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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Energia no Brasil e no mundo: caderno do Valor e material PRAlmeida (completo)

O Caderno de Fim de Semana do jornal Valor Econômico publicou, nesta sexta-feira 18 de outubro, uma reportagem especial sobre petróleo do pré-sal e suas implicações para o Brasil, tanto do ponto de vista econômico, como de seu possível impacto geopolítico nas relações internacionais.
Fui contatado por jornalista para responder algumas perguntas, o que fiz de modo obviamente bem mais completo do que o que é possível acomodar numa simples matéria de jornal. Sempre é assim e isso faz parte das regras do jogo do trabalho dos jornalistas.
Acontece que sempre aproveito essas oportunidades para ver mais claro no panorama proposto e acabo escrevendo mais do que o esperado. Mas se trata de meu próprio esclarecimento, e acredito que possa servir aos curiosos na matéria e aos estudantes de forma geral.
Por isso transcrevo aqui tudo o que redigi em torno dos pontos focados pela matéria.
Paulo Roberto de Almeida

A questão energética no Brasil: petróleo, Petrobras e políticas de governo

Paulo Roberto de Almeida
Respostas a questões colocadas pela jornalista Marcia Pinheiro
Valor Econômico (pinheiromarcia@terra.com.br)
Princeton, 7-8/10/2013
Publicada apenas uma frase na matéria: 
"Trunfos petrolíferos", por Cyro Andrade e Marcia Pinheiro,
Valor Econômico, Caderno EU & Fim de Semana, Sexta-feira e fim de semana, 18, 19 e 20 de outubro de 2013, ano 14, n. 675, p. 9-11.


Questão inicial: Como FHC conseguiu flexibilizar o mercado de petróleo, com tanta campanha contra?

PRA: FHC NÃO flexibilizou o mercado do petróleo, pois isso seria impossível, não só a ele, como a qualquer governo, socialista ou neoliberal. O que FHC fez, em meio a um processo inteligente – mas incompleto – de correção das muitas estupidezes econômicas da Constituição de 1988, foi adequar o Brasil a algumas realidades dos mercados mundiais. Os mercados do e para o petróleo – existem vários, não um único mercado global, alguns deles dominados por carteis, outros teoricamente livres, outros influenciados por ditaduras petrolíferas, e várias outras modalidades intermediárias – são gigantescos, e o Brasil participa de uma pequena parte deles, antes importando 80% do que consumia, atualmente em situação de equilíbrio instável, mais ainda exportando muito cru, e importando também muito cru e derivados, o que é irracional, mas é fruto das políticas erradas mais recentes.
            FHC se aproveitou de um momento único na história do Brasil, que provavelmente vai demorar para voltar: uma coalizão reformista no bojo de uma enorme crise inflacionária e que permitiu fazer algumas reformas absolutamente necessárias para a economia e para a política do País: a crise permitiu aprovar diversas medidas – constitucionais e infra – que não tiveram, infelizmente continuidade. Os esquerdistas atrasados – concentrados no PT e nos outros partidos de esquerda, ainda que alguns sejam propriamente fascistas – estiveram momentaneamente na defensiva, embora todo governo constituído sempre possa contar com a boa disposição fisiológica da maior parte dos políticos em apoiar o governo em vigor, qualquer governo. Uma liderança dotada de visão de futuro pode, assim, reformar as regras constitucionais e a legislação do setor do petróleo a essa abertura ao capital estrangeiro, combinada a um tratamento puramente comercial da Petrobras, que teve liberdade para se desenvolver como companhia, não como cabide de emprego de políticos, o que ela era antes e voltou a ser depois. Infelizmente, não se avançou na abertura total do setor e na privatização da Petrobras, o que teria sido excelente para o Brasil e para a própria companhia, que assim poderia crescer mais ainda sem interferências dos governos e sem essa promiscuidade gerada por políticos rentistas. Lamentavelmente, o setor retrocedeu absoluta e relativamente depois que terminou o governo FHC, com várias distorções se acumulando ao longo do tempo, num verdadeiro trabalho de destruição da Petrobras, processo conduzido pelos governos posteriores.
Mas a campanha contra a mudança de regime foi e é relevante, tanto que se conseguiu convencer os brasileiros que a Petrobras é um “patrimônio do povo brasileiro”, quando ela é apenas uma empresa estatal, importante, certo, mas manipulada antes e atualmente por interesses políticos que não tem nada a ver com a atividade-fim. Os brasileiros – como ocorria antes no caso da Vale, uma empresa na origem estrangeira, privatizada pelo governo Vargas, e que vale imensamente mais agora, privatizada, do que durante o meio século que permaneceu em mãos do governo – estão convencidos de que o petróleo é um bem estratégico, o que ele é, mas muito mais é a educação, inclusive para compreender que o petróleo deve ser tratado como mercadoria, não como a salvação do Brasil. Salvação só existe com povo educado, não com petróleo. O Japão quase não tem petróleo, e não deixou de alcançar a riqueza mesmo sem muita energia. Educação é a chave, não mercadorias.

1. O petróleo sempre desempenhou papel geopolítico de primeira importância na história moderna, interligando produtores e compradores numa rede de interesses ora comuns, ora conflitantes.

PRA: Como qualquer mercado sempre existe oposição de princípio entre compradores e vendedores, cada um querendo maximizar os seus ganhos. Mas não existe um mercado para o petróleo e sim muitos, múltiplos mercados, muito diversos, com características muito diferenciadas dos demais mercados, pois no caso do petróleo cru não se trata de uma commodity como qualquer outra, mas sim de um produto natural, não renovável, relativamente concentrado em pontos determinados do planeta – variáveis em função das tecnologias de exploração – mas que é absolutamente estratégico, central, determinando, absolutamente indispensável à moderna civilização industrial. Para uma informação mais detalhada sobre as características desse produto, e de seus diversos mercados, recomendo uma leitura dos dois livros indispensáveis de Daniel Yergin sobre a economia política do petróleo, já traduzidos e publicados no Brasil: são, provavelmente,  mais de 1.600 páginas, no conjunto, mas vale a pena o esforço. Uma consulta a seu site de consultoria em energia, baseado em Cambridge, Massachussetts, também seria recomendável.

2. Grandes produtores (países do Oriente Médio e do Norte da África), de um lado, e grandes consumidores (países centrais, em sentido amplo), estabeleceram-se há muito tempo como protagonistas no xadrez geopolítico global.

PRA: Essa realidade já mudou muito e está mudando cada vez mais. A China já é uma grande consumidora global – embora não per capita – de petróleo, e há muito tempo deixou de ser uma produtora autossuficiente: para ela, ter acesso a fontes seguras de petróleo é absolutamente vital, mais até do que para os países ocidentais, que podem contar com diversas fontes relativamente seguras, inclusive porque dominam amplamente tecnologias e os mercados de futuros e o mercado spot de petróleo. Ou seja, o mundo ocidental ainda tem algum controle – não sobre fontes, mas – sobre comercialização e industrialização desse produto estratégico. Mas, grandes países periféricos vem igualmente adquirindo certa preeminência em alguns dos mercados, inclusive de derivados, e no consumo.
A geopolítica do petróleo também mudou bastante: até o segundo choque do petróleo (1979), a OPEP (e dentro dela a OPAEP, árabes) eram responsáveis por parte substancial da oferta mundial e quase 70% das reservas declaradas. Já não é mais o caso, e o cartel da OPEP já não tem condições de ditar as regras dos diversos mercados de petróleo cru, inclusive porque os próprios países membros não cumprem suas decisões por inteiro. Hoje mais da metade das reservas e da oferta de petróleo é não-OPEP. Se trata de uma diferença importante em relação ao passado. Ver Yergin para essas mudanças.

3. Graças a avanços técnicos que possibilitam a descoberta de grandes reservas e, sobretudo, a exploração e produção de petróleo e gás de fontes não convencionais, Estados Unidos, Canadá, Brasil e Venezuela podem levar o continente americano a uma posição de menor ou nenhuma dependência energética em relação às regiões fornecedoras tradicionais.

PRA: O continente americano não pode ser tomado no plano hemisférico. A América do Norte é tanto produtora quanto consumidora, e este aspecto domina no caso do Canadá e EUA, que vem se tornando novamente um grande produtor de energia, em suas diversas formas. A América Latina, por sua vez, é excedentária em energia, em suas diversas formas, e é uma consumidora moderada, mas isso deve crescer. Mas ela ainda detém tecnologia restrita – com algumas exceções, entre elas o Brasil – e não controla mercados de comercialização. Dependência energética todos os países têm, dependendo das fontes disponíveis, da tecnologia mobilizada, do ritmo de exploração e da intensidade de consumo (hoje, por exemplo, os países avançados consomem muito menos petróleo por unidade de produção do que nos anos 1970, enquanto a China ainda “desperdiça” petróleo no seu setor industrial). Na América Latina, a despeito de existirem grandes produtores, os países também são dependentes, e mesmo o Brasil, com o pré-sal, não deve se tornar um grande protagonista nos mercados ofertantes, pois seu consumo também deve crescer (isso se o pré-sal se revelar realmente produtivo). O Brasil deve continuar a ser relativamente marginal na geopolítica mundial do petróleo, ainda que venha a se tornar um grande produtor: ele não reúne as condições para se tornar um grande protagonista nos diversos cenários que podem ser traçados para seu futuro energético, embora venha a assumir algum papel relevante, mas isso deve ocorrer nas energias renováveis, não nas fósseis, provavelmente, e mesmo assim, muito depende das políticas do governo, que nos últimos dez anos errou tremendamente nas diversas vertentes da política energética.

4. Essa condição de agrupamento geográfico não uniformiza, porém, os interesses correntes e estratégicos de cada um desses países no cenário internacional. Bem ao contrário (com exceção, talvez, em certo grau, de Estados Unidos e Canadá.

PRA: Não existe, no cenário previsível, possibilidade de unificar interesses estratégicos dos grandes, médios e pequenos atores nos diversos mercados energéticos, e mesmo nos mercados do petróleo. Os interesses nacionais são extremamente diversos, embora possa existir alguma coordenação e diálogo entre os grandes atores. A OPEP é um cartel, que como todo cartel, pretende apenas extrair renda dos seus clientes e consumidores. Os países da OCDE estão mais ou menos coordenados na Agência Internacional de Energia, que funciona na OCDE, em Paris, justamente, mas se trata mais de um fórum para intercambiar opiniões, trocar informações, desenvolver estatísticas e estudos técnicos de grande sofisticação, que não pode ter a pretensão de coordenar realmente as políticas nacionais dos países. Ou seja, se trata de cada um por si, pois a energia é absolutamente estratégica, vital para o nosso modo de vida, mas assume tantas formas e características que seria totalmente impossível esperar uniformização de interesses nesses mercados. Não se trata mais, como no passado, de uma luta entre impérios para controle das fontes, mas de uma concorrência entre grandes companhias, num mercado fortemente desigual e altamente competitivo, colocando em face, uns dos outros, governos, companhias privadas, estatais, ditadores e especuladores, o que torna difícil coordenar interesses. Ou seja, o mundo deve continuar na relativa anarquia que hoje o caracteriza, sendo porém de se excluir grandes guerras globais para acesso às fontes, o que não exclui escaramuças e guerras localizadas entre países e dentro dos países.
            Existe, como se sabe, uma “maldição do petróleo”, com muitos livros a respeito. Recomendo ler Peter Maass, Crude World: the violent twilight of oil.

