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quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

O Estado brasileiro: debate e agenda (1) - Paulo Kramer


O Estado brasileiro: debate e agenda

Congresso em Foco, 28/12/2011
Recentemente, por iniciativa do consultor e professor de administração pública da Universidade de Brasília João Paulo Peixoto, o Instituto de Ciência Política (Ipol/UnB) hospedou uma conferência destinada a divulgar e discutir a recém-lançada coletânea The Brazilian state: debate and agenda (Lexington Books, 2011).
Organizado pelos professores Maurício Font e Laura Randall, com assistência de Janaína Saad, o livro é fruto do seminário “The Brazilian State: Paths and Prospects of Dirigisme and Liberalization”, realizado em novembro de 2009 pelo think tank de estudos latino-americanos dirigido por Font na City University of New York (Cuny) – o Bildner Center for Western Hemisphere Studies. Os papers então apresentados se transformaram nos 16 capítulos da coletânea, e alguns de seus autores compareceram ao Ipol para debater seus trabalhos entre si e com um público de docentes e estudantes que lotava a “sala da pós-graduação” naquela manhã de sexta-feira.
Recebi de meu amigo e colega Peixoto – autor do segundo capítulo: “The Brazilian states since Vargas” – o desafio de, ao final de três mesas redondas, apresentar um resumo, ou wrap up(‘amarração’ geral), como dizem os americanos, de todas as exposições e comentários. O que segue são as notas que tomei no desempenho de minha missão.
Leia a seguir:
Na primeira mesa redonda, discutiu-se os efeitos do receituário liberal e como ele se manifesta hoje
A primeira mesa, coordenada por outro confrade do Ipol, o politólogo e analista internacional Ricardo Caldas, teve como expositores o próprio Font, que além de organizador, é autor da “Introdução” à coletânea; novamente o nosso anfitrião Peixoto; e o cientista político e professor do antigo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Uerj) – há pouco transplantado para a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, passando a se chamar Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) – Renato Boschi, veterano estudioso da história e estrutura da articulação de interesses (lobby) empresariais no Brasil. Ele escreveu o terceiro capítulo de The Brazilian State, intitulado “State developmentalism: continuity and uncertainty”. As três exposições, foram debatidas por outro professor do Ipol, Antonio Brussi.
Em sua apresentação sobre “Estado, mercado e desenvolvimento: foco na infraestrutura”, Maurício Font questionou se o processo de reformas liberalizantes dos anos 90 (abertura comercial externa, privatizações, estabilização monetária e responsabilidade fiscal) – com agenda inspirada no nunca suficientemente demonizado Consenso de Washington, aquela cabala ‘imperialista’ e ‘neoliberal’ que a esquerda ama odiar – estaria com seus dias contados para dar lugar a um Consenso de Brasília. Afinal, desde o segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a política econômica readquiriu um perfil mais dirigista, como exemplificam os generosos financiamentos do BNDES a grandes grupos empresariais amigos e financiadores eleitorais do PT. Agora, no governo Dilma, noto que o programa Brasil Maior segue nessa senda de incentivos fiscais, protecionismo comercial e política industrial, fundamentada na crença de que a tecnocracia estatal pode e deve escolher firmas ‘vencedoras’ em setores ditos estratégicos, no pressuposto de que os burocratas do Executivo e das agências oficiais de fomento, além dos economistas da Unicamp e quejandos, são muito mais ‘espertos’ que o mercado.
Antes de discutir as limitações desse enfoque intervencionista, o brasilianista passou em revista fatores domésticos e externos que ensejaram o boom de consumo de massa responsável pelos altos índices de popularidade do ex-presidente Lula e seu governo. São coisas que não constituem nenhuma surpresa para pessoas medianamente informadas sobre a economia brasileira, mas que uma ruidosa e caríssima máquina de propaganda do governo federal, secundada por um exército de blogueiros chapa-branca, faz de tudo para esconder do povão: a bendita herança da política macroeconômica do fernando-malanismo, acolhida e aprofundada no primeiro lulato pelo eixo Palocci-Meirelles; a insaciável fome de commodities agrícolas e minerais do dragão industrial-exportador chinês; o afluxo de capitais privados, domésticos e externos, para investimentos em áreas de infraestrutura (sobretudo telecomunicações), graças à privatização desse setor e também à flexibilização do monopólio estatal do petróleo e do gás, em meados dos anos 90.
