O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Percival Puggina (1): O ENEM, um simulacro de exame

Para bem compreender o ENEM
Percival Puggina *

É provável que você, leitor, não saiba como funciona o Enem, o tal Exame Nacional do Ensino Médio. Nem imagina como um aluno possa prestar exame no Amazonas e ser qualificado para cursar Direito no Rio Grande do Sul. Menos ainda haverá de entender a lógica dessa migração acadêmica num país de dimensões continentais.
Pois eu também não sei como funciona o Enem. Mas sei algo sobre ele que, segundo tudo indica, poucas pessoas sabem. O Enem é um dos muitos instrumentos de concentração de poder político nacional nas mãos de quem já o detém e a ele se aferrou de um modo que causa preocupação. É parte de um projeto de hegemonia em implantação há vários anos. Tudo se faz solerte e gradualmentel, de modo que a sociedade não perceba estar perdendo sua soberania e se tornando politicamente imprestável. Se não fazemos parte desse projeto e não compomos quaisquer das minorias ou grupos de interesse  que se articulam no país, tornamo-nos inocentes inúteis, cidadãos de última categoria, numa democracia a caminho da extinção por perda de poder popular, por inanição do poder local.
É possível que o leitor destas linhas considere que estou delirando. Que não seja bem assim. Talvez diga que mudei de assunto e que o primeiro parágrafo acima nada tem a ver com o segundo. Pois saiba que tem, sim. Peço-lhe que observe a realidade do município onde vive. Qual o poder do seu prefeito, ou de sua Câmara Municipal? O que eles, efetivamente, podem realizar pela comunidade? Quais os sinais de progresso, da ambulância ao asfaltamento da avenida, que acontecem sem que algo caia da mão dadivosa da União?  Quais são as leis locais que você considera importante conhecer? E no Estado? Tanto o Legislativo quanto o Executivo constituem poderes cada vez mais vazios, que vivem de discurso, de promessas, de criação de expectativas. Empurrando a letargia com a barriga.
Observe que todas as políticas de Estado que podem fazer algum sentido na vida das pessoas são anunciados no plano federal (que venham a acontecer é outra conversa). Por quê? Porque é lá que estão concentrados os recursos tributários e os bancos oficiais realmente significativos. O poder político que comanda o país conta muito com seu elenco de prerrogativas exclusivas. Mas o poder que tudo pode, como temos testemunhado à exaustão, pode até o que não deve poder. Esse monstrengo chamado Enem não é apenas uma fonte de colossais trapalhadas. É um instrumento de poder, centralizando currículos, ordenando pautas, agindo contra as diversidades regionais, ideologizando as provas (não é por mero acaso que a primeira questão do Enem deste ano começa com um texto de Marx), e criando nos estudantes a sensação de que a Educação, o exame, o ingresso no ensino de terceiro grau são dádivas federais.
As cartilhas, os livros distribuídos às escolas, os muitos programas nacionais voltados ao famigerado "politicamente correto", tudo isso atende a um mesmo e único objetivo, do qual o Enem faz parte. É um projeto de poder. O único projeto que de fato mobiliza as energias do governo. Por isso, segue firmemente seu curso e seu cronograma no país.

* Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

A marcha gloriosa do Mercosul, e o fracasso dos companheiros em enfrentar a Argentina...

... que continua a praticar o mais deslavado protecionismo, zombando da paciência estratégica dos companheiros e sua incapacidade atestada em defender os interesses brasileiros.
Paulo Roberto de Almeida 

Argentinos continuam ignorando pressão brasileira e impedem ingresso de calçados vendidos para o Natal

Coluna de Polibio Braga, 17/12/2013

Apesar da ida do ministro Fernando Pimentel e do assessor Marco Aurélio Garcia a Buenos Aires, o que aconteceu há duas semanas, e apesar das promessas solenes do governo local, nem um só par dos 700 mil pares de calçados vendidos para os argentinos cruzou as fronteiras até agora.

. Eram vendas natalinas para as lojas portenhas.

. O evento está perdido.


. Os argentinos engrupiram mais uma vez as autoridades federais brasileiras.

Para a maior gloria do futebol, para a maior miseria do povo brasileiro: os estadios mais caros do mundo

Mais um recorde quebrado pelo governo dos companheiros: o Brasil conseguiu construir os estádios mais caros do mundo, devem ser maravilhosos, ultra-confortáveis, estacio amentos e toiletes perfeitos, transportes ideais...
Paulo Roberto de Almeida 

Seg , 16/12/2013 às 07:27

Brasil terá estádios mais caros do mundo, diz estudo

Jamil Chade | Agência Estado

Com o prazo da Fifa se esgotando para a entrega dos estádios para a Copa do Mundo de 2014, um recorde já está garantido para o Brasil: o País ergueu os estádios mais caros do mundo. Um estudo da consultoria KPMG levantou o custo de cada assento nos estádios construídos pelo mundo. Uma comparação com os valores oficiais dos estádios brasileiros revela que um dos legados do Mundial será a coleção dos estádios mais caros do planeta.

Dos 20 mais caros, dez deles estão no Brasil. Já pelos cálculos de institutos europeus, a Copa de 2014 consumiu mais que tudo o que a Alemanha gastou em estádios para a Copa de 2006 e a África do Sul, em 2010.

Seja qual for o ranking utilizado e a comparação feita, a constatação é de que nunca se gastou tanto em estádios como no Brasil nesses últimos anos. A KPMG, por exemplo, prefere avaliar os custos dos estádios levando em conta o número de assentos, e não o valor total. Isso porque, segundo os especialistas, não faria sentido comparar uma arena de 35 mil lugares com outra de 70 mil.

Com essa metodologia, os dados da KPMG revelam que o estádio mais caro do mundo é o renovado Wembley, na Inglaterra, onde cada um dos assentos saiu por 10,1 mil euros (R$ 32,4 mil). O segundo estádio mais caro também fica em Londres. Trata-se do Emirates Stadium, do Arsenal, onde cada lugar custou 7,2 mil euros (R$ 23,3 mil). Mas a terceira posição é do Estádio Mané Garrincha, em Brasília.

