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domingo, 30 de janeiro de 2011

Socialismo da fome (uma redundancia): retrato da Cuba atual

Este jornalistra americano tentou sobreviver durante um mês com a "renda" de um cubano, na verdade menos do que um cubano, pois os cubanos roubam do Estado, ou exercem expedientes diversos para tentar chegar ao fim do mês vivos. O jornalista americano, sem recurso a esses expedientes, quase morre na experiência.
Este texto deveria ser lido por todos os amigos sinceros de Cuba, e todos aqueles que acreditam que a origem dos males cubanos está no embargo americano, como proclamam mentirosamente os dirigentes comunistas.
Alguns trechos de seu relato:

"A caderneta --conhecida como "libreta"-- é o documento fundamental da vida cubana. (...) Em 1999, o ministro do Desenvolvimento de Cuba me disse que a ração mensal oferecia comida suficiente para apenas 19 dias, mas previu que esse total logo subiria.
Na verdade, caiu. (...) A opinião geral é de que a ração mensal hoje só dá para 12 dias de comida."

"Os vizinhos do meu amigo --marido, mulher e neto-- receberam a ração padronizada de produtos básicos, que consiste, por pessoa, em:
Dois quilos de açúcar refinado
Meio quilo de açúcar bruto
Meio quilo de grãos
Um pedaço de peixe
Três pãezinhos
Riram muito quando perguntei se recebiam carne de vaca."

"Depois de 50 anos de Progresso, o país está falido, na prática. Em 2009, ervilhas e batatas foram retiradas da ração e os almoços baratos nos locais de trabalho foram reduzidos às dimensões de lanches rápidos."

"Eu costumava dizer que, em Cuba, 10% de tudo era roubado, para revenda ou reaproveitamento. Agora creio que a proporção real seja de 50%. O crime é o sistema."

"Uma "cesta mensal" de comida racionada (que dura apenas 12 dias) custa 12 pesos por pessoa, de acordo com as contas do governo. Nos 10 dias seguintes de cada mês, as pessoas precisam comprar o mesmo volume de comida por 220 pesos, nos diversos mercados livres, paralelos e negros. E ainda assim isso só conduz o cidadão ao 22º dia do mês. As despesas mensais envolvidas em manter o mesmo padrão de alimentação seriam de 450 pesos --o que supera a renda de milhões de cubanos, e isso sem incluir roupas, transportes ou produtos para a casa.
"

"Ela é enfermeira, tem 24 anos, vive em Holguín. Para conseguir mais tempo de férias, trabalha turnos de 12 horas, e depois, a cada quatro ou seis meses, vai a Havana para um longo intervalo "no qual me dedico a isso", disse. Em um raro momento de eufemismo, se definiu como dama de acompañamiento."

Creio que basta isso. Os cubanos não merecem esse regime de emagrecimento forçado. Os amigos do regime, ou seja, os socialistas políticos, guevaristas de carteirinha deveriam sentir vergonha.
Paulo Roberto de Almeida

Cubano por 30 dias
PATRICK SYMMES
Folha de S.Paulo, 30/01/2011

Com o desafio de passar um mês em Havana com apenas 15 dólares, o repórter norte-americano Patrick Symmes narra seu mergulho na sociedade cubana e os diversos "jeitinhos" a que precisou recorrer para obter comida, se locomover e até mesmo para destilar rum caseiro.

NAS DUAS PRIMEIRAS DÉCADAS da minha vida, acho que nunca passei mais de nove horas sem comer. Mais tarde, fiquei sujeito a períodos mais longos de fome, mas sempre voltei para casa, fui recebido com festa, comi tudo o que quis, no momento que quis, e recuperei o peso que tivesse perdido. Além disso, segui a trajetória habitual de uma vida americana, ganhando meio quilo de peso por ano, década após década.

Quando decidi ir a Cuba e viver por um mês consumindo apenas aquilo que um cubano comum pode consumir, meu peso havia atingido 99 quilos; nunca tinha sido tão alto.

Em Cuba, o salário médio é de US$ 20. Médicos chegam a ganhar US$ 30, e muitas outras pessoas ganham só US$ 10. Decidi que me concederia o salário de um jornalista cubano: US$ 15, a renda de um intelectual oficial. Sempre quis ser um intelectual, e US$ 15 representava uma vantagem significativa sobre os proletários que constroem paredes de alvenaria ou cortam cana por US$ 12, e quase o dobro dos US$ 8 da pensão de muitos aposentados. Com esse dinheiro, eu teria de comprar minha ração básica de arroz, feijão, batata, óleo, ovos, açúcar, café e tudo o mais de que precisasse.

A primeira meia hora em solo cubano foi passada nos detectores de metais. Depois, como parte de um novo regime de vigilância que eu não havia encontrado em meus 15 anos anteriores de visita ao país, passei por um interrogatório intenso, porém amadorístico. Não era nada pessoal: todos os estrangeiros que chegaram no pequeno turboélice vindo das Bahamas foram separados do grupo e extensamente interrogados.

Como em Israel, um agente à paisana me fez perguntas detalhadas, mas que não versavam sobre assuntos importantes. ("Para que cidade você vai? Onde ela fica?"). O objetivo era me provocar, revelar incoerências ou causar nervosismo. Ele não olhou minha carteira ou perguntou por que, se eu planejava passar um mês em Cuba, tinha menos de US$ 20 comigo.

O olhar do agente se voltou aos demais passageiros. Eu tinha passado. "Trinta dias", eu disse à senhora que carimbou meu visto de turista. O prazo máximo.

Havia uma placa pendente do teto do aeroporto, com o desenho de um ônibus. Mas nada de ônibus. Só mais tarde, explicou a mulher da cabine de informações. Haveria um ônibus -só um- naquela noite, por volta das 20h, para levar os funcionários do aeroporto de volta a suas casas.

Eu teria de esperar seis horas. O centro de Havana fica a 16 quilômetros do aeroporto. Porque um táxi custaria US$ 25 --ou seja, mais que o meu orçamento para todo o mês--, eu teria de ir a pé. A mesma mulher tirou do bolso do uniforme duas moedas de alumínio, e me deu: 40 centavos de peso, o equivalente a dois centavos de dólar.

Na rodovia, a alguns quilômetros do aeroporto, eu talvez encontrasse um ônibus para a cidade. E em Havana eu poderia encontrar, ou teria de encontrar, uma maneira de sobreviver por um mês. Ergui a mochila aos ombros e comecei a caminhar, com as moedas de alumínio tilintando no bolso. Saí do terminal e atravessei o estacionamento, chegando à via de acesso.

Comecei a caminhar pela estrada, deixando o mundo externo para trás a cada sólido passo. A intervalos de alguns minutos, táxis se aproximavam, buzinando, ou carros particulares paravam ao meu lado e me ofereciam uma jornada até a cidade por apenas metade do preço oficial. Eu continuei caminhando, devagar, deixando para trás os velhos terminais e contemplando os campos de vegetação esparsa.

Os outdoors trombeteavam mensagens do passado: Bush terrorista. Depois de caminhar 40 minutos, cruzei por sobre os trilhos da ferrovia em uma passarela e, ao chegar à rodovia, tive sorte. O ônibus para Havana estava no ponto. Passada uma hora, eu havia chegado ao centro de Havana e estava de novo caminhando, em busca de um velho amigo.

RACIONAMENTO As primeiras pessoas com quem conversei na cidade --desconhecidos que vivem perto da casa do meu amigo-- mencionaram o sistema de racionamento. Sem que eu perguntasse, eles me mostraram suas cadernetas de racionamento e se queixaram bastante.

A caderneta --conhecida como "libreta"-- é o documento fundamental da vida cubana. Quase nada mudou no sistema de racionamento: ainda que agora seja impressa em formato vertical, a caderneta é idêntica às emitidas anualmente durante décadas.

O que mudou foi a tinta: havia menos texto na caderneta. O número de itens era menor, e as quantidades também eram menores, menos do que em 1995, a época de fome do "Período Especial". Desde então, a economia cubana se recuperou, mas o sistema cubano de racionamento ainda não. Em 1999, o ministro do Desenvolvimento de Cuba me disse que a ração mensal oferecia comida suficiente para apenas 19 dias, mas previu que esse total logo subiria.

Na verdade, caiu. Ainda que hoje o volume total de alimentos disponíveis em Cuba seja mais alto e o consumo de calorias per capita também tenha crescido, isso não se deve ao racionamento. O crescimento ocorreu em mercados privatizados e hortas cooperativas, e por meio de importações maciças; a produção de alimentos pelo Estado caiu 13% no ano passado e a ração encolheu junto. A opinião geral é de que a ração mensal hoje só dá para 12 dias de comida.

A minha viagem serviria para que eu fizesse o meu próprio cálculo: como alguém pode sobreviver durante um mês com comida para apenas 12 dias?

CADERNETA Cada família recebe uma caderneta de racionamento. As mercadorias são distribuídas numa série de mercearias (uma para laticínios e ovos, outra para "proteínas", outra para pão; a maior delas cuida dos enlatados e outros produtos embalados, de café e óleo a cigarros). Cada loja conta com um administrador que anota na caderneta a quantidade de produtos retirada pela família. Os vizinhos do meu amigo --marido, mulher e neto-- receberam a ração padronizada de produtos básicos, que consiste, por pessoa, em:

Dois quilos de açúcar refinado
Meio quilo de açúcar bruto
Meio quilo de grãos
Um pedaço de peixe
Três pãezinhos

Riram muito quando perguntei se recebiam carne de vaca.

"Frango", disse a mulher, mas isso provocou uivos de protesto: "Qual foi a última vez que recebemos frango?", o marido questionou. "Pois então, é verdade", ela disse. "Já faz alguns meses." A ração de "proteína" é distribuída a cada 15 dias e consiste numa carne moída de misteriosa composição, que inclui uma bela proporção de pasta de soja (se a carne for suína, a mistura recebe o falso nome de "picadillo"; se for frango, é conhecida como "puello con suerte", ou frango com sorte).

A ração basta para o equivalente a quatro hambúrgueres por mês, mas até aquele momento, em janeiro de 2010, cada um só havia recebido um peixe --em geral, uma cavala seca e oleosa.

E há os ovos. A mais confiável das fontes de proteínas, eles são conhecidos como "salva-vidas". Antigamente, a ração era de um ovo por dia; depois, um ovo a cada dois dias; agora, é de um ovo a cada três dias. Eu teria dez deles como ração para o mês seguinte.

Meu amigo me conduziu a uma residência particular no bairro de Plaza, onde eu alugaria um apartamento por um mês --a única despesa que deixo fora de minhas contas aqui. O apartamento era espartano, em estilo cubano: dois cômodos, cadeiras sem almofadas, um fogareiro de duas bocas numa bancada e um frigobar.

No meu segundo dia, comecei comendo um bagel de gergelim, e distraidamente o devorei inteiro, como se fosse possível comprar outro. De acordo com um aplicativo de contagem de calorias instalado em meu celular, o bagel tinha 440 calorias. Tudo que comi pelos 30 dias seguintes foi anotado com ajuda do pequeno teclado, registrado, tabulado em termos diários e semanais, dividido em proteínas, carboidratos e gordura, avaliado por meio de gráficos de barras. Um homem ativo do meu tamanho (1,88 metro, 95 quilos) precisa de cerca de 2,8 mil calorias diárias para manter o peso. Eu ainda não tinha conseguido quaisquer outros suprimentos de comida, e concluí meu café da manhã quando a faxineira de meu senhorio me deu dois pequenos copinhos de café muito açucarado (75 calorias).

Da mesma forma que os cubanos aproveitam lacunas nos regulamentos para sobreviver, decidi explorar minha evidente condição de estrangeiro em meu benefício, e passei o dia entrando e saindo de hotéis nos quais poucos cubanos estão autorizados a entrar. Isso me dava acesso a ar condicionado, papel higiênico e música. Passei pela segurança no Habana Libre, o antigo Hilton, e subi de elevador até o topo, que oferecia lindas vistas de Havana ao crepúsculo.

A boate ainda não estava aberta, mas entrei mesmo assim; apanhei um ensaio em curso. Um roqueiro russo, com uma banda de apoio de mais de 30 músicos, estava passando o som do show que faria mais tarde. O hotel serviu chá e água mineral em garrafas aos músicos, e aproveitei a oportunidade para beber bastante. O sabor adstringente do chá --mediado por muito açúcar- finalmente começou a fazer sentido para mim. Era a bebida dos noviços em um mosteiro, das pessoas famintas e enregeladas. Seu objetivo é matar o apetite.

Havia restos de um lanche. Encontrei apenas um sanduíche e meio de queijo, abandonado em um guardanapo perto da seção de cordas; coloquei o guardanapo no bolso. Caminhei por uma hora, atravessando Havana para voltar ao meu quarto, passando por dezenas de lojas novas --açougues, bares, cafés, pizzarias e outros prolíficos fornecedores de alimentos vendidos apenas em moeda forte. Detive-me por longo tempo, contemplando os imensos peitos de peru expostos na vitrine de uma das lojas.

Quando enfim cheguei ao meu quarto, os sanduíches se haviam desintegrado no meu bolso, em uma massa de migalhas, manteiga e queijo sintético, mas os comi mesmo assim, devagar, prolongando a experiência. Eu sempre havia desdenhado os cubanos que se dispõem a aplaudir o regime em troca de um sanduíche, mas, já no meu segundo dia na ilha, eu me sentia disposto a denunciar Obama em troca de um biscoito.

Na manhã do terceiro dia, caminhei mais de duas horas por Havana em busca de comida, queimando 600 calorias, o equivalente aos sanduíches consumidos um dia antes. Eu havia presumido, erroneamente, que poderia simplesmente comprar a comida de que precisaria para o mês. No entanto, por ser norte-americano, eu era inelegível para o racionamento, nos termos do qual o arroz custa dois centavos de dólar o quilo. Como "cubano" vivendo com salário de US$ 15 ao mês, eu não teria como comprar comida fora do sistema, nas dispendiosas lojas que vendem alimentos em dólares. Os cubanos chamam essas pequenas lojas, que vendem de tudo, de pilhas e carne bovina a óleo de cozinha e fraldas, de "el shopping". Depois de horas de frustração, e incapaz de comprar qualquer comida, voltei de ônibus ao apartamento.

Eu não tinha almoçado. Tentei ler, mas só havia trazido livros sobre dificuldades e sofrimento, como "Les Misérables". Comecei com um panorama mais fácil e bem humorado sobre uma vida solitária e repleta de privações, "Sailing Alone Around the World", de Joshua Slocum, e li 146 páginas do livro em meu primeiro dia. Slocum atravessou o Atlântico em um veleiro comendo pouco mais que biscoitos e postas de carne de peixe voador, acompanhados por café, e fiquei especialmente satisfeito quando, ao chegar ao Pacífico, ele descobriu que havia uma infestação de mariposas em sua reserva de batatas, e teve de lançar as valiosas provisões ao mar. Mas depois disso ele costumava fazer absurdos como preparar um cozido irlandês ou apelar a uma reserva de vitela defumada comprada na Tierra del Fuego. Um navio de passagem chegou a lhe lançar uma garrafa de vinho espanhol, certa vez. Bastardo sortudo.

Se eu continuasse a ler no ritmo daquele primeiro dia, livros seriam mais uma das provisões que eu esgotaria antes do prazo.

Por fim, já que não conseguia mais ficar parado, corri para fora da casa e, seguindo uma dica, encontrei uma casa a alguns quarteirões de distância em cujo portão havia um cartaz com a palavra "café". Na parte traseira da casa havia uma janela gradeada, e eu passei o equivalente a 40 centavos de dólar pela janela. Uma mulher me serviu um pãozinho com apresuntado. Um copo de suco de papaia me custou mais 12 centavos de dólar. Embora eu tentasse comer devagar, o almoço desapareceu em questão de minutos. A esse ritmo --50 centavos de dólar por refeição-, minha reserva de dinheiro seria consumida rapidamente, e saí daquele quintal prometendo a mim mesmo que jantaria quase nada.

De manhã, notícias piores me aguardavam quando tentei me vestir. Descobri que o zíper de minha calça estava enguiçado. Como parte do meu esforço para parecer e me sentir cubano, só havia levado duas calças na bagagem. Calças são um dos muitos itens não alimentícios também distribuídos como parte da ração, e isso em geral quer dizer apenas uma calça por ano. A maioria dos cubanos se vira com apenas um ou dois exemplares de cada peça de roupa. Por isso, o zíper quebrado teria de ser reparado --em janeiro, não havia distribuição de calças. Depois do fracasso de alguns esforços nada competentes para consertar o zíper sozinho, compreendi que teria de gastar dinheiro, ou trocar alguma coisa, pelo trabalho de um alfaiate. Café da manhã: duas xícaras de café açucarado. Total de 75 calorias.

MERCADO No quarto dia, saí para comprar comida, experiência ridícula. Por sorte, o apartamento que aluguei ficava perto do maior e melhor mercado de Havana, que não é nem tão grande e nem tão bom assim. O mercado era um "agro", ou seja, um sacolão.

Há quem compare esses mercados às feirinhas de produtos orgânicos norte-americanas, mas não havia conversa amistosa entre comprador e vendedor, e sim um ruidoso, lotado e barulhento corredor repleto de bancas vendendo todas o mesmo estreito elenco de produtos, a preços aprovados pelo Estado: abacaxis, berinjelas, cenouras, pimenta verde, tomate, cenoura, iúca, alho, bananas-da-terra e não muito mais.

Numa sala separada, havia carne de porco à venda, pilhas trêmulas de carne rosada e pálida, manipulada por homens de mãos nuas. Carne era um produto além de meu alcance, embora houvesse "gordura" à venda por US$ 1 (27 pesos) o quilo.

Esperei na fila para converter todo o meu dinheiro --18 pesos conversíveis, a moeda forte cubana-- em pesos comuns. A pilha de cédulas desgastadas e sujas que resultou da transação equivalia a 400 pesos, ou cerca de US$ 16, pela cotação do mercado negro de Havana.

Enfrentei as multidões e comprei uma berinjela (10 pesos), quatro tomates (15), uma cabeça de alho (2) e algumas cenouras (13). No balcão da padaria, a mulher que atendia me disse que pães só podiam ser vendidos a portadores de cadernetas de racionamento --mas mesmo assim me vendeu cinco pãezinhos, avidamente apanhando cinco pesos de minha mão. Só fui bem tratado pelo vendedor de tomates, que me ofereceu um tomate de brinde.