5. Nessa rede de interesses geopolíticos internacionais em transformação, o Brasil tem presença que variou de patamar ao longo do tempo, com narrativas políticas que se desenrolaram, ora na frente doméstica, ora na frente externa, mas quase sempre exprimindo alguma forma de conjugação de iniciativas, nos dois campos, em termos de ação governamental consequente. Com o Pré-Sal, quais perspectivas se abrem para o Brasil na arena geopolítica global? 

PRA: Discordo da expressão “ação governamental consequente”. O Brasil, na verdade, nunca teve uma política coerente para o petróleo, terreno muito submetido a paixões “nacionalisteiras” as mais nefastas e deprimentes do ponto de vista da racionalidade estrita do setor, embora tenha tido políticas energéticas razoáveis, ao longo do tempo. Nos atrasamos na revolução industrial, em parte pela falta de fontes seguras de energia, carvão e petróleo, justamente, o que veio mais tarde, mas com grandes dificuldades e com interferências políticas nefastas em diversas áreas. Mas, por outro lado, soubemos explorar, com algum grau de racionalidade, as fontes naturais, ou seja hídricas. Nesse terreno, as possibilidades ainda existentes vêm sendo sabotadas pelos novos malthusianos da era contemporânea, que são os ecologistas não científicos, essa horda de ambientalistas românticos, que poderiam nos fazer retroceder ao neolítico, se por acaso comandassem governos e políticas públicas (e não só em energia, mas ele alimentos também).
            A matriz energética brasileira é relativamente positiva, com muitos recursos renováveis, e deveríamos continuar assim. Infelizmente (no sentido alegórico da palavra), estamos caminhando para sujar um pouco essa matriz, com a aparente abundância de petróleo do pré-sal, que também pode ser uma “maldição”, dependendo de como seja explorado. O fato é que o pré-sal determinou grandes mudanças nas políticas públicas de energia no Brasil, todas elas nefastas até o momento, pois despertou os instintos rentistas dos políticos e tende a deformar as outras políticas setoriais, inclusive no próprio petróleo.
            Respondo à esta questão – Com o Pré-Sal, quais perspectivas se abrem para o Brasil na arena geopolítica global? pela negativa, por fatores puramente objetivos, e não com base nas minhas opiniões negativas quanto à “baixa política” governamental em relação ao pré-sal. O pré-sal NÃO vai transformar o Brasil em ator geopolítico relevante no terreno do petróleo, simplesmente porque existem muitas outras fontes mais baratas e acessíveis de petróleo e outros combustíveis fósseis, assim como de renováveis (inclusive no próprio Brasil, se as políticas corretas forem aplicadas, o que ainda não é o caso). Em primeiro lugar, seria preciso ver se o pré-sal é de fato real, o que depende não apenas da tecnologia – que existe mas pode ser difícil – mas basicamente dos mercados ofertantes de energia e de petróleo em particular: a AIE calcula que a extração do petróleo do pré-sal pode estar em torno de 80 dólares o barril (comparando: a média no Oriente Médio deve andar em torno de 12 a 15 dólares, sendo que em alguns lugares pode estar abaixo de 5; se fossemos extrair petróleo no Ártico, não seria possível a menos de 150 dólares). Ou seja, se o barril cair muito nos mercados internacionais, melhor deixar o petróleo do pré-sal onde está, dar até logo e esperar que o preço supere 100 dólares (será sorte do Brasil se ele se mantiver nessa faixa, o que é bastante provável, pois outros produtores, basicamente ditaduras petrolíferas e rentistas do petróleo, têm interesse que seja assim).
Mesmo que tudo dê certo, haverá muito pouco petróleo para fazer com que o Brasil altere radicalmente a balança mundial; o que houver de excedentário ao seu próprio consumo (que deve crescer bastante), será comercializado marginalmente nos mercados globais, pelas companhias que o estão explorando e pela Petrobras. Nada que altere a balança mundial energética, ou a “simples” geopolítica do petróleo. Aquela visão do Lula, do Brasil grande produtor, como sempre é megalomaníaca e não corresponde à realidade.

6. Como variaram, no tempo, as políticas externas brasileiras sob relações de interseção com as posições alcançadas pelo país em termos de suficiência energética? Que peso tiveram, em momentos mais expressivos dessa conexão, as peculiaridades do momento político doméstico vivido pelo país? (Vamos fazer uma linha do tempo com os dados assim levantados).

PRA: O Brasil teve políticas erráticas em relação ao petróleo, um pouco menos erráticas nas outras vertentes energéticas. No petróleo, perdemos muito tempo com bravatas nacionalistas que só nos atrasaram, na produção, na exploração, na comercialização, e sobretudo na distribuição interna, pois a Petrobras sempre foi politizada e usada pelos governos, seja num sentido econômico (como na era militar), seja num sentido baixamente fisiológico, como ocorre desde o início da gestão Lula. Quanto ela começou a funcionar corretamente, na gestão FHC – e sobretudo depois da aprovação da lei do petróleo e da ANP, em 1997 – e prometia grandes avanços nos dois terrenos (exploração e produção, ou seja, prospecção, extração e transformação em derivados, mas menos na comercialização, onde se manteve, infelizmente, o monopólio de fato da Petrobras), veio a nova gestão dos companheiros, que praticamente dinamitou, não apenas a Petrobras, mas boa parte da política energética, ambas submetidas a critérios políticos nefastos e indefensáveis.
            Além da politização da Petrobras, e sua utilização por máfias sindicais, ocorreu um desvio fundamental das políticas corretas anteriormente colocadas em vigor pelo governo FHC, ou seja, tratar a Petrobras – que nunca se cogitou de privatizar – como uma empresa comercial, e deixa-la aplicar critérios técnicos e comerciais em todos os aspectos de suas atividades. A gestão Lula foi negativa, chegando a cometer crimes econômicos, sob certos aspectos, contra Petrobras, contra a matriz energética do Brasil, contra os acionistas e contra o próprio Brasil. Um desastre completo, que está longe de ser corrigido, pois a nova lei aplicada ao pré-sal, de 2010 (ainda não totalmente em vigor, pois além de tudo também destruiu a federação, com o acirramento dos comportamentos rentistas em todos os governos estaduais e em todos os políticos), simplesmente desequilibra completamente uma estratégia racional para o petróleo e para outros combustíveis.
            Um dia vai se poder avaliar, racionalmente, todos os desastres e crimes econômicos cometidos pela gestão lulista nessa área. O Brasil ainda está muito dominado pela euforia nefasta do pré-sal, para que os dirigentes façam uma análise isenta dos equívocos cometidos. Alguns economistas, mas muito poucos, vêm apontando os erros perpetrados pelo governo, em praticamente todas as frentes (renováveis e fósseis), e continuam a ser praticados, sem que se tome consciência da má direção tomada pelo país. Se o Brasil tivesse continuado na lei de 1997 (que permanece, mas os leilões pararam, praticamente), teria conseguido royalties para o governo, sem riscos para a Petrobras, e sobretudo sem o caos legislativo e judiciário criado com a estatização do pré-sal pelo governo irresponsável do presidente Lula. Ou seja, os equívocos no tratamento do petróleo são gigantescos e talvez não sejam mais reversíveis, pois o governo, criminosamente, incitou no mais alto grau os instintos rentistas dos políticos, praticamente “distribuindo” royalties do pré-sal que talvez nem venham a existir, e criando um conflito distributivo entre os estados que não se resolverá sequer no Judiciário (STF). Um caos completo.
            No terreno dos renováveis, os erros não são menores, tanto em relação ao etanol (“afogado” pelo controle de preços criminoso aplicado aos derivados de petróleo), como em relação ao biodiesel. Aqui, o governo foi absolutamente estúpido, ao misturar matriz energética com problemas sociais, criando um programa de biodiesel de mamona a ser fornecido por “agricultura familiar”. Um outro desastre incomensurável, que eliminou o Brasil do mapa dos biocombustíveis, aparentemente tão promissor antes dos desastres cometidos pelo governo Lula. Neste terreno, como em diversos outros, ainda falta fazer a história real, verdadeira, dos equívocos cometidos pelo governo Lula em diversas frentes: na produção, na comercialização, nos estímulos setoriais, no tratamento do capital privado e dos investimentos estrangeiros: ele não acertou uma única vez, errou em todas...

7. O Brasil tem hoje um governo que se pode chamar de esquerda e democrático (como já era com Lula).  É um governo que se relaciona bem, no continente, com governos radicais de esquerda, esquerdistas progressistas, e de centro-direita. É considerado pelos Estados Unidos uma potência sub-regional e um aliado de primeira importância. É membro do G-20. Com o Pré-Sal, o Brasil caminha para tornar-se um exportador líquido de energia, e poderá ganhar níveis invejáveis em matéria de segurança energética. Que importância essa posição de quase-independência tem hoje, em termos geopolíticos? Que importância poderá ter, no futuro, a possível independência plena?

PRA: O governo é de esquerda, certamente, mas de uma esquerda atrasada, estatizante, centralizadora, populista e demagógica, quando existem outros governos de esquerda, no mundo, abertos, reformistas, racionais em economia e dotados de uma visão econômica moderna, receptiva a investimentos estrangeiros e sem muita demagogia populista (no Chile, por exemplo, ou no Uruguai, e em vários países europeus). O governo certamente não é democrático, ainda que não possa implantar um regime autoritário, mas é dominado por um partido neobolchevique que faz de tudo para eliminar as oposições, controlar a imprensa e impor o controle do Estado sobre praticamente todos os setores da vida pública. A bem da verdade, o partido hegemônico e seu governo possuem tendências fascistas, que se revela justamente nessa tentativa de colocar sob o controle do Estado a vida de todas as empresas e de todos cidadãos, e que trata os mais pobres como massa de manobra.
            Quanto ao ambiente externo, se pode dizer que o governo tem tendência a apoiar todas as ditaduras supostamente esquerdistas, como governos autoritários de modo geral, e age com uma grande motivação contra o que ele chama de países hegemônicos, ou seja, as grandes democracia de mercado. Não se deve tomar discursos diplomáticos – como essa expressão usada e abusada de “parceiros estratégicos” – pelo seu valor face, pois existe muita hipocrisia nessas proclamações; se formos julgar pelos discursos, o Brasil tem “parceiros estratégicos” em todos os continentes, e eles são tão mais estratégicos quanto menos “hegemônicos” forem, ou seja, antiocidentais e anti-Estados Unidos. Esta é uma realidade fática, que pode ser comprovada por diversas iniciativas e proclamações do governo atual, não se trata de uma opinião. Basta ler nas entrelinhas e ver as ações reais.
            Quanto às perguntas, respondo topicamente:
            (a) Com o Pré-Sal, o Brasil caminha para tornar-se um exportador líquido de energia, e poderá ganhar níveis invejáveis em matéria de segurança energética.
            PRA: Não é seguro que o Brasil se torne um exportador líquido de petróleo, e se isso se confirmar, será marginal no mercado mundial, ainda que possa trazer divisas para o Brasil. Creio que haverá um equilíbrio entre consumo e produção com o pré-sal, e os movimentos de comércio exterior nessa área vão depender da capacidade industrial de refino e novas explorações.
(b) Que importância essa posição de quase-independência tem hoje, em termos geopolíticos?
PRA: Quase nenhuma no plano mundial, apenas tornar o Brasil menos dependente de petróleo importado, mas isso não é em si relevante, pois o petróleo é uma commodity amplamente comercializável nos mercados livres, sem qualquer problema de acesso aos demandantes. Basta ter renda, e renda se consegue exportando quaisquer outros produtos.
(c) Que importância poderá ter, no futuro, a possível independência plena?
PRA: Não existe independência plena no campo da energia. Nenhum país e totalmente independente, e isso se aplica inclusive e principalmente ao petróleo. Mesmo os países produtores e exportadores de petróleo são em geral dependentes da importação de derivados e, como se disse, o petróleo é, e pode ser, fonte de problemas enormes, como a distorção da economia, e algumas “maldições” não desejadas. Não é seguro que o Brasil (pelo menos no governo atual) consiga desenvolver um modelo “norueguês” de exploração racional do petróleo e de utilização de seus royalties. O que é seguro, até aqui, é que o governo Lula conseguiu piorar amplamente o ambiente geral do Brasil para a exploração racional desse produto estratégico, deteriorando amplamente o quadro institucional e as relações federativas. Em relação à Petrobras, os desastres são visíveis.