Com custo avaliado em R$ 1,43 bilhão, o estádio tem um gasto por assento de R$ 20,7 mil, ou 6,2 mil euros. Na classificação, o Maracanã aparece na sétima posição, mais caro que a Allianz Arena de Munique. Manaus vem na 10ª colocação, com praticamente o mesmo preço por assento do estádio do Basel, situado em um dos países com os maiores custos de mão de obra do mundo, a Suíça.

O estádio do Corinthians, em Itaquera, seria o 12º mais caro do mundo, seguido pelas Arenas Pantanal, Pernambuco, Fonte Nova e Mineirão. Todos esses seriam mais caros do que estádios como o da Juventus, em Turim, considerada a arena mais moderna da Itália e usada como exemplo de gestão. O Castelão e o estádio de Natal também estão entre os 20 mais caros do mundo. Se o ranking fosse realizado considerando os custos totais dos estádios, o Mané Garrincha seria o segundo mais caro do mundo, com o Maracanã aparecendo na quarta posição.

Para o prestigiado Instituto Braudel, na Europa, os custos dos estádios no Brasil também surpreenderam. Em colaboração com a ONG dinamarquesa Play the Game, a entidade publicou nesta semana levantamento que revela que, em média, cada assento nos doze estádios brasileiros custaria US$ 5,8 mil (R$ 13,5 mil). O valor é superior ao das três últimas Copas. Na África do Sul, em 2010, a média foi de US$ 5,2 mil (R$ 12,1 mil). Na Alemanha, em 2006, US$ 3,4 mil (R$ 7,9 mil). Já no Japão, em 2002, chegou a US$ 5 mil (R$ 11,6 mil).

Em termos absolutos, o gasto total com os estádios bate todos os recordes. Se todo o gasto de sul-africanos em 2010 e alemães em 2006 for adicionado, não se chega ao total que foi pago no Brasil para 2014, mais de R$ 8 bilhões. Em apenas nove meses, o valor aumentou em quase R$ 1 bilhão, segundo dados oficiais do Comitê Organizador Local (COL), em sua quinta edição do balanço geral do andamento das obras da Matriz de Responsabilidade.

SEM EXPLICAÇÃO - Jens Alm, analista do Instituto Dinamarquês para o Estudo dos Esportes e autor do levantamento dos dados sobre estádios da Copa, insiste que a inflação e os custos dos estádios no Brasil não têm explicação. "Quando um país quer receber uma Copa, é normal que queira mostrar estádios bonitos. Mas nada explica os preços tão elevados no Brasil e porque são tão mais elevados do que na Alemanha e na África do Sul", disse.

Henrick Brandt, diretor do Departamento de Esportes da Universidade de Aarhus, também aponta para os custos elevados das obras no Brasil. "Os dados são surpreendentes", indicou. "Um dos debates agora é o que será feito para tornar esses locais rentáveis, principalmente os estádios públicos", alertou.

Uma vocacao para a burocracia: Gabriel e suas gavetas

Parece que o Gabriel, nosso neto, tem vocação para burocrata: ele está sempre enfiado em alguma gaveta da casa, que ele mesmo escolhe, abre, esvazia cuidadosamente, e se instala para pensar. Vai ser um grande funcionário público, ou não...
Ops, está faltando um pente nesta foto de baixo: recém acordado, já atacando uma solução imediata...

Comemorando o aniversario de casamento: Carmen Licia e Paulo Roberto

Nesta segunda-feira, 16 de Dezembro, Carmen Lícia e eu comemoramos nosso aniversário de casamento (nem vou dizer quantos anos, ou décadas), à nossa maneira, e num restaurante apreciado por ambos, um vero italiano, em Hartford, Casa Mia.
Três fotos tiradas por Carmen Licia, a caminho do restaurante, com neve nas ruas de acesso, e na mesa, já servidos, depois de uma entrada com queijo (ainda visível, mas já bem diminuído), duas entradas excelentes e depois os pratos principais: camarão para Carmen Lícia, scaloppina di vitello para mim. Claro, vinho italiano para regar o almoço.
Só faltou uma boa livraria para completar o dia, mas tivemos de fazer compras de Natal, no final do dia.
Salute.
Paulo Roberto de Almeida



segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Republica Federativa do BNDES: um banco maior que o Brasil - Juan Forero (WP)

A bank that may be too big for Brazil

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The Washington Post: December 14, 2013