DOIS PESOS Cuba tem duas moedas, o peso valioso, oficialmente conhecido como CUC, e chamado de cuc, fula, chavita e convertible; ele foi introduzido para eliminar a presença de moeda estrangeira no país e seu valor deveria equivaler ao do dólar norte-americano, em termos gerais, ao menos antes da comissão de 20% cobrada pela conversão.

A outra moeda é o humilde peso comum (conhecido como peso). Os salários dos cubanos são pagos em pesos comuns, e para comprar qualquer coisa importante eles precisam convertê-los em CUC, à taxa de 24 por um. Uma caixinha de macarrão frito no bairro chinês de Havana custava "72/2,5",em pesos comuns e CUC, respectivamente, e o preço nos dois casos representava cerca de 15% da renda mensal média.

Comprei 1,5 quilo de arroz por pouco mais de 10 centavos de dólar, e um saco de feijão vermelho. Com isso, a conta final subiu a catastróficos US$ 2, por uma quantidade de comida que produziria apenas algumas refeições.

Alguns moleques me seguiram até a saída, murmurando "camarão, camarão, camarão", em um esforço para me vender alguma coisa. Do lado de fora, um homem viu que eu me aproximava e subiu numa árvore, descendo com cinco limões que me ofereceu. (Não era um limoeiro, e sim o lugar em que guardava seus produtos de mercado negro.) Cheguei em casa cambaleando com o peso do arroz e dos legumes, com cara, segundo a mulher de meu senhorio, de homem divorciado a ponto de começar vida nova.

DINHEIRO As calorias acumuladas inevitavelmente me levaram a refletir sobre o outro lado da equação: dinheiro. Como eu conseguiria sobreviver dali a duas semanas, se a cada vez que fizesse compras gastasse US$ 2? Eu continuava a fazer tudo a pé, o que me custava 60 minutos apenas para chegar aos hotéis de turistas em Vedado (nos quais não encontrei mais nenhum sanduíche extraviado), ou para encostar o rosto contra as grades de ferro de algum restaurante, assistindo, em companhia de quatro ou cinco cubanos, à banda que tocava mambo para os estrangeiros.

A cada dia eu era abordado por cubanos que, de uma ou outra maneira, me pediam dinheiro. E sabia que minhas escolhas pessoais seriam igualmente desagradáveis, algumas semanas adiante. Será que eu deveria me posicionar em uma esquina e pedir dólares a desconhecidos? Até que ponto uma pessoa precisa estar faminta para se tornar parecida com a adolescente pela qual passei em uma calçada de Vedado naquela tarde; ela trazia um bebê no colo, mas se voltou para mim e disse: "Deseas una chica sucky sucky?"

CAFÉ Se era questão de chupar alguma coisa, eu já sabia exatamente o quê. Apanhei-me contemplando os Ladas que passavam, para ver se as tampas de seus tanques de gasolina tinham trancas. Com uma mangueira e um recipiente plástico, eu poderia obter cinco litros de gasolina e vendê-la por intermédio de um amigo no bairro chinês. Mas todos os carros de Cuba têm trancas nas tampas do tanque de combustível, ou ficam protegidos atrás de portões trancados, à noite. Já havia homens demais, e bem mais durões que eu, envolvidos nesse tipo de trabalho. Cuba não é terra para ladrões amadores.

Eu precisava de café, mas nenhuma loja tinha estoque desse produto essencial. Nem mesmo a loja do meu bairro que opera com moeda forte tinha café, e visitas repetidas aos supermercados que vendem em dólares, em Vedado, e às lojas de diversos hotéis resultaram em zero café, por todo o mês. Certa vez vi um pacote de meio quilo de Cubacafe, a marca de exportação, à venda em um cinema da Velha Havana. Mas custava 64 pesos, e mesmo que a abstinência de café estivesse me matando, eu não tinha como pagar tão caro, ou andar toda aquela distância de novo. Da janela do meu banheiro, percebi que a loja de produtos racionados estava aberta, e fui até lá.

Em uma prateleira, havia cinco sacos de café. Eram da marca doméstica, Hola, um café claro, em contraposição ao pó escuro do Cubacafe, e o preço era de pouco mais de um peso pelo primeiro pacote de 100 gramas, e de cinco pesos por pacote adicional. Havia cerca de uma dúzia de pessoas disputando o pão e o arroz, e por isso pude estudar as duas lousas nas quais a loja anunciava os produtos disponíveis. A maior delas mencionava os produtos básicos --os primeiros dois quilos de arroz custam 25 centavos de peso; cada comprador pode comprar um quilo adicional por 90 centavos de peso. O limite de compras era de três quilos de arroz ao mês, para prevenir que as pessoas comprassem arroz e o revendessem em busca de lucros. A lousa menor informava sobre os "produtos liberados", e continha uma lista menor de coisas como cigarros e outros bens que podem ser adquiridos sem restrições.

Eu disse "el último", e tomei lugar na fila por trás do comprador que antes era o último. Logo chegou uma mulher com uma sacola plástica nas mãos e disse "el último", e se tornou a última da fila.

O homem que me atendeu sorria mas parecia agitado. Era alto, negro, e usava uma barba rala, mal cuidada. Quando pedi café, fez um gesto negativo com as mãos. Não era preciso explicar: um estrangeiro não tem direito a ração, e de qualquer jeito não havia café. Tentei ganhar tempo, esticando uma conversa à qual ele só respondia com gestos. Perguntei se não havia café em parte alguma, e disse que havia procurado por toda a cidade, sem encontrar. Acrescentei que realmente gostava de café. Sabe?

"Os cubanos bebem muito café", ele por fim respondeu. Tendo estabelecido uma conexão, eu acenei com a cabeça e perguntei se não seria possível conseguir café em algum lugar. "Não", ele respondeu.

Sério? Talvez alguém, em algum lugar? Nem precisa ser muito. Ele meneou a cabeça; o gesto do talvez.

Quem?

"A Sra. __", respondeu.

E onde posso encontrá-la?

Como se estivesse guiando um cego, ele saiu de trás do balcão, me apanhou pelo braço e me conduziu até a rua. Caminhamos apenas 10 passos, sem mudar de calçada. Ele entrou na primeira porta, e distraidamente apertou o traseiro de uma mulher que estava passando. ("Ei!", ela exclamou, furiosa. "Quem você acha que é?") Paramos na porta de um apartamento localizado imediatamente atrás da loja de produtos racionados. Ele bateu. A porta foi aberta por uma mulher com um bebê no colo.

"Café", ele disse.

Paguei com uma nota de 20 pesos. Ela me deu um pacote de Hola e cinco pesos de troco.

"Só isso?" Era três vezes mais que o preço cobrado na loja, a alguns passos de distância, mas descobri mais tarde que os cubanos também têm de pagar o mesmo ágio.

O homem fez que sim com a cabeça. Seu nome era Jesús.

Voltamos à loja. "Pão?", perguntei. Ele perguntou ao seu chefe, que respondeu com um "não" em volume alto o bastante para que a loja toda ouvisse.

Perguntei de novo. Ele repetiu a pergunta ao chefe. Não ouvi um novo não. Passei-lhe a nota de cinco pesos e recebi cinco pãezinhos.

Depois disso, pude comprar tudo que queria. Em companhia de Jesús, ninguém perguntava coisa alguma. Ninguém me pediu para ver minha caderneta de racionamento, nas compras dos itens básicos, e pelo resto do mês paguei o mesmo preço que os cubanos, pela mesma merda de comida.

PEDESTRE No sexto dia, fui a pé aos subúrbios, saindo de meu bairro, Plaza, e passando por Vedado rumo ao oeste, e pelo imenso cemitério de Colón, que abriga os mausoléus e os anjos alados das famílias ricas do passado cubano, bem como os sepulcros de concreto da classe média. Um jovem chamado Andy caminhou comigo por algum tempo, entusiasmado por aprender mais sobre os Estados Unidos. ("todos queremos viver lá"); ele me convidou para conhecer a barbearia de um amigo. Mais tarde, de novo sozinho, passei por alguns cafés, e estudei com atenção todas as pequenas barracas. Uma delas oferecia "pão com hambúrguer" por 10 pesos, o menor preço que havia visto até então. Mas ainda assim seria um gasto alto demais para aquele dia.

Entrei para o mundo dos pedestres de longo percurso, e percorri uma dúzia de avenidas e mais de 20 ruas ao longo de uma hora; encontrei a pequena ponte sobre o rio Almendares que separa Havana propriamente dita da Grande Havana. Os exilados costumam falar com nostalgia sobre o Almendares, cujo percurso tortuoso é marcado por vinhas e imensas árvores, mas sempre o vi como deprimente ou até mesmo um tanto assustador: uma fronteira úmida e lodosa entre a cidade decadente e as grandes (e dispendiosas) casas dos subúrbios a oeste. De uma ponte baixa perto do oceano, consegui ver o que restava da paisagem marinha: uma dúzia de cascos de navios naufragados, alguns barcos dilapidados usados como moradia, e galpões abandonados que no passado serviam como abrigos de embarcações. Só havia dois barcos em movimento: uma lancha da polícia e um pequeno iate sem mastros de cerca de seis metros de comprimento, aparentemente incapaz de chegar à Flórida.

Virei à direita na Miramar, passando por algumas das maiores mansões de Cuba e diversas embaixadas. É a região "dos endinheirados, das empresas estrangeiras e das pessoas com linhagem", diz uma prostituta no romance "Havana Babylon". "Viver em Miramar, mesmo que em um vaso sanitário, é sinal de distinção".

COMIDA ROUBADA Fui perseguido por duas mulheres que acenavam com uma lata imensa de molho de tomate e gritavam "15 pesos! É para os nossos filhos!" Não parei, mas depois percebi que havia cometido um erro. Ao preço de 15 pesos por uma lata em tamanho restaurante, o molho de tomate seria uma pechincha. Comida roubada é a mais barata. E nada poderia ser mais normal em Cuba do que caminhar carregando uma lata gigante de alguma coisa.

Poucos quarteirões adiante, cheguei por acaso ao Museu do Ministério do Interior. A equipe era formada por mulheres com o uniforme do Minint, com ombreiras verdes e saias na altura do joelho. Informaram-me que o ingresso custava dois CUC. Eu não tinha como pagar, é claro. E quanto custa o ingresso para os cubanos? Pergunta errada. Ninguém pechincha com o Minint.

Eu disse que voltaria outro dia, mas fiz hora no saguão de entrada, que serve como local para exposição: uma bancada de metralhadoras, fotos da grande sede do Minint, perto do meu apartamento, e citações em letras grandes de frases de Raúl Castro e outras autoridades, com elogios aos patriotas do Minint por protegerem o país.

Uma das mulheres, que usava o cabelo preso em um coque severo, estava me observando. Embora eu não tivesse fotografado nada e nem tomado notas, ela parecia astuta.

"Quem é você?", ela perguntou.

Eu sorri e comecei a caminhar para a saída.

"Você é jornalista?", ela quis saber.

"Turista", disse, olhando por sobre os ombros e caminhando apressado para a saída.

"Você tem credencial para vir aqui?", ela me perguntou, de longe.

Continuei a caminhar rumo oeste, por mais meia hora. Estava coberto em suor quando cheguei à casa de Elizardo Sánchez, um dos alvos do Minint.

PROGRESSO Quando contei a Sánchez que havia caminhado até sua casa, como parte de um plano para passar 30 dias vivendo e comendo como um cubano, ele me mostrou sua caderneta.

"O nome disso é caderneta de suprimentos", disse ele, "mas é um sistema de racionamento, o mais duradouro do mundo. Os soviéticos não tiveram racionamento por tanto tempo quanto os cubanos. Nem mesmo o racionamento chinês durou tanto." A escassez surgiu logo depois da revolução; o sistema para a distribuição controlada de bens básicos já estava em funcionamento em 1962.

Depois de 50 anos de Progresso, o país está falido, na prática. Em 2009, ervilhas e batatas foram retiradas da ração e os almoços baratos nos locais de trabalho foram reduzidos às dimensões de lanches rápidos.

"Havia rumores sobre retirar coisas da ração, ou eliminar o sistema de vez", disse Sánchez, sobre boatos que cativam os cubanos. Mas esses rumores desapareceram em 1º de janeiro de 2010, quando novas libretas foram distribuídas, a exemplo de todos os outros anos.

ARTES DOMÉSTICAS Sánchez mantém alegre ignorância quanto às artes domésticas. "Dois quilos de arroz a 25 centavos", ele disse, tentando recordar sua ração mensal. "Acho. E mais meio quilo a 90 centavos. Acho. Vamos perguntar às mulheres. Quanto a isso, elas dominam".

Ele chamou a mulher com quem vive, Barbara. Além de trabalhar como advogada em defesa de prisioneiros políticos, ela cozinha e ajuda sua mãe e uma sócia a manter uma padaria na cozinha de sua casa. Elas compraram uma saca de trigo "à esquerda", o que significa que se trata de farinha roubada, comprada de um contato. O custo foi de 30 pesos. Com isso e uma porção de carne moída comprada clandestinamente no açougue, elas fazem pequenas empanadas vendidas a três pesos a unidade, ou cerca de oito por US$ 1. É assim que Cuba se ajeita: as lojas de produtos racionados têm moradores dos bairros como funcionários; eles roubam ingredientes e os vendem aos vizinhos, que produzem alguma coisa com eles e revendem a esses e outros vizinhos. Oito empanadas seriam um bom almoço, mas US$ 1 era preço fora do meu orçamento. Barbara me deu duas delas, e eu as demoli com uma mordida.

Ela ouviu com expressão neutra, quando expliquei minha tentativa de viver dentro dos limites do racionamento. "É um bom plano de dieta", comentou. Outro dissidente que estava visitando a casa, Richard Rosello, entrou na conversa. Ele tem um caderno no qual anota os preços dos produtos nos mercados paralelos, também conhecidos como mercados clandestinos ou mercados mala preta. "Um problema é a comida", disse Rosello. "Mas também temos o problema de como pagar a conta de luz, o gás, o aluguel. O preço da eletricidade está de quatro a sete vezes mais alto que no passado". Elizardo paga cerca de 150 pesos por mês de eletricidade --um quarto do salário médio cubano.

Como sobreviver, portanto? "Os cubanos inventam alguma coisa", disse Barbara. Um dos truques é vender os bens racionados, comprados a baixo preço, pelo valor de mercado. Foi assim que enfim consegui comprar minha porção de 10 ovos. Sem a caderneta de racionamento, não tinha como comprá-los legalmente. Mas ao anoitecer do dia anterior, eu havia esperado perto da loja de ovos local, onde troquei um olhar com uma mulher idosa que estava saindo com 30 ovos --um mês de suprimento para três pessoas. Ela os comprou a 1,5 peso por unidade, e me vendeu 10 deles por dois pesos cada. Voltou à loja e imediatamente comprou mais ovos, lucrando três ovos e alguma sobra de dinheiro com a transação. Os dois caminhamos de volta para nossas casas cuidadosamente, com medo de desperdiçar toda a ração mensal de proteína por conta de um único tropeço.

Barbara aproveitou para apontar um erro terrível em meu plano. Nos últimos anos, a maioria das fontes fora de Cuba reporta que a ração inclui 2,5 quilos de feijão preto. Mas há anos isso não é verdade. A porção do mês era de apenas 200 gramas.

Dez mil calorias haviam desaparecido do meu mês em um piscar de olhos.

Para atenuar o golpe, Barbara decidiu me convidar para um "típico" almoço cubano. O primeiro prato é arroz --a dois ou 2,5 quilos por mês, esse grão é o alimento básico da dieta cubana. A porção diária de arroz reservada a cada cidadão poderia ser guardada em uma lata de leite condensado. Trata-se de arroz vietnamita de baixa qualidade, conhecido como "creole", "feio" ou "microjet", este último termo uma referência zombeteira a um dos planos de Fidel para irrigar safras agrícolas por meio de um sistema de aspersão por gotas. O almoço típico inclui meia lata de arroz (a outra metade fica para o jantar); era uma massa grudenta, mas minha fome ajudou a considerá-lo saboroso.

Depois, uma terrina de sopa de feijão. Cada terrina continha apenas alguns feijões, mas o caldo era rico, reforçado com ossos de boi. ("20 pesos o quilo, para os ossos", disse Barbara. "Muita gente não tem como comprá-los".)

Eu não comia carne bovina havia seis dias.

Depois, ela me deu meia batata doce. "Muito melhor que a batata comum, em termos de nutrição!", disse Elizardo, de algum lugar do corredor.
Também me serviram um ovo frito, ainda que Elizardo tenha apontado, em novo grito, que "se você comer um ovo hoje, não poderá comer amanhã". Ou depois de amanhã.

O ovo caiu muito bem. Dadas as dimensões reduzidas do meu estômago, a refeição toda, incluindo as duas pequenas empanadas, pareceu perfeitamente adequada. Mastiguei os ossos, extraindo pequenos pedaços de carne. Era minha melhor refeição em alguns dias. Barbara guardou cuidadosamente o óleo da frigideira. Richard, com seu caderninho de preços, expôs a matemática dessa forma de alimentação.

Uma "cesta mensal" de comida racionada (que dura apenas 12 dias) custa 12 pesos por pessoa, de acordo com as contas do governo. Nos 10 dias seguintes de cada mês, as pessoas precisam comprar o mesmo volume de comida por 220 pesos, nos diversos mercados livres, paralelos e negros. E ainda assim isso só conduz o cidadão ao 22º dia do mês. As despesas mensais envolvidas em manter o mesmo padrão de alimentação seriam de 450 pesos --o que supera a renda de milhões de cubanos, e isso sem incluir roupas, transportes ou produtos para a casa.

Ninguém mais consegue comprar pratos e xícaras. Eles são roubados de empresas estatais, quando possível, e vendidos no mercado negro. Quanto a roupas, é preciso comprá-las usadas, em mercados de troca conhecidos como troppings, um trocadilho com o apelido das lojas que vendem em moeda forte. Pessoas cuja comida acaba vasculham latas de lixo ou se tornam alcoólatras para atenuar a dor, disse Richard.

Elizardo voltou à sala. "Não estamos falando do Haiti, ou do Sudão", disse. "As pessoas não caem nas ruas, mortas devido à fome. Por quê? Porque o governo garante dois ou 2,5 quilos de açúcar, que tem alto teor calórico, e uma porção diária de pão, e arroz suficiente. O problema em Cuba não é a comida ou as roupas. É a completa falta de liberdade cívica, e portanto de liberdade econômica, o que é exatamente o motivo para que exista a libreta, para começar".