O reverso dessa medalha, advertiu Font, residiria em sérias e persistentes debilidades do Estado brasileiro, que, na visão do antropólogo Roberto DaMatta sempre teve razões que a própria sociedade desconhece; o mesmo Estado, também, que os ideólogos petistas, ‘viúvas’ da era Geisel, idolatram e vêem como solução para tudo; e que os brasileiros, a um só tempo, tendem a temer como a um tirano e a confiar como  em um paizão camarada.
Nos três níveis de governo, o Estado brasileiro fica com quase 40% de toda a riqueza que o país produz, mas, entre custeio de uma inchada, aparelhada e ineficiente máquina pública, corrupção endêmica que o lulismo catapultou a níveis ‘nunca dantes’ alcançados, rolagem da dívida pública com os bancos e agigantamento do assistencialismo, no fim sobra pouco dinheiro estatal para poupança e investimento (de 1% a 2% do PIB).
Daí, como explicou Font, as debilidades da nossa infraestrutura de viação e logística. O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), lançado por Lula em 2007, até hoje entregou apenas um terço das obras planejadas. As parcerias público-privadas (PPPs), mesmo reguladas por lei federal desde 2004, não entusiasmaram os investidores, descrentes da capacidade da burocracia governamental para gerir seu dinheiro e mantê-lo a salvo da gula ‘companheira’ e dos demais partidos políticos da coalizão oficialista – com ou sem a faxina ética que a presidente da República agora parece ter-se arrependido de haver anunciado.
Outro entrave, sublinhado pelo diretor do Bildner Center, ao deslanche das PPPs brasileiras, em contraste com os progressos verificados, por exemplo, no Chile, é a incompetência para contornar “conflitos federativos” com governos estaduais, tais como os que retardam a conclusão das obras ferroviárias do Ferroanel de São Paulo, da ferrovia Norte-Sul e da Ferronorte (Mato Grosso).
Na sua exposição, “O Estado brasileiro desde Vargas”, João Paulo Peixoto referiu, com ironia, à “duvidosa delícia acadêmica” de ter de comprimir 70 anos de história em 15 minutos de apresentação.
Peixoto iluminou o contraponto entre a profusão de modelos políticos experimentados pelo Brasil desde a Independência – monarquia constitucional, república presidencialista, ditadura civil, ditadura militar, república parlamentarista –, de um lado, e, de outro, a profunda linha de continuidade na tradição do patrimonialismo intervencionista, tão forte que já relegou ao abandono inconclusas reformas como as privatizações e a modelagem administrativa do Executivo federal, as quais praticamente começaram e terminaram no primeiro mandato presidencial de Fernando Henrique Cardoso.
(Enquanto ouvia meu colega discorrer sobre os fracassos sociais e os déficits de cidadania no rastro da centralização e da hipertrofia do poder do Estado [“De que adianta o Brasil virar a sexta, ou quinta economia mundial se continua com índices de desenvolvimento humano e desempenho educacional que nos envergonham?” – desafiou], lembrei-me da lição que aprendi com autores liberais como Antonio Paim [A querela do estatismoMomentos decisivos da história do Brasil e O liberalismo contemporâneo] e Simon Schwartzman [Bases do autoritarism brasileiro]: em países onde as empresas estatais e os tecnocratas são muito poderosos, as desigualdades tendem a se multiplicar até tornar impagável a dívida social. Em suma, Estado rico, sociedade pobre.)
Em viva contraposição ao diagnóstico do professor Peixoto, a visão de Renato Boschi me pareceu bem otimista. Sua exposição – “Política e trajetória no desenvolvimento capitalista brasileiro” –, enfatizou o papel positivo do Estado no crescimento econômico e no desenvolvimento social do país.