RIO DE JANEIRO — To dodge the global economic crisis, Brazil cranked up its spending, expanding subway lines and shipyards for oil platforms while building hydroelectric dams and stadiums for soccer’s 2014 World Cup.
There would be no austerity as in Europe, Brazil’s leaders pointedly promised. And Brazil had a well-oiled machine to keep its economy humming: the state development bank, an institution little known outside this country but central to policymakers here.
The bank has loaned a third of a trillion dollars since 2010, twice the amount the World Bank provided to about 100 countries combined, with much of the bounty going to the mining, agriculture and construction giants that are pillars of Brazil’s economy.
Economists at BNDES, as the bank is known, say the benefits are felt evenly across Brazil: low unemployment and an economy that was kept on track while others seemed to careen out of control.
But the global downturn is finally being felt in Latin America’s largest economy. And critics say a big part of the problem is Brazil’s strategy of doling out loans worth billions of dollars from the bank to the country’s richest and most politically connected companies.
Economists and opposition leaders say this focus on Brazil’s “national champions” neglects smaller, nimbler firms that are developing new technologies and products to diversify a commodity-dependent economy. They also say that BNDES’s huge loans are fueling inflation that the Central Bank of Brazil must scramble to control.
Sergio Lazzarini, who works at the Insper business school in São Paulo and writes about BNDES, said the bank’s role has become more difficult to justify in the face of an economy completing its third year of disappointing growth.
“Despite these trends,” Lazzarini said, “the bank has become more aggressive, bigger, with more direct transfers from the government to the bank,” a reference to the treasury funds and payroll tax revenue used for loans.
At the bank’s fortresslike offices in bustling downtown Rio, executives and economists speak proudly of a 61-year-old institution that has backed companies in the past decade whose growth helped make Brazil the world’s seventh-largest economy.
João Ferraz, BNDES’s vice president, called such projects central to an economy that posted solid growth in the 2000s, capped by a blistering 7.5 percent expansion in 2010.
“Can you build a hydroelectric plant with small firms? Can you build a pulp plant or a car factory with small firms?” Ferraz said.
In approving loans, the bank considers the quality of the companies and the benefits of the projects, he said, calling critics misguided in accusing BNDES of cronyism. He spoke about one well-known recipient of BNDES loans, the construction giant Odebrecht, which has 175,000 employees in 26 countries and built BNDES’s modernist high-rise headquarters.
“I am not friends with Odebrecht,” he said of the São Paulo-based conglomerate. “I am friends with the good projects of Odebrecht.”
But Adriano Pires, a prominent government detractor and director of a consulting firm specializing in energy, said the bank’s disbursements — $81 billion this year, its biggest outlay ever — are generating worrisome levels of debt and an outsize role for the state in the economy.
“What is the policy behind this?” Pires said. “It’s an ideology that holds that the state has to have a strong role in the economy.”
Indeed, in exchange for loans, BNDES has acquired a minority stake in dozens of private companies, giving the bank’s executives a say in their operations.
The bank also remains opaque about how it chooses which companies to shower with loans, said João Lopes Pinto, coordinator of the group More Democracy, which has met with bank officials to lobby for more transparency.
Bank executives say they are working to be more forthcoming, although they say regulations prevent them from providing details about loans.
A boon for big borrowers
With disbursements having gone up by a factor of five over the past decade, Pinto said, there has been more of a windfall for big borrowers such as the São Paulo-based meatpacker JBS.
A decade ago, JBS wasn’t even among Brazil’s top 400 companies. But BNDES provided $4.4 billion from 2008 to 2010, essential as the company went abroad to acquire Swift, National Beef, Smithfield Beef and Pilgrim’s Pride. That made JBS a worldwide leader in beef production.
In 2010, JBS was also the largest contributor to President Dilma Rousseff’s campaign, donating $4.7 million, according to a report on BNDES and Brazil’s economy by Mansueto Almeida, an economist at the government-funded Institute of Applied Economic Research. He questions what Brazil has gotten out of supporting the company in its heavy expansion into the U.S. market.
“I don’t see any kind of social outcome or social return that would justify BNDES in promoting this firm,” Almeida said. JBS declined to comment.
Almeida said the problem is that BNDES often acts as an investment bank, not a public institution focused on fostering social development.
In contrast, Almeida said, fast-developing South Korea boosted dynamic companies that developed electronics, among them Samsung.
“In Brazil, we don’t do that,” Almeida said. “We give you subsidized credit so you can do the same thing or go overseas and buy your competitors.”
Ferraz, the BNDES vice president, said such assertions overlook an increasingly diverse portfolio. He said the bank is focusing more on companies with gross revenues of $40 million or less, in categories the bank calls micro, small or medium-size. In 2009, 21 percent of loans went to those companies; this year, 37 percent has been provided to them, according to bank documents.
The bank is also accelerating spending on projects that economists say the country desperately needs, such as energy generation plants, highways, ports, airports and other infrastructure that “will be a big driver of economic growth,” said Nelson Siffert, BNDES’s superintendent for infrastructure.
Still, the bank’s relationship with giant companies and well-connected billionaires has created problems for its executives and government.
Although BNDES was not explicitly one of their targets, protesters who staged huge nationwide rallies in June directed much of their ire at government policies they said benefit the elite in a country of grinding income inequality.
One was would-be oil baron Eike Batista, a flamboyant billionaire whose EBX Group received more than $4 billion in loans, prompting him to call BNDES “the best bank in the world.” But now his empire is collapsing, and opposition leaders are questioning BNDES over its support of his money-losing companies.
“The money cannot go to a few lucky ones,” said César Colnago, an opposition lawmaker in Congress.
Batista’s office did not return calls seeking comment.
Dependent on BNDES
To be sure, credit is expensive in Brazil and BNDES fills that need, particularly the huge loans needed by companies such as the state-controlled Petrobras oil giant and Vale, a mining company that has $5 billion in outstanding loans from the bank.
Vale has grown into a $46 billion company employing tens of thousands of workers.
Sonia Zagury, global head of finance at Vale, said BNDES’s role “in the Brazilian economy is an important one, and they are an important partner for Vale.”
But analysts say there is another downside to BNDES’s big spending: It fans inflation, which has remained stubbornly high at just under 6 percent a year.
To keep it under control, the Central Bank on Nov. 27 raised its benchmark rate to 10 percent. Such a high interest rate — the highest of any developed country — is believed to crowd out the development of private lenders.
That leaves companies perpetually dependent on BNDES and its cheaper loans, according to Almeida, the economist.
“No bank, no matter how smart it is, can compete with a bank that receives subsides from the government,” he said.

Reporting for this article was supported by a grant from the Pulitzer Center on Crisis Reporting.