Como no resto do mundo, o problema da comida na verdade é um problema de acesso, de dinheiro. E o problema de dinheiro é um problema político.

No sétimo dia, eu repousei. Deitado na cama com Victor Hugo, perdido na contemplação daquele teste da bondade humana, era fácil esquecer por uma hora que minhas gengivas doíam, que minha garganta estava repleta de saliva.

Havana está mudando, como as cidades costumam. A região central foi colocada sob o controle de Eusebio Leal Spengler, o historiador da cidade. Leal recebeu prioridade especial para materiais de construção, mão de obra, caminhões, ferramentas, combustível, encanamentos e até mesmo torneiras e vasos sanitários. Mas não é por isso que as pessoas o amam. Em lugar disso, explicou meu amigo, o acesso "privilegiado" a suprimentos significa simplesmente que há mais para roubar.

Uma amiga estava reformando a casa na esperança de alugar aposentos para estrangeiros, e passados alguns minutos ouvimos um caminhão freando na rua, e o estrondo de uma grande buzina. O marido dela me fez um sinal apressado, e abrimos juntos a porta da frente. Havia um caminhão parado à porta. Em 60 segundos, três pessoas, entre as quais eu, descarregaram 250 quilos de sacos de cimento Portland. O marido passou algum dinheiro ao motorista, notas amarfanhadas, e o caminhão partiu imediatamente.

O caminhoneiro havia faturado com material de construção destinado a alguma obra. Passamos meia hora transferindo o cimento a um canto escuro de um quarto dos fundos, recobrindo os sacos com uma lona, porque as letras da embalagem eram impressas em azul, o que configura propriedade do Estado. Os sacos com letras verdes são destinados à construção de escolas. Os sacos reservados ao uso dos cidadãos comuns vêm impressos em vermelho, e custam US$ 6 a unidade, nas lojas do Estado.

Ao contrário da maioria dos funcionários cubanos, Leal de fato fez diferença na vida dos cidadãos. Reconstruiu os velhos hotéis; meus amigos roubaram 250 quilos de cimento para construir seu novo bangalô para turistas. Restaurou um museu, e meus amigos roubaram telhas de zinco para os telhados. Enviou caminhões carregados de madeira ao bairro, e metade da carga desapareceu.

Tudo é propriedade do Estado. As pessoas se apoderam de tudo. Um sistema de racionamento operando em modo reverso.

Ajudar no roubo do cimento foi meu primeiro grande sucesso. Por meia hora de trabalho, recebi um prato imenso de arroz com feijão vermelho, acompanhado por uma banana e uma porção de picadillo --pelo menos 800 calorias.

SEGUNDA SEMANA A segunda semana foi mais fácil. As duas pequenas prateleiras do apartamento estavam bem abastecidas de arroz e feijão, algumas batatas doces compradas por 1,70 peso o quilo, e minha garrafa de uísque contrabandeado, ainda pela metade. Eu tinha nove ovos, depois oito, e depois sete, ainda que a geladeira fora isso estivesse vazia.

Deixei de lado luxos como os sanduíches (ou sanduíche --comprei só um, e a despesa ainda me causava pesadelos). No décimo dia, constatei que me restavam 100 pesos. Como no caso dos ovos, eu era capaz de imaginar uma lenta e cuidadosa redução ao longo dos próximos 20 dias, mas tanto meu orçamento quanto minha dieta podiam ser arruinados caso eu tropeçasse e deixasse uma gema cair no chão.

Tudo dependia de quanto o arroz duraria. Já que só me restavam cinco pesos por dia para gastar, eu não poderia mais fazer compras grandes durante a minha estadia. Aprendi a controlar o apetite e a passar sem me deter pelas filas de cubanos que adquirem pequenas bolas de farinha frita a um peso. Meu único luxo foi uma barra de manteiga de amendoim endurecida, produzida artesanalmente por agricultores, que comprei por cinco pesos em um agro.

Com cuidado, essa barra de tamanho equivalente a seis colherinhas de amendoim moído rusticamente e pesadamente açucarado podia durar até dois dias. É normal ver os campesinos mais pobres mascando essas barras, que eles embrulham cuidadosamente e guardam depois de cada mordida.

TRABALHO Outra coisa que eu tinha em comum com a maioria dos cubanos é que absolutamente não trabalhei durante meus 30 dias. O que significa que trabalhei muito e com grande frequência em meus projetos pessoais.

Carreguei cimento e removi cascalho por dinheiro, e escrevi bastante, mas não se tratava de trabalho para o Estado, o tipo de trabalho computado nas contas da Cuba oficial, onde mais de 90% das pessoas são funcionários do Estado.

Por que procurar emprego? Ninguém leva seu trabalho a sério, e a piada mais velha de Havana continua a ser a melhor: "Eles fingem que nos pagam, nós fingimos que trabalhamos".

Os cubanos que ignoram convocações oficiais ao trabalho podem ser acusados de serem "elementos perigosos", um delito vago e passível de pena de até quatro anos de prisão. Ser um elemento perigoso é um "pré-crime", disse Elizardo Sánchez --como se a polícia tentasse cortar pela raiz as atitudes negativas antes que a pessoa tenha a oportunidade de cometer um crime real.

Há campanhas regulares para deter os jovens que tentem evitar o trabalho estatal e o serviço militar, e este ano elas se provaram especialmente vigorosas, um sinal de nervosismo. "Não é fácil se esconder do governo", disse Sánchez. "Os meninos precisam se registrar para futuro serviço militar aos 15 anos de idade. Às vezes tentam mudar de endereço, mas não funciona. Para um jovem, é difícil permanecer escondido. Cuba é uma sociedade de arquivos. Da primeira série em diante, a polícia para crianças nas ruas e lhes solicita documentos de identidade. Podem fazer contato pelo rádio e pegar a ficha completa".

CARAMELO Com isso, eu tinha tempo de sobra. Naquela noite, ouvi música ao longe e encontrei uma série de palcos montados ao longo da rua 23, e assisti a um bom show de rock sob a luz da lua. Sentei-me no pedestal de alguma obscuridade heróica --uma mãe estendo os braços para entregar o filho à batalha. Depois de algum tempo, uma menininha de sete ou oito anos se aproximou e sentou perto de mim.

"Caramelo?", disse. (Doce?)

"Não tenho".

"Nenhum?"

"Nada".

"Mas nenhum, mesmo?"

"Não".

Então vieram as perguntas usuais: de onde você vem, onde mora, por que está por aqui. E de novo: "Não tem dinheiro nenhum?"

"Não tenho".

"Mas os estrangeiros sempre têm muito dinheiro".

"Sim, tenho dinheiro no meu pais. Aqui, vivo como se fosse cubano".
"Me dá um peso?"

Não posso. A verdade, pequena, é que estou no meio de um jogo. Estou fingindo ser pobre. Estou vivendo como seus pais, por algum tempo. Não como há nove horas. Nos 11 últimos dias, comi 12 mil calorias a menos do que minha dieta normal disporia. Meu dentes doem muito.

Ou, traduzido para o espanhol: "Não".

MIL CALORIAS Por fim, voltei para casa, onde uma celebração muito desejada me aguardava. Era sexta-feira, a noite da semana em que eu comeria carne. Ainda que o dia até aquele momento tivesse sido um de meus piores --apenas mil calorias até as 21h, e longas caminhadas-, estava determinado a compensar tudo aquilo com um banquete. Preparei arroz, e cozinhei uma batata doce na panela de pressão --que os cubanos apelidam de "aquela que Fidel nos deu", porque foram as panelas distribuídas como parte de um esquema de economia de energia. Também tomei uma preciosa dose de uísque com gelo (250 calorias), tudo isso acompanhado por arroz e feijão que sobraram do dia anterior. Por necessidade, servi apenas porções pequenas.

Do refrigerador, tirei minha proteína: um dos quatro filés de frango empanados a que tinha direito para o mês. Acendi o fogão com cuidado, e fritei o filé até que sua crosta ficasse escura, ainda que ao servi-lo o interior estivesse frio e úmido. Não era carne de frango. Não era nem mesmo a "mistura de frango" que a embalagem dizia ser. Os principais ingredientes mencionados eram pasta de soja e trigo. Uma inspeção mais cuidadosa revelou que o teor de carne de frango era zero. Eu estava comendo uma esponja empanada, com apenas 180 calorias. Ah, meu reino por um McNugget.

Por fim, cruzei a barreira das duas mil calorias pela primeira vez em 10 dias --por pouco. Descontando os muitos quilômetros de caminhadas e alguns minutos de dança, retornei à familiar referência das 1,7 mil calorias. Mas pelo menos estava de barriga cheia quando fui dormir.

Ou era o que eu imaginava. Depois de duas horas de sono, acordei com insônia, a companheira da fome. Fiquei na cama da uma da manhã até o alvorecer, cinco horas de briga contra mosquitos e de leitura de Victor Hugo e Alexandre Dumas père.

Ainda assim, não é possível comparar minha situação a uma fome real. Como aponta Hugo: "Por trás da arte de viver com muito pouco, está a arte de viver com nada". Mergulhei nos milhares de páginas da França do século 19, em dois escritores que descrevem revoluções, marchas forçadas e fome real. "Quando a pessoa não comeu", escreve Hugo, "a sensação é muito estranha... Ela rumina aquela coisa inexprimível, a amargura. Uma coisa horrível, que envolve dias sem pão e noites sem sono". E assim chegou a aurora, minha 12ª.

TELEFONEMA Repentinamente, sorte e felicidade. Na noite seguinte, eu estava sentado à porta do meu edifício, observando a rua, quando meu vizinho se aproximou vindo do beco, trazendo um telefone. Um telefonema. Para mim.

Era a amiga de um amigo, em visita a Cuba com seu namorado. Os dois eram claramente norte-americanos, do tipo "que bom que nós existimos", e eu imediatamente farejei a possibilidade de uma refeição grátis. O casal havia chegado a Havana e, porque não conheciam a cidade e nem falavam espanhol, me convidaram para jantar.

Saímos a passeio pelas ruas de Vedado, e eu evitei cuidadosamente pedir comida, tentando parecer estóico. Jantamos em um restaurante para turistas, e pela primeira vez desde minha chegada comi carne de porco.

Na tarde seguinte, voltamos a nos encontrar. Eu os levei a uma cerimônia de iniciação na Santería, uma hora de tambores e calor sufocante em um pequeno apartamento, durante a qual pelo menos três pessoas foram possuídas por espíritos. Depois, recebi novo convite para jantar em um restaurante elegante.

Mais carne de porco!

Os cubanos preparam lechón, um inocente leitãozinho, marinado em um molho de alho e laranjas azedas, e cozinham o prato por muitas horas; a carne fica macia a ponto de poder ser comida com a colher. Para acompanhar a reluzente proteína e gordura, serviram-nos arroz com feijão, exatamente aquilo que eu comia duas vezes por dia em meu apartamento. A porção servida equivalia a quatro refeições para mim, expliquei.
"Desculpe", disse o namorado enquanto se servia, "mas vou comer sua quinta-feira".

Como as centenas de cubanos a quem servi de anfitrião ao longo dos anos, tive de trabalhar pela minha comida. Falei sobre a história dos cultos afrocubanos. Sobre a história de edifícios que nunca visto. Sobre a ilha vista pelos olhos de Capone, Lansky, Churchill e Hemingway. Fiz piadas sobre o socialismo. Discorri sobre a arte do racionamento. O segredo do daiquiri. Nas duas noites, comi carne de porco, acompanhada por arroz e feijão e um par de coquetéis.

A despeito da carne, não registrei grande avanço nas calorias consumidas --apenas 2,1 mil ao dia, ante minhas 1,7 mil usuais. Mas as refeições ajudaram meu bem estar psicológico. Eu havia conseguido uma folga, como que um feriado, depois da ansiedade causada pela redução de meu estoque de alimentos básicos.

LIXO Na manhã seguinte, encontrei uma mulher vasculhando meu lixo. Ela estava em busca de garrafas de vidro ou qualquer outra coisa de valor. Dei-lhe minhas calças de zíper enguiçado. Ela tinha 84 anos, a idade de minha mãe, e vivia com uma aposentadoria de 212 pesos ao mês, ou pouco mais de US$ 8. Vasculhava latas de lixo em busca de produtos aproveitáveis --para fúria de minha faxineira, que considerava ter direito ao conteúdo das latas- e trabalhava como colera, ou profissional de espera em filas, para cinco famílias moradoras do quarteirão.

Ela levava suas cadernetas de racionamento à bodega, retirava e entregava os mantimentos a elas, e por esse trabalho recebia cerca de 133 pesos. Estava usando uma bombinha de asma que custava 20 pesos, ou cerca de 75 centavos de dólar, mas apenas a primeira dose era comprada a esse preço; se a pessoa precisasse de mais de uma ao mês, teria de recorrer ao mercado negro, pagando alguns dólares por unidade.

Para agradecer pelas minhas calças, ela informou que a padaria "livre" tinha estoque. Estava falando da padaria não racionada, onde qualquer pessoa está autorizada a comprar pão. O preço é quatro vezes mais alto que o das padarias racionadas, mas há muito mais pão. Apanhei uma sacola plástica e caminhei oito quarteirões (passando por três padarias racionadas que estavam fechadas) para comprar um pão inteiro por 10 pesos.

No meu caminho de volta, uma mulher que ia na direção oposta perguntou: "A padaria tem pão?", e acelerou o passo, diante da resposta.

Depois, quando passei por dois homens que jogavam xadrez sob uma figueira, um deles fez a mesma pergunta.

"Sim, há pão", respondi.

Os dois guardaram as peças, enrolaram o tabuleiro e se foram na direção da padaria.
Meu café da manhã havia sido uma pequena e dura banana da terra, comprada de um homem em um beco. Com café e açúcar, ela representava menos de 200 calorias. O almoço consistiu de um ovo acompanhado por duas fatias do pão que eu tinha comprado, ou seja, mais 380 calorias.

Eu tinha US$ 3 na carteira, e mais 17 dias para sobreviver.

Um erro catastrófico. Andei a tarde toda, e o teor de açúcar no meu sangue estava baixo. Quando passei por um beco curto no qual havia um cartaz com a palavra "pizza", parei e pedi uma. A pizza básica --um disco de 15 centímetros de massa tenuamente recoberto de ketchup e um pouquinho de queijo- custa 10 pesos, mas cedi a um impulso e pedi uma especial, com chorizo. Assim, meu lanche custaria 15 pesos.

No meu apartamento, coloquei a pizza na mesa e a contemplei, horrorizado. Os 15 pesos equivaliam a horríveis US$ 0,60, e estourariam meu orçamento. Pelo mesmo montante, eu poderia ter comprado quilos de arroz.

Contemplando a minúscula pizza, menor que uma fatia de pizza norte-americana, comecei a tremer e tive de me sentar. De repente, comecei a chorar. Por bons 10 minutos, solucei e me amaldiçoei. Imbecil! Tolo! Idiota!

TENSÃO Eu havia gasto um quinto do dinheiro que me restava por impulso, e agora só tinha 64 pesos para viver pelos próximos 17 dias. O que me aconteceria? O que eu comeria quando meus feijões, cujo estoque já estava baixo, acabassem? E se eu cometesse outro erro? E se fosse roubado? Como chegaria ao aeroporto no último dia se não tivesse nem mesmo alguns centavos para pagar o ônibus?

Chorar libera não só tensão e medo como endorfinas. A pizza e eu esfriamos juntos. Comi com cuidado, usando garfo e faca, e bebendo água gelada. A "refeição" durou menos de dois minutos. Foi o ponto mais baixo do meu mês.

Algum tempo depois, bateram à minha porta. A filha de um dos vizinhos estava do lado de fora. "Patri!", ela gritou. "Patri!"

Abri a porta e ela me entregou uma caixa de sapatos. Era pesada, e estava envolta em fita adesiva. Um visitante havia passado por lá --outro norte-americano que estava em visita a Cuba-, e quando a abri encontrei um bilhete da minha mulher e do meu filho pequeno, e três dúzias de biscoitos de chá feitos em casa.

Comi 10 deles. Da emboscada à fuga. Das lágrimas à paz. Da danação à alegria. Racionei o restante dos biscoitos: cinco ao dia até que o estoque se reduzisse, e depois dois ao dia; por fim, desmontei a caixa com uma faca e comi as migalhas que encontrei nos cantos.

ESPELHO Uma vez por dia, eu cedia à vaidade e me olhava no espelho sem camisa, vendo um homem que não contemplava há 15 anos. Eu havia perdido primeiro dois, depois três, por fim quatro quilos. Mas estômago e mente se ajustaram com facilidade assustadora.

Minha primeira semana havia sido dolorosa e acompanhada por uma fome mortal. A segunda, dolorosa e apenas moderadamente faminta. Agora, na terceira, ainda que estivesse comendo menos que nunca, me sentia tranquilo, tanto física quanto mentalmente.
O dia havia sido o pior da viagem até aquele momento, com apenas 1,2 mil calorias consumidas, o equivalente ao que os prisioneiros norte-americanos recebiam dos japoneses durante a Segunda Guerra Mundial.
Voltei à casa dos meus amigos ladrões de cimento e, depois de uma longa espera, a mulher me cozinhou um jantar generoso, rolando de rir da minha "experiência". Ela fritou (em óleo roubado de uma escola) uma porção de carne de frango moída (comprada de um amigo que a roubara), e serviu com arroz "feio" da ração e uma pequena beterraba. Depois da refeição, ela até me fez gemada, mas em porção cubana --um golinho, em uma xícara pequena de café. Também comi algumas colheradas de papaia (um peso a porção, em um mercado barato que ela recomendou), cozido com xarope de açúcar.

"É impossível", ela disse, sobre minha tentativa de ser oficialmente cubano. Para sobreviver, todo mundo precisa de "algo extra", alguma renda excluída do sistema. O marido dela alugava um quarto para um turista sexual norueguês. A vizinha vendia almoços a trabalhadores de uma empresa cujo refeitório fora fechado recentemente. A mãe dela caminhava pelas ruas com uma garrafa térmica e xícara, vendendo cafezinhos. Uma vizinha na rua ao lado roubava óleo de cozinha e revendia por 20 pesos a garrafa de meio litro. Outra vizinha roubava carne de frango e a vendia por 33 pesos o quilo. ("Boa qualidade, preço muito bom, você devia comprar", ela aconselhou.)