Boschi, que no momento conduz pesquisa sobre variedades de capitalismo, tecnologia e ecologia, fez referência à “escola francesa da economia política da regulação”, paradigma segundo o qual decisões de política pública tomadas no passado assumem uma rigidez que se reflete na longa continuidade das trajetórias estatais (aquilo que os cientistas sociais de língua inglesa denominariam de path dependence). Mesmo assim, acrescentou o professor do Iesp/Iuperj, o advento de uma crise sistêmica introduz significativas descontinuidades e inflexões de curso. Como exemplo recente, ele apontou a Grande Recessão, de 2008 até hoje, que, a seu ver, estaria fomentando uma reavaliação positiva do papel regulador e fomentador do Estado nos centros hegemônicos do capitalismo mundial, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, depois do longo descrédito ideológico a que influentes líderes liberal-conservadores condenaram as políticas dirigistas ou assistencialistas. (Imediatamente vêm à memória os nomes de Ronald – “O governo não é a solução, é o problema” – Reagan e de Margaret – “Não existe essa coisa de sociedade” – Thatcher.)
No caso brasileiro, a análise de Boschi converge com a de Peixoto, no que em um juízo de fato (continuidade do protagonismo econômico do Estado); porém, ambos discordam fortemente em termos de juízo de valor quanto à benignidade/malignidade do processo.
Para acentuar a continuidade da trajetória brasileira, o expositor contrastou-a com o caso argentino, que, no século passado, experimentou violentas reversões de política econômica, decorrentes de uma discordância fundamental entre as classes dirigentes: agraristas liberais contra uma aliança do empresariado industrial protecionista com o sindicalismo peronista. No Brasil, ao contrário, o consenso pró-estatismo estaria solidamente enraizado na cultura política das diversas elites.
Neste ponto, refleti que Boschi e Peixoto voltavam a convergir em mais uma constatação factual: a de que a abertura comercial promovida pelo governo Fernando Collor e as privatizações e reformas do Estado encaminhadas o Itamar Franco e FHC representaram pouco mais que soluções de continuidade passageiras e superficiais na carapaça do estatismo brasileiro.
O iuperjiano acrescentou que a análise comparativa das trajetórias macroeconômicas deve estar atenta não apenas às diferenças mais evidentes, mas também a semelhanças sutis e aparentemente paradoxais. Um exemplo: a despeito do encolhimento drástico da infraestrutura de bem-estar social durante a ditadura do general Pinochet, sob a orientação de economistas ultraliberais egressos da satânica Universidade de Chicago, o Chile manteve inabalável o controle estatal de atividades econômicas-chave como a mineração do cobre, antes e depois da transição democrática no início dos anos 90.
(Se eu não estivesse tão ocupado anotando tudo para o meu resumo final, teria, nesse momento, levantado o braço para pedir licença de recordar a diferença abismal entre a nossa carga tributária e a dos chilenos, cerca de metade da brasileira…)
Para o final da apresentação de Boschi ficariam suas observações mais polêmicas, como a de que a concentração unilateral de muitos pensadores políticos e sociais, hoje, sobre os efeitos perversos do patrimonialismo dificultaria o reconhecimento de um aspecto “positivo” docapitalismo politicamente orientado à brasileira, saber: a preservação de núcleos profissionais de grande competência instalados em setores ‘modernos’ da administração federal direta (caso do Ipea) e, claro, nas grandes empresas estatais, como Petrobras, BNDES, Eletrobrás e tantas outras. (Cabe esclarecer que patrimonialismo e capitalismo político, ou politicamente orientado, são arquétipos da sociologia de Max Weber: o primeiro designa a modalidade de dominação política que borra as fronteiras entre o ‘público’ e o ‘privado’ em proveito dos governantes, dos altos escalões burocráticos estatais e dos aliados-clientes de ambos no mundo dos negócios. Esse arquétipo foi introduzido na ciência social brasileira por Raymundo Faoro na sua obra capital, Os donos do poder, cuja primeira edição data de 1958. O segundo arquétipo [capitalismo político ] tem evidentes afinidades com o primeiro e descreve as atividades dos empresários cujos lucros derivam muito mais de suas conexões com o governo do que da competição com outras firmas no mercado.)
