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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Aula Virtual: America do Norte rica, America Latina Pobre - Paulo Roberto de Almeida

Duas semanas atrás, dei uma aula virtual, ou seja, pela internet, para alunos da Paraíba (mas eventualmente para quem se conectou alhures), sob convite e com a liderança técnica do professor Cleofas Jr., da UEPB, a quem agradeço a confiança.
O texto que eu preparei como guia, previamente distribuído (mas não lido, obviamente), é este aqui:

2800. “Por Que a América Latina é Pobre e a América do Norte Rica?”, Hartford, 28 março 2015, 19 p. Notas para aula virtual. Disponibilizado no Academia.edu (link: https://www.academia.edu/11712694/2800_Por_Que_a_Am%C3%A9rica_Latina_%C3%A9_Pobre_e_a_Am%C3%A9rica_do_Norte_Rica_2015_).
Para apoiar a aula, preparei um PowerPoint, transmitido na ocasião, mas que também esteve e está disponível no seguinte canal:

2801. “Por Que a América Latina é Pobre e a América do Norte Rica?”, Hartford, 29 março 2015, 63 slides. Apresentação em PowerPoint para a aula virtual. Disponibilizado no Academia.edu (link: https://www.academia.edu/11712721/2801_Por_Que_a_Am%C3%A9rica_Latina_%C3%A9_Pobre_e_a_Am%C3%A9rica_do_Norte_Rica_2015_).
Na ocasião, e depois, os alunos fizeram várias perguntas, que eu respondi oralmente, outras pelo Facebook criado para isso na ocasião, e outras me foram enviadas posteriormente. Coletei todas as perguntas e fiz respostas agrupadas, que agora seguem abaixo, para quem tiver interesse.
Apenas retirei os nomes completos dos perguntadores, deixando apenas as iniciais.
Paulo Roberto de Almeida



Magistro Institute
Estimulando a Inteligência e a Sabedoria

Aula ao Vivo com o Doutor Paulo Roberto de Almeida
17/04/2015
Respostas em 29/04/2015

Perguntas sobre Por Que a América Latina é Pobre e a América do Norte Rica?

1.              Sobre o Brasil e América Latina
a)             Economia

AM
Até que ponto a privatização de setores e aplicações de investimentos estrangeiros seria benéfico para a economia brasileira?
            PRA: Existe uma verdade quase axiomática em matéria de políticas econômicas que pretende que se você quiser maior eficiência, economia, fiabilidade, qualidade de bens ou serviços, e sobretudo a melhor relação custo-benefício, você tem de obter tudo isso do lado do setor privado, não do lado do governo. Empresas públicas e serviços prestados pelo Estado, de maneira geral, são ineficientes, custosos, não guardam nenhuma relação com os insumos (ou seja, os bens e serviços usados para sua prestação ou fabricação) e tendem a ser objeto de desperdício, corrupção, desvio de recursos e muita ineficiência. Concordo com a tese, em gênero, número e grau. Como se diz popularmente, o que engorda o gado é o olho do dono. Serviços coletivos em geral, como não pertencem a ninguém em particular, e como não usam critérios de mercado – ou seja, concorrência pelo menor preço e maior qualidade – tendem a ser de pior qualidade do que os mesmos serviços prestados por empresas privadas, isso por definição, e desde que o setor seja aberto à competição, e não objeto de monopólios e carteis – como são certos serviços, como bancos, telefonia, etc. – e desde que as regras para investimento sejam claras e estáveis. Não é preciso ir muito longe: é evidente que uma única estatal de telefonia não poderia NUNCA oferecer a profusão de aparelhos e de serviços de que se dispõe hoje na telefonia celular. Antes de o setor ser privatizado, vivíamos em monopólios telefônicos, e o custo de uma LINHA residencial era absurdo – podendo chegar a 2 mil dólares no mercado negro, uma vez que não existia oferta suficiente – e isso quando havia disponibilidade. É evidente, portanto, que quanto maior o número de serviços privados, isso tende a melhorar a oferta a preços satisfatórios para os consumidos, e quando não houver possibilidade de ter concorrência – eletricidade, saneamento, afins – o ideal é que a oferta se aproxime o mais possível das soluções de mercado (eficiência, relação qualidade-preço, etc.).
            Quanto ao capital estrangeiro, a resposta é muito simples: apenas um nacionalismo tacanho pretende que certos serviços devem ser reservados apenas ao capital nacional. Se estamos falando de mercados cada vez mais integrados, nos planos nacional, regional e mundial, não deveria haver NENHUMA distinção entre capital nacional e capital estrangeiro. TODAS as empresas deveriam ser tratadas nas mesmas bases, uma vez que a maior competição sempre é melhor para qualquer bem ou serviço que você consuma. Quer uma prova muito simples: imagine você viver num socialismo sob o regime do capital nacional. Entre num supermercado, qualquer supermercado, e vá à seção dos iogurtes. Lá você encontra dezenas, virtualmente, de tipos e marcas para todos os gostos. Se fosse unicamente nacional, essa oferta seria reduzida a menos da metade, e se fosse estatal, se teria unicamente um ou dois tipos de iogurte. Simples assim. Devemos a variedade de bens e produtos disponíveis em nossos supermercados à existência de marcas estrangeiras, que disputam com as marcas nacionais as preferências do consumidor. Melhor assim, não é mesmo?


