De vez em quando aparecem coisas ainda mais estranhas nos meus implacáveis arquivos ainda não devassados pela CIA, KGB, ABIN, MI6, DGI e outros candidatos menos qualificados. Esta entrevista, por exemplo, que comecei a dar e não sei por que raios nunca foi terminada. Falta de tempo, mais provavelmente. Mas como não me cobraram, ficou por isso mesmo.
Um dia eu termino, e atualizo o que já tinha feito...
Não preciso revelar o órgão de imprensa, não é mesmo?
Paulo Roberto de Almeida
Uma entrevista incompleta sobre
Mercosul e a política externa (2005)
Entrevista a Paulo Roberto de Almeida
Brasília,
11 agosto 2005
IMPORTANTE! 1
- A ordem das questões poderá ser alterada por motivo de edição;
2 – A edição da entrevista será enviada para
os senhores prévia à publicação para possíveis correções;
3 – Estima-se que publiquemos a entrevista
no mês de Agosto de 2005.
PERGUNTAS:
1-Como
o senhor analisa a política externa brasileira atual? Existiria um modelo ideal
de política externa para o Brasil?
PRA: Em princípio deve-se
desconfiar de “modelos ideais”. Por definição, eles não existem, pois a
realidade, sobretudo no plano internacional, não se deixa dominar ou
influenciar por qualquer modelo que se estabeleça a priori.
Na verdade, não há e nem deve haver modelos ideais para
política externa como para qualquer outra política, macro ou setorial. Modelos
são construções teóricas, geralmente feitas ex-post, que permitem sistematizar
determinadas ações políticas ou sociais que no geral foram bem sucedidas, e daí
viram modelos. Ninguém transforma um fracasso em modelo, isso parece claro. No
caso da política externa, a política a ser eventualmente seguida comporta
variáveis que não são inteiramente ou basicamente determinadas pelo próprio
governo do país que a implementa, uma vez que elas são influenciadas ou mesmo
determinadas pelo ambiente internacional ou mesmo por interações diversas que
esse país mantém no cenário mundial ou com outros atores relevantes.
A política externa atual, como qualquer outra, de outros
países ou deste país em outras épocas, possui elementos de continuidade e de
inovação ou ruptura, estas últimas como seria normal de esperar no caso de uma
mudança tão significativa de maioria política e de orientação partidária, como
a que ocorreu em 2002.
Os elementos de continuidade estão evidenciados na centralidade
do Mercosul para a política externa brasileira, na chamada relação estratégica
com a Argentina, na prioridade dada ao multilateralismo econômico em geral e às
negociações comerciais em particular, na confirmação da América do Sul como o
espaço privilegiado de atuação da diplomacia brasileira, inclusive no que se
refere à integração física, bem como no relacionamento seletivo com alguns
grandes parceiros em desenvolvimento (Índia, África do Sul e China, embora,
anteriormente, de modo menos enfático).
Os elementos de ruptura ou de relativa inovação também
claros, uma vez que foram repetida e reiteradamente afirmados, no plano de
propostas programáticas ou de plataformas eleitorais, em documentos,
declarações e posicionamentos adotados pelos principais líderes do Partido dos
Trabalhadores ao longo de 20 anos de caminhada em direção do poder. Esses
elementos de “diplomacia partidária”, digamos assim, estão documentados em
diversos trabalhos que eu mesmo elaborei sobre a “política externa” dos partidos
políticos ao longo desse período. Quais são esses elementos de ruptura? Eles
são marcados por uma opção preferencial pelo relacionamento com os países do
Sul, de modo geral, e com os latino-americanos de maneira especial (embora isso
não seja totalmente inédito para os padrões habituais da diplomacia
brasileira), por uma preferência seletiva com um número restrito de parceiros
ditos estratégicos (designados antecipadamente como sendo a Índia, a África do
Sul e a China, aos quais poderiam igualmente ser agregados a Rússia e alguns
países europeus, geralmente rebeldes ao hegemonismo americano), na forte ênfase
atribuída à conquista de uma cadeira permanente no CSNU em caso de reforma da
Carta da ONU, numa recusa (em parte disfarçada no governo, mas evidente no
âmbito do PT) da Alca e na preferência a priori por um acordo comercial entre o
Mercosul e a União Européia, bem como numa vontade geral de transformar as
relações políticas internacionais de modo geral, tal como evidenciado vários
vezes pelos líderes do PT no sentido de “mudar as relações de força no mundo”,
ou pelo próprio presidente da República, que tem reiteradas vezes enfatizado
seu desejo de “mudar a geografia comercial” do mundo.