Antonio Brussi, debatedor dessa primeira mesa redonda, adiantou que concentraria os seus comentários na fala e no capítulo de Boschi na coletânea em foco, em vez de confrontar as idéias deste com as de Font e Peixoto.
Chamando atenção para os dois eixos fundamentais do trabalho analisado – o papel do Estado diante da atual crise econômica, aqui e lá fora; e o “avanço da fronteira social” possibilitado pela expansão do mercado de consumo interno durante a era Lula –, Brussi concordou com a interpretação de que as reformas liberais da década de 90 não se provaram suficientemente resistentes para apagar o legado varguista do planejamento econômico e das políticas sociais (trabalhista, previdenciária). Algumas das realizações mais marcantes do governo Lula estariam ligadas, simultaneamente, ao já referido robustecimento do consumo de massa e ao reforço da rede de proteção social, onde se encaixam os sistemáticos aumentos reais do salário mínimo, o programa Bolsa Família e a redução do IPI sobre automóveis e outros bens duráveis.
Brussi argumentou que, para Boschi, teria sido/ainda seria possível avançar nesse caminho via ampliação dos financiamentos do BNDES, do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, das obras do PAC e do próprio Bolsa Família.
(Neste momento, suspirei para dentro: “Tudo maravilhoso se isso  não tornasse a carga tributária – sempre esse detalhe fatal! – mais pesada do que já é…)
O debatedor esboçou um panorama histórico das respostas da economia brasileira às anteriores crises cíclicas do capitalismo mundial. A de 1875-1896, foi enfrentada com a expansão da cafeicultura em São Paulo, a qual, impulsionada pela imigração de trabalhadores livres da Europa, permitiu que a acumulação de capitais transbordasse para outros setores, assim possibilitando o início da industrialização. À depressão de 1929/30, o Brasil reagiu com a adoção da estratégia de substituição de importações, que se estenderia do início da era Vargas até praticamente o fim do regime militar.
O desarranjo sistêmico iniciado em 1971 com a decisão do governo Richard Nixon de sepultar um dos pilares da ordem econômica do pós-Segunda Guerra Mundial, acabando com a paridade dólar-ouro, abriu caminho a um período de ‘estagflação’ a que o Brasil levaria muito tempo para responder à altura, com o encerramento da estratégia substitutiva de importações, a sua troca pela integração competitiva ao mercado mundial e, finalmente, a conquista duradoura da estabilidade de preços.
Enfim, Antonio Brussi se mostrou cético em face da perspectiva do avanço do redistributivismo por tempo indeterminado, sublinhando que os casos dos Estados Unidos e do Reino Unido estão aí mesmo para ensinar que é possível, sim, ocorrer retrocessos no índice de Gini, medida de concentração de renda. O debatedor fundamentou seu pessimismo em hipótese formulada por dois marxistas americanos hoje quase inteiramente esquecidos, Paul Sweezy e Paul Baran, segundo quem existiriam sistemas socioeconômicos na periferia capitalista fadados a chegar à decadência antes de alcançar um imaginário apogeu.
(Do meu canto, conjecturei que, nesse raciocínio, talvez fosse possível encaixar a preocupação de economistas brasileiros atuais e nada marxistas como o gaúcho Aod Cunha e o portenho-carioca Fábio Giambiagi, que têm alertado para o perigo de, na ausência de reformas inadiáveis, tornar-se o Brasil demograficamente velho antes de ficar rico, desperdiçando o seu passageiro “bônus demográfico”, janela de oportunidade que consiste no fato de que parcela considerável da população economicamente ativa ainda ser jovem o suficiente e já ser numerosa o bastante para arcar com os custos das aposentadorias de um crescente contingente de trabalhadores maduros.)
Enquanto eu assim devaneava, boa parte do plenário reagia inquieta à hipótese de o patrimonialismo ostentar um lado bacana. Bem a propósito disso, Font relembrou que, no início dos anos 50, o sociólogo Hélio Jaguaribe já advertia contra os três Cs que entravavam a marcha do desenvolvimento brasileiro: clientelismo, corporativismo e corrupção.
Leia a seguir:
(no próximo post)