No Brasil haveria um setor de produção ou setores de produções que poderiam alavancar o desenvolvimento econômico de maneira acelerada, ao ponto de transformar positivamente o cenário econômico atual?
            PRA: Respondo imediatamente por um NÃO, um grande não, pois não é possível, numa economia livre, e concorrencial, aberta a todos os talentos, ficar selecionando setores para serem beneficiados por burocratas governamentais, com base em critérios políticos muito duvidosos. Aponto apenas um exemplo: o governo emprestou, ou aplicou, bilhões de nossos recursos – pois os do BNDES são de todo o povo brasileiro, com base no FGTS e outras transferências do Tesouro, ou seja, nossos impostos – nas empresas do grupo OGX, do famoso empresário Eike Batista, que tinha sido apontado como o brasileiro mais rico, e que pretendia estar entre os mais ricos do mundo. Supostamente porque ele iria aplicar em setores prioritários, ditos estratégicos, e isso apenas por indução autoproclamada. Deu no que deu: todos perdemos e bilhões de recursos que poderiam estar sendo aplicados em outras áreas foram parar nas mãos, e nos bolsos, quando não nos cofres de bancos no exterior, de um capitalista promíscuo, que deve ter dado muito dinheiro a políticos e burocratas, e ao partido do governo, para conseguir esses favores.
            Eu só um ÚNICO setor que merece receber apoio para alavancar o desenvolvimento nacional e ele é a EDUCAÇÃO, simples assim. Falo da educação primária, elementar, universal, obrigatória, em primeiríssimo lugar. Depois falo da educação secundária, que também deveria ser compulsória e aberta a todos. Em último lugar vem a educação superior, que deve ser uma opção familiar, e apoiada pelo governo UNICAMENTE no que se refere à pesquisa e projetos aplicados. Considero que a educação superior deva ser paga, e quem não puder pagar receberá ou uma bolsa (de acordo com os seus resultados do secundário), ou fará um empréstimos para pagamento futuro, na vida profissional.
            Sou contra, terminantemente, contra qualquer política indústria, que significa geralmente dar dinheiro para quem já é rico.

TA
Qual seria as práticas essenciais para que a economia brasileira possa sair da estagnação?
            PRA: Já escrevi muito sobre isso. Estamos atolados no baixo crescimento, na alta inflação, no baixo investimento e no desequilíbrio de contas públicas. O mais importante, porém, é o intervencionismo do governo, que tira confiança do setor privado – que é quem pode investir – sobre a transparência e estabilidade de regras na economia. Então, em primeiro lugar, se tem de fazer o tal ajuste, que não é para retomar o crescimento, apenas para evitar que a situação piore ainda mais.
            Depois, como regras gerais, para o crescimento, eu recomendaria: 1) estabilidade macroeconômica (inflação baixa, contas púbicas equilibradas, juros e câmbio de mercado, não manipulados pelo governo); 2) competição microeconômica (extinção de monopólios e carteis, abertura da economia à competição, inclusive estrangeira, tarifas baixas, impostos baixos, sobretudo sobre o emprego e o lucro, regras estáveis); 3) governança de boa qualidade (parlamento não corrupto, justiça funcionando, rapidamente, transparência em todos os procedimentos, baixo intervencionismo do Estado no setor privado, etc.); 4) alta qualidade dos recursos humanos (o que significa simplesmente uma revolução na educação, que é catastrófica); 5) finalmente, abertura ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros.
            Estas são as minhas regras básicas para um processo sustentado de crescimento econômico.

JK
Que reformas do processo orçamentário no Brasil melhorariam a transparência e a qualidade do gasto público?
            PRA: Existem dezenas de medidas a serem tomadas em relação ao nosso absurdo processo orçamentário. Para não ter de tocar em detalhe nesses aspectos, que são muito complexos e mereceriam longas respostas, eu recomendaria ler o livro de Marcos Mendes (org). Gasto Público Eficiente (Fundação Fernand Braudel). Recomendo, igualmente, seu outro livro: Por que o Brasil cresce pouco? Desigualdade, democracia e baixo crescimento no país do futuro (Elsevier).

LL 
Visto que a taxa de inflação está em alta, há uma maneira do governo reduzi-la? Como seria possível essa redução sem atrapalhar a economia brasileira drasticamente?
            PRA: Sim, a única forma de o governo reduzir a inflação seria não fazer o que ele faz continuamente: criar crédito e injetar dinheiro na economia. O que cria a inflação é a disponibilidade de dinheiro, e infelizmente esse governo – como todos os outros aliás – gasta mais dinheiro do que deve, sobretudo gasta o dinheiro que não é seu, e sim nosso, retirado dos nossos bolsos com os impostos.
            Todo processo de ajuste anti-inflacionário impõe certos custos momentâneos, pois as pessoas gostam de ter crédito para poder gastar mais do que deveriam. Uma vez adaptado o meio circulante (quantidade de dinheiro na economia) às necessidades efetivas do sistema produtivo, a economia poderia crescer sem pressão inflacionária.


Kaline Renaly
Há alguma saída prática pra correção da economia mediante o cenário atual?
            PRA: Já respondi a essa pergunta para Thuanne Angelo, veja acima.

Como se avalia o ato de redução das rotas comerciais do Brasil com os países desenvolvidos?
            PRA: Rotas comerciais já dizem a que vieram: para atender a uma demanda de mercado: quando esse mercado não comporta os custos incorridos pelas despesas fixas implícitas a uma oferta determinada por acordo político – como são os acordos de navegação aérea entre países – as empresas fazem o que têm de fazer, adaptar a sua oferta à demanda efetiva. Não deve ser uma área determinada pelo governo, mas sim aberta a total concorrência, TOTAL, ainda que a operação possa ser controlada por razões de segurança.

GV (respondida na aula do dia 17).
O plano real foi o melhor ate hoje criado? Houve outro melhor?
            PRA: No Brasil nunca houve nada melhor, o que não quer dizer que seja perfeito. Recomendo a leitura de dois livros sobre isso. Maria Clara Prado, A Real História do Real.  Miriam Leitão, Saga, a luta do povo brasileiro em defesa da moeda.
            Todos os demais planos se baseavam em medidas artificiais, como controles de preços, salários, câmbio, o que só gera desequilíbrios e penúria, quando não distorções enormes. O melhor plano é aquele que amplia as liberdades econômicas para que todos possam trabalhar e ganhar dinheiro no mercado. Existe algum sentido nos monopólios de transportes (ônibus e taxis)? Nenhum. Total liberdade de oferta melhoria o serviço e diminuiria os preços.
 
JL (respondida na aula do dia 17).
Os outros países investiram em maquinário e mão de obra, estamos fadados a essa "pobreza" "eternamente" ou é possível reverter à situação, mesmo levando em consideração, que nos países desenvolvidos temos o império da lei, enquanto no Brasil as leis são desrespeitas, principalmente pelo Estado?
            PRA: Uma coisa precisa ficar muito clara. NÃO SÃO os países que investiram em maquinário e mão-de-obra, e sim pessoas, empreendedores, empresários, trabalhadores, simples indivíduos que queriam melhorar de vida. Governos, no máximo podem investir em educação, mas isso também é falso, pois eles o fazem com o dinheiro das pessoas, que poderiam, elas mesmas criar serviços nessa área, como já existe atual e concretamente; mais da metade da oferta educacional é feito pelo setor privado.
            Quanto ao problema do “rule of Law”, o respeito à lei, esse é realmente um problema cultural de nossa formação ibérica. Nos países anglo-saxões, houve a Magna Carta (1215), que diz que nem o rei está acima da lei, e só pode impor medidas (impostos, justiça, etc.) no respeito do devido processo legal, com o consentimento dos governados. No Brasil ainda não chegamos na Magna Carta...