A refeição que ela serviu foi a única que comi naquela dia, e as calorias consumidas foram compensadas por uma espantosa caminhada não através de Havana mas em torno da cidade, um circuito extenso pelas ruas carcomidas, passando por grandes hotéis, casas encardidas, pessoas dormindo sem teto e sentadas em caixotes, sem descanso, as horas da manhã, tarde e noitinha girando, pelas largas avenidas e becos estreitos, passando por Plaza, Vedado, Centro, Velha Havana e chegando a Cerro antes de voltar a Plaza de novo, três, seis, 10, 13 quilômetros, passando pela estação rodoviária, estádio de futebol, os sapatos furados de tanto andar, até que voltei para dormir.

Meus pés estavam doloridos. Mas meu estômago não tinha queixas.

Eu costumava dizer que, em Cuba, 10% de tudo era roubado, para revenda ou reaproveitamento. Agora creio que a proporção real seja de 50%. O crime é o sistema.
Na calçada diante da minha loja de produtos racionados, um dia, vi um adolescente com cabelo cortado em estilo punk, sentado em seu reluzente Mitsubishi Lancer, de motor ligado, e brincando com o que achei ser um iPhone. "Não é um iPhone", ele me corrigiu. "É um iPod Touch".

O aparelho é vendido por US$ 200, ou 5,3 mil pesos. Algumas pessoas têm dinheiro, mesmo aqui. A única certeza é a de que não ganham esse dinheiro de nenhuma maneira legítima.

Caminhei até o amplo hotel Riviera, cujo salão de jogos de azar foi fechado devido à nacionalização apenas um ano depois de inaugurado. (O proprietário, Meyer Lanski, disse, famosamente, que "tive azar nos dados".) Pesei-me na balança da academia de ginástica: 90 quilos. Em 18 dias, eu havia perdido quase cinco quilos, um ritmo de redução de peso que teria resultado em hospitalização nos Estados Unidos.

A caminho de casa, uma mulher perguntou onde passava o ônibus P2. Atrapalhei-me para responder. "Ah, achei que você fosse cubano", ela disse. Mude de peso, mude de nacionalidade. Ri de seu engano e continuei andando, mas não demorou um minuto para que ela me seguisse.

"Ei, me leve para almoçar", ela disse. "Onde você quiser". Fiz que não com a cabeça. "Almoço", ela disse, enquanto eu me afastava. "Jantar. Como preferir".

Em casa, abri a geladeira e contei os cinco ovos que me restavam.

Como a mulher em busca do P2, eu havia me tornado direto. Caminhei três quilômetros até Cerro, um bairro perigoso. Passei por um beco no qual restos enferrujados de caminhões repousavam, por um estádio esportivo derruído, por um parque de vegetação descuidada, por um bosque, e cheguei à porta de entrada do Ministério do Interior. É o famoso edifício com uma estátua gigante de Che Guevara. Dois soldados de boinas vermelhas estavam de guarda.

O edifício do Minint costuma ser fotografado o tempo todo, devido à escultura de Che que o tornou famoso, mas ninguém quer entrar. Ignorei os guardas e continuei caminhando pelo asfalto rachado da imensa Plaza da Revolución. Do lado oposto, caminhando com cuidado, passei pela entrada de um edifício baixo mas colossal, posicionado ao final de uma larga esplanada. Era o Conselho de Estado, o núcleo do sistema revolucionário; nele, Raúl Castro comanda o trabalho dos principais funcionários cubanos. Soldados das forças especiais armados de pistolas e cassetetes protegem a entrada; o governo se sente seguro a ponto de ter apenas um par de pistolas me separando de Raúl.

Caminhando a esmo, e ocasionalmente em círculos, passei por Cerro e outros bairros até encontrar a casa de Oswaldo Payá, um dos mais importantes dissidentes de Cuba. Falamos de política, cultura, neoliberalismo e direitos humanos, mas o que me chamou a atenção foi sua situação econômica pessoal. "Meu salário é de 495 pesos por mês", disse. "Isso equivale a cerca de 10 refeições para quatro ou cinco pessoas. Os salários não cobrem um quinto de nossas necessidades alimentícias.

Um sanduíche de 10 pesos e um refrigerante de um peso consomem metade do meu salário diário. Se somarmos a despesa de ir ao trabalho e voltar para casa, e os meus três filhos que estão na escola, precisamos de 10 a 12 pesos por dia para transporte --ou seja, 50% a 60% da renda familiar total". Ele sobrevive graças a um irmão que vive na Espanha e envia dinheiro.

"O paradoxo é que os trabalhadores são as pessoas mais pobres de Cuba. Vivemos todos pior que o sujeito que vende cachorro quente no posto de gasolina da esquina" (uma empresa autorizada a vender em moeda forte). A maioria das pessoas não tem CUC, e voltam para casa famintas a cada noite.

"Não digo que tudo em Cuba seja ruim, ou terrível. Temos esquemas de distribuição para alimentar os pobres, para conceder benefícios. Mas essa é outra forma de dominação, mantendo as pessoas pobres para sempre. Se minhas mãos estivessem livres, eu abriria um negócio e me sustentaria sozinho".

Perguntei-lhe onde alguém poderia conseguir dinheiro para um iPod Touch ou qualquer das outras engenhocas, produtos de luxo, carros moderno, aparelhos de som e roupas elegantes que são cada vez mais comuns em Cuba. "Viver de salário equivale a ser pobre", disse. "Todos precisam roubar o sistema para sobreviver. É a corrupção tolerada da sobrevivência". Uma minúscula classe média emergiu: "Empresários, quase todos antigos funcionários do governo, pessoas que operam restaurantes. São todos ligados ao regime.

A maioria ex-militares ou funcionários do Ministério do Exterior, e assim por diante. Pessoas bem conectadas. Estão dentro do sistema. São intocáveis". E existe um terceiro grupo, incrivelmente pequeno e "indescritivelmente" próspero, dentro da liderança, "com casas grandes, viagens ao exterior, tudo. O povo cubano sabe que esse grupo existe, mas ninguém jamais os vê, não há como".

Ao longo de uma hora de conversa, sua mulher, Ofelia, empregada doméstica e também ativista dos direitos humanos, me serviu um copo de suco de abacaxi. Quando o assunto estava se esgotando, Oswaldo insistiu que eu voltasse para uma refeição e um mojito, "quando quiser".

Não saí da cadeira. A conversa sobre futuras refeições me deixou com água na boca. Ofelia percebeu, e logo ouvi o ruído de fritura na cozinha. Comemos sopa de tomate, arroz e lentilhas amarelas. Ela serviu uma porção de proteína, uma mistura cinzenta que pensei ser picadillo do governo porque tinha gosto de soja e restos de alguma coisa que um dia tivesse sido um animal.

Mas Ofelia tirou a embalagem da cesta de lixo. Era carne de peru "separada mecanicamente" produzida pela Cargill, dos Estados Unidos, parte das centenas de milhões de dólares em produtos agrícolas vendidos a Cuba a cada ano sob uma cláusula de isenção do embargo. Era quase intragável, mesmo com a fome que eu sentia, mas Ofelia tinha um sorriso largo nos lábios. "Muito melhor que o peru que comprávamos antes", disse.

Quando eu estava saindo, Oswaldo tentou me dar 10 pesos. "Qualquer cubano faria isso por você", disse. Ele me aconselhou a gastar o dinheiro em comida, mas recusei, devolvendo as notas. Não podia aceitar dinheiro de uma fonte, ainda que meus escrúpulos não se estendessem a recusar uma refeição. Ele insistiu. No final, para evitar a caminhada de volta à minha casa, aceitei uma moeda de um peso para o ônibus.

Oswaldo caminhou comigo pelas ruas de seu bairro perigoso, repletas de adolescentes que nos encaravam, e me levou ao ponto de ônibus.

"Use calças compridas", foi seu conselho final. Só turistas circulam de shorts.

BEBIDA Fazia tempo que meu uísque havia acabado, e era difícil apreciar Cuba sem beber. Oswaldo Payá reforçou essa sensação ao dizer que "uma boa bebida é um dos direitos que todos temos". Era hora de fazer algo para beber.

O único alimento que eu tinha de sobra era açúcar --eu nem me dera ao trabalho de comprar minha cota de açúcar bruto, porque em três semanas havia consumido menos da metade de meus 2,5 quilos de açúcar refinado.

Fazer rum é um processo simples, ao menos em teoria. Açúcar mais fermento resultam em álcool. Destilar o produto resulta em álcool ainda mais forte. Eu jamais havia destilado álcool, mas tinha visitado a destilaria Bushmills, na Irlanda do Norte, pouco antes da viagem a Cuba e, reforçado com anotações baseadas no livro "Chasing the White Dog", de Max Watman, decidi que procuraria a felicidade alcoólica, mesmo que aos tropeços.

O primeiro passo é produzir um mosto, ou solução de baixo teor alcoólico. Eu já tinha o açúcar. Fui a uma padaria livre, onde uma multidão de consumidores desapontados esperava que as máquinas produzissem uma nova fornada de pães. Na porta dos fundos, chamei uma padeira com um gesto e perguntei se podia comprar fermento.

"Não", ela disse. "Não temos o suficiente nem para nós". Seguindo o ritual ao qual já me acostumara, continuei a conversa, tentando conquistar sua atenção, e não demorou para que ela esticasse o braço pela cerca e me desse meio saco de fermento --fabricado na Inglaterra. Tentei pagar, mas ela recusou.

Depois de submeter a prosa de Watman a engenharia reversa com a ajuda de uma calculadora, só me restava esperar que minhas contas estivessem mais ou menos certas. Um quilo de açúcar requereria cerca de quatro litros de água. Bem ao estilo de Havana, a água provou ser o maior obstáculo: a água encanada da cidade vem repleta de magnésio. Meu senhorio tinha um filtro de água coreana, mas estava quebrado.

DESTILAÇÃO Demorei 36 horas para conseguir um galão de água purificada. Em seguida, poli minha panela de pressão, testei e remendei suas vedações de borracha; submeti a panela a uma esterilização e coloquei água e açúcar lá dentro. Misturei, fechei e esperei. Passadas quatro horas, a panela de pressão estava borbulhando com uma espuma turva de tom marrom e cheiro mortífero.

Destilar requer uma mangueira. Tentei uma loja de artigos para a casa em um shopping center que vende em moeda forte, em Malecón, e depois uma loja de ferramentas. Por fim, perguntei a um frentista em um posto de gasolina. Ele me aconselhou a procurar um homem que fica posicionado na 3ª Avenida, ao lado de uma mesinha dobrável.

Depois de muita discussão sobre álcool, esse homem de mãos e feições encobertas pela graxa, um encanador clandestino vindo do Brasil, me deu uma mangueira de cerca de um metro, bem suja. Tentei por duas horas remover a graxa endurecida do interior do tubo. Usei calor, sabão, um trapo e um cabide de roupas retorcido, mas sem resultado.

Por fim, pedi a um jardineiro que trabalhava em um jardim do bairro se ele podia me conseguir uma mangueira apropriada à destilação de aguardente. O pedido lhe pareceu a coisa mais natural do mundo e, meia hora depois, ele me entregou um metro de mangueira cortado do jardim de alguém.

Pelos dois dias seguintes, verifiquei o líquido na panela de pressão. A mistura estava atraindo drosófilas e borbulhava baixinho.

Os deuses estavam sorrindo, e também as prostitutas. Eu vinha há mais de uma semana me esquivando às atenções de uma jovem que caminhava pelas ruas próximas de meu apartamento. Era um exemplo clássico da economia cubana em ação: calças justíssimas, correntes douradas, sombra azul nos olhos, sandálias com salto plataforma e unhas postiças de acrílico pintadas nas cores da bandeira cubana.

"Psst", ela dizia ao passar, chamando minha atenção para esses atributos. Eu muitas vezes costumava me sentar na escadaria do meu prédio, a fim de aliviar a sensação de estar aprisionado no pequeno apartamento. Ela me olhava pelo portão de ferro, ao passar, e me chamava. Psst.

Eu resistia ao apelo. Mas a jovem, como muitas prostitutas cubanas com quem conversei, era uma mulher charmosa e inteligente lutando para sobreviver, por sob as propostas do tipo "jewwannafuckeefuckee". Conversamos uma vez, e voltamos a fazê-lo dias mais tarde. Nossa terceira conversa foi longa. Ela tentava o tempo todo ser convidada a entrar no meu apartamento --eu tinha fogo para seu cigarro? Um cafezinho? Uma cerveja ou refrigerante?- e eu nem cedia e nem recusava, porque as histórias dela me divertiam.

Em dado momento, o som de um celular surgiu de seu decote. Ela atendeu, e travou uma conversação tendenciosa, em inglês. Quando desligou, ela disse: "Ele quer comer meu rabo". Cogerme em el culo. Os cubanos, especialmente as prostitutas, não fazem rodeios quanto a sexo. Ou raça. "Os negros sempre querem sexo anal", ela continuou. "Não gosto de negros, mesmo que me considere negra, e minha irmã é negra, mas acho que os negros cheiram mal. O sujeito tem muito dinheiro. É um homem importante nas ilhas Cayman, e rico de verdade. Ele me ofereceu US$ 150, e eu recusei. Agora disse que quer me pagar US$ 300 só por um jantar".

"Duvido muito", eu disse.

"Pois é. Sempre digo a ele para ligar para minha prima. Ela adora negros".

Todas as nossas conversas tanto começavam quanto se encerravam com uma proposta. Porque, ao longo de uma semana, eu havia recusado repetidamente os seus convites, ela disse: "Eu achei que você fosse pato". O quê? "Você sabe, maricón. Um gay. Homossexual".

Ela é enfermeira, tem 24 anos, vive em Holguín. Para conseguir mais tempo de férias, trabalha turnos de 12 horas, e depois, a cada quatro ou seis meses, vai a Havana para um longo intervalo "no qual me dedico a isso", disse. Em um raro momento de eufemismo, se definiu como dama de acompañamiento.

"A maioria das meninas tem cafetões, mas eu não; preciso me defender sozinha". Além do celular, seu decote oculta uma pequena faca serrilhada, cuja lâmina ela estendeu e exibiu.

"Você sabe por que fazemos isso", disse, "não é? É a única maneira de sobreviver. Tenho uma filha e a amo muito. É uma menina preciosa. Sinto muito sua falta. É por ela que faço isso. Que tal me dar US$ 100 e a gente sobe agora?" (Ela mais tarde me ofereceria o "preço cubano" de US$ 50.)

Eu disse a ela que não tinha dinheiro. Expliquei o que estava fazendo. A ração. O salário. Os cinco quilos que eu tinha perdido. "Não tenho nem um peso", disse. Ela pediu uma caneta, anotou seu telefone e me entregou o papel. Depois, tirou de um dos bolsos minúsculos de sua calça justa uma moeda de um peso, e me entregou.

"Para você me telefonar", disse.

Foi mais um dia terrível no que tange à comida, meu pior até aquele momento. Do alvorecer à meia-noite, comi arroz, feijão e açúcar em valor nutritivo de pouco mais de mil calorias. Acordei às três da manhã seguinte e terminei o arroz. Só me restava um pouco de feijão, duas batatas doces, algumas bananas da terra mirradas, três ovos e um quarto de repolho. Faltavam nove dias.

Fui à loja de produtos racionados, procurei Jesús e comprei café, meio quilo de arroz e um pouco de pão --tudo a preços cubanos, um total de 14 pesos, ou cerca de US$ 0,60. Com isso meu dinheiro acabou. Mas essas sobras de comida, a generosidade de diversos cubanos e meu estômago contraído para o tamanho de uma noz garantiram que fosse o bastante. Eu sabia que cumpriria meu plano até o fim.

No dia seguinte, fui a pé até a casa de Elizardo Sánchez, o ativista dos direitos humanos. Setenta minutos de caminhada para ir e 70 para voltar. "Tudo está bem, agora", eu lhe disse, delirando com a falta de açúcar no sangue. "Até prostitutas estão me dando dinheiro".

Passei uma hora em sua casa. Ele me ofereceu um copo de água.

Por fim chegou o grande dia da fuga. Não minha partida, que só aconteceria oito dias mais tarde, mas sim o álcool. O líquido marrom parara de borbulhar depois de quatro dias --quando o teor alcoólico atinge os 13%, o fermento remanescente morre.

Esterilizei a mangueira e, dobrando um cabide, afixei-a à válvula no topo da panela de pressão. Acendi um fósforo e, em 10 minutos, tinha vapor de álcool, transferido pela mangueira para se condensar em forma líquida na garrafa vazia de uísque, posicionada em uma vasilha cheia de gelo.

ÁLCOOL TÓXICO Demonstrando minha ignorância, e desonrando minhas origens na Virgínia, eu havia cozinhado a mistura a uma temperatura alta demais, e não removi a camada inicial de álcool de baixa qualidade, ou até mesmo tóxico. Mas quatro horas de cozimento produziram um litro de uma bebida leitosa, e em minha ingenuidade decidi suspender o processo antes que os restos caíssem na garrafa e estragassem o sabor.

Eu deveria ter feito uma segunda destilação, para produzir um rum mais fino, mas nem tentei. Às quatro da tarde, por fim pude me sentar, tendo em mãos um copo de rum esbranquiçado e quente.

Comecei a beber e em 30 segundos já estava com dor de estômago. O teor alcoólico da bebida era baixo, mas minha tolerância também, e não demorou muito para que eu começasse a rir à toa. O jardineiro veio para provar uma dose, com um ar tristonho no rosto. Acordei à meia-noite, de ressaca, e o padrão se manteve durante minha semana final de estadia. Dor de estômago instantânea, embriaguez amena, dor de cabeça. Mas as duas ou três horas que separavam esses estados valiam muito a pena. Quando saí de Havana, não restava nem uma gota de aguardente.
Tampouco restava muito de mim. Na metade de fevereiro, caminhei pela última vez até o Riviera e me pesei na academia. Estava mais de cinco quilos abaixo do peso que tinha ao chegar.

Mais de cinco quilos perdidos em 30 dias. Eu tinha consumido 40 mil calorias a menos do que estava acostumado. A esse ritmo, eu estaria magro como um cubano por volta do segundo trimestre; e morto antes do final do ano.

Concluí a estadia com algumas refeições minúsculas --acabei com o arroz feio, comi a última batata doce e um quarto de repolho. No dia anterior à partida, recorri à reserva para emergências e comi os palitos de gergelim do avião (60 calorias), acompanhados pela lata de suco de frutas contrabandeada das Bahamas (180). O sabor do líquido vermelho foi um choque: amargo por conta do ácido ascórbico e repleto de açúcar, a fim de imitar o sabor de um suco real. Foi como beber plástico.