8. Talvez essa independência coincida com a dos Estados Unidos, a julgar pelo otimismo com que vem sendo saudada a descoberta de importantes jazidas de óleo e gás de xisto naquele país e possibilidades de sua extração. Quais efeitos poderia ter essa coincidência (se ocorrer) para o fator ‘energia’ na equação geopolítica brasileira?

PRA: Qualquer que seja a evolução energética, pelos seus vetores, nos EUA, parece que o país está motivado para diminuir sua dependência de fontes externas, fósseis e renováveis, e pode conseguir, parcialmente. Isso significa que o Brasil perdeu e está perdendo oportunidades, por cegueira econômica e miopia ideológica, de desenvolver políticas de cooperação com esse gigante econômico, sobretudo em razão da estatização irracional, demagógica, totalmente política, desse setor. O Brasil, como já dizia Roberto Campos, é um país que não perde oportunidade de perder oportunidades. Pois perdeu também no petróleo e nos renováveis, com os EUA, e com os investidores estrangeiros de modo geral. Só estamos tendo relacionamento com estatais de países autoritários, que não tem o critério do lucro como básico, como é o caso de alguns investidores no campo de Libra.

9. A independência americana pode ser mais difícil de ocorrer do que a brasileira: a extração de óleo e gás de xisto ainda apresenta dificuldades técnicas e traria acréscimos apenas graduais à produção, e as jazidas em águas profundas também não seriam facilmente alcançáveis. Quais as possibilidades de o Brasil ganhar essa corrida e com quais consequências geopolíticas, no continente, nas relações com os Estados Unidos e no plano global?

PRA: O conceito de corrida é totalmente inadequado neste terreno, só se for uma corrida contra si mesmo, pois cada país tem recursos naturais e dotações tecnológicas (e sobretudo humanas) muito diferentes, que precisam ser mobilizadas para obter o melhor retorno possível das oportunidades existentes dentro e FORA do país. No que concerne uma corrida para melhorar ainda mais nossa matriz energética, o Brasil, infelizmente, está perdendo a corrida contra consigo mesmo: temos um governo sem condições financeiras, técnicas, de gestão e sem visão para impulsionar as diversas vertentes da matriz; o governo tem aversão ao capital privado, sobretudo estrangeiro, e com isso perde enormes chances de desenvolver as diversas frentes; o Brasil é errático nas suas políticas de preços (na verdade, ele é controlador, o que é mortal para qualquer setor econômico), nas tecnologias, no equilíbrio das diversas fontes, e se mostra refém dos malthusianos ecológico-românticos; o governo é estúpido na gestão dos renováveis, pois mistura problemas sociais (camponeses pobres, que supostamente cultivariam mamona) com a matriz energética; o governo foi criminoso na condução do assunto do pré-sal, pois criou uma querela monumental entre os estados, que não vai ser resolvida sequer no STF. Ou seja, o governo, até aqui, só errou, e está perdendo a corrida consigo mesmo, e de todos os demais países.

10. Como a China entraria na equação geopolítica brasileira? (o governo brasileiro considera diferentes hipóteses para as relações com a China na área de energia; no caso do Pré-Sal, as estatais chinesas poderão entrar com força relevante para a Petrobras financiar sua participação na exploração, em troca de fornecimento de petróleo).

PRA: Um governo estatizante como o atual governo brasileiro pode se dar muito bem com a China, em detrimento de uma política mais inteligente de exploração de seus recursos. A China precisa, necessita absolutamente de segurança energética, basicamente petróleo, pois ainda tem muito carvão e está desenvolvendo energias renováveis e nuclear. O Brasil entra como fornecedor, e a China como financiador, ou seja, uma relação desequilibrada e que só convém aos chineses. Como a China tem muitos recursos financeiros, a Petrobras vai ser mantida nessa relação esquizofrênica criada pelo próprio governo.

11. O modelo brasileiro de regras para a exploração das jazidas do Pré-Sal tem forte viés estatal. Como se deve interpretar essa opção -- a escolha, em si mesma e no contexto de perspectivas atuais e futuras de interinfluências geopolíticas do Brasil com as principais economias do mundo, de um lado, e outras economias latino-americanas? (as ‘bolivarianas’ do Sul e o México, ao norte) É um modelo que veio para ficar, ou poderá ser modificado no futuro, caso se constatem falhas de eficácia?

PRA: As políticas atuais brasileiras para o pré-sal são totalmente irracionais, e já criaram prejuízos irreparáveis, além de um enorme custo para o país. Um governo racional, se por acaso tiver futuro no país, deveria simplesmente eliminar toda a legislação do pré-sal e retornar ao regime de 1997. Parece que algumas decisões já tomadas vão continuar criando problemas, mesmo se um retorno como esse viesse ocorrer. Infelizmente, o governo Lula fez um enorme mal ao Brasil em todas as áreas energéticas em que tocou: foi um Midas ao contrário. A ineficácia da política já foi colocada: estão “leiloando” royalties entre políticos muitos anos antes de existir qualquer rótulo. Uma das piores maldições que pode ocorrer numa política desse tipo são os mais baixos instintos rentistas entre os políticos, além de uma deformação da área energética do país, sem falar da própria indústria, desviada para essa maldição concentradora de recursos. O Brasil estaria muito melhor sem o pré-sal, e isso por razões políticas mas também econômicas.

12. O modelo brasileiro de abertura da exploração do petróleo à participação estrangeira parece voltado mais para a garantia de fornecimento do que para a oferta de atrativos de retorno (lucratividade), como no caso das estatais chinesas que manifestaram interesse pelo leilão de Libra. Considerando-se também os termos regulatórios dessa participação, tem-se um modelo marcadamente ‘estatal’. Que importância terão os resultados (bons ou maus) da adoção desse viés, digamos, menos ‘privatista’ para a afirmação da presença política brasileira no G-20?

PRA: A tendência é a consolidação do ogro estatal no setor energético, concentrando recursos, benefícios, favores, enfim, distorcendo um pouco mais a economia brasileira, em geral, e o setor de petróleo em particular. Isso não tem absolutamente nada a ver com o G20, a não ser muito indiretamente. O G20 é um grupo informal de diálogo sobre questões financeiras e monetárias – e por extensão de outras questões econômicas também, embora pretenda se meter um pouco em todos os assuntos – mas ele não tem qualquer poder sobre as políticas nacionais dos seus integrantes. A imagem que o Brasil consolida no G20, em todo caso, é a de um país estatizante, refratário à abertura econômica, pouco propenso a uma política de acolhimento de investimentos privados estrangeiros e praticando um tipo de nacionalismo econômico ultrapassado nas condições de interdependência mundial atual.

13. Em que medida as grandes empresas de energia de capital privado, elas mesmas, têm poder de influenciar, com suas decisões estratégicas (e probabilíssimos lobbies, os movimentos de governos no xadrez geopolítico? E as grandes estatais asiáticas, especialmente as chinesas?

PRA: Pergunta impossível de ser respondida em geral e no abstrato. Companhias de energia podem ser mais ou menos influenciáveis pelos governos, mas nem sempre. Por exemplo: se o governo americano desejasse, realmente, estrangular o governo de Hugo Chávez (e do seu sucessor), há muito tempo teria decretado o final da importação de petróleo venezuelano, e sua substituição por outras fontes. Por que não o fez, por que não o faz? Por que o governo americano não é ditatorial e não pode determinar sozinho as políticas de importação de petróleo. A despeito de controlar uma enorme reserva estratégica de petróleo, o governo americano não possui nenhuma companhia estatal de petróleo, e são as companhias privadas que exploram, produzem derivados, importam, comercializam todo o setor. Companhias estatais de petróleo podem ter uma gestão mais comercial – em alguns emirados e monarquias árabes, por exemplo – ou ser inteiramente submetidas à gestão política do governo, como parece ser o caso com as chinesas e outras estatais em petro-ditaduras. Outros países podem ser ditaduras petrolíferas mesmo sem ter companhias estatais, como alguns da ex-URSS. Ou seja, o cenário é muito diverso para se ter um retrato uniforme de como são tomadas certas decisões nos diferentes atores relevantes.

14. Com a entrada no mercado de outras fontes de energia abundante, como o óleo e o gás de xisto  americanos, o petróleo vai perdendo importância estratégica, o que também ajudaria a explicar a perda de atratividade do Pré-Sal. Mas o Brasil pode se tornar bastante “forte” na produção de biocombustíveis. Em que medida essa possível vantagem estratégica específica pesaria na balança, a favor da preservação, ou mesmo aumento, da presença geopolítica brasileira no cenário internacional?

PRA: Não existem cenários fiáveis em nenhum terreno – mesmo nas teorias fantasiosas do “pico do petróleo”, jamais alcançado e ninguém sabe onde está – e mesmo nos renováveis o futuro é muito incerto, pois muito depende de políticas de governo, que costumam ser erráticas, quando não prejudiciais ao próprio país, quando preconceitos e ideologia tomam conta do espaço que deveria estar reservado a análises técnicas por especialistas. Por exemplo, o pré-sal brasileiro pode ser considerado um desastre completo pelas políticas erradas do governo, mas também o setor de renováveis foi submetido a políticas da mesma forma equivocadas. A decisão alemã de excluir completamente o vetor nuclear pode ser considerada igualmente uma decisão irracional e de alto custo para o país.
            O Brasil, de fato, poderia se tornar, em 500 anos de história econômica concentrada na produção de produtos de “sobremesa”: açúcar, café, cacau, etc. – um país relevante no futuro mercado de renováveis, não tanto pela oferta de bens, mas de tecnologia, e de know-how do setor, para produção na América Latina, na África e em outros países de perfil similar ao Brasil. Mas até aqui as políticas foram também equivocadas. Pode ser que no futuro, um governo menos irracional venha a colocar um pouco de ordem e de critérios exclusivamente técnicos e econômicos num setor importante.