CF
A vinda de italianos para o Brasil foi uma medida para tentar “branquear” a população e resultante da situação econômica da Europa, em particular na Itália?
            PRA: Os movimentos migratórios do final do século 19 e início do 20 foram um fenômeno universal, ou se quisermos europeu e atlântico, pois implicou no deslocamento de milhões de europeus para as Américas, o Novo Mundo. Esse desejo de “branqueamento” existiu realmente, pois correspondeu a um estágio do desenvolvimento do pensamento “científico”, de base racialista, a partir do predomínio da civilização europeia sobre o resto do mundo – o que é apenas um fato histórico – em que se identificou a “raça branca” (na verdade europeia) como superior, o que também era uma constatação de fato a partir do avanço da tecnologia e do conhecimento científico, que deu a esses povos maior domínio sobre processos produtivos. Sugiro ler Jared Diamond – Armas, Germes e Aço – sobre o desenvolvimento diferenciado das sociedades humanas, ler David Landes – A Riqueza e a Pobreza das Nações –, sobre o desenvolvimento desigual das economias, e ler Stephem Jay Gould – A Má Medida do Homem – sobre as ideologias racialistas do século 19.

Qual seria a definição mais correta do Programa Bolsa Família: uma medida de emergência em curto prazo ou uma manipulação política? Quais países adotaram programas semelhantes?
            PRA: Vários países adotam medidas paliativas desse tipo, que implicam em distribuição de subsídios à população mais pobre. Não considero esse tipo de medida mais eficaz, e sim o investimento direto na educação dos mais pobres e em sua qualificação técnica e profissional, para que eles possam trabalhar e ganhar o seu dinheiro. Se trata de um paliativo, não de uma solução, se não vem acompanhada pelas medidas corretas.
            Mas políticos em geral são populistas e demagogos, e tiram dinheiro de uns para dar a outros, e com isso recolhem votos.
            Repito: não diminui a miséria, apenas subsidia o consumo dos mais pobres. 

AB
No caso do Brasil o pobre passou a ser uma solução, voltando a ser um problema para econômica e por isso não se meche nestas políticas públicas voltadas a eles?
            PRA: Isso é inevitável se o objetivo é, como foi no Brasil, criar um curral eleitoral, que na verdade perpetua a pobreza e a dependência. Qual é o país sério que pode sentir orgulho de ter UM QUARTO de sua população na dependência de transferências governamentais? Isso é um fracasso completo, não uma glória.

HN
Quais são os principais motivos que os brasileiros que tem a experiência de viver ou apenas visitar outro pais como o Estados Unidos e Alemanha, de não possuir o desejo voltar ou permanecerem no Brasil?
                        PRA: Muito simples: oportunidade de melhorar de vida, de ter segurança, de viver num país sem corrupção, com melhores serviços. Milhões de miseráveis de todo o mundo procuram desesperadamente chegar à Europa e viver nos EUA. Por que será?

b)             Política Externa Brasileira

GV (respondida na aula do dia 17).
Na atualidade, como o Brasil esta sendo visto no cenário internacional? Qual foi a melhor fase?
            PRA: O Brasil está sendo visto como sempre foi: como aquele país que realiza certos avanços e depois recua novamente. Poderíamos estar melhor, certamente, e só não estamos devido à inépcia e incapacidade de nossos governantes. Infelizmente é simples assim: eles não conseguem manter o país crescendo, com políticas corretas. A melhor fase foi a de FHC, quando finalmente estabilizamos e tínhamos um presidente sensato, aberto, e depois com o Lula, na primeira fase, que gerou um entusiasmo exagerado e totalmente indevido, porque a casa estava em ordem para crescer, porque a demanda chinesa trouxe crescimento ao Brasil, e porque parecia a história ideal de todo país pobre: ter um dirigente saído dos meios populares que finalmente realiza justiça social, o grande problema do Brasil. Sabemos hoje que foi tudo ilusão, mas as pessoas – sobretudo os estrangeiros mal informados – acreditavam que fosse verdade.

AR
Você citou o Petrolão em um dos exemplos de como enriquecer até em um tom de brincadeira. Diante de vários escândalos por parte do governo em relação ao dinheiro público, como se avalia a imagem do Brasil nos países desenvolvidos? Qual a sua credibilidade? É missão de a diplomacia agir para mudar essa imagem negativa e buscar recursos para o país, ou apenas analisar esse cenário sem ter interferência direta?
            PRA: Essa imagem é a pior possível, pois ficamos sendo equiparados a esses países africanos notoriamente corruptos, e talvez não esteja longe disso. A diplomacia não pode fazer boa propaganda de uma realidade deplorável e esconder fatos que estão sendo veiculados na imprensa internacional. A missão da diplomacia não é fazer propaganda enganosa, e sim informar o governo brasileiro sobre o que se diz do Brasil lá fora, de bem ou de mal.

PF (respondida na aula do dia 17).
Nas ideias apresentadas, um grande passo para crescimento econômico e social da AL parece ser a repetição de modelos asiáticos. Essas sociedades regem não apenas politicamente/economicamente a população, mas principalmente de modo cultural. E pensar em mudança cultural no Brasil ainda esta nos patamares de uma utopia.
O professor acredita que uma evolução econômica eficaz seria mais eficiente se boas condutas em questões culturais fossem amplamente incentivadas?
            PRA: Já disse que seria impossível repetir modelos, quaisquer modelos, sobretudo os asiáticos. Não acredito em mudanças culturais vindas do alto, por fiat. Isso não existe simplesmente, só se processa no longo prazo, lentamente. A única solução é a elevação contínua, intensa, extensa, dos padrões educacionais da população. Não existem milagres fora do crescimento da produtividade, e este só vem com boa educação para todos. Eu nunca tentaria mudar a cultura, pois isso é impossível e um sonho equivocado. Simplesmente eduquemos a população: ela verá o que é melhor para si mesmo, sem que ninguém precise dizer. Já estamos vendo, aliás: por que é que as pessoas estão indo embora do país? Porque são bem informadas, e reconhecem que o Brasil é um país fracassado, com políticos corruptos. Elas preferem recomeçar a vida em outros lugares, nos quais não tenham a sensação de estar sendo roubadas todos os dias por mentirosos no poder.