Guillermo Cabrera Infante, vitima da ditadura castrista: livro postumo

O mapa da tristeza
O recém-publicado livro póstumo de Guillermo Cabrera Infante se intitula “Mapa Desenhado por um Espião”, mas deveria mesmo se chamar “O Mapa da Tristeza”, pelo sentimento de solidão, amargura, desproteção e incerteza que o impregna do começo ao fim. Conta os quatro meses e meio que passou no ano de 1965 em Havana, para onde havia viajado a partir de Bruxelas – ali era adido cultural de Cuba – por causa da morte da sua mãe. Pretendia retornar à Bélgica em poucos dias, mas, quando estava prestes a embarcar para o retorno ao seu posto diplomático, junto com suas duas filhas pequenas, Anita e Carola, recebeu no aeroporto de Rancho Boyeros uma ligação oficial indicando-lhe que deveria suspender sua viagem, porque o ministro das Relações Exteriores, Raúl Roa, tinha urgência em lhe falar. Retornou a Havana imediatamente, surpreso e inquieto. O que teria ocorrido? Nunca chegaria a saber.
O livro narra, numa escrita apressada e às vezes com frenesi e desordem, os quatro meses seguintes, em que Cabrera Infante volta muitas vezes ao ministério, sem que nem o ministro nem nenhum dos chefes o receba, descobrindo assim que havia caído em desgraça, mas sem jamais se inteirar sobre como ou por quê. Entretanto, no dia seguinte à sua chegada, Raúl Roa o havia felicitado por sua gestão como diplomata e anunciado que provavelmente voltaria a Bruxelas promovido a ministro-conselheiro da embaixada. O que ou quem havia intervindo para que sua sorte mudasse da noite para o dia? De resto, continuavam pagando seu salário e até renovaram o cartão que lhe permitia fazer compras nas lojas para diplomatas, mais bem abastecidas do que os armazéns cada vez mais míseros aos quais recorriam as pessoas comuns. Seria ele considerado pelo Governo um inimigo da Revolução?
A verdade é que ainda não. Havia tido um conflito com o regime em 1961, quando este fechou a Lunes de Revolución, revista cultural que Cabrera Infante dirigiu durante os dois anos e meio de sua prestigiosa existência, mas nos três anos de seu distanciamento diplomático na Bélgica havia sido, segundo confissão própria, um funcionário leal e eficiente da Revolução. Embora um pouco desencantado com o rumo que as coisas tomavam, dá a impressão de que, até regressar a Havana em 1965, Cabrera Infante ainda pensava que Cuba corrigiria o rumo e retomaria o caráter aberto e tolerante do princípio. Nesses quatro meses aquela esperança se desvaneceu, e foi ali, enquanto, confuso e temeroso por sua kafkiana situação de incerteza total sobre seu futuro, perambulava por suas amadas ruas habaneras, via a ruína que se apoderava de casas e edifícios, as enormes dificuldades que o empobrecimento generalizado impunha aos moradores, o isolamento quase absoluto em que o poder havia se confinado, seu verticalismo e a severidade da repressão a reais ou falsos dissidentes e a insegurança e o medo em que vivia o punhado de amigos que ainda o frequentavam – quase todos escritores, pintores e músicos –, que ele perdeu as últimas ilusões e decidiu que, se saísse da ilha, se exilaria para sempre.
No seu foro mais íntimo vive entregue à vontade de romper para sempre com seu país

Não disse isso a ninguém, claro. Nem a seus amigos mais íntimos, como Carlos Franqui ou Walterio Carbonell, revolucionários que também haviam sido afastados do poder e transformados em cidadãos fantasmas, por razões que ignoravam e que os mantinham, como a ele, vivendo em uma angustiosa e frustrante inutilidade, sem saber o que ocorria a seu redor. As páginas que descrevem o vazio cotidiano desse grupo, que ele tratava de atenuar com fofocas e fantasias delirantes, entre goles de rum, são estremecedoras. O livro não contém análises políticas nem críticas fundamentadas ao governo revolucionário; pelo contrário, sempre que o tema político aparece nas reuniões de amigos o protagonista emudece e procura se afastar da conversa, convencido de que há algum espião no grupo ou de que, de um modo ou outro, o que se disser ali chegará aos ouvidos do Ministério do Interior. Há um pouco de paranoia, sem dúvida, nesse estado de perpétua desconfiança, mas talvez ela seja a prova a que o poder quer submetê-los para medir sua lealdade ou sua deslealdade à causa. Não é de se estranhar que, nesses quatro meses, começasse para Cabrera Infante aquela via-crúcis psicológica que, com o tempo, iria desbaratando sua vida e sua saúde, apesar dos admiráveis esforços de Miriam Gómez, sua esposa, para lhe injetar ânimo e coragem e para ajudá-lo a escrever até o final.
A publicação desse livro é outra manifestação do heroísmo e da grandeza moral de Miriam Gómez. Porque nele Guillermo conta, com uma sinceridade crua e às vezes brutal, como combateu o desalento e a neurose daqueles quatro meses seduzindo as mulheres, deitando-se com elas a torto e a direito, e até se apaixonando por uma dessas conquistas, Silvia, que passou a ser por um tempo publicamente a sua companheira. Este e os outros foram amores tristes, desesperados, como são a amizade, a literatura e tudo o que Cabrera Infante faz e diz nesses quatro meses, porque no seu foro mais íntimo vive realmente entregue à sua vontade de escapar, de romper para sempre com um país para o qual não vê, num futuro próximo, esperança nenhuma.
Escrito com total espontaneidade, comove bem mais que se fosse revisado
Não foi uma decisão fácil. Porque ele amava Cuba profundamente, e em especial Havana, tudo o que havia nela, principalmente a noite, os bares e os cabarés, as bailarinas e os seus cantores, e a música, o clima quente, as avenidas e os parques – e seus cinemas! – pelos quais passeia incansavelmente, recordando os episódios e as pessoas associadas a esses lugares, como para que sua memória os percebesse em todos os seus detalhes, sabendo que não voltaria a vê-los, e pudesse recordá-los mais tarde com precisão em seus ensaios e ficções. Efetivamente é o que ele fez. Quando por fim, após esses quatro meses, graças a Carlos Rafael Rodríguez, líder comunista com quem o pai de Cabrera Infante havia trabalhado durante muitos anos no partido, Guillermo conseguiu sair de Cuba com suas duas filhas, rumo à Espanha e ao exílio, levou seu país consigo, e lhe foi fiel em tudo o que escreveu. Mas nunca se resignou a viver longe de Cuba, nem sequer nos momentos em que obteve os maiores reconhecimentos literários e viu como a difusão e o prestígio de sua obra o recompensavam da feroz campanha de difamação e calúnias de que foi vítima durante tantos anos. Embora dissesse que não, acredito que ele nunca perdeu a esperança de que as coisas iriam mudar lá na ilha, e de que algum dia ele poderia voltar fisicamente para essa terra da qual nunca havia conseguido se desprender. Provavelmente seus males se agravaram quando, em um dado momento, precisou reconhecer que não, que era definitivo, que nunca voltaria, e que morreria no exílio.
Impressionou-me muito este livro, não só pelo grande afeto que sempre senti por Cabrera Infante, mas também pelo que me revelou sobre ele, sobre Havana e sobre essa época da Revolução Cubana. Conheci Guillermo quando ele era ainda diplomata na Bélgica e se resguardava muito bem de fazer críticas à Revolução, se é que as tinha então. Na época que ele descreve, estive em Cuba e não vi nem imaginei o que ele e outros personagens deste livro viviam, embora tenha estado com vários deles muitas vezes, conversando sobre a Revolução e me convencido de que todos estavam contentes e entusiasmados com o rumo que aquela tomava, sem suspeitar nem mesmo que alguns, ou talvez todos, dissimulavam, representavam, e que por baixo do seu entusiasmo havia simplesmente medo. Antoni Munné, que, assim como nos dois livros póstumos anteriores, preparou esta edição com desvelo, pôs ao final um Guia Onomástico, dando conta do ocorrido posteriormente com os personagens com os quais Cabrera Infante compartilhou esses quatro meses; é uma informação muito instrutiva para saber quem caiu efetivamente em desgraça e sofreu isolamento e cárcere, quem se reintegrou ao regime, e quem se exilou ou suicidou.
Fez bem Antoni Munné em deixar o texto tal como foi escrito, sem corrigir suas falhas, algo que sem dúvida Cabrera Infante se propôs a fazer alguma vez e não teve tempo, ou simplesmente não teve ânimo suficiente para voltar a se dedicar a semelhante pesadelo. Assim como está, um rascunho escrito com total espontaneidade, sem o menor adorno, em uma linguagem direta, de crônica jornalística, comove muito mais que se tivesse sido revisado, embelezado, transformado em literatura. Não a é. É um testemunho descarnado e atroz, sobre o que significa também uma Revolução quando a euforia e a alegria do triunfo cessam e ela se converte em poder supremo, esse Saturno que cedo ou tarde devora os seus filhos, começando pelos que estão mais perto, que costumam ser os melhores.