15. As relações internacionais guiam-se, em grande medida, por expectativas. A quais alturas a soma de potencialidades em petróleo e em biocombustíveis poderá elevar a influência brasileira no cenário global e com quais efeitos sobre a capacidade de o país formular políticas públicas (para uso doméstico) com acréscimos de autonomia decisória?

PRA: O Brasil é um país que frustra expectativas, não apenas do seu próprio povo, mas também de parceiros estrangeiros, que certamente gostariam de vender tecnologia, comprar produtos brasileiros (renováveis, por exemplo), se associar a investimentos produtivos neste país de imensos recursos naturais hoje escassamente explorados. Tudo depende de políticas corretas de governo, o que até agora se revelou totalmente frustrante. Não acredito que o Brasil tenha grandes perspectivas na geopolítica mundial do petróleo; no máximo terá uma grande fonte para seu próprio consumo, e interagirá com os investidores estrangeiros nessa área de prospecção, exploração e produção interna de derivados (se o monopólio de fato da Petrobras for rompido, o que é um enorme problema para nós mesmos). Mas sua participação nos mercados mundiais de petróleo continuará marginal, ainda que possa ter grande expressão numérica: grandes negócios, certamente, mas nenhuma revolução geopolítica nessa área.
            Onde o Brasil poderia fazer diferença seria nos renováveis, mas até aqui, as políticas foram erráticas, e até retrocedemos nesse terreno. Importar etanol de milho subsidiado dos EUA é um exemplo perfeito da estupidez econômica do governo Lula no terreno dos renováveis. Fazer biodiesel com mamona de camponês pobre é outra estupidez econômica que não tem tamanho. Enfim, o governo Lula colecionou diversas estupidezes econômicas ao longo dos dez últimos anos, e infelizmente as mesmas bobagens continuam a ser cometidas no governo sucessor. Além dos vários crimes econômicos, a estatização ampliada do setor é a outra grande estupidez que continua ser praticada pelos governos petistas. Não se sabe quando, e se, essas estupidezes serão corrigidas. Mas enquanto não forem o Brasil continuará patinando, senão retrocedendo, no petróleo e nos renováveis.

Uma sub-retranca
Em quais detalhes as condições brasileiras (dadas nos leilões) diferem das condições de parceria oferecidas por outros grandes produtores a investidores estrangeiros (privados ou estatais)? Ou seja: como estão definidas as políticas para a abertura do setor de petróleo à participação estrangeira? Por quais razões foram definidas com estes ou aqueles principais traços? Com quais eventuais influências de condições ditadas por possíveis investidores e/ou práticas consagradas de mercado? Com quais efeitos sobre o ânimo dos investidores e suas decisões?

PRA: O modelo brasileiro é um híbrido, mas registre-se que no setor do petróleo existem muitos regimes diferentes, pois cada governo tem suas possibilidades e preferências. De maneira geral, quanto mais democrático e avançado for o país, mais livres, mais abertos, mais comercialmente orientados, mais tecnicamente fundamentados e mais amigáveis aos investimentos privados são e serão os regimes aplicados ao petróleo; quanto mais ditatorial for o governo, ou mais “subdesenvolvido”, mais irracional, mais rentista, prejudicial ao país e ao povo será o setor, com as diversas “maldições” do petróleo se acumulando. O Brasil fica entre os dois extremos: não é uma ditadura (mas o governo atual gostaria de ter uma no setor do petróleo, confirmando as piores expectativas rentistas dos políticos em geral e desses políticos em particular), e tampouco é uma perfeita democracia avançada, pois existe um enorme predomínio do Executivo na determinação das políticas do setor, uma vez que o congresso ou é inerme, ou desenvolve, justamente, os comportamentos rentistas mais deploráveis já vistos na história econômica do país.
            Uma pA questão energética no Brasil: petróleo, Petrobras e políticas de governo

Paulo Roberto de Almeida
Respostas a questões colocadas pela jornalista Marcia Pinheiro
Valor Econômico (pinheiromarcia@terra.com.br)
Princeton, 7-8/10/2013

Respondo topicamente às questões, mas faço comentários intercalados ao texto, uma vez que detecto algumas imprecisões ou pontos ainda obscuros quanto à substância.

Questão inicial: Como FHC conseguiu flexibilizar o mercado de petróleo, com tanta campanha contra?

PRA: FHC NÃO flexibilizou o mercado do petróleo, pois isso seria impossível, não só a ele, como a qualquer governo, socialista ou neoliberal. O que FHC fez, em meio a um processo inteligente – mas incompleto – de correção das muitas estupidezes econômicas da Constituição de 1988, foi adequar o Brasil a algumas realidades dos mercados mundiais. Os mercados do e para o petróleo – existem vários, não um único mercado global, alguns deles dominados por carteis, outros teoricamente livres, outros influenciados por ditaduras petrolíferas, e várias outras modalidades intermediárias – são gigantescos, e o Brasil participa de uma pequena parte deles, antes importando 80% do que consumia, atualmente em situação de equilíbrio instável, mais ainda exportando muito cru, e importando também muito cru e derivados, o que é irracional, mas é fruto das políticas erradas mais recentes.
            FHC se aproveitou de um momento único na história do Brasil, que provavelmente vai demorar para voltar: uma coalizão reformista no bojo de uma enorme crise inflacionária e que permitiu fazer algumas reformas absolutamente necessárias para a economia e para a política do País: a crise permitiu aprovar diversas medidas – constitucionais e infra – que não tiveram, infelizmente continuidade. Os esquerdistas atrasados – concentrados no PT e nos outros partidos de esquerda, ainda que alguns sejam propriamente fascistas – estiveram momentaneamente na defensiva, embora todo governo constituído sempre possa contar com a boa disposição fisiológica da maior parte dos políticos em apoiar o governo em vigor, qualquer governo. Uma liderança dotada de visão de futuro pode, assim, reformar as regras constitucionais e a legislação do setor do petróleo a essa abertura ao capital estrangeiro, combinada a um tratamento puramente comercial da Petrobras, que teve liberdade para se desenvolver como companhia, não como cabide de emprego de políticos, o que ela era antes e voltou a ser depois. Infelizmente, não se avançou na abertura total do setor e na privatização da Petrobras, o que teria sido excelente para o Brasil e para a própria companhia, que assim poderia crescer mais ainda sem interferências dos governos e sem essa promiscuidade gerada por políticos rentistas. Lamentavelmente, o setor retrocedeu absoluta e relativamente depois que terminou o governo FHC, com várias distorções se acumulando ao longo do tempo, num verdadeiro trabalho de destruição da Petrobras, processo conduzido pelos governos posteriores.
Mas a campanha contra a mudança de regime foi e é relevante, tanto que se conseguiu convencer os brasileiros que a Petrobras é um “patrimônio do povo brasileiro”, quando ela é apenas uma empresa estatal, importante, certo, mas manipulada antes e atualmente por interesses políticos que não tem nada a ver com a atividade-fim. Os brasileiros – como ocorria antes no caso da Vale, uma empresa na origem estrangeira, privatizada pelo governo Vargas, e que vale imensamente mais agora, privatizada, do que durante o meio século que permaneceu em mãos do governo – estão convencidos de que o petróleo é um bem estratégico, o que ele é, mas muito mais é a educação, inclusive para compreender que o petróleo deve ser tratado como mercadoria, não como a salvação do Brasil. Salvação só existe com povo educado, não com petróleo. O Japão quase não tem petróleo, e não deixou de alcançar a riqueza mesmo sem muita energia. Educação é a chave, não mercadorias.

1. O petróleo sempre desempenhou papel geopolítico de primeira importância na história moderna, interligando produtores e compradores numa rede de interesses ora comuns, ora conflitantes.

PRA: Como qualquer mercado sempre existe oposição de princípio entre compradores e vendedores, cada um querendo maximizar os seus ganhos. Mas não existe um mercado para o petróleo e sim muitos, múltiplos mercados, muito diversos, com características muito diferenciadas dos demais mercados, pois no caso do petróleo cru não se trata de uma commodity como qualquer outra, mas sim de um produto natural, não renovável, relativamente concentrado em pontos determinados do planeta – variáveis em função das tecnologias de exploração – mas que é absolutamente estratégico, central, determinando, absolutamente indispensável à moderna civilização industrial. Para uma informação mais detalhada sobre as características desse produto, e de seus diversos mercados, recomendo uma leitura dos dois livros indispensáveis de Daniel Yergin sobre a economia política do petróleo, já traduzidos e publicados no Brasil: são, provavelmente,  mais de 1.600 páginas, no conjunto, mas vale a pena o esforço. Uma consulta a seu site de consultoria em energia, baseado em Cambridge, Massachussetts, também seria recomendável.

2. Grandes produtores (países do Oriente Médio e do Norte da África), de um lado, e grandes consumidores (países centrais, em sentido amplo), estabeleceram-se há muito tempo como protagonistas no xadrez geopolítico global.

PRA: Essa realidade já mudou muito e está mudando cada vez mais. A China já é uma grande consumidora global – embora não per capita – de petróleo, e há muito tempo deixou de ser uma produtora autossuficiente: para ela, ter acesso a fontes seguras de petróleo é absolutamente vital, mais até do que para os países ocidentais, que podem contar com diversas fontes relativamente seguras, inclusive porque dominam amplamente tecnologias e os mercados de futuros e o mercado spot de petróleo. Ou seja, o mundo ocidental ainda tem algum controle – não sobre fontes, mas – sobre comercialização e industrialização desse produto estratégico. Mas, grandes países periféricos vem igualmente adquirindo certa preeminência em alguns dos mercados, inclusive de derivados, e no consumo.
A geopolítica do petróleo também mudou bastante: até o segundo choque do petróleo (1979), a OPEP (e dentro dela a OPAEP, árabes) eram responsáveis por parte substancial da oferta mundial e quase 70% das reservas declaradas. Já não é mais o caso, e o cartel da OPEP já não tem condições de ditar as regras dos diversos mercados de petróleo cru, inclusive porque os próprios países membros não cumprem suas decisões por inteiro. Hoje mais da metade das reservas e da oferta de petróleo é não-OPEP. Se trata de uma diferença importante em relação ao passado. Ver Yergin para essas mudanças.

3. Graças a avanços técnicos que possibilitam a descoberta de grandes reservas e, sobretudo, a exploração e produção de petróleo e gás de fontes não convencionais, Estados Unidos, Canadá, Brasil e Venezuela podem levar o continente americano a uma posição de menor ou nenhuma dependência energética em relação às regiões fornecedoras tradicionais.