AA
Pode-se dizer que o gasto excessivo por parte de algumas nações da América Latina torne suas economias fragilizadas ou pobres por ultrapassarem suas receitas?
            PRA: Não apenas da América Latina: estamos vendo isso agora mesmo na Europa, e não apenas em países fracassados como a Grécia, mas também em países aparentemente prósperos como a França. A França recolhe 45% da riqueza nacional em impostos e gasta mais de 53% em despesas, ou seja, produz déficits contínuos. Tem um futuro um país assim? Obviamente que não: estão indo para uma inexorável decadência.


AB
Grande parte dos países da América Latina foram colonizados e explorados, por Portugal e Espanha. Por isso seguiram passos diferentes dos Estados Unidos no Século XVIII?
            PRA: Estes são fatos históricos que não podemos mais mudar. O que podemos fazer, para suprir as desvantagens de termos sido colonizados – a palavra certa é criados, pois não existiam sociedades antes dele, e sim tribos primitivas, esparsas – por ibéricos, e fazer o que fizeram outros povos: construir riquezas através do trabalho duro, apenas isso. Não há condenação eterna por termos nascido pobres e deseducados. Basta nos educarmos e nos tornarmos ricos. Muitos o fizeram, aqui mesmo, com base no seu  próprio trabalho. O governo atrapalha um bocado, mas isso é possível corrigir também, bastando que as pessoas tomem consciência disso. O governo não facilitar nada, e ele só retira dinheiro das pessoas e obstrui o nosso desenvolvimento.

CF
Existem teorias que explicam o baixo desenvolvimento do Brasil por causa do caráter explorador da colonização portuguesa e o pouco investimento no crescimento do país. O senhor concorda?

            PRA: Apenas em parte, mas veja a resposta acima. Nada é eterno...

FC
Até que ponto pode comparar as explicações para pobreza da América Latina com a África?
            PRA: Não se pode comparar coisas incomparáveis. Somos de formações totalmente distintas. Leia Jared Diamond para saber como exatamente.

2.              Sobre os EUA e Países Desenvolvidos

FC
 Pode-se dizer que a crise de 29 foi uma ruptura do super desenvolvimento dos EUA? E até que ponto afetou a sociedade americana, mais precisamente a classe média?
            PRA: Crises econômicas são inevitáveis em sistema abertos: se você gastar todo o seu dinheiro em loterias, estará criando uma crise para você mesmo também. Foi um pouco o que fizeram as pessoas nos anos 1920: apostaram muito dinheiro nas bolsas, pretendendo ficar ricos rapidamente, pois as ações estava, subindo exponencialmente. Ora, não existe possibilidade física de ganhos exponenciais continuamente: um dia, se tem o limite. Afetou enormemente todos naquele país. Mas ele se recuperou, e se tornou ainda mais rico, com base nas mesmas regras, o que significa novas crises, que sempre são o resultado de bolhas especulativas. As pessoas são assim...

EM
O liberalismo clássico prega uma economia livre, sem intervenção do estado. Prega um estado mínimo. A minha dúvida é, diante da situação econômica atual no Brasil. Como conseguiríamos ter no Brasil, uma economia mais livre? O que deveríamos fazer para o Brasil adotar essa política de livre-mercado? É possível o governo brasileiro sair totalmente da economia?
            PRA: É possível, sim ter uma economia mais livre. Basta comparar o Brasil com outros países e ver o que fazemos de errado. Muita coisa. Recomendo a leitura atenta do relatório do Banco Mundial, Fazendo Negócios, Doing Business, para ter um retrato do nosso inferno empresarial e regulatório. Depois tem o relatório Economic Freedom of the World, talvez exista em português, mas também indica tudo o que fazemos de errado. Nenhum país no mundo é inteiramente livre, laissez-faire, mas certamente os EUA, por exemplo, são infinitamente mais livres do que o Brasil em termos econômicos. Até a China comunista é economicamente mais livre do que o Brasil.

 Professor, vemos que países com uma política liberal econômica tiveram um maior desenvolvimento de suas economias em relação a países que não empregou tal política; quais seriam, se caso existam, as questões negativas em relação a política econômica liberal?
            PRA: Existem dezenas e dezenas, e recomendo a leitura dos relatórios citados acima, bem como o do World Economic Forum sobre Competitividade. Estamos sempre nos mais baixos escalões. Isso é uma praga? Certamente que não. Se outros países tem outras regulações, mais efetivas para o crescimento, isso significa que nós também podemos fazer. Basta ver o que funciona e o que não funciona Simples assim.
            Começo por um exemplo muito simples: por que a Anvisa tem de proibir farmácias de vender chiclete? Existe uma razão ponderável para isso? Nenhuma.
            Isso se chama fascismo.
            As pessoas precisam descobrir que vivemos num país fascista, submetidos a ordem de burocratas idiotas.

IF

Os EUA teme a criação do banco do BRICS?
            PRA: Isso é bobagem. Podem até temer, no que estarão errados. Vejamos: quanto mais concorrência, melhor, correto? Então, maior número de bancos, competindo entre si para emprestar dinheiro para bons projetos deveria ser positivo, até para empresas americanas que podem fazer esses projetos. Mas, seria muito ruim, para TODOS, mas sobretudo para os POVOS dos países do Brics, que esse banco passasse a financiar projetos por critérios políticos, e não técnicos. Simples assim: de onde vai sair o dinheiro? Dos governos (ou seja nosso)? Ou de investidores privados? Acho que se o dinheiro do banco dos Brics sair do mercado, e os projetos forem sólidos, está bem. Se o banco for político, vamos perder dinheiro, todos nós.

