Paulo Roberto de Almeida
Como sabem
todos aqueles que me leem regularmente, e que já puderam ler, em especial,
minhas previsões imprevidentes para vários anos anteriores, meus “chutes” bem
humorados em direção ao ano que está prestes a se iniciar não são dirigidos aos
crédulos, aos incautos, aos distraídos e aos true believers nas bondades daqueles que nos prometem um futuro
radioso, desde que você cometa a bobagem de acreditar neles. Minhas previsões
são destinadas, mais exatamente, a não se realizarem, a não se concretizarem,
justamente, e quanto mais elas se tornam, ou se revelam, irrealizáveis, mais eu
me sinto confortável no meu papel de astrólogo ao contrário. Afinal de contas,
ninguém perde nada por acreditar na racionalidade do homem, no bom senso, ou no
simples senso comum, para apostar que coisas boas podem, sim, acontecer, mesmo
contra todas as evidências em contrário, não é mesmo? Como já disse um
bookmaker inglês (estou inventando, claro), nunca, em nenhum país, em qualquer
circunstância, alguém perdeu dinheiro apostando na estupidez humana.
Uau! Por
que tanto pessimismo? Não se trata de pessimismo, apenas observação realista da
realidade, com perdão pela redundância. Como todos sabem, 99% dos problemas que
afetam a humanidade são plenamente “resolvíveis” com as técnicas atualmente
disponíveis (e o 1% restante será resolvido com o avanço da ciência, da
tecnologia, do bom senso, etc.). Estou sendo, talvez, otimista demais, mas essa
é uma constatação absolutamente de senso comum, desde que se tenha presente
aqueles “inevitáveis” de que falava Benjamin Franklin: “na vida, só tem duas
coisas inevitáveis, a morte e os impostos”. Bingo! Ele tinha razão, e mesmo a
mais avançada tecnologia não vai dar conta desses dois limites absolutos da
vida humana, embora alguns se esforcem, os mais idealistas em prolongar a vida
humana, por meio da medicina e da autoajuda, os menos idealistas pela elisão,
evasão e a fraude fiscal. Ponto.
Mas, então
porque eu insisto em pretender que o mundo – e o Brasil, principalmente – seja
melhor, em face de tantas bobagens e equívocos que se cometem diariamente? Com
efeito: não deveria haver nenhum obstáculo técnico, ou econômico, ou até
político e ideológico, a que se realizem alguns fatos simples da vida: todo
mundo deveria se alimentar normalmente, com seus recursos derivados do trabalho
– e uma minoria ser atendida pela caridade pública, privada ou estatal – e todo
mundo deveria poder desfrutar de uma vida sã, física e mentalmente (menos
aqueles que insistem em ver porcarias ao estilo de BBB, claro, esses são
irrecuperáveis mentalmente falando).
Problemas
como transportes, poluição, habitação, segurança, escolas e muitos outros são
totalmente resolvíveis com os meios disponíveis, tudo sendo uma simples questão
de organização racional das coisas e das pessoas. E por que isso não acontece?
Bem, isso já acontece de forma perfeitamente razoável em diversas sociedades do
planeta, e se algumas ainda não chegaram a essa etapa de prosperidade e de
bem-estar razoáveis, não há nenhum, repito, não existem nenhum obstáculo
técnico ou econômico a que isso acontece também com as sociedades mais
miseráveis do planeta. Com educação e boa governança tudo é possível, e se
algumas sociedades ainda não o conseguiram – como o próprio Brasil, por exemplo
– é por incapacidade das suas elites, má educação do povo em geral, falta de
visão de quem é eleito com o voto dos sem visão, justamente. Mas tudo isso é
corrigível, certo?
É
exatamente por isto que eu insisto, todo ano, regularmente, idealmente, talvez
ingenuamente, nas minhas previsões imprevisíveis, ou seja, coisas que deveriam
acontecer, mas que, por artes do demônio, insistem em não acontecer. As razões?
Bem, eu tenho as minhas e elas estão em parte expostas acima, mas vocês podem
vestir a carapuça nos seus personagens favoritos e ficamos acertados assim:
para alguns, os culpados de sempre são os perversos capitalistas, a burguesia
egoísta, os mercados erráticos e imprevisíveis (que precisam ser corrigidos por
burocratas governamentais), os políticos de direita (curiosamente aliados aos
de esquerda, atualmente, vocês já repararam?), o neoliberalismo, o
conservadorismo, os poluidores, enfim, toda aquela gama de inimigos habituais e
irrecuperáveis da humanidade; para outros, serão justamente os representantes
das opiniões, posturas e políticas inversas a essas proclamadas pelos amigos da
igualdade, justiça e fraternidade.