PRA: O continente americano não pode ser tomado no plano hemisférico. A América do Norte é tanto produtora quanto consumidora, e este aspecto domina no caso do Canadá e EUA, que vem se tornando novamente um grande produtor de energia, em suas diversas formas. A América Latina, por sua vez, é excedentária em energia, em suas diversas formas, e é uma consumidora moderada, mas isso deve crescer. Mas ela ainda detém tecnologia restrita – com algumas exceções, entre elas o Brasil – e não controla mercados de comercialização. Dependência energética todos os países têm, dependendo das fontes disponíveis, da tecnologia mobilizada, do ritmo de exploração e da intensidade de consumo (hoje, por exemplo, os países avançados consomem muito menos petróleo por unidade de produção do que nos anos 1970, enquanto a China ainda “desperdiça” petróleo no seu setor industrial). Na América Latina, a despeito de existirem grandes produtores, os países também são dependentes, e mesmo o Brasil, com o pré-sal, não deve se tornar um grande protagonista nos mercados ofertantes, pois seu consumo também deve crescer (isso se o pré-sal se revelar realmente produtivo). O Brasil deve continuar a ser relativamente marginal na geopolítica mundial do petróleo, ainda que venha a se tornar um grande produtor: ele não reúne as condições para se tornar um grande protagonista nos diversos cenários que podem ser traçados para seu futuro energético, embora venha a assumir algum papel relevante, mas isso deve ocorrer nas energias renováveis, não nas fósseis, provavelmente, e mesmo assim, muito depende das políticas do governo, que nos últimos dez anos errou tremendamente nas diversas vertentes da política energética.

4. Essa condição de agrupamento geográfico não uniformiza, porém, os interesses correntes e estratégicos de cada um desses países no cenário internacional. Bem ao contrário (com exceção, talvez, em certo grau, de Estados Unidos e Canadá.

PRA: Não existe, no cenário previsível, possibilidade de unificar interesses estratégicos dos grandes, médios e pequenos atores nos diversos mercados energéticos, e mesmo nos mercados do petróleo. Os interesses nacionais são extremamente diversos, embora possa existir alguma coordenação e diálogo entre os grandes atores. A OPEP é um cartel, que como todo cartel, pretende apenas extrair renda dos seus clientes e consumidores. Os países da OCDE estão mais ou menos coordenados na Agência Internacional de Energia, que funciona na OCDE, em Paris, justamente, mas se trata mais de um fórum para intercambiar opiniões, trocar informações, desenvolver estatísticas e estudos técnicos de grande sofisticação, que não pode ter a pretensão de coordenar realmente as políticas nacionais dos países. Ou seja, se trata de cada um por si, pois a energia é absolutamente estratégica, vital para o nosso modo de vida, mas assume tantas formas e características que seria totalmente impossível esperar uniformização de interesses nesses mercados. Não se trata mais, como no passado, de uma luta entre impérios para controle das fontes, mas de uma concorrência entre grandes companhias, num mercado fortemente desigual e altamente competitivo, colocando em face, uns dos outros, governos, companhias privadas, estatais, ditadores e especuladores, o que torna difícil coordenar interesses. Ou seja, o mundo deve continuar na relativa anarquia que hoje o caracteriza, sendo porém de se excluir grandes guerras globais para acesso às fontes, o que não exclui escaramuças e guerras localizadas entre países e dentro dos países.
            Existe, como se sabe, uma “maldição do petróleo”, com muitos livros a respeito. Recomendo ler Peter Maass, Crude World: the violent twilight of oil.

5. Nessa rede de interesses geopolíticos internacionais em transformação, o Brasil tem presença que variou de patamar ao longo do tempo, com narrativas políticas que se desenrolaram, ora na frente doméstica, ora na frente externa, mas quase sempre exprimindo alguma forma de conjugação de iniciativas, nos dois campos, em termos de ação governamental consequente. Com o Pré-Sal, quais perspectivas se abrem para o Brasil na arena geopolítica global? 

PRA: Discordo da expressão “ação governamental consequente”. O Brasil, na verdade, nunca teve uma política coerente para o petróleo, terreno muito submetido a paixões “nacionalisteiras” as mais nefastas e deprimentes do ponto de vista da racionalidade estrita do setor, embora tenha tido políticas energéticas razoáveis, ao longo do tempo. Nos atrasamos na revolução industrial, em parte pela falta de fontes seguras de energia, carvão e petróleo, justamente, o que veio mais tarde, mas com grandes dificuldades e com interferências políticas nefastas em diversas áreas. Mas, por outro lado, soubemos explorar, com algum grau de racionalidade, as fontes naturais, ou seja hídricas. Nesse terreno, as possibilidades ainda existentes vêm sendo sabotadas pelos novos malthusianos da era contemporânea, que são os ecologistas não científicos, essa horda de ambientalistas românticos, que poderiam nos fazer retroceder ao neolítico, se por acaso comandassem governos e políticas públicas (e não só em energia, mas ele alimentos também).
            A matriz energética brasileira é relativamente positiva, com muitos recursos renováveis, e deveríamos continuar assim. Infelizmente (no sentido alegórico da palavra), estamos caminhando para sujar um pouco essa matriz, com a aparente abundância de petróleo do pré-sal, que também pode ser uma “maldição”, dependendo de como seja explorado. O fato é que o pré-sal determinou grandes mudanças nas políticas públicas de energia no Brasil, todas elas nefastas até o momento, pois despertou os instintos rentistas dos políticos e tende a deformar as outras políticas setoriais, inclusive no próprio petróleo.
            Respondo à esta questão – Com o Pré-Sal, quais perspectivas se abrem para o Brasil na arena geopolítica global? pela negativa, por fatores puramente objetivos, e não com base nas minhas opiniões negativas quanto à “baixa política” governamental em relação ao pré-sal. O pré-sal NÃO vai transformar o Brasil em ator geopolítico relevante no terreno do petróleo, simplesmente porque existem muitas outras fontes mais baratas e acessíveis de petróleo e outros combustíveis fósseis, assim como de renováveis (inclusive no próprio Brasil, se as políticas corretas forem aplicadas, o que ainda não é o caso). Em primeiro lugar, seria preciso ver se o pré-sal é de fato real, o que depende não apenas da tecnologia – que existe mas pode ser difícil – mas basicamente dos mercados ofertantes de energia e de petróleo em particular: a AIE calcula que a extração do petróleo do pré-sal pode estar em torno de 80 dólares o barril (comparando: a média no Oriente Médio deve andar em torno de 12 a 15 dólares, sendo que em alguns lugares pode estar abaixo de 5; se fossemos extrair petróleo no Ártico, não seria possível a menos de 150 dólares). Ou seja, se o barril cair muito nos mercados internacionais, melhor deixar o petróleo do pré-sal onde está, dar até logo e esperar que o preço supere 100 dólares (será sorte do Brasil se ele se mantiver nessa faixa, o que é bastante provável, pois outros produtores, basicamente ditaduras petrolíferas e rentistas do petróleo, têm interesse que seja assim).
Mesmo que tudo dê certo, haverá muito pouco petróleo para fazer com que o Brasil altere radicalmente a balança mundial; o que houver de excedentário ao seu próprio consumo (que deve crescer bastante), será comercializado marginalmente nos mercados globais, pelas companhias que o estão explorando e pela Petrobras. Nada que altere a balança mundial energética, ou a “simples” geopolítica do petróleo. Aquela visão do Lula, do Brasil grande produtor, como sempre é megalomaníaca e não corresponde à realidade.

6. Como variaram, no tempo, as políticas externas brasileiras sob relações de interseção com as posições alcançadas pelo país em termos de suficiência energética? Que peso tiveram, em momentos mais expressivos dessa conexão, as peculiaridades do momento político doméstico vivido pelo país? (Vamos fazer uma linha do tempo com os dados assim levantados).

PRA: O Brasil teve políticas erráticas em relação ao petróleo, um pouco menos erráticas nas outras vertentes energéticas. No petróleo, perdemos muito tempo com bravatas nacionalistas que só nos atrasaram, na produção, na exploração, na comercialização, e sobretudo na distribuição interna, pois a Petrobras sempre foi politizada e usada pelos governos, seja num sentido econômico (como na era militar), seja num sentido baixamente fisiológico, como ocorre desde o início da gestão Lula. Quanto ela começou a funcionar corretamente, na gestão FHC – e sobretudo depois da aprovação da lei do petróleo e da ANP, em 1997 – e prometia grandes avanços nos dois terrenos (exploração e produção, ou seja, prospecção, extração e transformação em derivados, mas menos na comercialização, onde se manteve, infelizmente, o monopólio de fato da Petrobras), veio a nova gestão dos companheiros, que praticamente dinamitou, não apenas a Petrobras, mas boa parte da política energética, ambas submetidas a critérios políticos nefastos e indefensáveis.
            Além da politização da Petrobras, e sua utilização por máfias sindicais, ocorreu um desvio fundamental das políticas corretas anteriormente colocadas em vigor pelo governo FHC, ou seja, tratar a Petrobras – que nunca se cogitou de privatizar – como uma empresa comercial, e deixa-la aplicar critérios técnicos e comerciais em todos os aspectos de suas atividades. A gestão Lula foi negativa, chegando a cometer crimes econômicos, sob certos aspectos, contra Petrobras, contra a matriz energética do Brasil, contra os acionistas e contra o próprio Brasil. Um desastre completo, que está longe de ser corrigido, pois a nova lei aplicada ao pré-sal, de 2010 (ainda não totalmente em vigor, pois além de tudo também destruiu a federação, com o acirramento dos comportamentos rentistas em todos os governos estaduais e em todos os políticos), simplesmente desequilibra completamente uma estratégia racional para o petróleo e para outros combustíveis.
            Um dia vai se poder avaliar, racionalmente, todos os desastres e crimes econômicos cometidos pela gestão lulista nessa área. O Brasil ainda está muito dominado pela euforia nefasta do pré-sal, para que os dirigentes façam uma análise isenta dos equívocos cometidos. Alguns economistas, mas muito poucos, vêm apontando os erros perpetrados pelo governo, em praticamente todas as frentes (renováveis e fósseis), e continuam a ser praticados, sem que se tome consciência da má direção tomada pelo país. Se o Brasil tivesse continuado na lei de 1997 (que permanece, mas os leilões pararam, praticamente), teria conseguido royalties para o governo, sem riscos para a Petrobras, e sobretudo sem o caos legislativo e judiciário criado com a estatização do pré-sal pelo governo irresponsável do presidente Lula. Ou seja, os equívocos no tratamento do petróleo são gigantescos e talvez não sejam mais reversíveis, pois o governo, criminosamente, incitou no mais alto grau os instintos rentistas dos políticos, praticamente “distribuindo” royalties do pré-sal que talvez nem venham a existir, e criando um conflito distributivo entre os estados que não se resolverá sequer no Judiciário (STF). Um caos completo.
            No terreno dos renováveis, os erros não são menores, tanto em relação ao etanol (“afogado” pelo controle de preços criminoso aplicado aos derivados de petróleo), como em relação ao biodiesel. Aqui, o governo foi absolutamente estúpido, ao misturar matriz energética com problemas sociais, criando um programa de biodiesel de mamona a ser fornecido por “agricultura familiar”. Um outro desastre incomensurável, que eliminou o Brasil do mapa dos biocombustíveis, aparentemente tão promissor antes dos desastres cometidos pelo governo Lula. Neste terreno, como em diversos outros, ainda falta fazer a história real, verdadeira, dos equívocos cometidos pelo governo Lula em diversas frentes: na produção, na comercialização, nos estímulos setoriais, no tratamento do capital privado e dos investimentos estrangeiros: ele não acertou uma única vez, errou em todas...