Educacao brasileira: como melhorar (Instituto FHC)

Aprender a ensinar

Alterar profundamente a formação dos professores e também o sistema de administração escolar, além de criar um currículo mais adequado aos tempos atuais, que leve ao aluno o conhecimento de que ele realmente necessitará no seu cotidiano. Esses são alguns dos pontos sugeridos por especialistas para melhoria de nosso sistema educacional.
O economista Fernando Veloso, da Fundação Getulio Vargas Rio, acha que é preciso estabelecer metas de aprendizagem em todas as séries e disciplinas, criar um currículo nacional e integrar as metas de aprendizagem com avaliação, currículo, material pedagógico e formação de professores.
Como a condição socioeconômica é um determinante importante do desempenho educacional, é preciso ter políticas específicas para escolas que atendem crianças e jovens de famílias mais pobres , lembra ele, ressaltando que essas mudanças envolvem uma combinação de medidas, como elevação da carga horária (possivelmente tempo integral), melhores professores e infraestrutura de qualidade.
O sociólogo Simon Schwartzman, presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), diz que, para sairmos de onde estamos patinando, é preciso mexer na formação dos professores, nos sistemas de administração escolar e nos conteúdos do que é ensinado. Hoje, segundo ele, os professores são formados em cursos universitários que não os formam naquilo que devem ensinar (Português, Matemática, Ciências) nem em como ensinar. Melhorar o salário é importante para tornar a profissão mais atraente para gente mais qualificada, mas, ressalta Schwartzman, não ajuda em nada se os professores forem os mesmos e não puderem ser estimulados pelo bom trabalho e, eventualmente, afastados por mau desempenho, ou seja, sem um sistema de mérito contra o qual os sindicatos se opõem sempre.
Hoje os professores são formados em cursos universitários que não os formam naquilo que devem ensinar nem em como ensinar
Nesse esquema, as escolas seriam geridas por diretores responsáveis pelo desempenho dos alunos, e não meros burocratas ou indicados políticos, o que ainda ocorre em boa parte de nossas escolas. Em relação ao currículo, é necessário que seja bem estruturado para garantir que os alunos aprenderão o essencial nos primeiros anos, e a possibilidade de fazer opções, inclusive pela formação técnica de nível médio, a partir do segundo grau.
Schwartzman considera que hoje o currículo da educação fundamental é genérico demais, e o ensino médio é estrangulado por uma legislação que exige um número absurdo de matérias obrigatórias, e pelo Enem, que transformou as escolas em cursinhos de preparação para a prova.
João Batista Araujo e Oliveira, ph.D. em Educação e presidente do Instituto Alfa e Beto, acha que os grandes avanços em educação no Brasil são de quantidade, mas, na qualidade, patinamos, ou seja, não temos paciência para crescer com qualidade.
Além de formação, certificação e plano de carreira para os professores e um currículo para o ensino fundamental, Araujo e Oliveira quer diversificar o ensino médio e reformar o ensino superior na direção do Protocolo de Bolonha, que uniu os governos da União Europeia em ações com o objetivo principal de elevar a competitividade internacional do sistema europeu do ensino superior. O presidente do Alfa e Beto pede um federalismo para valer – com delimitação clara de papéis e, no caso do governo federal, troca do intervencionismo por sistemas de incentivo para promover a diversidade, e não para empurrar os programas do MEC goela abaixo.
Mozart Ramos Neves, do Instituto Ayrton Senna, acha que é preciso rever a formação dada pelas nossas universidades, não somente os cursos de Pedagogia, mas as Licenciaturas de um modo geral em busca de uma formação que seja capaz de integrar as novas tecnologias e plataformas de aprendizagem para o desenvolvimento humano.
Ele acha fundamental incorporar ao cotidiano das escolas as habilidades não cognitivas ou socioemocionais no processo de aprendizagem. É preciso ir além do cognitivo, que ainda é um grande desafio, diz ele, potencializando fatores como cooperação, resiliência, disciplina, planejamento e organização para alavancar os resultados de aprendizagem. Isso já vem sendo observado em escolas que empregam games associados a esses fatores, saltos de aprendizagem significativos são verificados , observa Mozart.

