teve o aval da administração brasileira.

Para complicar, Nogueira Batista, que ocupa o cargo de diretor executivo ao liderar um grupo de nove países que inclui o Brasil e a Colômbia, exigiu que a colombiana Maria Inés Agudelo esvaziasse a sala em um prazo de 24 a 48 horas. Ex-vice-ministra da Fazenda na Colômbia e diretora-substituta no fundo, Agudelo tem o apoio do presidente Álvaro Uribe, que teria feito uma queixa formal ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A Colômbia, segundo apurou o Estado, estaria disposta a deixar o grupo do Brasil, pondo em risco a capacidade de o representante brasileiro ter 2% dos votos necessários para uma cadeira no diretório executivo da entidade. Sozinhos, os brasileiros têm 1,42% e devem ter 1,7% depois da reforma do FMI. Para alcançar o nível mínimo, o Brasil se juntou a outros países. Deste grupo, a Colômbia é o segundo com maior porcentual de votos.

Nogueira Batista teria enviado cartas ao governo colombiano, antes de tomar a atitude. Os colombianos não confirmam a informação. O Estado telefonou três vezes ao celular do representante brasileiro e deixou recado. Também o procurou no telefone fixo do escritório, falando com a secretária, que disse que ele passaria o dia em reuniões. Até o fechamento desta edição, Nogueira Batista não retornou os telefonemas nem os e-mails em que foi pedida uma entrevista para que ele esclarecesse o ocorrido. Procurada, a representante colombiana também não se manifestou.

A imprensa colombiana repercutiu com dureza o episódio. O Portafolio, principal jornal de economia de Bogotá, classificou como "intempestiva" e "grosseira" a decisão do representante brasileiro. Nogueira Batista é descrito como "um controvertido economista brasileiro".

Lula. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não quer se envolver diretamente no problema criado pelo diretor do FMI. Apesar de ter ficado preocupado e considerar que Nogueira Batista tem um comportamento muitas vezes destemperado, Lula, segundo fontes do Planalto, não tem intenção de substituí-lo por temer que ele possa criar ainda mais problemas ao governo em ano de eleições.

Por isso, Lula está acompanhando o assunto à distância e atribuiu ao Ministério da Fazenda, responsável pela indicação de Batista ao cargo, a missão de resolver o problema. O Ministério da Fazenda, no entanto, apoiou a decisão de Batista.

Segundo uma fonte da área econômica, o ministro Guido Mantega conversou por telefone com seu equivalente colombiano para tratar do assunto e também mandou carta explicando os motivos da demissão, dando respaldo à decisão do representante brasileiro.

Para essa fonte, o episódio está longe de configurar um conflito diplomático entre Brasil e Colômbia, mesmo porque a vaga continua pertencendo àquele país, que vai indicar o substituto de Maria Inés. "O novo nome sairá da Colômbia", disse a fonte.

A demissão foi justificada pela incompatibilidade de trabalho e de projetos entre Batista e Maria Inés. Segundo a fonte da Fazenda, Nogueira Batista várias vezes tentou encaminhar à Colômbia o pedido de substituição de Maria Inés, mas não foi atendido. "Ele não é nenhum troglodita." Um ministro próximo a Lula disse ter conversado com Nogueira Batista sobre o episódio. Da conversa, saiu convencido que a colombiana era "incompetente".

1909) Diplomacia dos holofotes - Rubens Ricupero

"Busca incessante dos holofotes" marca política externa do Brasil, diz Ricupero
Rafael Spuldar
Do UOL Notícias, 22.03.2010

Entrevista com Rubens Ricupero

São Paulo - Os esforços do governo brasileiro em mediar o conflito entre Israel e os palestinos, além da sua aproximação com o Irã, são exemplos de uma política externa marcada pela "busca incessante dos holofotes", afirma o diplomata e ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente Rubens Ricupero. Em entrevista exclusiva ao UOL Notícias, ele também lamentou a viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Cuba no momento em que o dissidente Orlando Zapata morreu, após dois meses e meio de greve de fome, e criticou o silêncio do Brasil às violações aos direitos humanos na Venezuela.

Na opinião de Ricupero, a iniciativa do Brasil de tentar se tornar um ator nas negociações entre israelenses e palestinos é louvável, mas pouco realista, pela falta de poder de barganha e de pressão do governo. "Em diplomacia, bons ofícios não se oferecem: é alguma coisa que se aceita quando as partes pedem", diz o ex-ministro. "É a mesma coisa que se diz, 'em briga de marido e mulher, quem tem juízo não se mete', e em brigas como essa, você só pode entrar se tiver realmente alguma coisa", afirma. O diplomata acredita que a intenção do governo brasileiro tem um viés mais doméstico, sem pretensões de atingir resultados concretos.

Ricupero vê a mesma lógica de "protagonismo" da política externa do governo brasileiro na recente aproximação com o governo iraniano, na qual ele não vê nenhuma vantagem. O ex-ministro acredita que esta relação só prejudica o Brasil, por demonstrar uma posição "errática" e "incoerente" do País, que condenou o golpe de Estado em Honduras, mas que, segundo ele, se cala quanto às violações dos direitos humanos pelo regime de Teerã, o qual classifica de "ditadura teocrática". Na opinião de Ricupero, a relação com o Irã deve dificultar a candidatura do Brasil a uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU.

O ex-ministro também critica a postura do governo brasileiro quanto a Cuba, além de lamentar a declaração do presidente Lula, que fez uma analogia da situação dos dissidentes cubanos com uma eventual greve de fome dos detentos de São Paulo. A declaração foi "despropositada e absurda", na opinião de Ricupero. "Eu tenho pena, porque acho que o presidente Lula havia atingido um nível importante de reconhecimento e admiração internacional, que ele está dilapidando por declarações e gestos irrefletidos" , afirma.

Quanto à relação com o governo da Venezuela, o diplomata vê um lado positivo em termos de comércio exterior, mas acredita que é papel do Brasil denunciar casos como violações à liberdade de imprensa por parte do regime de Hugo Chávez. "Se os direitos humanos são tão importantes para nós, como que nós estamos nos abstendo?", afirma Ricupero, relembrando o fato do governo do Brasil ter lançado o projeto do Programa Nacional de Direitos Humanos.

Ricupero lançou na última terça-feira (16) seu livro Diário de Bordo – A Viagem Presidencial de Tancredo Neves, no qual relata o giro internacional feito em 1985 pelo então presidente eleito, do qual era assessor para assuntos internacionais.