CF
Se os americanos não tivessem envolvidos na Segunda Guerra, os russos conseguiriam reverter a situação de conquistas da Alemanha?
            PRA: Talvez, mas com um sacrifício muito maior em termos de mortos e destruição material. Napoleão perdeu a guerra contra o inverno, e a falta de alimento. Não contra o exército russo. Os alemães poderiam ter avançado ainda mais, conquistado Moscou, Leningrado, etc. Mas seria difícil converter milhões de russos em escravos e eles acabariam sendo derrotados mais cedo ou mais tarde. Mas sem dúvida alguma que a ajuda dos EUA e da GB salvou Stalin de uma derrota vergonhosa. Se tivesse perdido, naquela fase, teria sido simplesmente eliminado do cenário, e teriam sido outros líderes russos a fazer a reconquista, como ocorreu, aliás.
            Os alemães também perderam não tanto por incapacidade de seus militares, mas por erros estratégicos dos nazistas, de Hitler, em primeiro lugar, que se julgava um grande líder militar. Cometeu muitos erros e isso apressou sua queda, pois do contrário, a derrota do nazismo teria sido muito mais difícil e muito mais longa.
            Da mesma forma, se pode dizer que as bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki apressaram o fim da guerra e SALVARAM vidas. Sem bombas atômicas, a guerra no Pacífico demoraria talvez um ano mais, ou talvez seis meses, com muito mais mortes, igualmente horríveis, de japoneses e americanos. Eles não se renderiam, e os americanos teriam muito mais perdas para conquistar as várias ilhas.
            Estou lidando com fatos, apenas isto.

                                    Paulo Roberto de Almeida
                                    Hartford, 29 de abril de 2015

Cade a politica externa que estava aqui? Sumiu??? - Ricardo Noblat

POLÍTICA EXTERNA
De olho no próprio umbigo
Ricardo Noblat
O Globo Online, 29/04/2015

No governo Dilma o Itamaraty não tem qualquer relevância. Estamos não apenas perdendo o bonde da história, mas também este legado

Poucas vezes na história brasileira o país foi tão ausente do cenário internacional como agora. É como se não tivéssemos política externa. As crises ética, econômica e política são tão grandes que a presidente Dilma Rousseff simplesmente esqueceu que há um mundo lá fora. Olha apenas para o próprio umbigo.
A irrelevância da política externa do atual governo antecede às crises. Com o fracasso do sonho megalomaníaco de Lula, do Brasil ser um polo alternativo aos Estados Unidos até mesmo no Oriente Médio, sua sucessora fechou-se em um casulo.
O terceiro-mundismo de Lula era proativo. O de Dilma é passivo.
Sua presença no concerto das nações foi até agora meramente protocolar, sem exercer sequer liderança na América do Sul, que dirá no continente.
Durante dois anos ficou de birra com os Estados Unidos, como se ainda vivêssemos nos tempos do “yankees go home”.
No final do semestre vai, finalmente, visitar os EUA, para normalizar uma relação com quem sempre foi um essencial parceiro do ponto de vista comercial.
Não nos iludamos, a presidente vai apenas cumprir tabela. Na volta, o mais provável é que continue de costas para o mundo, como se as crises humanitárias não nos dissessem respeito, como se as cadeias produtivas não fossem uma das grandes tendências do planeta.
Ou como se o Brasil pudesse se dar ao luxo de dispensar acordos bilaterais para se integrar, de fato, na economia mundial.
Todas as apostas do petismo na política externa deram em nada: a prioridade para a relação Sul-Sul e as fichas postas no BRICS, contraposição ao peso da União Europeia e do mercado norteamericano.
O Brasil desindustrializado importa cada vez mais bens manufaturados e exporta matérias primárias, de pouco valor agregado. Por força de erros cometidos no governo Lula e magnificados por Dilma, o petismo está condenando o país a ter uma posição subalterna na divisão internacional do trabalho, a ter uma relação de semi-colônia com os grandes players da economia mundial.
Como se isto fosse pouco, ficamos prisioneiros do Mercosul, dependentes da concordância da Argentina, da Venezuela, da Bolívia para assinar acordos bilaterais com países fora do bloco.
Enquanto isto México, Peru e Chile nadam de braçada, intensificam relações com os Estados Unidos e outros mercados.
E a Argentina, claro, impõe condições às exportações brasileiras e celebra acordo de cooperação econômica e de investimentos com a China.
Em política externa, as coisas acontecem assim. Cada país prioriza seus interesses. Cristina Kirchner, portanto, não está errada.
Quem erra é a nossa presidente, que não observa um princípio elementar de qualquer política externa soberana.
O Itamaraty sempre teve uma política altiva, pautada pela defesa dos interesses nacionais, pela construção de relações pacíficas entre os países e a rigorosa observância dos princípios da não ingerência, da democracia e do respeito aos direitos humanos. Além de um certo pragmatismo no comércio exterior como foi o caso das gestões de Luiz Felipe Lampreia ou Fernando Henrique Cardoso como chanceleres.
No governo Dilma o Itamaraty não tem qualquer relevância. Estamos não apenas perdendo o bonde da história, mas também este legado.
E por falar em irrelevância, quem, de bate-pronto, sabe dizer o nome do atual chanceler?

O Brasil e a agenda economica internacional 3: qual seria a agenda ideal? - Paulo Roberto de Almeida


O Brasil e a agenda econômica internacional: como e qual seria uma (ou a) agenda ideal para o Brasil?, por Paulo Roberto de Almeida