Carlos Rangel: o mito perverso do bom revolucionario latino-americano (grato a Orlando Tambosi)

Pouca gente conhece, infelizmente, o livro devastador de Carlos Rangel sobre o remorso europeu (especificamente parisiense) e sobre as ilusões latino-americanas em torno das causas do nosso subdesenvolvimento e a responsabilidade suposta do capitalismo e do imperialismo nessa trajetória de insucesso, equívocos conceituais, históricos e factuais que, por sua vez, alimentam o gigantesco e fraudulento mito das revoluções redentoras, de preferência socialistas, ao estilo cubano.
Eu conheci o livro desde que cheguei na Europa, no final de 1970, e posso dizer que suas principais teses e argumentos em muito contribuiram para uma revisão necessária do meu próprio pensamento sobre essas questões. Não apenas conheci o contra-argumento de Rangel, mas o do próprio Jean-François Revel, que o popularizou, ambos nadando contra a corrente e contra todas as preleções acadêmicas, que continuam a defender os mitos românticos sobre os processos revolucionários redentores, a despeito das mentiras, dos fracassos e do atraso objetivo que tudo isso provocou e que continua alimentando na região. Basta ver, por exemplo, a miséria terrível em que vive o povo cubano, sufocado por uma das duas últimas ditaduras totalitárias do planeta; basta observar o caos econômico criado pela ditadura chavista, a despeito dos bilhões de dólares trazidos pelo maná petrolífero; ou verificar, ainda, a degenerescência institucional decorrente da ação deletéria de partidos e de figuras políticas populistas e demagógicas que, a despeito de tudo, encontram certo sucesso eleitoral em alguns grandes países da região.
Carlos Rangel já tinha denunciado tudo isso muitos anos antes da publicação das denúncias devastadoras feitas nos dois livros sucessivos sobre o "perfeito idiota latino-americano", personagem nefasto que sobrevive e prospera a despeito de tudo, sendo que muitos podem ainda ser encontrados na academia brasileira, especialmente nas faculdades de ciências sociais. Mas o livro era praticamente desconhecido, no Brasil, e continuava "introuvable" na própria França, cuja elite acadêmica é, em grande parte, responsável pela criação e propagação desses mitos e equívocos (aliás até hoje: ainda ontem recebi um convite para um colóquio parisiense sobre a "circulação de ideias revolucionárias" e sobre seus modernos representantes bolivarianos).
Por tudo isso, nosso reconhecimento ao colega e amigo Orlando Tambosi, por ter divulgado em seu blog a disponibilidade dessa obra fundamental no desmantelamento dos mitos latino-americanos mais persistentes. Leiam, reflitam, façam bom uso dessa preciosisade intelectual.
Paulo Roberto de Almeida 

América Latina: do bom selvagem ao bom revolucionário

No livro Del buen salvaje al buen revolucionario,lançado há mais de 40 anos, o jornalista e ensaísta venezuelano Carlos Rangel (1929-1988), um dos principais defensores das ideias liberais na América Latina, desmascara os mitos cultivados na região em relação aos colonizadores e aos EUA e aponta o permanente desencontro, nessa cultura, entre ideias e realidade. O prólogo da última edição é de Jean-François Revel e o posfácio é assinado por Carlos Alberto Montaner, do qual cito um trecho sobre a importância da obra:
(...) En la medida en que iba leyendo se me iluminaba la mirada por la alegre sorpresa. Desde el brillante prólogo de Jean-Francois Revel resultaba evidente que estaba frente a un texto muy bien escrito, dirigido contra la perniciosa tradición victimista latinoamericana. Rangel denunciaba la falsedad esencial de la teoría de la dependencia -algo que años más tarde humildemente aceptaría Fernando Henrique Cardoso, uno de sus más fervientes apóstoles, cuando dejó de ser un sociólogo marxista para convertirse en el presidente serio y moderado de Brasil-, colocaba la responsabilidad de nuestros fracasos relativos sobre nosotros mismos, revelaba las contradicciones doctrinales de los seguidores de Marx, renunciaba a la versión infantil de una historia de buenos y malos, y se atrevía a defender apasionadamente los modos de vida occidentales, incluidas la democracia y la economía de mercado que habían transformado a ciertas naciones en los rincones más ricos del planeta, criticando sin ambages la barbarie totalitaria de izquierda, sin ignorar, por supuesto, al autoritarismo de derecha, que también le repugnaba al ensayista venezolano.

Agora, o melhor do post: o livro está disponível aqui. Boa leitura.

O cobertor curto da pesquisa: tirando de um lado para colocar em outro, eleitoralmente...