Essa nova diplomacia já foi por ela mesma designada como
sendo “ativa e altiva”, e de fato ela multiplicou iniciativas e ações em novos
campos de atuação que colocaram o Brasil em posição de realce ou de vanguarda
em vários foros multilaterais, regionais, assim como no terreno bilateral. Ela
foi especialmente ativa no projeto de uma cadeira permanente no CSNU, tendo
constituído um novo grupo de interesse, o G-4, ainda que a sensibilidade da
questão poderia indicar um tratamento mais discreto dessa pretensão, como
recomendaria a diplomacia profissional. Ela o foi igualmente em várias
tentativas de coordenar as posições dos países do Mercosul e de outros da
América do Sul nos processos de negociação comercial como os da Alca e na OMC,
mas aqui novamente com sucesso relativo. Os esforços de coordenação se
traduziram, por exemplo, na constituição da Comunidade Sul-Americana de Nações,
que é um órgão essencialmente político, mas destinado a realizar tarefas
complexas nos terrenos da integração física e comercial.
2- A política econômica adotada
pelo governo brasileiro, é bastante diferente do principal parceiro daquele que
é, segundo o Itamaraty, o principal projeto de política externa do país, o
MERCOSUL, chegando a gerar desconfortos entre eles. É possível ampliar a
integração, reafirmando o compromisso do Itamaraty, adotando uma política
econômica diferente ou o Brasil deve buscar outro "projeto
principal"?
PRA: Políticas econômicas nacionais respondem a ciclos
econômicos nacionais e possuem as características de cada economia nacional.
Nos últimos dez ou 20 anos, Brasil e Argentina tiveram itinerários
relativamente similares, mas não semelhantes, em seus respectivos
(...)
[Parte não respondida]
3-
O senhor diz que o neoliberalismo não encerra em si uma política distributiva,
mas que a redução da inflação foi algo bom. Segundo Celso Furtado, em entrevista
ao Merconsulta em 2002, esta redução acabou com uma das ferramentas do governo
de financiamento (chegou a render 5% do Produto Nacional) e teve que ser
compensada por outros meios, como, por exemplo, aumento de impostos, resultando
numa situação fiscal que o próprio Prof. Celso Furtado classifica como grave,
pela extrema elevação da taxa de tributos e pela deformação de sua carga sobre
pobres e ricos, incidindo mais sobre os pobres, por conta dos impostos
indiretos que recaem sobre a base da população. Como o Sr. analisa esta
questão?
4-A
desigualdade social persiste (0,6 em 93 e 0,6 em 03, segundo dados do
IBGE/IPEA), acompanhada de uma queda na renda do trabalhador, segundo dados do
livro Radar (a renda média do trabalhador caiu 15% entre 96 e 2003), queda esta
que se refere apenas aos empregados, com ou sem carteira assinada. Também ao
longo do período, o nível de homicídios cresceu mais de 30% e o desemprego
passou de 6,4% para 10% da PEA. A que o Sr. atribui o mal desempenho deste
índices? Quais alternativas teríamos para revertê-los?
5-O
Sr. diz que o Brasil teve alguns “czares econômicos da ditadura” (Roberto Campos, Delfim Netto, Simonsen etc.)
e outros ministros políticos da Fazenda na “república populista”. Quais seriam
suas críticas em linhas gerais a estes modelos/projetos?
6-O
longo período de recessão que houve na América Latina fez com que os países se
voltassem muito para a idéia de uma abertura externa. O argumento apresentado
era o de que essas economias eram demasiadamente fechadas, muito controladas, e
que para terem mais dinamismo deveriam se abrir ao exterior. Segundo Celso
Furtado, muitos governantes acreditaram que seus países se encaminhariam para
uma fase de progresso, avanço e desenvolvimento, mas o que ocorreu na prática foi
justamente o inverso. O economista Gabriel Palma disse que as políticas
econômicas não devem ser baseadas em proposições simplistas como “openness is
good for growth and development”. O sr. acredita que haja coerência nas
colocações destes dois economistas? Quais seriam as coerências ou incoerências
dos mesmos?
7-Este
mês de agosto, no Rio de Janeiro, ocorreu o Fórum IBAS (Índia Brasil e África
do Sul), um Seminário de Desenvolvimento Econômico com Eqüidade Social, com a
missão de promover o intercâmbio de visões acerca dos grandes desafios do
desenvolvimento sustentável para esses países e compartilhamento de
políticas/programas adotados nos 3 países para combate à pobreza,
desenvolvimento igualitário, cooperação tecnológica, etc.. Qual a sua opinião sobre
este tipo de iniciativa?
8-Como
o Sr. avalia o desempenho dos programas sociais adotados no atual governo, tais
como o Fome Zero, Bolsa Família, Microcrédito, etc.? Quais são os pontos
favoráveis e os negativos?
9-E
sobre a questão da integração com os países industrializados, o senhor acredita
que é melhor a integração com estes países ou com países em desenvolvimento?
Caso queira expor
algum outro tema adicional que julgue pertinente, favor adicionar.