Mundorama, 29/04/2015


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A agenda econômica externa do Brasil concerne, basicamente, a dimensão multilateral, pois esta é a principal plataforma negociadora internacional na área econômica desde Bretton Woods e a criação do Gatt, depois incorporado à OMC. Mas essa agenda também compreende as relações que se estabelecem no âmbito regional, pois este é o locus dos acordos de integração econômica, que são essencialmente comerciais, mas que nos últimos doze anos de reino dos companheiros acabou se transformando num aglomerado de compromissos políticos e sociais que pouca relação guardam com os tratados originais. Finalmente, também coexiste com essas duas dimensões, uma agenda no plano bilateral, mas seus componentes estão constituídos por acordos de cooperação, que também têm sua importância na capacitação de recursos humanos e na implementação de projetos setoriais, que geralmente complementam os acordos alcançados nos dois primeiros planos, mas que podem também ser ainda mais ambiciosos do que aqueles (cooperação nuclear, espacial, tecnológica, por exemplo).
Pois bem, vejamos qual poderia ser uma agenda, talvez não ideal, mas pelo menos necessária para que o Brasil realize um enorme potencial hoje represado pelo peso enorme que o Estado exerce sobre cidadãos e empresas, potencial que também foi desviado de um curso que seria quase “natural” em função de uma agenda esdrúxula e exótica, imposta ao país nos últimos doze anos, quando os interesses nacionais foram sacrificados em favor de opções estritamente ideológicas e partidárias, que hoje se revelam estar igualmente vinculadas ao mais gigantesco processo de corrupção jamais visto em nosso país. A “importação” indevida de milhares de “médicos” cubanos, por exemplo, não obedece exatamente a um grande plano de prevenção em saúde da população brasileira, mas tem muito a ver com a situação falimentar da ilha-prisão dos irmãos Castro, que hoje depende de aliados obsequiosos por mantê-la à tona.
O plano multilateral apresenta inúmeras facetas, mas as principais são as de caráter comercial e de tipo financeiro. Neste último capítulo, não existem propriamente negociações a serem feitas, uma vez que o Brasil – depois de enfrentar historicamente crises de insolvência externa, e até uma ou duas moratórias – parece ter aprendido a respeitar os fundamentos de seus equilíbrios nas transações correntes e na balança de capitais; a despeito de déficits constantes nas transações externas, estas têm sido compensadas por investimentos diretos e, em situações normais, por saldos superavitários na frente comercial, o que contudo foi revertido nos últimos anos. A origem dos déficits atuais não é, entretanto, alguma deterioração do cenário mundial – mesmo se alguns keynesianos de botequim vivem alegando um ambiente de crise externa para justificar sua péssima condução da política econômica nacional – e sim a perda lamentável de competitividade por parte das empresas brasileiras vinculadas à exportação. Elas não são tão penalizadas pelo câmbio – uma variável que pode ser contornada por contratos de hedge – quanto pela absurda carga  fiscal que é imposta às empresas brasileiras por um Estado extrator e extorsivo.
Esta questão nos remete ao plano comercial multilateral, hoje totalmente paralisado pela incapacidade dos principais atores em dar continuidade à Rodada Doha, nas premissas otimistas em que foi lançada, no início da década passada. Mesmo que, por um milagre, se lograsse concluir essa rodada de negociações com compromissos mais ou  menos moderados de liberalização recíproca de mercados e com padrões ainda mais moderados na regulação do acesso às demais áreas – serviços, investimentos, propriedade intelectual, etc. – o Brasil talvez não esteja preparado para desfrutar com maior vigor dessa abertura, tendo em vista sua já mencionada perda de competitividade por razões de ordem inteiramente doméstica. Trata-se de um dever de casa que ninguém e nenhuma negociação multilateral pode cumprir em seu lugar, ou seja, no do governo.
Mesmo na área em que ele é notoriamente competitivo, que é a grande agricultura de exportação – ou seja, commodities agrícolas e carnes, mas podendo evoluir para alimentos processados – os produtores e exportadores brasileiros são penalizados por deficiências ainda mais notórias, a jusante, em sua infraestrutura, como na própria cadeia produtiva, a montante, portanto, em função da tributação generalizada aplicada a praticamente todos os insumos do setor. Como se sabe, a alta produtividade na produção de grãos (mas em outras linhas produtivas também) é neutralizada pelos altos custos, e perdas, no transporte, por uma infraestrutura portuária lamentável, ou por diversos outros aspectos regulatórios e impositivos que fazem com que o produto brasileiro, mais barato do que o dos concorrentes diretos na porteira da fazenda, chegue ao porto de embarque ou de destino bem mais caro em vista dessas deficiências. Sobre isso, se agregam as dificuldades do setor em termos de seguro agrícola e as conhecidas lacunas no rastreamento e prevenção de epizootias e outras endemias típicas da produção comercial primária, sempre mendigando recursos de um governo que tem uma nítida inclinação ideológica por invasores de terras e outros pretensos agricultores familiares (na verdade de subsistência, e sempre assistidos por um ministério espelho ao da agricultura de exportação, que defende uma agenda totalmente diversa deste último).
De resto, no terreno do comércio internacional, qualquer ganho em termos de liberalização agrícola teria de ser barganhado contra uma oferta brasileira de redução do seu próprio protecionismo industrial – sem mencionar a adesão a códigos proprietários mais elevados – o que parece notoriamente difícil a um governo que seguidamente vem implementando “políticas industriais” (aparentemente já foram cinco, sucessivamente) cuja principal característica é a de isolar o Brasil dos circuitos produtivos internacionais. O exemplo mais notório é a indústria automobilística, que permanece “infante”, e portanto protegida, desde mais de meio século. Por fim, ainda nesse terreno, os grandes parceiros parecem ter abandonado de vez qualquer entusiasmo por acordos abrangentes no âmbito da OMC, preferindo em troca negociar acordos minilateralistas, ou seja, tratados plurilaterais de livre comércio engajando os “like-minded countries”, que podem, ou não, situar-se na mesma região geográfica (as distâncias encurtaram, de toda forma). Dois exemplos disso, são o acordo transatlântico – entre EUA e UE – e o trans-Pacífico, que reúne um número variado de países da Orla do oceano, inclusive sul-americanos como Peru e Chile.
O ideal, para o Brasil, e os brasileiros – empresas e trabalhadores – seria que o Brasil participasse ativamente de todas essas frentes de trabalho de maneira aberta e receptiva, mas a condição para isso seria uma alteração drástica de quase todas as suas políticas setoriais, industrial, comercial e de investimentos em infraestrutura, algo que parece fora do alcance do atual governo. A parte industrial e de infraestrutura compete inteiramente, e soberanamente, ao Brasil, podendo portanto ser implementada por uma decisão política de alta inteligência econômica (o que não necessariamente é assegurado pela coalizão de protecionistas atualmente no poder).
Mas a parte comercial não pode, simplesmente, ser sequer considerada sem um entendimento de princípio, e prévio, com os demais membros do Mercosul, essa frágil construção integracionista que, nos últimos doze anos, serviu mais para exercícios de retórica grandiloquente, ou para discursos vazios, do que para, pelo menos, voltar a dar importância aos objetivos básicos e fundamentais desse bloco. Sem isso, ficam carentes de conteúdo tanto as negociações multilaterais, quanto as regionais (de que é exemplo o longuíssimo processo negociador com a UE, que não parece ter pressa de concluí-lo, depois que os três grandes membros do Mercosul implodiram, de modo gratuito e voluntário, o projeto americano de uma área de livre comércio hemisférica).
No Mercosul, em lugar da liberalização recíproca – ou seja, a zona de livre comércio – e da coordenação de políticas macroeconômicas – desejável para o objetivo da união aduaneira –, o que se teve foi uma variedade não essencial de iniciativas secundárias, sobretudo em areas tidas por “sociais”, que não atenderam em nada aos requisitos da integração econômica, que permanece, ou deveria ser, o foco dos tratados originais. O bloco foi inclusive distorcido de sua arquitetura contratual – que requer a plena aceitação da Tarifa Externa Comum e das demais regras de política comercial – primeira pela adesão política, e altamente questionável, da Venezuela (que não cumpriu praticamente nenhum dos requisitos inerentes à união aduaneira), e logo em seguida pelas adesões também duvidosas de Bolívia e Equador, que tampouco parecem propensos a aceitar a estrutura regulatória comercial do Mercosul. Não é preciso mencionar, por outro lado, todas as infrações cometidas pela Argentina contra o espírito e a letra do Tratado de Assunção, ao impor salvaguardas e diversos outros tipos de barreiras contra produtos dos demais países membros, numa derrogação unilateral – e também contrária às próprias regras do Gatt – dos compromissos solenemente firmados.