O corte de verbas para pesquisa

16 de dezembro de 2013 | 2h 06
Editorial O Estado de S.Paulo
 
Convertido na mais vistosa bandeira do governo da presidente Dilma Rousseff, no campo da educação, o programa Ciência sem Fronteiras - concebido para financiar estágios e cursos de graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado no exterior de mais de 100 mil estudantes universitários, até 2014 - tornou-se uma das principais preocupações da comunidade acadêmica e científica.
Com vistas na campanha eleitoral do próximo ano, quando tentará se reeleger, Dilma destinou ao Ciência sem Fronteiras, no projeto de Lei Orçamentária de 2014, quase R$ 1 bilhão. O problema é que, para bancar esse investimento, o governo comprometerá parte significativa das verbas para o fomento da ciência e da tecnologia. Isso levou a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências a protestarem, alegando que a redução das verbas da área científica ameaçará importantes pesquisas em andamento.
Os recursos para financiar cursos e estágios de universitários brasileiros no exterior sairão do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que é a principal fonte de financiamento das agências públicas de fomento à pesquisa. Os programas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que é a maior agência de fomento do País, dependem diretamente do FNDCT. Essa será a primeira vez que os recursos do fundo - vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) - serão utilizados para financiar o Ciência sem Fronteiras - um programa gerenciado pelo CNPq, em parceria com a Capes, mas basicamente dirigido pelo Ministério da Educação (MEC).
Como as verbas previstas para o Ciência sem Fronteiras, no Orçamento de 2014, representam um terço do montante do FNDCT, a redução dos recursos destinados à área científica pode inviabilizá-la, advertem os cientistas. "O impacto na pesquisa será trágico", disse Helena Bonciani Nader, professora da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente da SBPC, no Fórum Mundial de Ciência, no Rio de Janeiro. "Precisamos de recursos para pesquisas. De alguma forma o valor destinado ao Ciência sem Fronteiras terá de ser compensado. Caso contrário, o impacto na área científica vai ser grande", afirmou, no mesmo evento, o matemático Jacob Palis, presidente da Academia Brasileira de Ciências.
O órgão mais atingido pela redução das verbas do FNDCT destinadas à área científica é o CNPq. Entre as unidades e programas por ele financiados que sofrerão cortes profundos, em suas linhas de pesquisa, estão os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, o Programa de Capacitação de Recursos Humanos para o Desenvolvimento Tecnológico e o Edital Universal, que financia cerca de 3,5 mil projetos de pesquisa por ano. Serão afetados, ainda, programas financiados pelo CNPq em parceria com agências de fomento dos Estados.
As entidades científicas do País também chamam a atenção para a falta de planejamento e de rigor técnico, por parte do governo, na gestão das áreas educacional e científica. Elas alegam que o programa Ciência sem Fronteiras foi concebido às pressas, sem consulta à comunidade acadêmica e científica. Afirmam que não faz sentido reduzir o orçamento do MCTI para favorecer um programa em que o principal beneficiado, do ponto de vista institucional, é o MEC. E lembram que, apesar de o Ministério da Ciência e da Tecnologia ter incorporado a palavra "inovação" ao nome, ele não recebeu reforço orçamentário. As críticas não são novas. "O Ministério ganhou mais um penduricalho e está com menos dinheiro. É uma incoerência", já dizia a presidente da SBPC em 2012, alegando que a redução de verbas para a área científica poria em risco a competitividade da economia brasileira.
Desde então, as entidades científicas já enviaram várias cartas de protesto. Mas nenhuma delas produziu resultado concreto, pois os critérios que prevalecem no governo Dilma são eleitorais, e não técnicos.

Putin: o novo perturbador da paz europeia - Bill Keller (NYT)

The New York Times
December 15, 2013

Russia vs. Europe


The world needs Nelson Mandelas. Instead, it gets Vladimir Putins. As the South African hero was being sung to his grave last week, the Russian president was bullying neighboring Ukraine into a new customs union that is starting to look a bit like Soviet Union Lite, and consolidating his control of state-run media by creating a new Kremlin news agency under a nationalistic and homophobic hard-liner.
Putin’s moves were not isolated events. They fit into a pattern of behavior over the past couple of years that deliberately distances Russia from the socially and culturally liberal West: laws giving official sanction to the terrorizing of gays and lesbians, the jailing of members of a punk protest group for offenses against the Russian Orthodox Church, the demonizing of Western-backed pro-democracy organizations as “foreign agents,” expansive new laws on treason, limits on foreign adoptions.
What’s going on is more complicated and more dangerous than just Putin flexing his political pecs. He is trying to draw the line against Europe, to deepen division on a continent that has twice in living memory been the birthplace of world wars. It seems clearer than ever that Putin is not just tweaking the West to rouse his base or nipping domestic opposition in the bud. He is also attempting to turn back 25 years of history.
The motivation of Vladimir Putin has long been a subject of journalistic and scholarly speculation, resulting in several overlapping theories: He is the boy tormented in the rough courtyards of postwar Leningrad, who put on a KGB uniform to get even and never took it off. He is the cynical, calculating master of realpolitik, who sees the world in conspiracies and responds in kind. He is a tortured Russian soul out of Dostoevsky, distressed by godlessness, permissiveness and moral decline. He is Soviet Man, still fighting the Cold War. He is a classic narcissist, best understood by his penchant for being photographed bare-chested on horseback.
Since his current presidential term began in 2012, Putin has felt increasingly that his overtures to the West were not met with due respect, that Russia was treated as a defeated nation, not an equal on the world stage. His humiliation and resentment have soured into an ideological antipathy that is not especially Soviet but is deeply Russian. His beef with the West is no longer just about political influence and economic advantage. It is, in his view, profoundly spiritual.
“Putin wants to make Russia into the traditional values capital of the world,” said Masha Gessen, author of a stinging Putin biography, an activist for gay and lesbian rights and a writer for the Latitudes blog on this paper’s website.
What, you may wonder, does Russia’s retro puritanism have to do with the turmoil in the streets of Kiev, where Ukrainian protesters yearning for a partnership with the European Union confront a president, Viktor Yanukovich, who has seemed intent on joining Putin’s rival “Eurasian” union instead? More than you might think.
Listen to the chairman of the Russian Parliament’s International Affairs Committee, Alexei Pushkov, warning that if Ukraine joins the E.U., European advisers will infiltrate the country and introduce “a broadening of the sphere of gay culture.” Or watch Dmitry Kiselyov, the flamboyantly anti-Western TV host Putin has just installed at the head of a restructured news agency. Kiselyov recently aired excerpts from a Swedish program called “Poop and Pee,” designed to teach children about bodily functions, and declared it was an example of the kind of European depravity awaiting Ukraine if it aligns with Europe. (Kiselyov is also the guy who said that when gay people die their internal organs should be burned and buried so that they cannot be donated.)
Dmitri Trenin, a scholar in the Moscow office of the Carnegie Endowment for International Peace, is convinced this is not just pandering to a devout constituency, but also something more personal. In the past two years Putin has become more ideologically conservative, more inclined to see Europe as decadent and alien to the Orthodox Christian, Eastern Slav world to which both Russia and Ukraine belong.
“It’s tolerance that has no bounds,” Trenin told me. “It’s secularism. He sees Europe as post-Christian. It’s national sovereignty that is superseded by supranational institutions. It’s the diminished role of the church. It’s people’s rights that have outstripped people’s responsibilities to one another and to the state.”
To appreciate the magnitude of what Putin is doing, it helps to recall a bit of history.
In July 1989, the Soviet president, Mikhail Gorbachev, made a speech in Strasbourg that many took as an important step back from the Cold War. His theme was that Russia now regarded itself as sharing a “common European home” alongside its Western rivals. Mutual respect and trade should replace confrontation and deterrence as the foundations of the relationship. Military blocs would be refashioned into political organizations. What President Reagan dubbed “the evil empire” would be the good neighbor.
“The long winter of world conflict based on the division of Europe seems to be approaching an end,” Jim Hoagland, the chief foreign correspondent of The Washington Post, wrote at the time. It was a common theme.
When the Soviet Union unraveled a few years later, the largest of the 14 republics liberated from Russian dominion was Ukraine. While savoring their independence, many Ukrainians wanted to follow Russia on the path Gorbachev had announced.
“There was this slogan, ‘To Europe with Russia,’ ” said Roman Szporluk, former director of the Ukrainian Research Institute at Harvard. “Clearly that idea is now out, and I guess Putin must have decided to restore the empire.”
Nearly 25 years after Gorbachev’s “common European home,” Putin sounds like a common European home wrecker.
It is true that during the recent years of recession and austerity Europe has lost some of its dazzle. But it is still more alluring than Ukraine’s threadbare economy, presided over by an ineffectual and corrupt governing class. Ukrainians have never abandoned their hope to be part of the West. Protesters rallying at Independence Square in Kiev represent a generation that has studied, worked and traveled in Poland since it joined Europe, and that does not want to retreat to some shabby recreation of the Russian empire. They are backed, too, by a significant segment of Ukrainian business, which prefers Western rule of law to the corruption and legal caprice of Russia and Ukraine.
Putin may succeed in capturing Ukraine, but he could come to regret it. While he’s looking to the past, he might linger over the experience of an earlier potentate, Josef Stalin, who annexed western Ukraine from Poland. As Szporluk points out, Stalin thought he was being clever, but he ended up doubling his problems: He brought politically restive Ukrainians into the Soviet tent, and left a stronger, homogenous Poland no longer unsettled by its Ukrainian minority.
Likewise, if Putin dragoons Ukraine into his Russian-dominated alliance, he will need to pacify public opinion by showering the new member with gifts he can’t afford, and ceding it influence that he would rather not share. And even then, resentments of the young Ukrainian Europhiles will fester, and feed the already ample discontent of Russia’s own younger generation. As Trenin points out, “Ukraine will always be looking for the exit.” Putin may learn, as Stalin did, that a captive Ukraine is more trouble than it’s worth.