7. O Brasil tem hoje um governo que se pode chamar de esquerda e democrático (como já era com Lula).  É um governo que se relaciona bem, no continente, com governos radicais de esquerda, esquerdistas progressistas, e de centro-direita. É considerado pelos Estados Unidos uma potência sub-regional e um aliado de primeira importância. É membro do G-20. Com o Pré-Sal, o Brasil caminha para tornar-se um exportador líquido de energia, e poderá ganhar níveis invejáveis em matéria de segurança energética. Que importância essa posição de quase-independência tem hoje, em termos geopolíticos? Que importância poderá ter, no futuro, a possível independência plena?

PRA: O governo é de esquerda, certamente, mas de uma esquerda atrasada, estatizante, centralizadora, populista e demagógica, quando existem outros governos de esquerda, no mundo, abertos, reformistas, racionais em economia e dotados de uma visão econômica moderna, receptiva a investimentos estrangeiros e sem muita demagogia populista (no Chile, por exemplo, ou no Uruguai, e em vários países europeus). O governo certamente não é democrático, ainda que não possa implantar um regime autoritário, mas é dominado por um partido neobolchevique que faz de tudo para eliminar as oposições, controlar a imprensa e impor o controle do Estado sobre praticamente todos os setores da vida pública. A bem da verdade, o partido hegemônico e seu governo possuem tendências fascistas, que se revela justamente nessa tentativa de colocar sob o controle do Estado a vida de todas as empresas e de todos cidadãos, e que trata os mais pobres como massa de manobra.
            Quanto ao ambiente externo, se pode dizer que o governo tem tendência a apoiar todas as ditaduras supostamente esquerdistas, como governos autoritários de modo geral, e age com uma grande motivação contra o que ele chama de países hegemônicos, ou seja, as grandes democracia de mercado. Não se deve tomar discursos diplomáticos – como essa expressão usada e abusada de “parceiros estratégicos” – pelo seu valor face, pois existe muita hipocrisia nessas proclamações; se formos julgar pelos discursos, o Brasil tem “parceiros estratégicos” em todos os continentes, e eles são tão mais estratégicos quanto menos “hegemônicos” forem, ou seja, antiocidentais e anti-Estados Unidos. Esta é uma realidade fática, que pode ser comprovada por diversas iniciativas e proclamações do governo atual, não se trata de uma opinião. Basta ler nas entrelinhas e ver as ações reais.
            Quanto às perguntas, respondo topicamente:
            (a) Com o Pré-Sal, o Brasil caminha para tornar-se um exportador líquido de energia, e poderá ganhar níveis invejáveis em matéria de segurança energética.
            PRA: Não é seguro que o Brasil se torne um exportador líquido de petróleo, e se isso se confirmar, será marginal no mercado mundial, ainda que possa trazer divisas para o Brasil. Creio que haverá um equilíbrio entre consumo e produção com o pré-sal, e os movimentos de comércio exterior nessa área vão depender da capacidade industrial de refino e novas explorações.
(b) Que importância essa posição de quase-independência tem hoje, em termos geopolíticos?
PRA: Quase nenhuma no plano mundial, apenas tornar o Brasil menos dependente de petróleo importado, mas isso não é em si relevante, pois o petróleo é uma commodity amplamente comercializável nos mercados livres, sem qualquer problema de acesso aos demandantes. Basta ter renda, e renda se consegue exportando quaisquer outros produtos.
(c) Que importância poderá ter, no futuro, a possível independência plena?
PRA: Não existe independência plena no campo da energia. Nenhum país e totalmente independente, e isso se aplica inclusive e principalmente ao petróleo. Mesmo os países produtores e exportadores de petróleo são em geral dependentes da importação de derivados e, como se disse, o petróleo é, e pode ser, fonte de problemas enormes, como a distorção da economia, e algumas “maldições” não desejadas. Não é seguro que o Brasil (pelo menos no governo atual) consiga desenvolver um modelo “norueguês” de exploração racional do petróleo e de utilização de seus royalties. O que é seguro, até aqui, é que o governo Lula conseguiu piorar amplamente o ambiente geral do Brasil para a exploração racional desse produto estratégico, deteriorando amplamente o quadro institucional e as relações federativas. Em relação à Petrobras, os desastres são visíveis.

8. Talvez essa independência coincida com a dos Estados Unidos, a julgar pelo otimismo com que vem sendo saudada a descoberta de importantes jazidas de óleo e gás de xisto naquele país e possibilidades de sua extração. Quais efeitos poderia ter essa coincidência (se ocorrer) para o fator ‘energia’ na equação geopolítica brasileira?

PRA: Qualquer que seja a evolução energética, pelos seus vetores, nos EUA, parece que o país está motivado para diminuir sua dependência de fontes externas, fósseis e renováveis, e pode conseguir, parcialmente. Isso significa que o Brasil perdeu e está perdendo oportunidades, por cegueira econômica e miopia ideológica, de desenvolver políticas de cooperação com esse gigante econômico, sobretudo em razão da estatização irracional, demagógica, totalmente política, desse setor. O Brasil, como já dizia Roberto Campos, é um país que não perde oportunidade de perder oportunidades. Pois perdeu também no petróleo e nos renováveis, com os EUA, e com os investidores estrangeiros de modo geral. Só estamos tendo relacionamento com estatais de países autoritários, que não tem o critério do lucro como básico, como é o caso de alguns investidores no campo de Libra.

9. A independência americana pode ser mais difícil de ocorrer do que a brasileira: a extração de óleo e gás de xisto ainda apresenta dificuldades técnicas e traria acréscimos apenas graduais à produção, e as jazidas em águas profundas também não seriam facilmente alcançáveis. Quais as possibilidades de o Brasil ganhar essa corrida e com quais consequências geopolíticas, no continente, nas relações com os Estados Unidos e no plano global?

PRA: O conceito de corrida é totalmente inadequado neste terreno, só se for uma corrida contra si mesmo, pois cada país tem recursos naturais e dotações tecnológicas (e sobretudo humanas) muito diferentes, que precisam ser mobilizadas para obter o melhor retorno possível das oportunidades existentes dentro e FORA do país. No que concerne uma corrida para melhorar ainda mais nossa matriz energética, o Brasil, infelizmente, está perdendo a corrida contra consigo mesmo: temos um governo sem condições financeiras, técnicas, de gestão e sem visão para impulsionar as diversas vertentes da matriz; o governo tem aversão ao capital privado, sobretudo estrangeiro, e com isso perde enormes chances de desenvolver as diversas frentes; o Brasil é errático nas suas políticas de preços (na verdade, ele é controlador, o que é mortal para qualquer setor econômico), nas tecnologias, no equilíbrio das diversas fontes, e se mostra refém dos malthusianos ecológico-românticos; o governo é estúpido na gestão dos renováveis, pois mistura problemas sociais (camponeses pobres, que supostamente cultivariam mamona) com a matriz energética; o governo foi criminoso na condução do assunto do pré-sal, pois criou uma querela monumental entre os estados, que não vai ser resolvida sequer no STF. Ou seja, o governo, até aqui, só errou, e está perdendo a corrida consigo mesmo, e de todos os demais países.

10. Como a China entraria na equação geopolítica brasileira? (o governo brasileiro considera diferentes hipóteses para as relações com a China na área de energia; no caso do Pré-Sal, as estatais chinesas poderão entrar com força relevante para a Petrobras financiar sua participação na exploração, em troca de fornecimento de petróleo).

PRA: Um governo estatizante como o atual governo brasileiro pode se dar muito bem com a China, em detrimento de uma política mais inteligente de exploração de seus recursos. A China precisa, necessita absolutamente de segurança energética, basicamente petróleo, pois ainda tem muito carvão e está desenvolvendo energias renováveis e nuclear. O Brasil entra como fornecedor, e a China como financiador, ou seja, uma relação desequilibrada e que só convém aos chineses. Como a China tem muitos recursos financeiros, a Petrobras vai ser mantida nessa relação esquizofrênica criada pelo próprio governo.

11. O modelo brasileiro de regras para a exploração das jazidas do Pré-Sal tem forte viés estatal. Como se deve interpretar essa opção -- a escolha, em si mesma e no contexto de perspectivas atuais e futuras de interinfluências geopolíticas do Brasil com as principais economias do mundo, de um lado, e outras economias latino-americanas? (as ‘bolivarianas’ do Sul e o México, ao norte) É um modelo que veio para ficar, ou poderá ser modificado no futuro, caso se constatem falhas de eficácia?

PRA: As políticas atuais brasileiras para o pré-sal são totalmente irracionais, e já criaram prejuízos irreparáveis, além de um enorme custo para o país. Um governo racional, se por acaso tiver futuro no país, deveria simplesmente eliminar toda a legislação do pré-sal e retornar ao regime de 1997. Parece que algumas decisões já tomadas vão continuar criando problemas, mesmo se um retorno como esse viesse ocorrer. Infelizmente, o governo Lula fez um enorme mal ao Brasil em todas as áreas energéticas em que tocou: foi um Midas ao contrário. A ineficácia da política já foi colocada: estão “leiloando” royalties entre políticos muitos anos antes de existir qualquer rótulo. Uma das piores maldições que pode ocorrer numa política desse tipo são os mais baixos instintos rentistas entre os políticos, além de uma deformação da área energética do país, sem falar da própria indústria, desviada para essa maldição concentradora de recursos. O Brasil estaria muito melhor sem o pré-sal, e isso por razões políticas mas também econômicas.

12. O modelo brasileiro de abertura da exploração do petróleo à participação estrangeira parece voltado mais para a garantia de fornecimento do que para a oferta de atrativos de retorno (lucratividade), como no caso das estatais chinesas que manifestaram interesse pelo leilão de Libra. Considerando-se também os termos regulatórios dessa participação, tem-se um modelo marcadamente ‘estatal’. Que importância terão os resultados (bons ou maus) da adoção desse viés, digamos, menos ‘privatista’ para a afirmação da presença política brasileira no G-20?

PRA: A tendência é a consolidação do ogro estatal no setor energético, concentrando recursos, benefícios, favores, enfim, distorcendo um pouco mais a economia brasileira, em geral, e o setor de petróleo em particular. Isso não tem absolutamente nada a ver com o G20, a não ser muito indiretamente. O G20 é um grupo informal de diálogo sobre questões financeiras e monetárias – e por extensão de outras questões econômicas também, embora pretenda se meter um pouco em todos os assuntos – mas ele não tem qualquer poder sobre as políticas nacionais dos seus integrantes. A imagem que o Brasil consolida no G20, em todo caso, é a de um país estatizante, refratário à abertura econômica, pouco propenso a uma política de acolhimento de investimentos privados estrangeiros e praticando um tipo de nacionalismo econômico ultrapassado nas condições de interdependência mundial atual.

13. Em que medida as grandes empresas de energia de capital privado, elas mesmas, têm poder de influenciar, com suas decisões estratégicas (e probabilíssimos lobbies, os movimentos de governos no xadrez geopolítico? E as grandes estatais asiáticas, especialmente as chinesas?