FIM Meus gastos totais com comida foram de US$ 15,08 ao longo do mês. Ao final, eu tinha lido nove livros, dois dos quais com mais de mil páginas, e escrito boa parte deste artigo. Vivi com o salário de um intelectual cubano e, de fato, sempre escrevo melhor, ou ao menos mais rápido, se estou sem grana.

Minha última manhã: sem desjejum, para complementar o jantar que não tive na noite anterior. Usei a moeda que ganhei de uma prostituta para apanhar um ônibus até perto do aeroporto. Tive de caminhar os 45 minutos finais até o terminal; quase desmaiei no caminho.

Houve um momento tragicômico, no qual homens uniformizados me tiraram da fila do detector de metais porque um agente da imigração achou que eu tinha excedido os 30 dias de permanência do meu visto. Foi preciso três pessoas, contando repetidamente nos dedos, para provar que aquele era o 30º dia.

Jantei e almocei nas Bahamas e engordei quase dois quilos. De volta aos EUA, ganhei mais três quilos antes que o mês acabasse. Estava de volta à minha nacionalidade --e ao meu peso.

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Recomendação final (PRA):
Sugiro que os amigos do regime comunista cubano repitam a experiência deste jornalista americano. Ele, ao que parece, foi pelo menos honesto em cumprir o prometido, e contar como fez.

O Big Brother em acao: George Orwell is alive and kicking...

O Estado mais orwelliano do mundo, o que recomendaria uma segunda edição, revista e atualizada de 1984, mostra que é possível, pelo menos temporariamente, controlar o fluxo das informações nesta era de internet amplamente acessível.
Mesmo sendo disseminado o uso da internet na China, seus mandarins -- e hackers contratados especialmente para estes objetivos, espécies de thugs sob o comando do Grande Irmão -- demonstram que é possível, sim, isolar mais de um bilhão de pessoas do fluxo político da contemporaneidade. Talvez seja por pouco tempo, mas um George Orwell revisitado certamente teria muito a dizer sobre isso.
Um desafio para os cientistas políticos, para os simples observadores de relações internacionais.
Paulo Roberto de Almeida

El Gobierno chino teme el contagio y censura la palabra Egipto en los ”microblogs’
El País, 30/01/2011

Pequim – Las autoridades chinas no quieren correr riesgos ante la posibilidad de un efecto decontagio de las protestas en favor de la democracia ocurridas en Egipto, Túnez y otros países musulmanes. Pekín ha bloqueado la palabra “Egipto” en los microblogs de portales como Sina.com y Sohu.com, que, cuando se efectúa una búsqueda, devuelven el mensaje “De acuerdo con las leyes, regulaciones y políticas relevantes, los resultados no pueden ser mostrados” o dicen que no han sido encontrados.

Los microblogs chinos son similares a Twitter -que, al igual que Facebook y Youtube, está bloqueado en el país asiático-, y se han convertido en una potente herramienta de difusión de información, aunque también de rumores, debido a la falta de confianza de los jóvenes en los medios oficiales. El servicio de Sina.com cuenta con más de 50 millones de usuarios, un campo de cultivo demasiado sensible para que los censores lo descuiden.

Pekín posee uno de los sistemas de censura de Internet más sofisticados del mundo, gracias, en parte, a tecnología suministrada por empresas extranjeras, con el que logra con bastante éxito controlar lo que pueden ver, leer y publicar sus 450 millones de internautas.

Las revueltas en Egipto y las imágenes de los tanques en las calles de El Cairo han traído a la memoria de muchos chinos los recuerdos de las protestas de Tiananmen, en la primavera de 1989, y la consiguiente represión a manos del Ejército, en la que murieron entre cientos y miles de personas, según las fuentes. Las manifestaciones, a favor de reformas políticas y democracia, fueron catalizadas por la corrupción y la inflación.

China es hoy muy distinta de la de aquellos años. La economía ha progresado a un ritmo vertiginoso y la conciencia política de la inmensa mayoría de los jóvenes -más interesados en ganar dinero que en pedir libertades- está anestesiada, en gran parte por la ausencia de información en los medios de comunicación y los libros de historia sobre lo ocurrido en 1989, y por la falta de cualquier debate político en una prensa totalmente controlada por el Gobierno.

Sin embargo, la corrupción sigue siendo rampante, las desigualdades sociales están entre las mayores del mundo, la inflación ha alcanzado niveles peligrosos (4,6% en diciembre pasado) y entre los intelectuales hay demandas crecientes de libertad y reformas.

La prensa oficial ha informado en los últimos días de las revueltas en Egipto, e incluso de los cortes de Internet y el servicio de telefonía móvil en El Cairo. Pero lo ha hecho de forma limitada, y ha aprovechado lo sucedido para lanzar un mensaje que más parece destinado al consumo de su propia población. El diario Tiempos Globales, publicado por el Partido Comunista, asegura hoy en un editorial que la democracia no es compatible con las condiciones existentes en Egipto y Túnez, y que “las revoluciones de color” -en referencia al término aplicado por primera vez para describir las protestas en favor de reformas políticas en las antiguas repúblicas soviéticas- no pueden lograr democracia real.

“La democracia está todavía muy lejos en Túnez y Egipto. Para que la democracia tenga éxito son necesarios cimientos sólidos en economía, educación y temas sociales. Cuando se trata de sistemas políticos, el modelo occidental es solo una de las opciones”, señala la publicación. Los dirigentes chinos han declarado en repetidas ocasiones que China nunca copiará el sistema de democracia occidental.

Drogados em acucar: sim, existe, nos EUA

Um editorial do Washington Post, deste domingo, preconizando o fim dos subsídios absurdos pagos aos produtores americanos de açúcar, e o fim do protecionismo também, duas coisas que eu tenho absoluta certeza de que NÃO ocorrerão...
Paulo Roberto de Almeida

Break the sugar addiction
Editorial - The Washington Post
Sunday, January 30, 2011

CONGRESS AND the Obama administration are in the market for fresh ideas to create jobs. Or so we are told. So far, however, we haven't seen too many specifics - but that may be about to change. Two senators, one from each party, have introduced legislation that would phase out the costly, job-destroying federal sugar program. Democrat Jeanne Shaheen of New Hampshire and Republican Mark Kirk of Illinois call their bill the Stop Unfair Giveaways and Restrictions (SUGAR) Act. Despite the cutesy title, it's a seriously necessary proposal.

Current law is a pastiche of protectionist measures that drives up prices for consumers in two ways. First, 4,700 U.S. sugar cane and sugar beet farmers share a government-guaranteed 85 percent of the U.S. market; the remaining 15 percent gets divided among some 40 lucky sugar-exporting countries, plus Mexico, which recently started exporting here under the North American Free Trade Agreement. Second, the government guarantees minimum prices for both raw cane sugar and refined beet sugar. The combined effect of these measures has been to keep the U.S. price well above the world price. According to Ms. Shaheen, consumers pay an extra $4 billion for their food because of these policies.

When food costs more, consumers buy less of it, and processors must cut production. Therefore, U.S. sugar policy costs jobs among bakers, candy makers and other food processors. Estimates vary; Promar International, an agriculture consulting firm, produced a figure of 112,000 jobs lost between 1997 and 2009. In 2006, the Commerce Department estimated that the sugar program cost three manufacturing jobs for each job it saved in sugar growing and harvesting. And, by the way, job preservation in U.S. sugar growing and harvesting came at the expense of agricultural employment in poorer sugar-producing countries.

Ms. Shaheen and Mr. Kirk have offered President Obama and the Republican leadership in the House a common-sense way to keep their promises to get rid of unnecessary government regulation and liberate the job-creating energy of the market. As such, it's also a good early test of the sincerity of those promises.

sábado, 29 de janeiro de 2011

A imbecilidade da semana (talvez do ano)

Sempre existe um imbecil completo, propenso a atribuir ao sistema capitalista aquilo que é da responsabilidade de políticos vagabundos e um pouco da natureza...

Claro, também existem idiotas capazes de concordar com um imbecil do gênero:

"Darwin ensinou que, na natureza, sobrevivem os mais aptos. E o sistema capitalista criou estruturas para promover a seleção social, de modo que os miseráveis encontrem a morte o quanto antes. É esse darwinismo social, que tanto favorece a acumulação de riqueza, que faz dos pobres vítimas do descaso do governo."

Frei Betto, sobre os desastres na região serrana do Rio de Janeiro

(Se existisse algo como a "central patronal do capitalismo", algo que os adeptos de uma teoria conspiratória do mundo são propensos a acreditar, o imbecil em questão, que só é frei no título autoatribuído, poderia ser processado por difamação.)

Nunca antes visto na diplomacia brasileira - Paulo R. de Almeida

O mais recente trabalho publicado e disponível online:


Never Before Seen in Brazil: Luis Inácio Lula da Silva’s grand diplomacy
Revista Brasileira de Política Internacional
(vol. 53, n. 2, 2010, p. 160-177; ISSN: 0034-7329)
link: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292010000200009&lng=en&nrm=iso&tlng=en
Arquivo em pdf: http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v53n2/09.pdf
Relação de Originais n. 2207; Publicados n. 1013.

Revista Brasileira de Política Internacional
version ISSN 0034-7329
Rev. bras. polít. int. vol.53 no.2 Brasília 2010

ARTIGO

Never Before Seen in Brazil: Luis Inácio Lula da Silva's grand diplomacy
Nunca antes visto no Brasil: a grande diplomacia de Lula

Paulo Roberto de Almeida
Phd in Social Sciences and Brazilian career diplomat

ABSTRACT
Critical assessment of Luis Inácio Lula da Silva's diplomacy, which departed from the previous patterns of the Brazilian Foreign Service, to align itself with the political conceptions of the Workers' Party. This diplomacy has neither consolidated the position of Brazil as a regional leader, nor attained its declared goal of inserting Brazil into the United Nations Security Council, although it has reinforced Brazil's image in the international scenarios; but this was achieved much more through the personal activism of the President himself, than through normal diplomatic work.

Key-words: Brazil, diplomacy, Lula government, regional leadership, global presence.

RESUMO
Avaliação crítica da diplomacia do governo Lula, que abandonou os padrões tradicionais do Itamaraty para alinhar-se com as concepções políticas do Partido dos Trabalhadores. Essa diplomacia não conseguiu consolidar a posição do Brasil como líder regional, nem logrou o objetivo declarado de colocar o país no Conselho de Segurança das Nações Unidas, muito embora tenha reforçado a imagem do Brasil no cenário internacional; mas isso foi alcançado mais por meio do ativismo do próprio presidente, do que pelo trabalho diplomático normal.
Palavras-chave: Brasil, diplomacia, governo Lula, liderança regional, presença global.


South America was not enough: Luis Inácio Lula da Silva goes out into the world

Has Brazil already attained the status of a global power, as sought by Luis Inácio Lula da Silva's diplomacy? Or, despite all his efforts, does it remain a mere regional power? Those two questions were, almost obsessively, at the center of Lula's entrepreneurial diplomacy, for the whole duration of his administration (2003-2010). The questions are still open.

Global power status, as is well known, is not a matter of national choice, or an issue subjected only to the political will of the actors involved in what is a complex and interrelated equation. It depends on a complete set of objective factors - connected with economic strength, technological endowments and military capabilities - as well as on a clear recognition of that status by other actors, first of all by the general consensus of the international community, but especially by the great powers.1 This recognition is usually linked to primary sources of power - Russia and China clearly fit the pattern - but it can also be associated with other attributions and types of participation in world affairs - cooperation, defense of human rights and democracy, etc.

According to those criteria, Brazil cannot be recognized, yet, as a global power, as it lacks some of the capabilities linked to those pre-conditions, with an emphasis on financial and military capabilities. Neither is it acknowledged as such by the world community. Much of the talk about Brazil's new role is due to its active diplomacy under Luis Inácio Lula da Silva, together with the deployment of external cooperation towards poor countries in Africa and Latin America (efforts labeled, by the President himself, as the 'diplomacy of generosity'). But, Brazil's association with some less commendable actors - such as Iran or Cuba - as well as its poor record on human rights questions, an issue which clearly diminished in importance in Lula's time, has weakened its credentials in terms of the expectations of public opinion.

But even on a more limited regional basis, it is also probably an exaggeration to count Brazil as a South American 'natural leader', for reasons other than a desire for 'grandeur'. Notwithstanding the fact that it fills almost completely the objective criteria to be recognized as such - territorial, economic and demographic dimensions; size of internal markets; presence in external markets; concentration and diversification of investments; level of industrial development; the most advanced technological basis on the continent; its already large direct investment flows in neighboring countries; and, of course, military capabilities - Brazil does not yet enjoy some of the 'subjective' criteria linked to that status, the most important of those being the willing acceptance by the neighboring countries of such a role. Not only Argentina and Colombia, the two other middle-level powers in South America, but also the smaller countries, are not yet ready to accept Brazil as their regional representative or want it to act as a kind of an unelected speaker on their behalf. Unfortunately, big countries are seldom appreciated in their regions.

This lack of natural leadership derives not only from historical reasons - the fact that Brazil is the sole Portuguese-speaking country within a Spanish environment, and that it emerged as a monarchy in the 19th century, in a republican continent - but also from negative contemporary factors, such as the traditional links it has maintained with developed countries in Europe and North America at the expense of its interactions with South American neighbors. Huge Brazilian direct investments and many diplomatic initiatives have been undertaken in recent years in practically all South American countries, but this has not been enough to change the lack of enthusiasm for Brazil's role as a leader.

Notwithstanding its importance in the regional context and its growing role and presence in some questions on the international agenda - especially in multilateral trade policies and WTO negotiations, and environmental affairs, among others - it would be a little premature to count Brazil among the major powers in the world. An objective evaluation of Brazil's current limited capabilities also has to recognize brilliant prospects for the medium term: Brazil is already an 'emerged' country, but still an 'emerging' economy and a power broker. The fact of the general discussion about its greater role on the world diplomatic agenda should be acknowledged as a real accomplishment for President Luis Inácio Lula da Silva.

Any assessment of his diplomacy has to start from the fact - and this is its distinctive character - that it does not follow the traditional patterns of professional diplomatic practices, but rather its own Workers' Party, the PT's, ideological choices and political inputs. Those party preferences have left their marks heavily in the foreign policy of Brazil in a manner never seen before 2003. Accordingly, we shall first review the said 'innovation' in Brazilian foreign policy, both in terms of doctrine and of political orientation, and then move to the main issues of the diplomatic agenda. Lula's diplomacy was not only conceived and applied more in line with party politics than with State considerations, but it has also served much more his own motivations for personal aggrandizement in world scenarios than Brazil's national interests.



Shoes and sovereignty: the rhetoric of a sectarian Party diplomacy

For the first time in decades, or ever, Brazilian foreign policy was conceived and conducted under the overriding influence of non-professional diplomats. The PT's 'foreign policy' was the dominant element in Brazilian foreign policy since the beginning of the da Silva government, but not in a structured manner, as the PT never 'produced' a structured or a complete set of conceptions and solutions for Brazil's international relations. The party always had a poor theoretical structure, simply relying on 'Gramscian' figures from academia for the preparation of more sophisticated papers and proposals relating to economics and political life. But the core of its 'thinking' - if one can indulge it with such a description - is a confused mixture of typical (and stereotypical) Latin-American leftism with old-style nationalism and anti-imperialism, with brushes of Castroism, Stalinism, Trotskyism, and Liberation Theology beliefs.

From the standpoint of its organizational structures, the PT is a quasi-Bolshevik party, albeit without the old apparatchik apparatus of a Soviet-style Communist party. In the beginning, its core staff was formed mainly by: (a) 'alternative' trade-unionists, who started by rejecting the traditional trade-unions linked to the Ministry of Labor, but who have quickly adapted to the flow of easy money provided by the compulsory labor tax (the act of creating new trade unions is a prosperous 'industry', and the practice has enormously prospered under Lula); (b) old guerrilla-fighters, or semi-professional revolutionaries, 'recycled' into party politics (albeit keeping some old habits from their previous clandestine life, and liaisons with Cuba in particular); and, (c) religious movements, such as the leftist Liberation Theology and 'ecclesial communities'.

The PT's 'ideology' is a mixture of old style socialist credo, prior to the fall of Berlin wall, and of social-democratic economic beliefs (mostly of a purely redistributive character). In fact, many of the sects that make up PT are still true believers in socialism, and are die-hard statists who still trust in the merits of a planned economy. For all purposes, they are anti-capitalists, anti-imperialists, and naturally, anti-Americans, as almost all of the leftist Latin-American parties are. Some of the PT apparatchiks were trained and instructed by Cuban intelligence officers, which can explain their loyalty to Cuba's goals in Latin America, such as the organization of the São Paulo Forum (the FSP), a Cuban-sponsored coordinating mechanism for all leftist parties in the region which until 2005 included members of the Colombian FARC.2

The PT's main guidelines in foreign policy were established by those involved in its 'international relations', starting with the who had apparatchiks that lived in exile during the military regime (1964-1985). Some of them happened to enjoy the confidence of their Cuban mentors, a fact that exerted some influence in the definition and implementation of 'their' foreign policy, when the time arrived. The future President himself - who, as a trade unionist and leader of metalworkers, developed links with counterparts in Cuba, in the USA, and in Europe - came to understand better the intricacies of international politics; his qualitative leap, the one that was decisive for his own personal life and for the political itinerary of Brazil, was to create in 1980, with the help of former guerrilla fighters, a political party that was to represent a departure from traditional politics and trade-unionism in Brazil.

Nevertheless, the PT always was, and continues to be, a consortium of leftists, engaged actively in the party's cause, which is not exactly a national cause according to the normal lines of a parliamentary or even a presidential democracy. The PT has always relied on mass politics or popular organizations, like students' associations, labor unions or peasant movements, which it controlled. Its concept of democracy is merely instrumental: everything that serves the major objective of holding power for the party fits its "philosophy" and practices. Adhering to a 'Cuban' agenda, it is not surprising if human rights or democracy do not occupy higher levels in this kind of diplomacy. This feature has to be considered as the major political component of Brazilian foreign policy during Luis Inácio Lula da Silva's government.