O ideal, neste caso, seria que o Brasil liderasse um esforço – a ser concluído por nova conferência diplomática – de revisão completa do Mercosul, com vistas a determinar se ele deve continuar com seu atual perfil  de união aduaneira incompleta – ou em “implementação”, como pudicamente se proclama – ou se cabe fazê-lo retroceder a uma simples zona de livre comércio, concedendo, assim, liberdade, a cada um dos associados, para negociar acordos comerciais com quem lhes aprouvesse. O Chile, em lugar de ingressar no Mercosul, e ficar amarrado a uma institucionalidade precária, preferiu permanecer isento de qualquer compromisso mais “íntimo” com qualquer bloco – como aliás também é a prática dos Estados Unidos – o que lhe habilita a negociar esquemas de liberalização com ampla gama de parceiros: o país andino possui acordos de livre comércio com algo em torno de 80%, ou mais, do PIB mundial, assegurando ampla penetração de seus bens nos maiores mercados do mundo, compreendendo todo o hemisfério, a UE e boa parte da Ásia e Oceania).
Esse ideal, no entanto, parece difícil de ser concretizado nas atuais condições políticas e econômicas do Brasil, pois implicaria em séria revisão de toda a sua política comercial, industrial e em vasta gama de disposições setoriais regulatórias. Ademais, seria indispensável contar com lideranças políticas com visão de estadista, armadas de estudos econômicos da mais alta competência técnica, para poder decidir, em total conhecimento de causa, quais políticas de desenvolvimento e de relacionamento nessas diversas dimensões seria importante impulsionar na agenda econômica externa. O Brasil precisaria estar disposto a modificar aspectos importantes de seu sistema tributário, de modo a tornar suas empresas mais competitivas, assim como dispor-se a ficar sozinho, no Mercosul, por exemplo, quando decisões de estrita racionalidade econômica e de seu exclusivo interesse nacional assim o determinar.
Da mesma forma, mesmo acordos bilaterais de maior escopo econômico – como podem ser as áreas de tecnologias sensíveis: nuclear, espacial, militar – podem requerer uma mudança fundamental de postura, o que esteve longe de acontecer nos últimos doze anos (ou mesmo antes). O Brasil recusou, por exemplo, todos os acordos de proteção de investimentos estrangeiros, em nome de um vetusto, arcaico, ridículo soberanismo jurídico, que tende a negar soluções arbitrais independentes nessa área, ou que se opõe ao princípio mesmo das controvérsias investidor-Estado a respeito de um investimento qualquer, como se este devesse sempre confrontar interesses privados e se opor a normas por ele mesmo estabelecidas para regular a atividade dos empresários estrangeiros.
Algo semelhante ocorreu com o acordo de salvaguardas tecnológicas com os Estados Unidos, visando viabilizar o lançamento de satélites com componentes – próprios ou no foguete de lançamento – resguardados por segredos comerciais ou com tecnologias sensíveis, em nome, mais uma vez, de um soberanismo tecnológico totalmente equivocado; isso também acarretou imensas perdas tecnológicas ao país, e grandes prejuízos comerciais, pois inviabilizou totalmente a exploração comercial da base de lançamentos de Alcântara. Nessas duas áreas, o ideal seria que o Brasil – ou uma direção mais esclarecida – revisasse totalmente a postura restritiva que se manteve inalterada durante mais de uma década, atrasando de fato o país nesses campos.
A componente dos investimentos, assim como a dos movimentos de capitais também comportam aspectos multilaterais, mas a postura do Brasil infelizmente tem sido, invariavelmente, igualmente restritiva quanto a códigos multilaterais podendo enquadrar esses fluxos financeiros e cambiais (assim como intangíveis de modo geral). O Brasil se opôs, no passado, ao Acordo Multilateral de Investimentos, em negociação (frustrada) na OCDE, bem como sempre se opôs a qualquer regulação multilateral – ou seja, no âmbito do FMI – no tocante a capitais financeiros, ambos elementos possuindo aspectos sensíveis, é verdade, para as políticas monetárias, cambiais ou a respeito de ativos de não residentes. Moeda e finanças constituem os últimos redutos da soberania estatal, mas é preciso reconhecer que a abertura aos movimentos de capitais, a uma maior competição no sistema bancário nacional, a colaboração fiscal internacional (inclusive para prevenir crimes transnacionais, como lavagem de dinheiro e o próprio terrorismo internacional) fazem parte de um mesmo processo de elevação do grau de inserção do país na economia mundial, o que levará, em última instância, à plena conversibilidade do real, um aspecto que beneficiaria amplamente indivíduos e empresas (mas não necessariamente o Estado, que teria de ater-se a normas mais rígidas em todas essas áreas).
Em qualquer hipótese, o que está em consideração em todos esses capítulos, é o aumento das liberdades econômicas dos agentes primários da criação de riquezas, que são as empresas e os próprios indivíduos, uma evolução não apenas natura, como absolutamente necessária se o Brasil pretende se alçar ao batalhão de frente das nações economicamente avançadas e abertas à interdependência global. A recente assinatura de um acordo marco do Brasil com a OCDE, concluído por decisão do novo ministro da Fazenda – contrariando, nisso, a antiga orientação anacrônica de dirigentes econômicos anteriores – é um fato auspicioso, pois significa que o Brasil pode começar a se enquadrar numa moldura de políticas econômicas sólidas, estáveis, e confiáveis, deixando para trás a volatilidade implícita nas mudanças bruscas, improvisadas, setoriais, que costumavam caracterizar os keynesianos de botequim que comandaram a economia brasileira durante vários anos. A OCDE representa, justamente, um tipo de racionalidade econômica estrito senso que há muito faltava às políticas públicas – macro e setoriais – do Brasil, ainda que contrarie todo o arcabouço mental antiquado dos “economistas” que pontificaram no governo desde a década passada.
Amplas camadas de economistas, e de empresários, já se convenceram de que o que cria volatilidade no país não são os capitais externos, mas é o caráter errático das políticas econômicas e das medidas regulatórias, que traz insegurança aos investidores externos, assim como aos próprios domésticos, e torna o ambiente regulatório pouco transparente e previsível. Uma agenda de abertura e de atratividade aos investimentos, que possa maximizar as chances do Brasil nas negociações internacionais tem de começar primeiro pela estabilidade de regras no plano interno, o que esteve longe de ocorrer nos últimos anos. Em consequência de políticas altamente distorcidas e extremamente intrusivas na vida das empresas, a acumulação de capital e os ganhos de produtividade sofreram enorme queda no Brasil, ao mesmo tempo em que se aprofundaram os desequilíbrios orçamentários internos e os de transações correntes no plano externo, trazendo o atual quadro de alta inflação, baixo crescimento, paralisia dos investimentos e perspectivas sombrias de ajuste e de desemprego. Talvez até mais grave do que as dificuldades materiais do presente seja o atraso mental dos seus dirigentes, a falta de lideranças políticas esclarecidas que consigam colocar o Brasil em compasso com o mundo globalizado.
Daí a necessidade de o país adotar uma agenda de modernização em todas as áreas do terreno econômico, como condição para aproveitar as chances abertas pela globalização (como fizeram, aliás, desde muito tempo, o Chile, na América Latina, e diversos países asiáticos da franja do Pacífico). A adoção dessa agenda não depende do mundo, mas apenas de próprio Brasil ou de suas lideranças políticas e empresariais. Não se trata de empreendimento fácil, mas ele é absolutamente indispensável para que o país encontre seu espaço na interdependência global. Reformas são necessárias e elas são sempre controversas, colocando em confronto interesses diversos, como se vê ainda agora mesmo em países tão diversos quanto a França, o México, a própria China.
Pode ser que os mecanismos de governança global – ou seja, a agenda dos organismos econômicos multilaterais, como os de Bretton Woods e a OMC – nos induzam a isso, mas é muito pouco provável. O mais provável é que ameaças de crises internas, ou sobressaltos nos planos financeiro e de balanço de pagamentos nos induzam a correções de rota. Afinal de contas, todas as reformas internas são difíceis e os países só são levados a mudanças profundas e significativas em seu ordenamento econômico e social sob a pressão de eventos desafortunados. O Brasil já acumulou todo um pacote de equívocos sistêmicos (a começar pela sua Constituição) e de erros monumentais de política econômica (como o distributivismo exacerbado, e demagógico, da atual “república sindical”) que está simplesmente atrasando nosso desenvolvimento, ou pelo menos reduzindo as taxas de crescimento econômico. Romper com essas amarras mentais é indispensável para que o país recupere um processo sustentado de expansão de sua economia, única base possível para o aumento da prosperidade nacional.
Quanto antes melhor…
Este é o terceiro de uma série de quatro artigos. O próximo será o seguinte: 
  • O que o Brasil deveria exatamente fazer para maximizar a “sua” agenda?
Leia os demais artigos da série: 
Paulo Roberto de Almeida é diplomata e professor do Centro Universitário de Brasília – Uniceub (@pauloalmeida53).