Cada um,
portanto, fique com a sua explicação; eu me contentarei apenas, como sempre
faço de modo totalmente incompetente, em proclamar minhas previsões anuais
imprevidentes, a serem conferidas ao final do período que nos espera (com
vários imponderáveis e muitas outras certezas que vocês busquem nas dicas de
astrólogos). Eu não ofereço garantias, nem faço apostas – embora pudesse, com
base naquelas regras de senso comum dos bookmakers ingleses –, apenas me
contento em tripudiar sobre a nossa inacreditável capacidade de sempre adiar as
soluções mais óbvias e mais simples, em troca do mais complicado, equivocado e
prejudicial exercício de insistência no que não deu certo. Com isso, começo
agora.
1) O
Brasil já é o “país do futuro” ou apenas um país que pode ter algum futuro,
dependendo de quem estiver no comando de suas principais políticas?
Minha
previsão, como já disse alguém, é a de que não só não sabemos o futuro que nos
espera, como também que o passado nos é totalmente desconhecido, uma vez que
ele está mudando todos os dias. Cada vez mais, nossos dirigentes vão se esquecer
de planejar nossos desafios à frente, e continuar procurando ajustar o passado,
para que ele se encaixe em suas convicções confortáveis sobre o belo país que
pretendiam fazer, no passado distante, e que foi obstado pela sanha de todos
aqueles malvados anti-povo, anti-democracia, anti-igualdade, anti-justiça, etc.
Talvez desenterrem mais alguns cadáveres, e tratem de punir aqueles que os
puniram, no passado, justamente por planejar um futuro de escravidão,
sofrimentos humanos, ditadura. Esqueceram uma das lições de um desses
homenageados recentes, supostamente por ter libertado um povo da escravidão:
“vamos surpreendê-los, sendo tolerantes e generosos”. Parece que tolerância e
generosidade não são traços do presente, e provavelmente nem do futuro.
2) Nossa
inflação é convergente com a média mundial, e está cada vez mais sendo reduzida
a patamares aceitáveis para países normais de economia de mercado.
Deve ser
por algum acidente infeliz, não cooperação da natureza, complô dos
especuladores e atravessadores, que a média inflacionaria tem insistido em
ficar acima da meta nos últimos oito anos, insistindo em bater no teto por
alguma tendência malévola dos mercados livres, onde os capitalistas e
intermediários insistem em fixar preços acima do que seria justo e esperado.
Certamente nossos dirigentes estão conscientes desses obstáculos e desafios, e
vão continuar insistindo em baixar os preços, colocando limites às tarifas
públicas, reduzindo impostos setorialmente, estimulando o crédito para aumentar
a demanda, enfim, fazendo todas aquelas coisas boas que bons keynesianos sabem
fazer para conduzir a economia de mercado a uma trajetória compatível com a
vontade política de quem nos comanda.
3) As
desigualdades estão se reduzindo dramaticamente e dentro em pouco todo mundo
vai ser de classe média (média), sobrando pouca gente nos estratos inferiores
da sociedade.
Ainda bem:
é insuportável viver numa sociedade com tantos pedintes nas ruas, tantos
delinquentes de ocasião, tantos bandidos aguardando seu lugar na fila para
assaltar caixas eletrônicos, tantos andrajosos sujando a cidade, quando
turistas começam a vir para cá para ver nossas maiores realizações em termos de
aeroportos, metrôs, estádios, hotéis, restaurantes, trânsito fácil e
transportes públicos praticamente de graça, segurança impecável e burocracia
eficiente. Com mais algumas centenas de concursos públicos, um terço da
população vai estar trabalhando no setor mais bem pago da economia, aquele
justamente que apresenta alta produtividade, e garante um futuro tranquilo para
todos os membros da corporação. Nada compensa mais do que ser um país
majoritariamente de classe média, todos satisfeitos com os padrões atuais.
4) O
crescimento econômico atingiu um patamar de estabilidade conhecido por poucos
países no planeta, com uma linha tendencial apontando para o limite do PIB
potencial, que é justamente o nível da produtividade total de fatores no país.
Países
menos organizados que o nosso conhecem aqueles indicadores em dentes de serra,
ou seja, para cima e para baixo, gerando toda uma instabilidade nos resultados
em função de uma dependência malsã em mercados voláteis e manipulados. Graças à
correta administração de todos os vetores de produção, dos principais insumos e
de regras muito claras e detalhadas para o gerenciamento da mão-de-obra, por
exemplo – inclusive com a constitucionalização dos empregados domésticos – o
Brasil está próximo da perfeição na boa governança das políticas
macroeconômicas e setoriais, o que traz previsibilidade aos empreendedores e trabalhadores:
todos sabem o futuro que os espera, e podem se preparar para ele (em alguns casos,
décadas à frente).
5) A
autossuficiência em petróleo e os recursos do pré-sal vão garantir um futuro
brilhante para o país, faltando apenas mais duas estatais: uma para o etanol,
outra para o biodiesel.
Pior coisa
que pode acontecer são essas altas e baixas nos preços dos combustíveis, e bem
fazem as autoridades do setor em manter estáveis os preços na bomba. Seria
preciso aumentar apenas a oferta de combustíveis alternativos, o que o setor
privado tem se revelado incapaz de fazer, cabendo então ao preclaro governo um
passo à frente para realizar grandes investimentos no setor. Nada que algumas
leis – que o Congresso prontamente aprovará – não possam corrigir em tempo
hábil, colocando o Brasil à frente de qualquer outro país na sua matriz limpa,
eficiente, sustentável.