Bizarre friendships and 'new trade geography': Luis Inácio Lula da Silva's international policy

Two main objectives have marked, in a somewhat contradictory manner, Brazilian foreign policy under Luis Inácio Lula da Silva: the preservation of national sovereignty and the strengthening of regional integration in South America, the latter being a continuation of policies already implemented by previous governments. The former, that is, the sovereign presence of Brazil in the world, would have to be decreased if the latter is to be reinforced, as exclusively national policies - in sectors such as industry, agriculture, or even trade policy - have to accommodate the choices being made in favor of regional integration. Its priorities were established in three main areas: the reform of the United Nations Charter and Brazil's accession to a permanent seat on its Security Council; the finalization of multilateral trade negotiations, with a preferential option for the relationship with the European Union, instead of the conclusion of the American project of a hemispheric free trade area (FTAA), strongly opposed by the PT and other leftist movements; the reinforcement of Mercosur and its extension to other countries in South America, starting with Chile and other Southern Cone countries, such as Bolivia. Other priorities comprised the establishment of a strong relationship with selected 'strategic allies', designated as being 'non-hegemonic countries', namely China, Russia, India, and South Africa, the last two forming part of the IBSA forum, the first three organized along the lines proposed in the Goldman Sachs study on the BRIC countries.

All these moves followed the so-called 'South-South' diplomacy and the desire to create a 'new geography of world trade' and strengthen the 'democratization of international relations', without 'imperial arrogance' and 'hegemonic unilateralism'. In terms of 'tools' to accomplish those objectives, it is not difficult to recognize the high quality of Brazilian professional diplomacy. Brazil's 'diplomatic GDP' is greater than its economic GDP, and the latter is certainly greater than its 'military GDP', in other words, its capacity for projecting power abroad. Indeed, Brazil's influence in diplomatic negotiations is more important than its actual presence in the world, as compared, for instance, to its participation in trade and financial flows (as a recipient of foreign capital and know-how, and a modest investor abroad). Brazil's professional diplomatic skills make it a relevant actor and sometimes a broker in important multilateral trade negotiations (despite its minor role in financial or trade areas).

Nevertheless, Brazil's influence in the new global interdependence is being handicapped by its mixed feelings toward globalization, and this is reinforced by the PT's leading role in its diplomacy, as the party combines an old-style nationalism with defensive policies in the industrial and investment sectors, including trade protectionism and the promotion of substitutive industrialization. For many of its political leaders - and obviously for all the leftists in the da Silva government - globalization is just another name for Americanization, which they reject and even despise because of their superficial nationalism and instinctive protectionism. It is true that Brazil, in promoting Mercosur, has abandoned the worst aspects of its hard-core protectionism from the 1950s up to the 1980s, but entrepreneurs and the political elite maintain the same old feelings of the 'dependency school', a mixture of developmental Keynesianism and a vague Third World ideology demanding a 'new international economic order'.

Policy reforms, in line with the Washington Consensus of the 1990s, and the Cardoso administration's more receptive attitude toward globalization, brought Brazil more in line with mainstream economics, promoting economic opening and trade liberalization. But, starting with Luis Inácio Lula da Silva's government, those policies were somewhat reversed, if not taken back to the old days of Latin American 'Structuralism', identified with Raul Prebisch and Celso Furtado, former guardians of this 'heterodox' school. This reversal in diplomatic guidelines was presented as a renewal with the 'Independent Foreign Policy' of the early 1960s, when it was in fact only the result of nostalgia for old times.

Many of the new manifestations of this 'sovereign diplomacy' have been focused in consolidating alliances with a few selected partners in the Third World, mainly large emerging countries, notably India, South Africa and China, with the addition of Russia to the process, as it is considered to be an 'anti-hegemonic' counter-power. Great efforts have been made to achieve the goal of inserting Brazil into the inner sanctum of the UN Security Council, an initiative that served to arouse the opposition of Argentina and other competitors. Another goal, that of strengthening and expanding Mercosur, with the inclusion of new partners in South America has, in fact, resulted in the dilution of its trade rules and in an overextension of 'social pacts', which have little meaning for real integration.

In parallel with the so-called 'diplomacy of generosity' in Latin America - to consolidate a self-ascribed 'Brazilian leadership' in the region, a role always rejected by professional diplomacy, mindful of its negative tones - the PT government took initiatives to isolate United States in the region and enlarge the sphere of self-coordination among Latin American or South American countries. It started by refusing - in fact sabotaging - the FTAA initiative, proposed by President Clinton in 1994, an act undertaken by a joint action by Argentina, Brazil and Venezuela. This policy was also pursued through a series of proposals for the establishment of new bodies uniting exclusively South or Latin American countries. One of them was aimed at submitting the Colombian-US agreement for cooperation against the narco-guerrillas to a detailed scrutiny by a new consultation mechanism proposed by Brazil: the South American Defense Council, itself part of a larger structure, the Union of South American Nations (Unasur).

In February 2010, for instance, with total support from Brazil, a Latin American 'unity' Summit decided the double establishment of the new Community of Latin American and Caribbean States, which replaced the former Rio Group (1986), and of a Latin American Summit on Integration and Development, also created by a Brazilian initiative in December 2008. "For the first time in 200 years", it was said, Latin American countries were meeting "without any kind of guardianship", that is, exempt from any influence from the 'empire' and fully integrating Cuba into the coordinating and consultation mechanisms. The exclusion of the 'empire' was presented as a "success", a 'first' in Latin American history, as Brazilian diplomacy acquired the capacity to "say no".

The anti-American orientation of those actions was very clear, not only for ideological reasons, a feature which might be normally expected from a typical leftist Latin American party, such as PT, still proud of its Cuban links and its solidarity with 'liberation movements'. It was also welcomed as a misguided feeling that integration under the aegis of "imperialism of free-trade" (as the American initiatives were labeled) would rather correspond to a project of 'annexation', instead of a symmetrical integration. It was on behalf of that creed that many other initiatives were taken, including the deliberate sinking of the regional negotiations for a hemispheric free trade area and the frustrated proposal for a South American free trade area (which did not prevent some countries from signing bilateral trade agreements with the US).

Paradoxically, Brazil was accused of being 'imperialist', and has been asked, in consequence, to pay the costs of the 'asymmetrical situation' created by its very huge presence. Bolivia, Paraguay, Uruguay, other countries - even Argentina - forced Brazil to accept new and very generous terms for the reinforcement of their relationship: Bolivia nationalized oil and gas resources exploited by the Brazilian state company Petrobras; Paraguay required additional payments for its share of electricity generated by the bi-national hydro-electric plant at Itaipu; Argentina unilaterally imposed safeguards and other defensive trade restrictions on a number of Brazilian manufactured goods that would be normally exported through the free-trade area of Mercosur; Uruguay and other countries, including Venezuela wanted investments or financing from Brazil.

During previous administrations, professional diplomacy conducted bilateral relations with the United States under normal assumptions of cooperation and consultation without any ideological misconceptions about what is usually called 'American hegemonic pretensions'. The PT's diplomacy reverted to the 'normal' anti-imperialism (together with some anti-Americanism) of the old Latin American left. Dealing cautiously with American interests in the world and in the region during its first mandate, the da Silva government exhibited a more assertive 'anti-hegemonic' stance in its second mandate, developing (at least rhetorically) some confrontational positions in relation to American interests in the global scenario; political conflicts over specific issues were always avoided and direct opposition never allowed to arise, but a more assertive behavior, connecting Brazil with other 'non-hegemonic' emerging powers, was allowed to develop (in fact, was explicitly promoted).



Too much transpiration, less inspiration: Luis Inácio Lula da Silva's diplomacy in action

Intentions and proclamations aside, diplomacy under Luis Inácio Lula da Silva has to be evaluated according to its concrete results - or lack thereof - in the many subjects that mobilized the attention of the professional staff of the Foreign Service, under the triple guidance of the Presidential Assistant, the Minister and his Secretary-General, with the clear approval and the appreciation of the President himself. Among those issues, the following protracted the most attention from all these actors during the period under consideration: the UN Security Council; alliances with strategic partners; Mercosur and related issues of regional integration; the relationship with Argentina; Brazil's leadership in South America and regional blocs; the WTO and multilateral trade negotiations; relations with other emerging powers and the international role of Brazil. For some of these issues, the PT already had its own 'policies'; for others, it followed the official diplomatic line, distorting it for its own purposes.

The United Nations Security Council: a long-standing obsession

Despite a vague mention related to the "reform of international organizations", the issue was never a priority in the PT's guidelines on Foreign Policy but it was a pet subject for the Foreign Minister, who had a long career in multilateral forums and a personal attraction for international security matters; he transmitted this interest to the President, who promptly excepted the idea that Brazil was ready to enter the inner sanctum of the United Nations. This issue is notoriously difficult, and Brazil engaged vast resources - human, diplomatic, financial - in lobbying other countries for the purpose of reforming the UN Charter and enlarging its Security Council. The remarkable degree of acceptance of Luis Inácio Lula da Silva by the international media and other world leaders - all of whom, with the exception of George Bush, invited him to the annual G8 meetings - convinced the President that the idea was not only feasible but attainable, despite some opposition from regional partners (most vociferously, Argentina and Mexico).

Brazilian initiatives took various forms. With other developing countries, bilateral debt write-offs were offered to the poorest countries, but sometimes even to oil exporters like Gabon. With the other candidates (Japan, Germany, and India), a G4 was created to support one of the proposals put forward by former UN Secretary General Kofi Annan. Brazil never reached an agreement with two key actors in this process, USA and China, who continuously opposed any substantial reform of the international body. For the sake of its great objective, Brazil assumed a commanding role in the pacification process of Haiti, engaging considerable resources in the task of nation-building that went clearly beyond the country's traditional participation in peacekeeping missions. Also, to enhance Brazil's international presence, the President ordered the opening of permanent embassies in almost all African countries and in all the Latin American states, even in the smallest islands of the Caribbean, all with very limited results in practice. Despite rhetorical support for his pretention, expressed in many bilateral communiqués along his mandate, the President was continuously frustrated.

Alliances with strategic partners (Argentina, China, India, South Africa)

Luis Inácio Lula da Silva's diplomacy believed that countries such as Brazil, Argentina, China, South Africa and India not only share common values and the same objectives in the world system, but also have relatively similar social and economic characteristics, making them ready to sustain joint projects and efforts at cooperation. IBSA, or the G-3, for instance, was presented as one example of creativity and shared vision between three great multiracial democracies, Brazil, India and South Africa. Having decided to form the group, the three countries struggled hard to find common problems and to establish a list of 'shared solutions', installing as many working groups as possible without regard for the actual differences among. Official rhetoric refers to IBSA as a 'success story', although concrete results, objectively assessed, remain below expectations, providing more promises than real accomplishments.

Argentina is another kind of 'strategic partnership': it was the co-founder of the Southern Cone integration process, with Mercosur at its core, the consolidation of which would require that the co-ordination of macroeconomic policies between the two big associates, as well as a set of joint measures to strengthen the regional bloc, be placed at the center of that endeavor. Instead, Argentina's behavior in Mercosur became a hindrance for Brazilian industrialists, as their exports were subjected to many protectionist restrictions adopted by the Buenos Aires Government, which was still committed to old national practices in trade and industrial policies. The da Silva Government not only tolerated such abuses - contrary to the spirit and to the letter of Mercosur agreements, as well as to WTO-GATT dispositions on safeguards - but also managed to contain the dissatisfaction of Brazilian exporters.

China, for its part, was previously (and uncritically) selected by the President and the PT as a strategic ally, and began to benefit from this position by the declaration, by Brazil, that it filled the requirements of a "market economy", as defined by WTO rules (and thus able to enjoy the bonuses of this recognition in its bilateral trade with Brazil). Brazilian diplomacy misread completely the real will of China in terms of accepting the reform of the UN Charter and the elevation of Brazil to its long sought ambition to become a permanent member of the Security Council. Neither were the Chinese ready to make the huge investments in Brazilian infra-structure that were expected by Luis Inácio Lula da Silva, as they actually regarded Brazil as one more commodity provider among many others.

The dismantling of Mercosur as an unintended consequence

The 'restructuring', institutional consolidation and enlargement of Mercosur were on Lula's diplomatic menu, as had been explicitly announced since the beginning. According to this priority, total dedication was devoted to the attraction of new partners - Bolivia, Chile, Venezuela, and Ecuador - and facilitating their integration into the bloc (including a waiver on the application of the Common External Tariff, a clear circumvention of the normal discipline inside a customs union, which is what Mercosur pretends to be). Besides the creation of a Mercosur Parliament - without real functions, to be precise - there was no real progresses in the fields of trade liberalization and economic opening among member countries. From the designated group of 'candidates', only Hugo Chávez's Venezuela decided to join the bloc, to the consternation of the real democrats and the concerns of the business world. Despite a strong lobby exerted by the da Silva Government in favor of Chávez, the documentation has not yet been concluded, as Paraguay has still to endorse it.

Irrespective of the real setbacks in the commercial areas of Mercosur, it is a fact that Brazil has invested heavily in the project of a stronger Mercosur and its expansion throughout the region. For instance, Brazil proposed, created and financed, at 70% of its cost, a fund to "correct the imbalances" in the region, a financial scheme equivalent to only a small part, 1%, approximately, of the combined Mercosur member countries' GDPs and that, in fact, duplicates the work of the multilateral banks already operating in the region - the World Bank, the Inter-American Bank and other bodies. Instead of reducing imbalances in the region by market-friendly mechanisms, in line with each country's comparative advantages, governments allocate money to a vast array of projects poorly managed by bureaucrats and incapable of correcting any imbalance between them.

As well as an emphasis on its social and political agenda, Luis Inácio Lula da Silva's big push towards Mercosur's enlargement was to offer it to whichever countries in South America would be willing to join, even at the price of overlooking some of its requirements, simply to accommodate specific countries with strong political motivations. Bolivia, for instance, was offered the chance to enter Mercosur without being liable to the Common External Tariff (which was considered an exaggerated concession by Argentina). Ecuador, along with Bolivia, a member of the Andean Community of Nations (CAN), was also approached, but preferred not to be entangled in any new commercial compromise. Chile, bound to a single tariff, as consolidated in the GATT system, declined from the start to become a full member of Mercosur, taking into account that it benefits from free-trade agreements concluded with each of its hemispheric partners. Colombia and Peru, too, setting aside their CAN membership, opted for free-trade agreements with the United States, a move that pushed Venezuela's Hugo Chávez to denounce the country's membership of CAN and to make a pledge to join Mercosur.

There are two problems with Chávez's political decision to become a full member of Mercosur: on the one hand, since 2006, when that option was chosen, he signed, at the same time, a trilateral pact, with Cuba and Bolivia, creating ALBA, the Bolivarian Alliance of the Americas, a bizarre integration scheme built around state trading, managed cooperation and no free trade at all. On the other hand, Venezuela has never complied with the requirements of Mercosur's customs union - that is, the Common External Tariff and all other regulations to that effect - declaring instead that it's intention was to transform Mercosur from its 'neoliberal' rules to a new political bloc, animated by its own proposals concerning '21st-century socialism'. Even accounting for the political empathy demonstrated by the two biggest associates towards Venezuela - in the case of Argentina compounded by the fact that Hugo Chávez was its sole financier after the 2002 moratorium - that was a little too far from the modest capitalist, albeit dirigiste, integration scheme devised by Brazil and Argentina.

Sleeping with a restive neighbor: relations with Argentina

The most sensible, and relevant, of all bilateral Brazilian relationships, the diplomatic interaction with Argentina, remains in a delicate situation, despite the benign propensity of the da Silva Government to accept almost all restrictions and limitations unilaterally imposed by Buenos Aires on the trade exchanges and reciprocal economic flows. At the beginning the da Silva and Kirchner mandates, in 2003, the excuse for many defensive measures was the profound crisis created by the end of the convertibility exchange regime and the external debt moratorium, followed by a complete standstill in foreign financing for Argentina. In a second stage, bruised by the excessive number of initiatives the Brazilian President was taking to assert Brazil's leadership in the region, Nestor Kirchner hardened Argentinean positions in many negotiating situations, either in Mercosur or in regional matters, and even in multilateral situations, such as Brazilian candidacies in some international organizations (IADB, WTO, and others).

Ego disputes aside, the most important problem was a special safeguards regime that Argentina sought to impose on bilateral trade with Brazil, invoking "structural imbalances" arising from the Brazilian exchange flotation or hidden subsidies on Brazilian exports; "involuntary" export restrictions and other market arrangements were put in place, even against Mercosur rules and WTO dispositions, which the Brazilian President accepted as part of his "diplomacy of generosity" (to the great displeasure of Brazilian industrialists). In other contexts, Brazil was unable (or was not accepted) to mediate the conflict between Argentina and Uruguay over the cellulose plants next to the border. Favorable diplomatic rhetoric apart, Argentina was never very enthusiastic about Brazilian initiatives in the region: the South American Community of Nations, the two inter-regional summits - with Arab and African Countries - the South American Defense Council within Unasur, the Latin American and Caribbean meetings, and some other initiatives. Above all, though, the most contentious issue was Brazil's candidacy to the UNSC seat, followed by its implicit posture as regional leader - two endeavors that affected Argentina self-esteem and moved her to an openly active opposition.

Tropical Man's Burden: Brazil's regional leadership

One of the most important of Luis Inácio Lula da Silva's diplomatic initiatives, along with the Brazilian candidacy to a permanent seat in the UNSC, is the union of South America as a political entity, free from any interference from the "American empire", and this has always corresponded to a permanent project for his party, obviously supported by its Cuban and other Latin American leftist allies. The core of Brazilian regional diplomacy, under the direct inspiration of Itamaraty's Secretary-General, was strongly directed towards this ambitious objective, with partial successes in various aspects.

The economic aspect of the project - the political implosion of the American proposal of a FTAA, followed by the creation of a South American Free Trade Area - was only half-achieved: the abandonment of a hemispheric trade liberalization scheme. Brazilian initiatives towards creating its own economic space in the region were downsized to a mosaic of bilateral agreements within the framework of a Latin American Integration Association that failed to promote expanded exchanges or to effectively integrate the economies of the countries. The modest opening of the Brazilian economy in favor of its neighbors curtailed the Brazilian's grand vision for the continent.

The political components of the project remained too vague to really unite ten South American States that harbor different conceptions, sometimes opposed to each other, about political and economic integration. Unhappily for the Brazilian project, the fact is that South America became less, not more, integrated during Luis Inácio Lula da Silva's tenure, and the reason has little to do with external crises or military dictatorship. Indeed, democracy has progressed in the region, but political instability remains a crucial factor that explains the differing concepts of integration, and some of the regional crises. By most accounts, Bolivarianism and indigenism, arising in Andean countries, have rendered those polities more instable, socially and politically, and prone to old conceptions of integration, marked by State-led economic policies, nationalization and a less relevant role for trade and finance, compared to social and political issues, all of which was completely at odds with a market-led integration, such as that practiced in Mercosur.