PRA: Pergunta impossível de ser respondida em geral e no abstrato. Companhias de energia podem ser mais ou menos influenciáveis pelos governos, mas nem sempre. Por exemplo: se o governo americano desejasse, realmente, estrangular o governo de Hugo Chávez (e do seu sucessor), há muito tempo teria decretado o final da importação de petróleo venezuelano, e sua substituição por outras fontes. Por que não o fez, por que não o faz? Por que o governo americano não é ditatorial e não pode determinar sozinho as políticas de importação de petróleo. A despeito de controlar uma enorme reserva estratégica de petróleo, o governo americano não possui nenhuma companhia estatal de petróleo, e são as companhias privadas que exploram, produzem derivados, importam, comercializam todo o setor. Companhias estatais de petróleo podem ter uma gestão mais comercial – em alguns emirados e monarquias árabes, por exemplo – ou ser inteiramente submetidas à gestão política do governo, como parece ser o caso com as chinesas e outras estatais em petro-ditaduras. Outros países podem ser ditaduras petrolíferas mesmo sem ter companhias estatais, como alguns da ex-URSS. Ou seja, o cenário é muito diverso para se ter um retrato uniforme de como são tomadas certas decisões nos diferentes atores relevantes.

14. Com a entrada no mercado de outras fontes de energia abundante, como o óleo e o gás de xisto  americanos, o petróleo vai perdendo importância estratégica, o que também ajudaria a explicar a perda de atratividade do Pré-Sal. Mas o Brasil pode se tornar bastante “forte” na produção de biocombustíveis. Em que medida essa possível vantagem estratégica específica pesaria na balança, a favor da preservação, ou mesmo aumento, da presença geopolítica brasileira no cenário internacional?

PRA: Não existem cenários fiáveis em nenhum terreno – mesmo nas teorias fantasiosas do “pico do petróleo”, jamais alcançado e ninguém sabe onde está – e mesmo nos renováveis o futuro é muito incerto, pois muito depende de políticas de governo, que costumam ser erráticas, quando não prejudiciais ao próprio país, quando preconceitos e ideologia tomam conta do espaço que deveria estar reservado a análises técnicas por especialistas. Por exemplo, o pré-sal brasileiro pode ser considerado um desastre completo pelas políticas erradas do governo, mas também o setor de renováveis foi submetido a políticas da mesma forma equivocadas. A decisão alemã de excluir completamente o vetor nuclear pode ser considerada igualmente uma decisão irracional e de alto custo para o país.
            O Brasil, de fato, poderia se tornar, em 500 anos de história econômica concentrada na produção de produtos de “sobremesa”: açúcar, café, cacau, etc. – um país relevante no futuro mercado de renováveis, não tanto pela oferta de bens, mas de tecnologia, e de know-how do setor, para produção na América Latina, na África e em outros países de perfil similar ao Brasil. Mas até aqui as políticas foram também equivocadas. Pode ser que no futuro, um governo menos irracional venha a colocar um pouco de ordem e de critérios exclusivamente técnicos e econômicos num setor importante.

15. As relações internacionais guiam-se, em grande medida, por expectativas. A quais alturas a soma de potencialidades em petróleo e em biocombustíveis poderá elevar a influência brasileira no cenário global e com quais efeitos sobre a capacidade de o país formular políticas públicas (para uso doméstico) com acréscimos de autonomia decisória?

PRA: O Brasil é um país que frustra expectativas, não apenas do seu próprio povo, mas também de parceiros estrangeiros, que certamente gostariam de vender tecnologia, comprar produtos brasileiros (renováveis, por exemplo), se associar a investimentos produtivos neste país de imensos recursos naturais hoje escassamente explorados. Tudo depende de políticas corretas de governo, o que até agora se revelou totalmente frustrante. Não acredito que o Brasil tenha grandes perspectivas na geopolítica mundial do petróleo; no máximo terá uma grande fonte para seu próprio consumo, e interagirá com os investidores estrangeiros nessa área de prospecção, exploração e produção interna de derivados (se o monopólio de fato da Petrobras for rompido, o que é um enorme problema para nós mesmos). Mas sua participação nos mercados mundiais de petróleo continuará marginal, ainda que possa ter grande expressão numérica: grandes negócios, certamente, mas nenhuma revolução geopolítica nessa área.
            Onde o Brasil poderia fazer diferença seria nos renováveis, mas até aqui, as políticas foram erráticas, e até retrocedemos nesse terreno. Importar etanol de milho subsidiado dos EUA é um exemplo perfeito da estupidez econômica do governo Lula no terreno dos renováveis. Fazer biodiesel com mamona de camponês pobre é outra estupidez econômica que não tem tamanho. Enfim, o governo Lula colecionou diversas estupidezes econômicas ao longo dos dez últimos anos, e infelizmente as mesmas bobagens continuam a ser cometidas no governo sucessor. Além dos vários crimes econômicos, a estatização ampliada do setor é a outra grande estupidez que continua ser praticada pelos governos petistas. Não se sabe quando, e se, essas estupidezes serão corrigidas. Mas enquanto não forem o Brasil continuará patinando, senão retrocedendo, no petróleo e nos renováveis.

Uma sub-retranca
Em quais detalhes as condições brasileiras (dadas nos leilões) diferem das condições de parceria oferecidas por outros grandes produtores a investidores estrangeiros (privados ou estatais)? Ou seja: como estão definidas as políticas para a abertura do setor de petróleo à participação estrangeira? Por quais razões foram definidas com estes ou aqueles principais traços? Com quais eventuais influências de condições ditadas por possíveis investidores e/ou práticas consagradas de mercado? Com quais efeitos sobre o ânimo dos investidores e suas decisões?

PRA: O modelo brasileiro é um híbrido, mas registre-se que no setor do petróleo existem muitos regimes diferentes, pois cada governo tem suas possibilidades e preferências. De maneira geral, quanto mais democrático e avançado for o país, mais livres, mais abertos, mais comercialmente orientados, mais tecnicamente fundamentados e mais amigáveis aos investimentos privados são e serão os regimes aplicados ao petróleo; quanto mais ditatorial for o governo, ou mais “subdesenvolvido”, mais irracional, mais rentista, prejudicial ao país e ao povo será o setor, com as diversas “maldições” do petróleo se acumulando. O Brasil fica entre os dois extremos: não é uma ditadura (mas o governo atual gostaria de ter uma no setor do petróleo, confirmando as piores expectativas rentistas dos políticos em geral e desses políticos em particular), e tampouco é uma perfeita democracia avançada, pois existe um enorme predomínio do Executivo na determinação das políticas do setor, uma vez que o congresso ou é inerme, ou desenvolve, justamente, os comportamentos rentistas mais deploráveis já vistos na história econômica do país.
            Uma prova de quão errado está o governo foi dado pelo leilão de Libra: poucas grandes empresas sérias se apresentaram, tal a confusão criada pelo governo quanto às condições reais de exploração. Reina no setor uma completa insegurança jurídica, além das incertezas tecnológicas e quanto à própria “rentabilidade” do petróleo do pré-sal. Como se suspeita: se o preço internacional não for muito alto, melhor deixar o petróleo no fundo do mar e esquecer.
Seria bem melhor para o Brasil se seus dirigentes se ocupassem de questões reais, como o estado deplorável da educação, por exemplo. Essa é a verdadeira “mercadoria” estratégica: educação de qualidade. O Brasil só precisa disso para ser grande. E, claro, precisaria dispor de elites mais esclarecidas, para que se possa ter governos minimamente racionais, o que parece não ser o caso atualmente.

Paulo Roberto de Almeida
Princeton, New Jersey, 8 de outubro de 2013.

China: intelectuais novamente pedem liberdade (vao ser reprimidos peloregime)