2014: uma ficção política - Paulo Roberto de Almeida


2014: uma ficção política

Paulo Roberto de Almeida

            Em 2014 o Brasil chega a novas eleições exausto de tanto discurso, de tantas palavras, tantas promessas. Nunca falaram tanto, em doses tão concentradas, em tão poucos anos, dentro e fora do governo.
            As promessas de continuar avançando, de fazer mais e melhor, de distribuir mais justiça, mais igualdade, mais segurança redundaram no que se esperava: mais do mesmo, sem ao menos o conforto de uma mudança de linguagem, de hábitos, de comportamentos políticos, de práticas administrativas. A justiça continuou tão lenta quanto sempre foi, com alguns escândalos, novos e velhos, emergindo aqui e ali. O Executivo continuou inchado, inclusive porque era preciso contemplar a base congressual com novos cargos e novos aportes financeiros. O Congresso, bem o Congresso não precisou mudar em nada: apenas aprofundou suas práticas e costumes, o que significa que continuou afundando nas práticas delituosas e nos costumes imorais, com alguns novos personagens mas os mesmos hábitos de sempre, agora um pouco mais indecentes, já que novamente sancionados pelo eleitorado.
            O discurso político, venha de onde vier, continuará permeado de mentiras e de demagogia, tanto mais extensas quanto o eleitorado foi, continua sendo e promete permanecer leniente com aqueles que o iludem. A mistificação política terá sido elevada à condição de instrumento vital da governança, e toda atividade governativa será precedida de um estudo de marketing político. Os administradores de imagem ganharão precedência sobre os ministros setoriais, que terão de adaptar suas propostas e programas ao governo “participativo” (que de participativo possui apenas a propaganda governamental, assegurando que o povo está sendo consultado para esta ou aquela medida).
            Em 2014, teremos aperfeiçoado novos métodos de extrair recursos sem dor dos cidadãos-contribuintes. A Receita, escaldada por excesso de transparência, conseguirá determinar os meios de alcançar a renda dos agentes econômicos antes mesmo de qualquer fluxo de ativos e de qualquer iniciativa declaratória dos produtores primários. Apenas por esse meio será possível atender a todos os compromissos governamentais – com os pobres, de um lado, com os ricos, de outro, estes bem mais exigentes como sempre ocorre – sem ter de negociar a criação de novos impostos com o Congresso.
            A imprensa não se terá dobrado, mas terá sido domada, ou contornada: os meios de comunicação do governo serão suficientes para levar sua mensagem aos eleitores-complacentes; o restante se contentará com a internet, num processo entrópico e semicircular. Muita energia será gasta com debates vazios, o que parece o ideal para uma sociedade de baixa educação política. As escolas continuarão ruins, e as universidades públicas também vão aprofundar seu processo de mediocrização e de decadência. Nada mais será como antes, e tudo será bem pior do que antes. Não importa quem entrou, não importa quem estará entrando novamente. Tudo é uma questão de lógica elementar, dada a tendência.
            Bem, tudo pode ser uma ficção, ou não...

Shanghai, 2.10.2010.