In addition, the exercise in 'regional leadership', as tentatively tried by Luis Inácio Lula da Silva's diplomacy, was not well received; in fact, it had never been welcomed in the past, one more reason for professional diplomacy making a taboo of this difficult concept. Tempted by his warm reception in the world press and among many political leaders, Lula believed that the time was ripe for Brazil to assume a more assertive posture based on political dialogue, Brazilian financing of development projects and a tentative measure to coordinate positions in regional or multilateral negotiations.

Being the largest economy in the region, Brazil exerts a natural attraction on neighboring countries, but that has not been enough to overcome old suspicions about its quasi-imperialistic behavior in South America, or its supposed desire to impose its own domination over other countries, replicating, albeit in a less arrogant manner, American imperial tutelage. In fact, Brazil has never exerted any guardianship over the region, but the multiplication of initiatives could be seen as devoid of vested interests. That could be one of the reasons for Andean countries not accepting the offer by Brazilian diplomacy to set up a secretariat for the newly-created South American Community of Nations, an entity that was replaced, one year later by the Hugo Chávez-sponsored Union of the Nations of South America (Unasur), with its headquarters in Quito.

The da Silva Government also failed to provide an adequate substitute to a scheme devised by Cardoso's administration for the infrastructure projects in South America. The Initiative for the Integration of South America (IIRSA), created in 2000, never advanced from its stage of portfolio projects - prepared by the INTAL-IADB - to transform them into concrete undertakings capable of mobilizing private and official financial resources to deal with the multiple needs in the region in terms of energy, communications, and major engineering projects (notably in transport). As regards investments and other market opportunities, the successful implosion of the FTAA by Brazilian diplomacy (with a little help from Argentina and Venezuela) may have thrown some countries into the arms of the USA, as Brazil is not really a powerful replacement solution for economies looking for big flows of direct investment and access to larger markets, at least not those of the size of the United States; in the same move, Brazil ended up with less market access and reduced preferences in its neighbors' markets.

A bridge too far: multilateral and regional trade negotiations

Access to new markets through multilateral trade negotiations, with small concessions in new areas - like investments, intellectual property and services - but also in industrial tariffs, have always been a chasse gardée for Itamaraty, preserved from intrusions by other government agencies. This domestic hegemony was somewhat contested during Lula's government - especially by Brazilian agricultural producers competing in world markets, but also other sectors - because of the extreme politicization of those economic issues practiced since the beginning. Under the slogan of creating a 'new geography for world trade', Itamaraty aligned Brazil with other developing countries - always with the aim of presenting a united front against rich countries - disregarding the fact that some of those countries (including China and India, two of its strongest 'allies') possessed in reality interests directly opposed to Brazil's aim in dismantling agriculture protectionism and high subsidies in the area.

The Commercial G20, created at the Cancun ministerial meeting of the WTO (2003), was presented as a strong expression of Brazilian leadership in trade negotiations, and as an 'alternative' to old negotiating schemes, but its internal contradictions quickly became apparent in subsequent phases and the group was not capable of overcoming different interests among its members to present a united front in some crucial issues related to it. For all practical purposes, the offensive stance of Brazil in those matters was rendered as defensive as the Chinese or Indian positions, including in non-agricultural market access (NAMA) and in services, in a time when Brazilian farmers, and even many industrialists, were disposed to advance further.

In the same areas, and in other negotiating instances - such as in the framework of trade talks between Mercosur and the EU - less ambitious positions or a limited disposition to make concessions in industrial tariffs from partners like Argentina (but the same applies to India and some other developing countries) curtailed the possibility for Brazil to reach an acceptable agreement with other developing countries, thus opening new markets for Brazilian products. The preferential alliances devised by Itamaraty with other developing countries - which included 'social concerns' and 'interests of less competitive agriculture', or 'family farms' - added to the hindrances that had been self-inflicted for political reasons, in addition to the fact that the great expansion for Brazilian exports in the farming sector is essentially concentrated in the emerging markets, not in rich countries. In this sense, the 'South-South' policy and the 'new geography of trade', with all their political bias, were in contradiction to Brazilian national interests and the country's natural competitive advantages. Asian countries, for instance, have for a long time been practicing the 'new geography' in expanding their exports to rich countries in the West.

Dragons, elephants and other fauna: Brazil's presence in the world

China was designated an 'ally', or 'strategic partner' even before Luis Inácio Lula da Silva's coming to power, as he made a political visit to that country in 2001, and was received with the honors due to an important political leader. At that time, many of the PT leaders still held the erroneous belief that China was a socialist economy and a country interested in constituting a 'common front' against the arrogant rich countries and Western 'imperialism'. When he came to power, Luis Inácio Lula da Silva started to put in practice his unilaterally conceived 'Chinese policy', which consisted of great expectations concerning major investments in Brazil and, especially, a strong political relationship by which both countries were to influence a big change in world power, reducing the spaces for 'hegemony' in international politics - a concept used by the Chinese, by the way.

The Brazilian's diplomacy imagined that, by conceding to China the status of a 'market economy', as requested by the Chinese leadership, it would be possible to capture large-scale investments and technological cooperation, as well as the most prized reward sought by the president: China's support for the Brazilian aspiration to a seat in the UNSC. In other occasions - during reciprocal state visits - the President even considered the idea of a free-trade agreement between China and Mercosur, and offered the possibility of replace the payment system in bilateral trade, starting to use local currencies instead of dollars. Both measures were clearly in favor of Chinese interests and, thanks to the opposition from entrepreneurs - alarmed by the destructive potential of low-cost Chinese competition - and from some more vigilant bureaucrats in the Central Bank, they were not implemented at all, despite being proposed by the President himself (probably out of naïveté or simple ignorance of economic matters).

China never committed itself to supporting Brazil in its quest for the UNSC seat and has always acted in its own self-interest, even on strictly bilateral matters; it did not hesitate, for instance, to impose a trade embargo on the arrival of a Brazilian cargo of soy beans invoking sanitary measures, when it was simply pushing down the prices, and this on the eve of one of Luis Inácio Lula da Silva's official visits to China. In other contexts China makes very clear that it wants to keep for itself the decision on the desirable pattern for bilateral relations, including matters pertaining to private investment and a common multilateral agenda (either in BRIC meetings, or elsewhere).

The creation of the informal group called BRIC, comprising Brazil, China, India and Russia, has the latter country as the main partner with Brazil in the endeavor that looks more at political aims than economic objectives, despite the fact that the proposal by an investment economist takes its legitimacy from their economic importance for the future world economy. The new acronym has attracted a lot of publicity but it remains to be seen if the group has, effectively, coherent, sound and feasible proposals for global governance, justifying its claim to be an alternative to the traditional G7-G8 group. In the same way, the decision to strengthen links with new and old partners, in other continents, fits Luis Inácio Lula da Silva's intention to diversify the options available for Brazilian exports, other sources for sophisticated technology - with France, for instance - and to achieve a balance of commercial objectives and attain a leading political role for the country in the world (as in the summits organized with Arab and African countries together with South American neighbors of Brazil).

A resident diplomatic representation was established in Ramallah and Luis Inácio Lula da Silva tried to insert himself in the complicated chessboard of Middle East conflicts, offering to mediate a 'peace' between Israelis and Palestinians on the basis of 'sincere dialogue', which, of course, arrived at nothing. New attempts at bona fide diplomacy were made in connection with the troubled negotiations between the great powers and Iran, over that country's covert activities regarding its nuclear program, only to characterize Brazil's President as a friend of the controversial figure of Ahmadinejad. Brazil's too lenient posture regarding human rights violations around the world, together with Luis Inácio Lula da Silva's indulgence towards dictators like Fidel Castro, have tarnished the good record previously held by Brazil.

There is no doubt that Brazil has become an important broker in many instances on the international agenda, even if some ambiguities remain over specific points of the political aspect of the PT's external policy (human rights and democracy being the most visible, but also non-proliferation and environment). Luis Inácio Lula da Silva had the opportunity to engage in dialogue at the same time with capitalists in Davos and the dreamers of the World Social Forum, but many in his immediate surroundings exhibited a clear anti-American stance, as was revealed, for instance, in the cases of Honduras and Venezuela. The President's negative appraisals of 'neoliberalism' and 'Wall Street speculators' have more to do with old-fashioned leftist postures than with the diplomatic seriousness required from an aspiring emerging power. At the beginning of his mandate, Luis Inácio Lula da Silva attempted to 'sell' to other Latin American countries a replacement of the 'Washington Consensus', by means of a so-called 'Buenos Aires Consensus', a fragile set of fragile rules about welfare policies. At the end of his mandate, had become a strong critic of the current international system, probably frustrated by the unwillingness of great powers to reform the UNO Charter and accept Brazil as one of the 'more equals'.



Luis Inácio Lula da Silva's heritage: Brazilian diplomacy's new clothes

The October 2010 presidential elections in Brazil provide the opportunity to change many things in foreign policy, if there is a social-democratic victory - probably more in the region, and specifically in connection with Mercosur, than in Brazil's world role - or, otherwise, a new government can maintain, roughly speaking, the same lines in diplomacy as followed during the last eight years of the da Silva administration. Indeed, the PT's foreign policy, though not consensual, is widely accepted by many sectors of public opinion, mainly in academia and left-wing parties and movements. It would be more of the same, except for the lack of a colorful president, who has represented Brazil abroad in a lively manner in times of great changes in world scenarios.

Some positions will probably not change, of course: the self-characterization of Brazil as a developing country, its pretension to be a speaker on behalf of other poor countries seeking a new economic order, with more justice and fairness being shown towards those countries, the reduction of the inequalities and imbalances that still divide the world, the democratization of international politics - with Brazil standing yet again as a candidate for a permanent seat on the UNSC - and many other requests of this nature. Strong action against hunger, poverty and injustices will continue to be high in the agenda, as well as the defense of sovereignty and states' policies directed to social development.

South America - and with the PT, Latin America - will be maintained as the most relevant priority of Brazilian foreign policy, but in the case of a social-democratic win, exclusive 'South-South' policies will probably be scaled down within the ranks of Itamaraty, in favor of a more balanced view of cooperation and a more pragmatic position regarding commercial policies and human rights issues. Multilateralism in economic and political careers will keep the same importance as always and Itamaraty will regain some of the spaces it lost to a very activist presidential palace in the last eight years. There will probably be less presidential diplomacy, and more 'normal', professional diplomacy, with less travel and visits both abroad and to Brazil.

Changes in or of style and different emphases apart, Brazil will undoubtedly retain the growing economic and political importance it attained during Luis Inácio Lula da Silva's administration. The new view of Brazil held by foreign countries has objective grounds: the preservation of economic stability and the steady, albeit modest, growth rates exhibited by Brazilian economy that its diplomacy has been able to capitalize upon. China, the current engine of the world economy became the main Brazil's trading partner in the last year of Luis Inácio Lula da Silva's mandate, but it was China that that has contributed most to Brazilian growth, a growth much more based on the value given to its commodities than on the diversification and expansion of exported manufactures. In fact, economic growth in Brazil is perhaps becoming too dependent on China, as was the case in the past with the Brazilian-American relationship. However, in the context of the BRIC countries, Brazil has shown the worst growth rate of the four nations, and has not lost its relative share of the world GDP or the intensity of its participation in international trade.

Thus, despite Luis Inácio Lula da Silva's satisfaction with the greater presence of Brazil in the world, which allows him to enhance his own leading role in building that position, it would not be wrong to say that this new role derives much more from a hyperactive diplomacy, based on the strong promotion of the President himself, than from a real transformation in the objective position of Brazil in the economic and political scenarios. Growth in nominal GDP as compared to other countries is, at least in some measure, the result of the currency's appreciation against the dollar; in the same way, growth in exports reflects the growing demand from dynamic countries for Brazilian commodities; there is also the expansion of domestic credit for consumption, even at the risk of a bubble arising from excessive debt contracted by individuals and families. On a similar topic, the economic stability granted since Cardoso's administration, and rightfully preserved by da Silva, together with the size of the domestic market and Brazilian connections within the framework of Mercosur, are responsible for the huge amounts of foreign direct investments that have been attracted since then. This relatively benign scenario will probably be maintained for the next few years, depending on the main markets for Brazilian products (today tending towards China) and on external credits from financial markets.

An overall evaluation of Luis Inácio Lula da Silva's diplomacy should be able to recognize its ability to project a dynamic image of Brazil worldwide, helping to make the country a fully-fledged actor in the forefront of international diplomacy. Brazil is certainly present in many of the most important discussion bodies dealing with economic and political issues in the world agenda. Not surprisingly, the personal figure of da Silva is even more present than the country, which confirms the real success of his diplomacy in projecting his own image as the personification of Brazil.

In terms of its own development though, Brazil is still an emerging country, with many social deficiencies, economic imbalances, uneven regional progress, and an extremely problematic public education system; its state institutions and corruption levels are much more akin to the standard patterns already familiar in developing countries than with the advanced economies that Brazil is struggling to imitate. Incidentally, it is worth noting that Brazil could be a full member of the OECD, as it has received 10 open invitation in recent years to consider becoming associated with that organization; it was only for ideological and political reasons that Luis Inácio Lula da Silva's diplomacy choose to stand aside. Even taking into account some economic challenges arising from such a decision, OECD patterns in economic policy and governance would help Brazil to modernize its structures and improve the overall performance of its public policies.

Indeed, the main challenges for Brazil in the years ahead are entirely internal, with few, or none, deriving from external factors. Domestic problems are mainly to blame for the modest role still characterizing Brazil's world presence; an ambitious set of governance reforms - the taxation system, labor legislation, political and administrative reforms, and an educational revolution - most of them in line with OECD patterns, should contribute to the international aggrandizement of Brazil. Those tasks will presumably depend on a less ideological type of governance and on a new kind of diplomacy, open-minded and market-friendly. This task is for a post-da Silva government.

Received August 14, 2010
Accepted November 18, 2010

Notes:
1 Some of the questions debated in this essay have been already dealt with in other articles by the author, namely: "Brazil in the world context, at the first decade of the 21st century: regional leadership and strategies for its integration into the world economy", In: Joam Evans (org.), Brazilian Defense Policies: Current Trends and Regional Implications (London: Dunkling Books, 2009), p. 11-26; "Lula's Foreign Policy: Regional and Global Strategies", In: Werner Baer and Joseph Love (eds.), Brazil under Lula (New York: Palgrave-Macmillan, 2009), p. 167-183; "Política exterior: potencia regional o actor global", In: "Brasil Emerge", Vanguardia Dossier (Barcelona: La Vanguardia, n. 36, Jul-Sept., 2010), p. 68-72.
2 Minutes of the regular meetings of the FSP, since its foundation, in 1990, up to 2007, with evidence of the participation of the Colombian narco-terrorist group FARC, can be found at this website: http://www.midiasemmascara.org/arquivo/atas-do-foro-de-sao-paulo/7.html, accessed on 20th October 2010.

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O atraso dos paises islamicos pela lei coranica - Timur Kuran

Um livro importante, com uma tese talvez controversa, mas que merece atenção e debate.


The Long Divergence: How Islamic Law Held Back the Middle East
By Timur Kuran
Princeton, NJ: Princeton University Press, 2010, 405p.
The Independent, Friday, 28 January 2011

Reviewed by Ziauddin Sardar

Around 300 years ago, the bazaars of the Middle East were overflowing with luxury goods. The commercial centres of the region attracted all variety of fortune seekers, speaking numerous languages. There was nothing to indicate that the region would not continue to be economically prosperous. But then the trajectory changed. The Middle East nosedived into a downward spiral of underdevelopment. So what went wrong?

The major causes of the economic stagnation of the Middle East, which includes Turkey, are not colonisation, or the conservative and anti-scientific attitudes of the people, argues Timur Kuran, a professor of Islamic studies at Duke University. While colonisation certainly played a role, many former colonies, such as Brazil and India, have managed to overcome the historic hurdles of occupation. Conservatism and anti-scientific attitudes are as prevalent in Europe as the Middle East, and they have not been a barrier in the development of the West. The real cause of underdevelopment in the Middle East, Kuran suggests in this meticulously argued book, is the Sharia, or Islamic law.

When it was first formulated, the Sharia developed institutions, such as contract law, that were advanced and sophisticated for its time. But the law has not evolved and adjusted to the new world of business and finance. There have been, throughout history, many attempts to reinterpret it, eliminate ambiguities and resolve contradictions. In some areas, such as tax collection, innovations never ceased. However, the substance of the law was not transformed significantly to cope with radical changes in the range and magnitude of economic activity. The reinterpretations were seldom more than odd ripples in a pond.

Kuran identifies contract law, rules of inheritance, the ban on usury, and the death penalty for apostasy as key elements of Islamic law that thwarted economic development of the Middle East. His goal is not to rubbish Islamic law. Indeed, he takes pains to explore its positive features. But to demonstrates convincingly that lack of innovation generated negative consequences, even from the progressive aspects of Islamic law.

During the Middle Ages, business transactions were based on personal relationships. Islamic contract law, on the other hand, promoted cooperation outside family and kin. Complete strangers could come together to form a business partnership on the basis of mutual interest that was recognised in law and upheld in courts. The problem was that an Islamic partnership could be terminated at will by any partner. The death of a partner also dissolved the partnership, with subsequent profit and loss going solely to the survivor. The children and family of the deceased partner could neither inherit nor automatically take his place.

This meant that durable business partnerships that could last generations did not emerge in the Middle East. The private enterprises in the region became atomistic. When businessmen came together to pool their resources in profit-making endeavours, their cooperation was only temporary and seldom lasted more than a few months.

The problem was compounded by the egalitarian nature of Islamic laws of inheritance. These were designed to dissipate wealth in society and prevent its accumulation in fewer and fewer hands. But it also meant that business empires of successful merchants never survived after them, as their estates were divided and dispersed into several small segments. Recombination and re-emergence of the empire was almost impossible. Everything had to begin again from ground zero with new partnerships.

The ban on usury made it difficult for merchants to obtain credit and suppliers to lend money. Often, it increased the cost as both suppliers and users of credit discovered innovative strategies to bypass the prohibition. The bar on interest also meant that banks could not emerge. There was no incentive to trade shares; or any need for standardised accounting.

The punishment for apostasy made it impossible for Muslims to do business with non-Muslims. They risked life and limb if they conducted business under a non-Muslim legal system, or took disputes to non-Muslim judges.