Corrupcao no Brasil: sempre vencendo a "justica"; Petralhabras respira aliviada

Blogueiros falastrões - geralmente mais ligados às letras que ao Direito - ressaltam a constitucionalidade da decisão do STF de liberar da prisão preventiva os empreiteiros do petrolão, que a PGR denomina de "organização criminosa". Ora, não seria de se esperar do Supremo nada, digamos, contrário à Constituição, que ele próprio nem sempre seguiu, como demonstra Marco Antônio Villa no livro A História das Constituições Brasileiras.

A interpretação dos ministros do STF pendeu para o cumprimento estrito da lei. A decisão foi por 3 a 2. Apenas um voto de Minerva decidiu, o de Gilmar Mendes. Se a minoria da turma 2 do STF tomou posição contrária é porque entendeu que a gravidade política, social e econômica em que vive o país, imerso na corrupção petista, apresenta risco institucional, já que a "organização criminosa" age dentro do governo e de suas empresas. Bom juiz é aquele que sabe pesar os danos de sua decisão - e que, portanto, na interpretação da lei, nem sempre pode ser tão literal.

Importante lembrar, também, que a prisão preventiva dos réus, na esfera em que atua o juiz federal Sérgio Moro, tem sido fundamental para o aggiornamento que ele trouxe ao Direito brasileiro através da delação premiada - que desbaratou quadrilhas em vários países. Os corruptos, por certo, são radicalmente contra, dentro e fora do governo. Nada de "seguir o dinheiro".

Por último, cabe a pergunta: a quem aproveita tal decisão (Cui prodest, segundo o latim)? Obviamente, aos corruptos, começando pelos próprios empreiteiros presos e os políticos envolvidos, além de Lula, amigo do chefe do Clube do Bilhão, Ricardo Pessoa, que estava se dispondo à delação premiada.

Agora, com prisão domiciliar, é duvidoso que ele prossiga as negociações - sem contar que estará mais sujeito às pressões dos figurões que temem o petrolão: ele já bate às portas dos poderosos. Afinal, basta "seguir o dinheiro".

Diante disso tudo, a conclusão é óbvia: a decisão do STF foi, na verdade, um tiro no pé de Sérgio Moro e dos investigadores da Operação Lava Jato.