Neomalthusianismo, desafio do seculo XXI - Mario Cesar Flores


Malthus versão século 21

Mario Cesar Flores, almirante de esquadra (reformado)

O Estado de S.Paulo, 
29 de dezembro de 2011
O fantasma da tese de Malthus - a dissonância entre o aumento da população e o da produção de alimentos - foi exorcizado pela produtividade moderna, ou pode sê-lo onde a fome persiste, se complementada pela capacidade institucional, interna e internacional (OMC, FAO). Há bolsões de fome trágica, a exemplo do Sudão, mas a desnutrição ainda manifesta mundo afora resulta mais da falta de renda para adquirir o alimento que da produção insuficiente. Em contrapartida, preocupa a nova versão do fantasma malthusiano: a distância entre, de um lado, demandas essenciais à vida digna de 7 bilhões de seres humanos e crescendo (193 milhões no Brasil), como são emprego e renda, educação, atendimento à saúde, energia, transporte, habitação, água potável, saneamento, seguridade social, e por aí vai, a que se somam as demandas do modelo consumista e lascivo (o uso do carro...), e, do outro, a capacidade do Estado, da sociedade e da natureza (ameaça ambiental, exaustão de recursos naturais) de satisfazê-las. O tema é global, mas vamos desenvolvê-lo referenciado ao Brasil.
Até os anos 1970 o aumento populacional do Brasil era apoiado na ideia, avalizada pela doutrina da segurança nacional da época, que associava progresso e segurança de país extenso à população grande (difícil explicar Canadá e Austrália...) e via a população grande como mercado naturalmente também grande. Essa ideia vem sendo revista e já é consensual que população grande, pobre e mal preparada compromete o progresso em tranquilidade, o meio ambiente, a segurança e a qualidade da democracia. Não acompanhado pelo desenvolvimento com dimensão social, diferente do mero crescimento econômico, o aumento da população é socialmente aviltante, culturalmente mediocrizante e ambientalmente predatório. Haja vista a favelização desordenada, que cria preconceitos prejudiciais à solidariedade social, degrada o meio ambiente e induz a convivência conformada com o delito.
Nossa população aumentou de 30 milhões em 1920 (o Canadá hoje) para 193 milhões em 2011. Nesse período nosso PIB cresceu a ponto de ser o sexto do mundo. A produção agropecuária acompanhou e ajudou a propulsar o crescimento econômico e demográfico (menos fome, mais saúde), mas a satisfação do imenso rol das demais demandas essenciais do povo, ou nele inculcadas pela sedução da modernidade, não ocorreu em ritmo similar - descompasso transparente no nosso modesto ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), no mundo. Muitas dezenas de milhões de brasileiros vivem hoje prejudicados pela educação medíocre, pelo caótico atendimento à saúde e pelo apoio social e infraestrutural precário, na ilusão da ascensão social via consumo em ene prestações. Ou sobrevivem na informalidade, no subemprego e assistencialismo, que envilecem a dignidade cidadã. Atraídos pelo fascínio do consumismo, mas não compelidos pela fome, muitos milhares praticam o delito como meio de vida.