6) As
relações raciais caminham enfim para a paz de todas as cores, sobretudo agora
que os afrodescendentes são maioria e podem se beneficiar de uma miríade de
políticas de ação afirmativa que vão determinar, realmente, quem são os grandes
criadores da cultura nacional, os que mais contribuíram para fazer do Brasil o
país que ele é hoje.
Mais um
pouco, até loiros de olhos azuis poderão se declarar afrodescendentes (o que
aliás já ocorre), com o que o país terá alcançado uma situação de justiça
social poucas vezes vista neste planeta tão injusto e desigual, embora também
marcado por um mosaico de povos com suas religiões particularistas (e várias teologias
associadas). As cotas raciais vão certamente acompanhar as novas realidades
demográficas, com o que a maioria da população será contemplada por medidas
especiais, alcançando-se, assim, uma maioria de beneficiados com programas de
inclusão (poucos serão os que ficarem de fora, e esses já são privilegiados e
não precisam da assistência governamental em matéria de felicidade
redistributiva).
7) O
agronegócio já é vitorioso, por isso o essencial das políticas públicas nessa
área será dirigido para os agricultores sem terra, pequenos produtores não
competitivos em situação de mercado, cooperativas de aprendizes, quilombolas em
fase de reciclagem e índios desejosos de sair do neolítico para a era dos
tablets.
O governo
já gasta a maior parte das verbas com programas de assistência à agricultura
familiar, que é onde está o futuro do Brasil, como todos sabem e aceitam. O
agronegócio tem condições de buscar no mercado a solução para os seus
problemas, inclusive endemias e epizootias, crédito e seguro rurais, logística
e acordos comerciais. Um imposto sobre as exportações de commodities agrícolas
será criado para financiar aquelas medidas prioritárias, com o que esse setor
menos competitivo chegará enfim perto da perfeição do que já é o Bolsa Família,
que tem um quarto da população inscrita nas suas listas. País rico é país com
pequenos agricultores ricos, e para isso, o Estado é indispensável para
corrigir as desigualdades atualmente existentes.
8) Os
empresários reclamam com razão do ambiente de negócios. O governo vai
justamente criar um novo ministério do empreendedorismo, para facilitar a vida
de todos aqueles que não querem ser funcionários públicos ou empregados de
alguém. O ambiente vai melhorar radicalmente.
O problema,
hoje, é que os empresários precisam ser atendidos numa enorme variedade de
serviços públicos, nos três níveis da federação, para poder começar a trabalhar
nos seus negócios. O governo vai reduzir a multiplicidade de janelas, criando
apenas um grande guichê informatizado para acelerar a inovação e o gênio
privado. O empresário necessitará apenas dirigir os seus pleitos online, e o
novo ministério terá como função responder as suas dúvidas em 24 horas. Testes
estão sendo feitos e um novo concurso público será prontamente organizado para
começar os serviços.
9) O
déficit orçamentário e a dívida pública serão problemas equacionados em pouco
tempo, com novos princípios de contabilidade pública que passam a corrigir
automaticamente os desequilíbrios existentes numa área com saldos favoráveis em
outras esferas. Esta será a função da “Secretaria dos Vasos Comunicantes”.
Como nessas
experiências de laboratórios infantis, o governo também terá o seus superávit
primário – e o nome se aplica – imediatamente preenchido, abrindo-se a válvula
correspondente da drenagem de recursos obtidos na sociedade por todos os
escaninhos governamentais. O Congresso prometeu colaborar na montagem desse
novo mecanismo de equilíbrio imediato das receitas e despesas públicas.
10) O
Mercosul e a diplomacia Sul-Sul estão finalmente produzindo seus melhores
resultados, como consequência de dez anos de insistência governamental nessa
via estratégica para as relações internacionais do Brasil.
Como não
podia deixar de ser, nenhum país é uma ilha, e o fato de o Brasil estar no hemisfério
sul determina, naturalmente, os cenários prioritários para a atuação de nossa
gloriosa diplomacia, sempre previdente e sempre orientada para os terrenos de
maior retorno potencial. A sábia orientação dessa política, devidamente
confirmada em foros relevantes das nossas relações exteriores (como Ibas, Brics
e o próprio Mercosul), já provou que esse é o caminho de nossa crescente afirmação
mundial: os emergentes são os que mais crescem no planeta e devem contribuir
para mudar a relação de forças no mundo, por meio de uma nova geografia
comercial. É preciso persistência, e até mesmo insistência, com grande vontade
política a sustentar esse curso de ação, para que os bons resultados apareçam
no futuro próximo. Persistir nessa linha pragmática.
Paulo Roberto de Almeida, Hartford,
14 de dezembro de 2013.