To make matters worse, social services in Middle Eastern societies were provided by pious foundations, or waqfs. These charitable trusts, set up under Islamic law and supervised by religious officials, provided the region with such essential services as water supplies and looked after orphanages, schools and colleges. They could outlive their founders and continue for perpetuity. But as they were not self-governing, their caretakers could not maximise profits. They thus became an impediment to the growth of corporations.

All this meant that the Middle East was very late in adopting key institutions of modern economy. The laws, institutions and organisational forms, that could mobilise productive resources on large scales within enduring private enterprises, so essential for economic development, just did not emerge in the region.

This is a fresh and thought-provoking argument. But it is based on the assumption that Western financial institutions, and self-serving corporations, are the best possible model for development. Given the havoc that these institutions have caused in recent times, and the fact that injustice and obscene wealth is integral to their make-up, I think it is an assumption too far.

One also needs to consider why Islam insists on the egalitarian distribution of wealth and historically suppressed the emergence of monopoly capital. Perhaps it has something to do with a socially conscience vision of society that emphasises genuine equity and justice? Kuran's thesis is contentious; but it does provide us with an incentive to reformulate Islamic law. It is an excellent starting-point for a debate long overdue.

Ziauddin Sardar's 'Reading the Qur'an' will be published by Hurst in May.

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Review at The Economist:


The crescent and the company
Schumpeter
The Economist, January 27th 2011

A scholar asks some profound questions about why the Middle East fell behind the West

The Long Divergence: How Islamic Law Held Back the Middle East
By Timur Kuran
Princeton, NJ: Princeton University Press, 2010, 405p.

IN 2002 a group of Arab scholars produced a brave report, under the auspices of the United Nations, on the Arab world’s twin deficits, in freedom and knowledge. A salutary debate ensued. Now Timur Kuran, a Turkish-American economist based at Duke University, has written an equally brave book on “how Islamic law held back the Middle East”. One can only hope that the result will be an equally salutary debate.

For most of its history the Middle East was just as dynamic as Europe. The great bazaars of Baghdad and Istanbul were full of fortune-seekers from hither and yon. Muslim merchants carried their faith to the far corners of the world. In the 1770s Edward Gibbon had little difficulty imagining Islamic theology being taught in Oxford and across Britain—if only the battle of Tours-Poitiers in 732 had turned out differently.

But even before Gibbon the balance of power had shifted. Angus Maddison has calculated that in the year 1000 the Middle East’s share of the world’s gross domestic product was larger than Europe’s—10% compared with 9%. By 1700 the Middle East’s share had fallen to just 2% and Europe’s had risen to 22%.

The standard explanations for this decline are all unsatisfactory. One is that the spirit of Islam is hostile to commerce. But if anything Islamic scripture is more pro-business than Christian texts. Muhammad was a merchant, and the Koran is full of praise for commerce. A second explanation is that Islam bans usury. But so do the Torah and the Bible. A third—popular in the Islamic world—is that Muslims were victims of Western imperialism. But why did a once-mighty civilisation succumb to the West?

In “The Long Divergence” Mr Kuran advances a more plausible reason. The Middle East fell behind the West because it failed to produce commercial institutions—most notably joint-stock companies—that were capable of mobilising large quantities of productive resources and enduring over time.

Europeans inherited the idea of the corporation from Roman law. Using it as a base, they also experimented with ever more complicated partnerships. By 1470 the house of the Medicis had a permanent staff of 57 spread across eight European cities. The Islamic world failed to produce similar innovations. Under the prevailing “law of partnerships”, businesses could be dissolved at the whim of a single partner. The combination of generous inheritance laws and the practice of polygamy meant that wealth was dispersed among numerous claimants.

None of this mattered when business was simple. But the West’s advantage grew as it became more complicated. Whereas business institutions in the Islamic world remained atomised, the West developed ever more resilient corporations—limited liability became widely available in the mid-19th century—as well as a penumbra of technologies such as double-entry book-keeping and stockmarkets.

How much does this matter for modern business? From the late 19th century onwards Middle Eastern politicians borrowed Western institutions in order to boost economic growth. In the 1920s Ataturk introduced a thoroughly secular legal system in Turkey. Today the Islamic world boasts muscular companies and hectic stockmarkets (the market capitalisation of the region’s three biggest countries, Turkey, Egypt and Iran, doubled between 2003 and 2008). Dubai is laying out a red carpet for the world’s companies. Turkey is growing much faster than Greece.

Yet the “long divergence” continues to shape the region’s business climate. Most obviously, the Middle East has a lot of catching up to do. Income per head is still only 28% of the European and American average. More than half the region’s firms say limited access to electricity, telecoms and transport is a problem for business. The figure in Europe is less than a quarter.

There are more subtle echoes. Business across the region remains intertwined with the state while the wider commercial society is weak. The Global Entrepreneurship Monitor suggests that rates of entrepreneurship are particularly low in the Middle East and north Africa. Transparency International’s corruption-perceptions index suggests that corruption is rife: in 2010, on a scale from one (the worst) to ten, Western Europe’s five most populous countries received an average score of 6.5, whereas the three most populous countries in the Middle East averaged 3.2 (Turkey scored 4.4, Egypt 3.1 and Iran 2.2).

Culture’s long shadow
The “long divergence” also helps to explain some of the Islamist rage against capitalism. Traditional societies of all kinds have been uncomfortable with corporations which, according to Edward Thurlow, an 18th-century British jurist, have “neither bodies to be punished, nor souls to be condemned”. But that unhappiness has been particularly marked in the Middle East. Corporations and other capitalist institutions were imported by progressive governments that believed the region faced a choice between Mecca and modernisation. Local businesses—particularly capital-intensive ones such as transport and manufacturing—were dominated by Jews and Christians who were allowed to opt out of Islamic law.

Mr Kuran’s arguments have broad implications for the debate about how to foster economic development. He demonstrates that the West’s long ascendancy was rooted in its ability to develop institutions that combined labour and capital in imaginative new ways. The Protestant work ethic and the scientific revolution no doubt mattered. But they may have mattered less than previously thought. People who want to ensure that economic development puts down deep roots in emerging societies would be well advised to create the institutional environment in which Thurlow’s soulless institutions can flourish.

Economist.com/blogs/schumpeter

Piada de economistas... e de historiadores (para connoisseurs...)

Recolhida numa lista de história econômica, com a gentil permissão dos autores:

Roy Weintraub writes:

"We decided that on Mondays, Wednesdays, and Fridays we would be pleased to act as members of a broad left-wing conspiracy to turn America into a French-loving high taxation socialist state, while on Tuesdays, Thursdays and Saturdays we would take part in the vast right-wing conspiracy to arm America and send all the leftist liberals back to Russia. We also decided that on Sundays we would drink beer and watch football."

And on the 7th Day, God invented humor, to keep us from each other's throats.
About time for some, and thank you, Roy.

As to French-loving, it is worth remembering that our Founding Fathers were mostly Francophiles, before and after the Revolution. Even Washington, the conservative, allied with Rochambeau, Lafayette, and deGrasse to trap Cornwallis at Yorktown. Jefferson, Franklin, and other authors of the U.S. Constitution consorted with Quesnay, and many Physiocrats, plus Turgot the tutor of Adam Smith. Turgot's Reflexions is a terse masterpiece of early political economy. He might even be considered the father of the Commerce Clause of our constitution, which accomplished for us what he had sought in France. Even Alexander Hamilton had a French mother. So those who idolize the Founders and revile the French have some reconciling to do.
--
E. Roy Weintraub
Professor of Economics
Fellow, Center for the History of Political Economy
Duke University
www.econ.duke.edu/~erw/erw.homepage.html

Merval Pereira : "No centro das decisoes" - O Globo, 28/01/2011: carta PRA

Abaixo o teor de uma carta que despachei ao jornalista, colunista do jornal O Globo e comentarista da rádio CBN:

Caro Merval,
Leitor regular, ainda que não constante, de suas colunas no jornal e de seus comentários na CBN sobre a atualidade política nacional e mundial, não posso deixar de chamar sua atenção para um equívoco importante cometido em sua coluna da sexta-feira, 28/01, e para uma outra passagem que reflete um equívoco do presidente Sarkozy, que deveria ter sido registrado e corrigido por você.

Ao início de seu texto, você escreveu isto:
"O G20, que reúne as maiores economias do mundo, toma cada vez mais jeito de ser o organismo apropriado para as decisões do novo mundo multipolar que vem se desenhando, substituindo o G-8 antes que os fatos o tornassem obsoleto. Em poucos anos, países emergentes como China, Índia e Brasil estarão entre as principais economia do mundo, superando muitas das que hoje fazem parte do G-8."
Mas, no meio do seu texto, você escreve isto:
"O G-20 nasceu em 2003, por ocasião da reunião da Organização Mundial do Comércio em Cancún, no México -- que paralisou as negociações da Rodada de Doha para liberalização do comércio internacional devido a um impasse que colocou o grupo de países emergentes, ~a época liderado pelo brasil, em contraposição a Estados Unidos, Japão, e União Europeia."

Seu equívoco, que me parece grave, pois pode induzir os leitores a confusão, é o de ter confundido o G20 comercial, grupo de países em desenvolvimento criado por iniciativa do Brasil na ministerial de 2003 da OMC em Cancun, para tratar EXCLUSIVAMENTE de quesões de política agrícola naquele foro multilateral, com um grupo totalmente diferente, o G20 financeiro, que existe desde 1999, paralelamente ao Forum de Estabilidade Financeira, criando no âmbito do FMI para tratar da questão dos desequilíbrios monetários, mas que tinha permanecido numa relativa obscuridade, até ser redespertado de seu torpor institucional pela crise americana, a partir de 2008.
Se trata de dois grupos completamente diferentes, pelo escopo, objetivos e composição, ainda que alguns (mesmos) países participem de ambos, como é obviamente o caso do Brasil e da China, por exemplo. Mas um grupo não tem absolutamente nada a ver com o outro, pois o G20 financeiro incorpora todos os países do G8 e outros da OCDE (menos a Espanha, para desgosto dela, mas ela se esforça por participar) e algo como 11 países ditos "emergentes", mas importantes em termos economicos (finanças, investimentos, comércio, propriedade intelectual, tecnologia, meio ambiente, etc.).

Creio, sinceramente, mas isto é apenas uma sugestão, que você deveria registrar esse pequeno equívoco e talvez aproveitar a ocasião para tratar de ambos os grupos, ou da questão da agenda internacional como um todo, fazendo as necessárias distinções entre um debate "comercial-agrícola" de um lado (com o seu G20 comercial de países em desenvolvimento), e os debates de governança global, de outro, com os importantes problemas financeiros e monetários, nos quais o G20 financeiro talvez tenha um papel a desempenhar.
Pessoalmente, creio que, depois de vermos a velha Guerra Fria enterrada em grande medida, estamos em meio a uma "Guerra Fria econômica", com todas as potenciais tensões, eventualmente cambiais, a ela associados.

No que se refere ao equívoco de Sarkozy, que pessoalmente creio você deveria ter corrigido, por corresponder a um absurdo lógico e econômico, ele se reflete na seguinte passagem:

"É dentro de um contexto de um mundo que muda rapidamente, (...) que Sarkozy vê a necessidade de uma ação para conter as especulações." [O presidente francês preconiza, em suas palavras, "regulamentar não apenas os mercados financeiros internacionais, mas também o mercado internacional de commodities, em especial o de produtos agrícolas".]
"Não parecia [Sarkozy] estar fazendo cena quando previu que em 20 a 30 anos, se não houver uma mudança de postura diante dos problemas como escassez de alimentos devido à alta especulativa de preços, pode haver uma crise de proporções inestimáveis."

Ou a posição de Sarkozy é absolutamente inconsistente com os dados da realidade -- e eu tendo a concordar em que ele está atuando politicamente de maneira totalmente irracional e ilógica, no plano econômico -- ou seu texto é muito ambíguo e não chega a perceber a tremenda contradição que existe nessas frases.
Vejamos: a escassez de alimentos não se deve, de nenhuma forma, à alta especulativa de preços, em absoluto. Os preços de produtos agrícolas, e os de várias outras commodities, subiram porque houve aumento da demanda -- o que é claramente percebido pelo aumento de renda em vários mercados emergentes em crescimento sustentado -- ou então quebra temporária, acidental ou natural, da produção, cabendo então responsabilizar a alta de preços pela velha lei da oferta e da procura, e não a qualquer movimento especulativo, o que num mercado absolutamente aberto e globalizado como esse seria difícil de se registrar.
Mas a posição do Sarkozy é ainda mais inconsistente, no plano da lógica e da economia, porque, se existe aumento de preços, haverá novos estímulos à produção agrícola, que tenderá a aumentar, portanto, jamais tendência à escassez catastrófica que ele anuncia. A história, aliás, nos confirma o grau de estupidez que existe em todas essas previsões malthusianas: a população mundial aumentou seis vezes, ao longo do século 20, mas o PIB mundial cresceu mais de 20 vezes, aumentando a riqueza, a renda, a disponibilidade de alimentos e de bens e serviços de todos os tipos para todos os povos do mundo. Apenas aqueles que não participam das trocas mundiais é que podem ter enfrentado fomes epidêmicas ou surtos temporários de escassez de oferta, o que não tem nada a ver com a indisponibilidade de alimentos em outras partes do mundo ou com movimentos temporariamente especulativos em determinados mercados sujeitos a desequilibrios momentâneos.
Surpreende-me, portanto, essa total falta de lógica em aliar "alta especulativa de preços" com "escassez de alimentos". Isso não faz nenhum sentido, nunca fez e não fará daqui para a frente. O presidente Sarkozy está apenas querendo disfarçar um desconforto orçamentário e inflacionário com uma alta temporária dos alimentos, propondo um tipo de regulamentação absolutamente contrária à lógica econômica e à experiência da história.
Se a França e a União Europeia decidissem terminar com o subvencionismo e o protecionismo agrícolas, de fato a absurda "Loucura Agrícola Comum" que eles defendem, o mundo seria um lugar bem mais abundante em produtos agrícolas, sem a penúria e a pobreza que essas políticas provocam em países africanos e outros em desenvolvimento.

Com minhas saudações cordiais, e certo de que você receberá minhas observações com um testemunho do apreço que mantenho por sua coluna e comentários de rádio, despeço-me, cordialmente,
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Paulo Roberto Almeida

A piada da semana, alias diplomatico-economica...

O Brasil fica com Cesare Battisti, mas Dilma devolve Guido Mantega à Itália.
Acusação: assassinou o superávit primário sem dar chance de defesa à vítima.

Piada inocente...
Continuação da piada (segundo Reinaldo Azevedo):

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, está terminando de escrever um livro técnico cujo título é “Manual da Contabilidade Criativa”. Ele ensina como fraudar os números do superávit primário e influenciar pessoas. Na editora, há quem defenda que a brochura traga uma tarja preta com uma advertência: “Não tente fazer isso em casa; você pode arruinar as suas finanças pessoais”. É claro que esta é uma notícia falsamente verdadeira…

O Brasil em Davos: debate sobre o Brasil, economia e diplomacia

Brazil Outlook
Friday 28 January, 11.00 - 12.00
World Economic Forum: http://www.weforum.org/s?s=Brazil

With a new government in place, what are the country’s domestic and international priorities in 2011?
The following dimensions will be addressed:
- Policy continuity versus new realities
- Macroeconomic challenges
- Foreign policy agenda

Key Points
• New President Dilma Rousseff, Brazil’s first woman head of state, promises continuity.
• Brazil has figured out how to grow and decrease inequality at the same time.
• Inequality and infrastructure remain priorities.
• Brazil successfully weathered the economic crisis in part because it had the strength to take countercyclical measures for the first time in recent history.
• Monetary policy will stay on the same track that it has been on for the last 11 years.

Synopsis
Brazil’s first woman president, Dilma Rousseff, begins her term promising continuity and trying to maintain what most observers consider to be a virtuous circle of success. Notably, in recent years, the country managed to break with the old convention of expanding the pie before dividing it: Brazil has figured out how to grow and decrease inequality at the same time. The new administration plans to continue to battle inequality and to improve and add infrastructure – not in the least because the country will host the World Cup in 2014 and Rio de Janeiro the Olympics two years later.
Brazil has successfully weathered the economic crisis in part because its fiscal and monetary positions allowed it to take countercyclical measures for the first time in recent history. The National Development Bank (BNDES) reacted by increasing outlays, especially for investments in infrastructure. As the crisis winds down, the BNDES plans to retreat, to reduce its role and leave more space for private lenders.
Monetary policy will stay on the same track that it has been on for the last 11 years. The inflation target regime includes a floating exchange rate, accumulation of foreign reserves, and reasonably well adjusted public finances. The Central Bank’s mandate is to deliver monetary stability, which in the current climate means dealing with the copious flows of incoming capital. In that spirit, it has tightened financial and monetary conditions, and is keeping a steady eye on the inflation rate.
Part of the problem with capital flows to emerging market countries like Brazil is that they lack the capacity to absorb the massive influx. Foreign cash ends up in short-term instruments because there are not enough long-term opportunities available. Brazil has recently begun to provide incentives to encourage more investment in corporate bonds and other longer-term instruments.
In terms of foreign policy, Brazil will continue to strengthen ties to its South American neighbours and extend its global reach, without ignoring old ties with the United States, Europe and Japan. Rousseff has chosen Argentina for her first foreign visit as president, and she is scheduled to meet with US President Barack Obama in March. In recent years, Brazil has opened more than 40 embassies around the world, mainly in Africa, the Middle East and Central Asia, and it will work to strengthen ties in those places. It will also work closely with other emerging market countries, notably China, India and South Africa, in a number of venues. The country continues to support reform of the United Nations and of the UN Security Council.

Participants:
Antonio De Aguiar Patriota, Minister of External Relations of Brazil
Luciano Coutinho, President, Brazilian Development Bank (BNDES), Brazil
Frederico Fleury Curado, President and Chief Executive Officer, EMBRAER, Brazil; Global Agenda Council on Emerging Multinationals
Vikram Pandit, Chief Executive Officer, Citi, USA
Alexandre Tombini, President of the Central Bank of Brazil
Renato Augusto Villela, Secretary of State for Finance, Government of the State of Rio de Janeiro, Brazil

Moderated by
Moisés Naím, Senior Associate, International Economics, Carnegie Endowment for International Peace, USA; Global Agenda Council on Illicit Trade

Disclosures
This summary was prepared by William Hinchberger. The views expressed are those of certain participants in the discussion and do not necessarily reflect the views of all participants or of the World Economic Forum.

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