É bem verdade que o poder público não foi competente na busca da compatibilização da evolução econômica com a social. De qualquer forma, teria sido difícil construir infraestrutura de apoio, instituições de ensino e de saúde e moradias decentes, organizar um modelo socioeconômico com empregos dignos e uma seguridade social eficiente e correta, para quase cinco Argentinas atuais em 90 anos, uma Argentina a cada 22 anos! O ritmo de crescimento da população vem caindo há 40 anos e se aproxima do (ou já é) razoável - o que exigirá (já exige na Europa) a revisão da previdência, que responda ao problema "envelhecimento das gerações da época prolífera versus inserção ativa de menos jovens". Mas se aproxima do razoável com distorções interativas que complicam a redução do déficit: a base da pirâmide social o reduz mais lentamente que os estratos superiores e o Sul e o Sudeste relativamente ricos, mais rapidamente que as regiões onde a dívida social é maior. Quadro similar ao do mundo, como mostra a diferença entre a natalidade europeia e a africana.
A versão século 21 do fantasma malthusiano está longe de resolvida. Sua solução implica o complexo e demorado atendimento das demandas essenciais esboçadas acima e a revisão do imaginário que, a despeito das limitações, inclusive da natureza, pretende a população idilicamente motorizada e equipada com a miríade de utensílios de última geração, travestidos de necessários - iPads, notebooks, smartphones, videogames, TVs de alta definição, celulares, micro-ondas... -, turistando pelo ar ou em cruzeiros marítimos. Imaginário crescente na metade inferior da pirâmide social, cuja tradição conformista vem sendo aluída pela pressão da lógica do modelo em que a oferta cria a necessidade e a pretensão aos padrões dos estratos superiores. Estes, egoisticamente insensíveis ao fato de que a solução depende também do comedimento em seus padrões hedonistas instigadores de inquietante frustração de bilhões - da classe média (ou "oficialmente" assim interpretada no Brasil...) insatisfeita aos despossuídos.
A continuar o cenário atual de distanciamento (em algumas regiões, aumentando) entre a realidade e o desejado (o de fato justo e o incutido na aspiração popular), no correr deste século a ordem global será tumultuada pela intranquilidade social e política. Tendência já sintomática, por exemplo, na inversão da migração: ao tempo da ameaça original de Malthus, de europeus pobres para os espaços da esperança. Sob a pressão da versão século 21 da ameaça, a migração inversa, de asiáticos (decrescente com o desenvolvimento regional), africanos e latino-americanos para o suposto nirvana europeu e norte-americano, que, além de estar vivendo uma sucessão de crises, já é refratário à imigração, vista como carga social, competidora no mercado de trabalho e fonte de violência e delito.
Em suma, um desafio neomalthusiano para estadistas, no mundo e no Brasil.

Governo Dilma, balanço e perspectivas - Carlos Melo


Governo Dilma, balanço e perspectivas

Carlos Melo, cientista político, professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), é autor de 'Collor, o ator e suas circunstâncias'