Q. & A.: Yang Fenggang on the ‘Oxford Consensus’ and Public Trust in China


In late August, two dozen Chinese public intellectuals from four of the country’s main ideological schools — Confucian, New Left, Liberal and Christian — met at Oxford University’s Wycliffe Hall to discuss their country’s problems. Remarkably, for a group of people who in Chinese public life are often at each other’s throats, they came up with what is now being dubbed the “Oxford Consensus” — four theses expressing their hopes for a pluralistic, liberal China.
Yang Fenggang, a professor of sociology and director of Purdue's Center on Religion and Chinese Society.Purdue University/Andrew HancockYang Fenggang, a professor of sociology and director of Purdue’s Center on Religion and Chinese Society.
The statement is mild compared with more controversial documents like Charter 08, the brainchild of the imprisoned Nobel Peace laureate Liu Xiaobo. The consensus simply states the hope that China will remain committed to pluralism, as well as fairness and justice in the political realm. The full text is posted here.
The signatories include some of the country’s most prominent scholars and writers who publish and speak out on social issues, like Cheng Ming, a leading Neo-Confucian; the Christian sociologist He Guanghu; the New Left film critic Lü Xinyu; and the liberal philosopher Xu Youyu. The statement has not been widely reported in China, although a long feature appeared in the influential newspaper Southern People, or Nanfang Renwu, a sign perhaps that the initiative has not completely run afoul of the government’s continuing tightening of public discussion.
One of the participants was Yang Fenggang, a Christian and a pioneer in the study of the sociology of religion in China. Mr. Yang is a professor of sociology at Purdue University and director of its Center on Religion and Chinese Society, one of the most influential institutions studying religion in China, regularly hosting conferences and academic exchanges.
I recently spoke with Mr. Yang about the consensus and its meaning for public debate in China.
Q.
How did this get started?
A.
The founder is a Wenzhou Christian named Wang Wenfeng. He went to a seminary in Singapore, and that’s where he started the forum. The first three were there and were just about Christian theology. The fourth was in South Korea, and the previous one, the fifth, included Neo-Confucians. But this time they pulled in the New Left and Liberal groups, too.
Q.
In the West, this might be unremarkable — a group of intellectuals meet and issue a statement. What’s the significance?
A.
I think it is severalfold. The New Left and the Liberals, those public intellectuals have stopped talking to each other. When they get an invitation, one of the first questions is, Who else have you invited? If the invited people include those from the other camp, they won’t participate. It got to that level of tension. But this time, they willingly sat together for three full days.
Q.
Is this because it’s abroad?
A.
Well, on the surface, Oxford is attractive. No matter which camp you’re in, if it’s Oxford, it’s prestigious. Also the organizer, Wang Wenfeng, is really humble. He never got into disputes with any of them. That persuaded many.
Q.
In China, these political labels have different meanings than in the West. How would you define New Left and Liberal?
A.
It’s hard. The New Left, in my view, is different from the old Left or the Maoists. The New Left made clear that they don’t like to be called leftists. But they like to be called xinzuoyi, the left wing. Many ideas and terms are borrowed from the left in the West. They are critical of capitalism, imperialism, globalization. This is where they draw their theory, rather than the old Marxist, Leninist or Maoist theory. But every conversation they’ll turn to it being the fault of the U.S. Growing inequality, people losing houses — they’ll say it’s because of capitalism from the U.S.
Q.
And the Liberals, which some people call the “right”?
A.
They have classic liberal ideas: free markets, individual rights, constitutionalism. But, interestingly, there are some closer to the left. These people began to say things like: In the Chinese situation, we need a stronger government. Only a stronger government will make things happen.
I’d say there’s a new reshuffling of the camps. I personally came out of the meeting thinking there were only two camps: There are people who advocate a bigger role of the state and those who argue for individual rights. So I think statism and individual rights is a bigger division. So the four camps may not make as much sense. I can think of people from the Liberals who speak for the need of a stronger state. Neo-Confucians, most of them, argue for that, and even Christian scholars like Liu Xiaofeng have become strong advocates for a stronger state.
Q.
So all these people could sit together and talk.
A.
Yes, we managed to come up with this public statement. Even though there’s nothing big in it, that these four camps could form a consensus, that itself is important.
People in China talk about the country being torn apart, that’s how bitter the camps are. But here they can talk about it and start with what we have in common and then see what our differences are. I think this is needed in Chinese society at this point. The four points of consensus take into account the concerns of the Left, the Liberals, the Confucians and scholars of Christianity. Even though the language, everyone had to compromise. Nonetheless, you can see it expressed their views.
We had very interesting debates during the evenings. But there was this trust, and some people said, “It’s O.K., I trust you to formulate the language.” There was this feeling that they had to move forward and agree or else the country could be torn apart.
Q.
The choice is interesting. You have Christians or scholars of Christianity, but no representatives of traditional religions such as Daoism and Buddhism. Is there a lack of scholars in those areas?
A.
The main idea was, Who are the public intellectuals? Those who have a public voice in China. When you think of it, there are almost no Buddhist or Daoist public intellectuals. On Weibo I follow a lot of Buddhist monks, fashi. Almost none talk about public issues or concerns.
Q.
Why do you think that is? Are they co-opted by the government because they get more benefits from the government — for example in temple reconstruction, soft loans and so on?
A.
Certainly I think that’s an issue. They comply more to the government’s viewpoint. But also I think they may not be equipped to be part of this public debate. Active public intellectuals today are not only college-trained but have graduate degrees. But you’ll find few of them in Buddhism and Daoism.
Q.
This gets me thinking there isn’t much interfaith dialogue in China. You almost never see religious groups getting together to meet. It is like the party’s view is, if there’s a problem, tell us, and we’ll solve it, but don’t you guys start talking about it because it might develop into something independent, and we don’t want that.
A.
That’s something that came up in the discussions. There was a feeling that as long as we come up with something, it’s meaningful. We don’t know how the authorities will react, but at least we can show that we can work together. This group of people have the concern that the authorities may simply go their own way without taking any input. When we sat together we were conscious of this.
Q.
It’s interesting that Christians were included. Of course, it started as a Christian theological forum, but the participants from the other groups evidently felt it was appropriate to be talking to Christians and scholars of Christianity. The government sometimes views Christianity as a foreign religion and less favorably than other religions.
A.
A few years ago someone published a book which listed the main groups in China. It included the traditional Left, social democrats, socialism with Chinese characteristics, plus some newer groups — but no Christians. You could ignore Christianity because it had no social impact. But now Christians are part of the discussion. I see this as an introduction of Christian scholars to the public forum.
Q.
But wasn’t there the “cultural Christian” movement a decade ago?
A.
What they did was to introduce Christianity as a cultural phenomenon and a cultural resource, but not to express social or political concerns. It was cultural: theology, history and the arts. But this time it’s about expressing social and political concerns, like rule of law and that power should come from the people, equality, justice.
Q.
A key Christian contribution to this debate is the idea that rights are God-given and not state-given, meaning a state or government can’t take them away as it pleases. Was this brought up?
A.
Yes, definitely. An interesting case is He Guanghu. He signed Charter 08. He was the only scholar who studies religion who was among the initial signers. Since then he has been more public in making his position known. His Christian faith has become publicly known. For many years he tried not to say anything about it, but now he feels confident to be out.
Q.
When we talk about public intellectuals, how do you define that in China? Public space is limited in China, and Westerners often see it just in terms of Weibo. How do these intellectuals participate in public life?
A.
Weibo is one. Those who aren’t on Weibo participate in other ways. They get invitations to give talks, sometimes appear on television, or write articles to newspapers and magazines. And especially they participate in conferences. Interestingly, in China, the media pay attention to conferences. If a conference like this one here were in the West, journalists wouldn’t care about these sorts of things. But in China the media report on them. Conferences become platforms for people to express their concerns, and their voices can be heard.
Q.
What is the next phase? Will you meet again?
A.
They hope to hold another one, perhaps in Brazil, to put China in a global context. I think they hope to invite people from all four camps, but this consensus is thin, delicate. It depends how people react.
This is not like Charter 08 or anything like that. The language is very toned down. Even the old Left can’t really object. I think the government will not be able to say much about it.
Q.
Maybe in the future it’s not necessary to have a consensus, but just a platform to discuss topics. People should have different viewpoints, because no country has just one viewpoint, one consensus. The key is that people are expressing themselves in a polite, constructive way.
A.
That’s my thinking, too. In the future we could have real debate. We did have some debates and some interesting moments, but the general tone was most people felt this was hard to achieve and let’s maintain good relationships, rather than pushing one’s views too hard. So they want to start with this, but a healthy way is to have genuine debate, to show the differences — not emotional and sentimental, but to make good arguments. If that happens, it would be great. Hopefully this is the beginning for that.
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About Sinosphere

Sinosphere, the China blog of The New York Times, delivers intimate, authoritative coverage of the planet's most populous nation and its relationship with the rest of the world. Drawing on timely, engaging dispatches from The Times’ distinguished team of China correspondents, this blog brings readers into the debates and discussions taking place inside a fast-changing country and details the cultural, economic and political developments shaping the lives of 1.3 billion people.
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Its forgotten role in the Allied victory over the Axis helps explain its geopolitical aspirations today.
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Full Text of the Oxford Consensus 2013
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Venezuela: lei habilitante pode ser otima para a Oposicao

A oposição venezuelana não deveria combater a lei habilitante, ou seja, os decretos hitleristas que os socialistas pretendem dar ao presidente. Incompetente como ele é, isso vai acelerar a derrocada do regime.
Que venga la ley habilitante!
PRA

Dólar paralelo bate recorde na Venezuela após leis de emergência

Estadão

O governo da Venezuela declarou nesta quinta-feira, 17, já ter uma lista das leis que pretende promulgar assim que a Assembleia Nacional aprovar o pedido de Lei Habilitante requisitado pelo presidente Nicolás Maduro. A principal delas tem como objetivo combater a disparidade entre o valor do dólar no câmbio fixo, controlado pelo governo, e o paralelo, que atingiu 45 bolívares, superando em 7 vezes a cotação oficial.

O recorde foi registrado horas após o vice-presidente da área econômica do governo, Rafael Ramírez, anunciar que a venda de dólares no câmbio clandestino será severamente combatida.

 

Leia mais em Dólar paralelo bate recorde depois de Venezuela detalhar leis de emergência

Direito do Mercosul: livro coordenado por Elisa de Sousa Ribeiro (capitulos PRAlmeida)

Como já informei, possuo quatro capítulos neste livro, listados abaixo.
Paulo Roberto de Almeida


Eis aqui:


1101. O Mercosul no contexto da integração regional latino-americana”, In: Elisa de Sousa Ribeiro (coord.), Direito do Mercosul. Curitiba: Editora Appris, 2013, 683 p.; ISBN: 974-85-8192-208-9; cap. 2, p. 51-69. Relação de Originais n. 2402.

1102. “O desenvolvimento do Mercosul: progressos e limitações”, In: Elisa de Sousa Ribeiro (coord.), Direito do Mercosul. Curitiba: Editora Appris, 2013, 683 p.; ISBN: 974-85-8192-208-9; cap. 3, p. 71-92. Relação de Originais n. 2258.

1103. “Acordos extra-zona”, In: Elisa de Sousa Ribeiro (coord.), Direito do Mercosul. Curitiba: Editora Appris, 2013, 683 p.; ISBN: 974-85-8192-208-9; cap. 15, p. 343-356. Relação de Originais n. 2412.

1104. “Perspectivas do Mercosul ao início de sua terceira década”, In: Elisa de Sousa Ribeiro (coord.), Direito do Mercosul. Curitiba: Editora Appris, 2013, 683 p.; ISBN: 974-85-8192-208-9; cap. 33, p. 661-676. Relação de Originais n. 2351.






A crise dos foguetes sovieticos em Cuba em 1962: o mundo na beira do abismo nuclear

Grato ao "Vale" por me chamar a atenção para este texto: eu também recebo o material do Belfer Center, mas nem sempre consigo ler tudo o que recebo...
Paulo Roberto de Almeida

The Cuban Missile Crisis: Debatable Issues, Instructive Lessons

Paper
October 16, 2013
By Victor Yesin
Foreword by Graham Allison and Andrei Kokoshin

Introduction:
American political scientists Graham Allison and Philip Zelikow rightly note in their book Essence of Decision: Explaining the Cuban Missile Crisis that the Cuban Missile Crisis (CMC) is a defining event of the nuclear century and the most dangerous moment in recorded history.
This Russian-language edition of the book was published under the title The Essence of Decision as Exemplified by Cuban Missile Crisis of October 1962. Member of the Russian Academy of Sciences and 6th Secretary of Russia’s Security Council Dr. Andrei Kokoshin wrote a preface to this Russian edition. In this preface, Kokoshin similarly argued that the crisis was the “most dangerous in the history of the Cold War when the two superpowers, the Soviet Union and the United States, came very close to a full-scale war involving nuclear weapons.”
This crisis has been evaluated multiple times. Some of the most recent evaluations were given in 2012 in commemoration of the crisis’s 50th anniversary. However, experts on the CMC have yet to reach consensus on a number of questions related to the crisis. Furthermore, academics and commentators have missed some of the key lessons from the crisis. These issues were raised at a seminar on the 50th anniversary of the Cuban Missile Crisis that was organized by the Belfer Center for Science of International Affairs at the Harvard Kennedy School and chaired by director of this center, Professor Graham Allison, on September 26, 2012. They were also debated at the “Long Echo of the Missile Crisis” roundtable sponsored by Moscow State University’s Faculty of World Politics and the Russian Academy of Sciences’ Institute for International Security Studies on November 14, 2012. Member of the Russian Academy of Sciences Andrei Kokoshin chaired that roundtable. Dr. Kokoshin also attended the Harvard Cuban Missile Crisis conference in September 2012.
With these discussions in mind, the author would like to offer his interpretation of the answers to the most important of the CMC-related questions that remain open. He would also like to outline a number of instructive lessons of the 1962 crisis.
Read full publication:

A frase da semana: venezuelanos, bem-vindos ao socialismo

A frase está aqui, e ela resume todo o socialismo, em geral e na Venezuela em especial.
Tanto pelo lado da penúria, que é SEMPRE o fato mais evidente do socialismo, como pelo lado da MENTIRA, que é o outro lado da fraude socialista, ou seja, a penúria é real, mas que ela seja criada pela sabotagem dos opositores, dos ricos, dos burgueses, dos comerciantes, isso já é delírio dos pobres coitados e má-fé dos governantes:

A gente fica quatro horas na fila, debaixo do sol, para conseguir comprar um frango e um pacote de farinha. Isso não dá para a semana”, contou à Agência Brasil.

Mãe de sete filhos e eleitora de Chávez e do presidente Maduro, Dilia disse que as condições no país estão muito delicadas. Ela acredita nas alegações do governo de que o país tem enfrentado problemas devido à “sabotagem da direita do país”.

Esse é o socialismo (ou sociolismo, todos são sócios no fracasso, e alguns são sócios na roubalheira...).