Como indica o título, trata-se de uma peça de ficção política escrita em 2010, antecipando o que aconteceria em 2014, nas eleições quero dizer.
Mais exatamente foi escrita antes do primeiro turno das eleições de outubro daquele ano, e eu me encontrava fora do país desde o começo do ano, sendo assim puramente especulativa, pois eu não estava vivendo em nenhum clima eleitoral (sobretudo na China, que não é exatamente um modelo de democracia eletiva, ou eleitoral).
Em todo caso, sem reler agora o que escrevi, permito-me postar novamente, para checar depois.
Paulo Roberto de Almeida
Paulo Roberto de Almeida
Postado no blog Diplomatizzando
Em 2014 o Brasil
chega a novas eleições exausto de tanto discurso, de tantas palavras, tantas
promessas. Nunca falaram tanto, em doses tão concentradas, em tão poucos anos,
dentro e fora do governo.
As promessas de
continuar avançando, de fazer mais e melhor, de distribuir mais justiça, mais
igualdade, mais segurança redundaram no que se esperava: mais do mesmo, sem ao
menos o conforto de uma mudança de linguagem, de hábitos, de comportamentos
políticos, de práticas administrativas. A justiça continuou tão lenta quanto
sempre foi, com alguns escândalos, novos e velhos, emergindo aqui e ali. O
Executivo continuou inchado, inclusive porque era preciso contemplar a base congressual
com novos cargos e novos aportes financeiros. O Congresso, bem o Congresso não
precisou mudar em nada: apenas aprofundou suas práticas e costumes, o que
significa que continuou afundando nas práticas delituosas e nos costumes
imorais, com alguns novos personagens mas os mesmos hábitos de sempre, agora um
pouco mais indecentes, já que novamente sancionados pelo eleitorado.
O discurso
político, venha de onde vier, continuará permeado de mentiras e de demagogia,
tanto mais extensas quanto o eleitorado foi, continua sendo e promete
permanecer leniente com aqueles que o iludem. A mistificação política terá sido
elevada à condição de instrumento vital da governança, e toda atividade
governativa será precedida de um estudo de marketing político. Os administradores
de imagem ganharão precedência sobre os ministros setoriais, que terão de
adaptar suas propostas e programas ao governo “participativo” (que de
participativo possui apenas a propaganda governamental, assegurando que o povo
está sendo consultado para esta ou aquela medida).
Em 2014, teremos
aperfeiçoado novos métodos de extrair recursos sem dor dos
cidadãos-contribuintes. A Receita, escaldada por excesso de transparência,
conseguirá determinar os meios de alcançar a renda dos agentes econômicos antes
mesmo de qualquer fluxo de ativos e de qualquer iniciativa declaratória dos
produtores primários. Apenas por esse meio será possível atender a todos os
compromissos governamentais – com os pobres, de um lado, com os ricos, de
outro, estes bem mais exigentes como sempre ocorre – sem ter de negociar a
criação de novos impostos com o Congresso.
A imprensa não se
terá dobrado, mas terá sido domada, ou contornada: os meios de comunicação do
governo serão suficientes para levar sua mensagem aos eleitores-complacentes; o
restante se contentará com a internet, num processo entrópico e semicircular.
Muita energia será gasta com debates vazios, o que parece o ideal para uma
sociedade de baixa educação política. As escolas continuarão ruins, e as
universidades públicas também vão aprofundar seu processo de mediocrização e de
decadência. Nada mais será como antes, e tudo será bem pior do que antes. Não
importa quem entrou, não importa quem estará entrando novamente. Tudo é uma
questão de lógica elementar, dada a tendência.
Bem, tudo pode ser
uma ficção, ou não...
Shanghai, 2.10.2010