 O Estado de S.Paulo, 28/12/2011

Apologistas tendem a enaltecer o primeiro ano da presidente Dilma. Dizem que, afinal, o governo aprovou tudo o que quis e, ademais, os índices de popularidade - comparados aos dos antecessores - são provas cabais de sucesso. Nada é tão simples: o Executivo enviou ao Congresso somente o inevitável e, ainda assim, não aprovou tudo. Temeroso, não encarou conflitos nem arcou com os elevados custos de negociação para uma nova agenda. Objetivamente, jogou para não perder muito, e para não perder era vital manter a Desvinculação de Receitas da União (DRU). Quanto à popularidade... Ora, "as condições de primeiro ano" são de longe muito mais favoráveis a Dilma do que as de FHC, em 1995, ou de Lula, em 2003.
Já para os apocalípticos da oposição, tudo está perdido: ressaltam-se a corrupção, a dificuldade de articulação, a base fisiológica, a deterioração da atividade política. "Afinal", dizem, "sete ministros foram carbonizados, seis por escândalos. É a herança maldita de Lula". Também aí há exagero: o saldo do ex-presidente é positivo e a complicada composição do governo é justamente a paga pela eleição de Dilma. Ainda assim, a presidente mostrou ser mais pragmática que seus antecessores e não hesitou em atirar ao mar quem pudesse comprometer o governo. Os problemas são estruturais e vêm de longa data.
Como sempre, a verdade está no equilíbrio: esse início de governo não foi o desastre anunciado pela oposição - uma presidente sem autoridade, incapaz, em contradição com o antecessor, que a impediria de governar; houve tensão, mas não se pode falar em fragmentação do bloco no poder instituído por Lula. No entanto, tampouco houve avanços: o País girou em torno do que inapropriadamente se chamou "faxina" - que, no caso, foi menos disposição de "limpar" do que reação aos estilhaços dos cristais que se foram.
Na verdade, houve retrocessos. Com a queda de Antônio Palocci e sem agenda clara, o governo perdeu o centro de negociação, a arbitragem e o equilíbrio entre desenvolvimentistas e ortodoxos; patinou em medidas de fôlego restrito. A inflação saiu do centro da meta e, mesmo assim, o crescimento se deu em patamares modestos; a autonomia do Banco Central foi questionada e uma relação controversa com o mercado se estabeleceu. Arranhou-se a imagem construída em 16 anos.
Há paralisia e impasses a mancheias e isso só não é mais evidente porque a crise internacional concentra atenções e permite sofismar: estamos bem porque os outros vão mal? É deplorável quando se chega ao ponto de torcer pelo agravamento da crise externa como freio à atividade econômica e à inflação internas. Algo precisaria ser feito, mas as dificuldades para o desenvolvimento sustentável se iniciam na inviabilidade política de reformas no âmbito do Estado, da economia e da sociedade.
Se o capital político do primeiro ano não foi integralmente consumido - são elevados os índices de popularidade -, tampouco foi bem aproveitado: houve desperdício do momento mais propício ao tensionamento e à decisão. Em política há timings e a oportunidade que se esvai se vai irremediavelmente. O governo, que poderia avançar, anda de lado - e é provável que assim permaneça.
Prognóstico arriscado, é claro, já que a História surpreende. Mas a agenda dos próximos anos não é animadora para quem quer surpreender-se positivamente. Há estoques de recursos que permitem ir tocando a mesmice, há reservas e políticas de incentivo à demanda que ainda podem dar alguma sensação de bem-estar. Podem-se empurrar com a barriga os conflitos mais sérios, como o tributário e o fiscal. E até porque, comparado ao mundo caótico, o Brasil é uma ilha de prosperidade, as circunstâncias de curto prazo dirão: não se afobe, não, que nada é pra já!
Uma reforma ministerial é prometida para o início de 2012. Mas é pouco provável que altere a lógica da coalizão - distribuição de cargos e recursos em troca de apoio. É improvável que os partidos ofereçam algo melhor que os nomes que se esboroaram em 2011 - há uma inegável crise de quadros. Ademais, o corporativismo é forte e influente, será difícil consolidar pactos que limitem o populismo e a voracidade em ano de eleição. A menos que nos surpreenda muito, a reforma será limitada nos gestos e nos efeitos, servindo à retórica e à simples readequação de forças na base governista.
Por falar em eleições, é incorreto pensar que as municipais de 2012 obedeçam exclusivamente a lógicas locais. No agregado, o que estará em jogo será a formação dos times de 2014: o maior número de prefeitos e vereadores significará mais recursos, maior capilaridade territorial, mais cabos eleitorais, estruturas municipais e máquinas partidárias nas ruas. Nas maiores cidades, mais visibilidade e ainda mais recursos. A disputa de 2012 implicará maiores conflitos, mais gastos e concessões e uma agenda ainda menos criativa.
A pancadaria entre partidos tende a se aguçar; o fogo amigo e o tiroteio inimigo se avolumarão; como é óbvio, esquemas e escândalos ocuparão a mídia. Em paralelo, confusões em torno da Copa do Mundo... O que for preciso será feito para garantir a sensação imediata de crescimento e bem-estar. Portanto, não será um ano de avanços e melhorias institucionais, nem sempre populares.
Tudo plenamente articulado a 2014, o ciclo político-eleitoral será longo. Nesse cenário, os instrumentos tornam-se ainda mais limitados. Emplacar uma nova agenda, reformista, moderna e audaciosa não é prioridade. O problema está menos no governo de plantão do que no sistema político autofágico e na incapacidade de críticas mais profundas e certeiras. Apocalípticos não admitem a dificuldade de mudar, apologistas não reconhecem que há pouquíssima disposição para mudança.

Family Values: viva a familia e os lacos de uniao e solidariedade

Recebido via internet, e entendo que se trata, única e exclusivamente, de verdades factuais, não suscetíveis, portanto, de despertar a ira e comentários enraivecidos por parte dos patrulheiros habituais, dos blogueiros a soldo que costumam percorrer a internet para proteger os próprios...


O PAULO BERNARDO - MINISTRO DAS COMUNICAÇÕES É MARIDO DA SENADORA GLEISI HOFFMANN - CHEFE DA CASA CIVIL.

O GILBERTO CARVALHO - SECRETÁRIO GERAL DA PRESIDÊNCIA É IRMÃO DA MIRIAN BELCHIOR, MINISTRA DO PLANEJAMENTO.
ESSA MIRIAN BELCHIOR JÁ FOI CASADA COM O CELSO DANIEL, EX-PREFEITO DE SANTO ANDRÉ, QUE MORREU ASSASSINADO.

VOCÊ SABIA ?  CABE, AGORA, INFORMAR, MESMO QUE SE SEJA DE NOVO.  E TEM MAIS...

A doutora Elizabete Sato, delegada que foi escalada para investigar o processo sobre o assassinato do Prefeito de Santo André, Celso Daniel, é tia de Marcelo Sato, marido da Lurian, que, apenas por coincidência, é filha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Exatamente: Marcelo Sato, o genro do ex presidente da República, é sobrinho da Delegada Elisabete Sato, Titular do 78º DP, que demorou séculos para concluir que o caso Celso Daniel foi um "crime comum", sem motivação política.
Também apenas por coincidência, Marcelo Sato é dono de uma empresa de assessoria que presta serviços ao BESC - Banco de Santa Catarina (federalizado), no qual é dirigente Jorge Lorenzetti (churrasqueiro oficial do presidente Lula e um dos petistas envolvidos no escândalo da compra de dossiês).

E ainda, por outra incrível coincidência, o marido da senadora Ideli Salvatti (PT) é o Presidente do BESC.

Lideranca brasileira na America do Sul - serie de artigos PRA

A partir de uma entrevista que concedi a um estudante de RI, compus uma série de artigos, no estilo bem mais coloquial do que propriamente acadêmico, sobre as questões da hegemonia e liderança do Brasil na região, revisando, corrigindo, eventualmente aumentando, e fragmentando, cada uma das seções dessa entrevista, como abaixo:
2332. “A questão da liderança regional do Brasil: um posicionamento analítico-diplomático”, 
Brasília, 22 outubro 2011, 28 p. 
Ensaio sobre o problema da liderança sul-americana do Brasil, com base em entrevista acadêmica concedida em 19/09/2011, a estudante de RI. 
Dividido em 11 partes e publicado no ObservadorPolítico: