O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Delação do Palocci: quem disse que não tinha provas?

DELAÇÃO DE PALOCCI TEM 45 ANEXOS, TESTEMUNHAS, CONTRATOS E DADOS BANCÁRIOS


 

O Antagonista obteve em primeira mão uma petição dos advogados de Antonio Palocci que foi anexada, pelo desembargador Gebran Neto, no processo em que o ex-ministro foi condenado por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
No documento, eles informam que Antonio Palocci indicou três testemunhas que podem confirmar entregas de propina – o ‘italiano’ já disse que entregava dinheiro em cash a Lula.
Essas pessoas, segundo Palocci, podem “testemunhar sobre os fatos, os encontros e as entregas de valores ilícitos” .
Palocci já apresentou à PF, em relatório que soma 800 páginas“documentos que corroboram o que foi por ele afirmado, tais como: contratos, dados bancários, notas fiscais, manuscritos, e-mails, comprovantes de supostas ‘doações oficiais’, etc”.

Hipólito, o primeiro estadista do Brasil - Paulo Roberto de Al

Academia.edu me faz a seguinte comunicação dois dias depois de postado um trabalho:

Hi Paulo Roberto, 
Congratulations! You uploaded your paper 2 days ago and it is already gaining traction. 
Total views since upload: 
You got 34 views from Mozambique, the United States, Portugal, Greece, Brazil, and Colombia on "Hipolito da Costa: o primeiro estadista do Brasil (2018)". 
Thanks,
The Academia.edu Team

O que fazer para cumprir um programa de governo? - Paulo Roberto de Almeida

O que se deve fazer para cumprir um programa de governo?

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: auto-esclarecimento; finalidade: análise da conjuntura]


Introdução
Respondo imediatamente à pergunta do título: em primeiro lugar, ter uma visão clara de quais são os principais problemas do país, e portanto, quais seriam as suas principais prioridades. Para atender ao primeiro quesito é preciso fazer um diagnóstico correto da conjuntura, mas mantendo uma visão de médio e longo prazo, de maneira a construir uma estratégia adequada para enfrentar, de forma persistente e continuada, os principais problemas detectados.
Minha própria percepção sobre a situação atual do Brasil é, obviamente, a da mais grave crise jamais enfrentada pelo país no plano econômico, mas também a de uma crise ainda mais grave no plano moral. A segunda crise talvez seja muito pior do que a primeira, pois ela é mais insidiosa, permanente, e também mais subjetiva, sendo provavelmente derivada do estado mental da maioria dos membros da elite, o que a torna de muito mais difícil resolução.

A grave crise moral de que padece o Brasil
Esta profunda crise moral tem a ver não apenas com o mau funcionamento do sistema político, mas também, e principalmente, com a profunda corrupção e completa degradação dos costumes que todo o sistema da governança pública atravessa, uma situação de declínio ético que contaminou o país, que o intoxica, e que torna quase impossível a obtenção de algum consenso razoável em prol das grandes reformas estruturais de que o Brasil necessita para resolver a primeira crise, a econômica, e retomar níveis razoáveis de crescimento sustentado.
Não me perguntem como resolver essa profunda crise moral que nos atinge a todos, pois eu também não sei. Não basta dizer “Que se vayan todos!”, como fizeram os argentinos em 2001, porque isso não vai acontecer. Não ocorreu por lá, e não vai acontecer por aqui, mesmo que se processe uma renovação limitada do corpo político, que está, repito, profundamente podre, moralmente falando.
Esse problema tem a ver com o nosso velho patrimonialismo – sempre passando por novas formas, do velho patrimonialismo luso-colonial, estudado por Raymundo Faoro, conhecendo certa renovação no quadro dos regimes autoritários do Estado Novo e da ditadura militar, até o patrimonialismo de tipo gangster, na era lulopetista –, mas tem também a ver com vários outros “ismos” nefastos, alguns de extração mais recente, outros de existência permanente em nosso país: o nepotismo, o fisiologismo, o prebendalismo, o corporativismo, o sindicalismo exacerbado, o protecionismo comercial, o intervencionismo econômico, o nacionalismo rastaquera, o patriotismo de fachada, o dirigismo extremo de nossa burocracia atávica, o regulacionismo excessivo das mesmas corporações de ofício e, last but not the least, esse desenvolvimentismo ingênuo, que nos faz concentrar todas as alavancas do crescimento econômico nas mãos, nos pés, no estômago desse ogro famélico, insaciável e desastrado que se chama Estado brasileiro, a fonte segura da maior parte dos nossos males.
Ao colocar o Estado no centro dos nossos males, não me engano nem exagero. A despeito de o Estado ser, infelizmente, o eixo central de toda a nossa organização política e social, e também (e ainda mais infelizmente) econômica, ele é, para o bem e para o mal, a raiz, a fonte, o fulcro de todos os nossos problemas e preocupações. Não nos enganemos: o estado brasileiro atual é o verdadeiro inimigo da nação, de uma sociedade livre, de nossa prosperidade. 
O Estado brasileiro, que no passado foi um impulsionador do desenvolvimento nacional, tornou-se, nitidamente hoje, o principal obstrutor de um processo sustentado de crescimento econômico. Ele o é de diferentes formas: ao extrair, vorazmente, cerca de 2/5 de tudo o que a sociedade produz; ao cercear possibilidades de acumulação e de investimento privado, o que o faz ser também um obstáculo à transformação produtiva; por último, ele é o grande empecilho a um processo real de distribuição do (baixo) crescimento econômico, ao ser, de fato, um instrumento nas mãos de ricos e poderosos, inclusive dos mandarins do próprio Estado, concentrando renda e provocando um aumento contínuo, ou pelo menos a preservação, das desigualdades sociais. Volto a repetir: o Estado, tal como ele funciona hoje, ou como ele não funciona atualmente, é o principal inimigo da nação, e isso precisa ficar bastante claro para todos. 

Reduzir o peso do Estado
Ao dizer isso, não quero ingenuamente fazer uma profissão de fé anarquista, e proclamar a necessidade de destruir o Estado, para tornar a sociedade livre de todas as deformações, vícios, malefícios, deseconomias provocadas pelo Estado, por meio de suas corporações de ofício, por meio das instituições voltadas prioritariamente para si mesmas, por meio dos lobbies particularistas que atuam no, e em direção do Estado, em virtude de toda a promiscuidade mantida entre agentes políticos e corporativos, de um lado, e a classe dos capitalistas, dos industriais e dos banqueiros, de outro, que se apropriam, estes, do Estado, e de seus representantes, para fazê-los funcionar em benefício dos seus próprios interesses, um pouco como aquela imagem de um comitê político atuando em defesa dos negócios da burguesia, de que falava, num famoso manifesto, um antigo filósofo social alemão.
O Estado é, infelizmente, nas sociedades complexas e altamente burocratizadas nas quais vivemos hoje, com graus exacerbados de urbanização e de regulação intervencionista, o único instrumento de que dispomos para evitar a conhecida situação hobbesiana de luta de todos contra todos. Se ele é esse instrumento, não pode ser destruído, certo? Apenas parcialmente correto.
O que nos cabe fazer, em primeiro lugar, nas condições concretas do Brasil, é reduzir drasticamente o tamanho e do peso do Estado a proporções suportáveis pela população trabalhadora, os agentes econômicos primários de produção de riqueza e de criação de empregos, que são os empresários e os microempreendedores – até o nível de carroceiros e de pipoqueiros de esquina –, que são também os que alimentam e cobrem os privilégios de uma rica burocracia de Estado, ademais da classe política predatória e extratora, os equivalentes atuais da antiga aristocracia do Ancien Régime.
Reduzir o tamanho e o peso do Estado sobre a vida dos cidadãos, e sobre as atividades produtivas dos criadores primários de renda e riqueza, já é meio caminho andado para resolver o primeiro e mais grave problema econômico da nação, qual seja, o desequilíbrio dramático das contas públicas e a falência virtual da fiscalidade. Voltamos, portanto, ao primeiro problema apontado ao início deste texto: a grave crise fiscal de que padece o Brasil atualmente, fruto da Grande Destruição da era lulopetista, o mais grave atentado de que já padecemos, sem o perceber, desde a fundação da República. 
Pouca gente está disposta a admitir que o Brasil, de 2003 a 2016, foi vítima de, ainda que administrado por, uma organização criminosa travestida de partido político, que não apenas se revelou totalmente inepta no plano da governança, como também foi, e principalmente, exacerbadamente corrupta no plano dos negócios públicos. Sem reconhecer esta realidade, torna-se difícil propor um programa de reconstrução nacional e de refundação da própria República, que passa pela eliminação da vida pública desses quistos cancerosos do sistema político.

Como construir a governança?
Partindo desse pressuposto, uma primeira tarefa de uma governança responsável seria a de construir uma maioria de apoio ancorada na transparência em relação a um programa de governo declaradamente reformista, que afaste de vez a corrupção dos negócios públicos, como é a expressa vontade da imensa maioria da população. O governo deveria ser em parte político, em parte tecnocrático, pois seria impossível trabalhar sem especialistas, de um lado, e sem representantes dos partidos presentes no Congresso, de outro. 
A reforma política é algo absolutamente necessário, e o Executivo precisaria ter uma visão clara de como ela deve ser feita – reduzir a fragmentação, mudar o sistema eleitoral, cláusulas de barreira, fim dos fundos partidário e eleitoral –, mas também deve ter absoluta consciência de que essa reforma não será feita pelos próprios políticos e partidos, sem uma pressão decisiva por parte da cidadania consciente, o que obviamente será difícil de obter. O governo, então, deverá se concentrar nas reformas econômicas e em diversas outras reformas estruturais – previdenciária, trabalhista, educacional, etc. –, com total transparência sobre o que o Brasil precisa fazer para retomar o crescimento.
Na parte econômica, o restabelecimento do equilíbrio fiscal, a diminuição dos déficits orçamentários e do endividamento público, assim como um amplo programa de privatizações, são absolutamente necessários para que todos os demais objetivos reformistas sejam alcançados. O sentido geral das reformas deve ser o da abertura econômica, o da liberalização comercial – se preciso for unilateral –, amplas liberdades econômicas, com diminuição do regulacionismo intrusivo e uma profunda reforma fiscal no sentido da redução, sim, da redução da carga fiscal total. 
Como não parece haver entendimento preliminar, nem federativo, sobre o caráter dessa reforma, sobre a estrutura do novo sistema tributário, sobre a mudança na arquitetura e na composição da base fiscal – peso e repartição dos impostos, das taxas e contribuições, nos três níveis –, o que se propõe é um programa gradual e progressivo de redução paulatina de alguns pontos percentuais – pode ser meio por cento a cada ano – em cada uma das alíquotas ou valores aplicados em todos os componentes da atual base fiscal, digamos num espaço de cinco a dez anos, período no qual a sociedade e o parlamento engajariam uma discussão ponderada sobre a substância e o perfil da nova estrutura fiscal e tributária, condizente e compatível com as necessidades dos país. O sentido será sempre o da redução da carga sobre o investimento, sobre o trabalho e os lucros, com maior incidência sobre o consumo – mas desonerando os itens de consumo popular –, sobre o patrimônio e as rendas do capital. O Brasil precisa chegar a uma carga fiscal total não superior a 30% do PIB, que seria comensurável com sua atual renda per capita.
Outro aspecto essencial das reformas modernizantes é a privatização de todas – sublinho TODAS – as empresas estatais, que salvo raros casos têm servido principalmente de cofre e de cabide de empregos para políticos inescrupulosos, aqueles expropriadores e rentistas. Não existe nenhum motivo econômico, ou até político, para que grandes empesas públicas, em praticamente todas as áreas, inclusive os bancos estatais, continuem a funcionar sob a gestão ineficiente, e altamente comprometedora de sua higidez, do Estado. Mesmo bancos de “desenvolvimento” podem ser colocados parcialmente sob a responsabilidade de uma gestão pautada por critérios de mercado.
A política econômica externa e, portanto, a política externa igualmente podem ter como foco as mesmas prioridades de reformas estruturais já definidas para a tarefa de modernização doméstica, sendo que a política externa setorial é acessória ao, e em grande medida dependente do, imenso esforço de recuperação da nação, depois de quase duas décadas de descaminhos e contradições no processo de desenvolvimento nacional. 

Estas são as considerações genéricas que julgo serem importantes apresentar numa fase preliminar do debate em torno da reconstrução nacional. Argumentos mais específicos serão apresentados para políticas setoriais em terrenos seletivos. Apenas volto ao meu resumo habitual de políticas gerais para um processo de crescimento sustentado, com transformação produtiva e redistribuição de renda via mercados, antes que pela mão assistencialista sempre torta do Estado: macroeconomia estável – fiscal, monetária e cambial –, microeconomia competitiva, governança responsável e transparente, alta qualidade do capital humano e abertura ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros. Vale...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília-Lisboa, em voo; Aeroporto de Lisboa; Beja, 22 junho de 2018

ONU pretende monitorar eleicoes no Brasil: interferencia? (OESP)


Jamil Chade, Correspondente


GENEBRA - As eleições presidenciais no Brasil estão sendo alvo de um acompanhamento específico por parte das agências da Organização das Nações Unidas (ONU). O Estado apurou que a entidade decidiu fazer um monitoramento minucioso do que está ocorrendo no País, temendo que a principal democracia da América Latina possa ser afetada por um clima de tensão política inédito desde os anos 80.

Escritórios da ONU que lidam com política regional ou direitos humanos têm feito o acompanhamento com detalhes sobre a situação atual e cenários. A informação tem servido de base para permitir que a cúpula da organização em Nova York e em Genebra esteja atualizada sobre os acontecimentos e possa, eventualmente, reagir com declarações públicas.

O monitoramento não significa qualquer tipo de envio de missão internacional ou dúvidas sobre o processo eleitoral por parte da entidade. 

Fontes do alto escalão da ONU indicaram à reportagem que dois temas principais estão sendo monitorados: incidentes de violência e tensão durante o processo eleitoral e o impacto que o resultado pode ter em termos geopolíticos no hemisfério Ocidental, já chacoalhado depois da chegada de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos.

Considerado como "estratégico", o Brasil havia voltado ao radar internacional desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Naquele momento, Ban Ki Moon, o então secretário-geral da ONU, pediu "serenidade a todos os lados" envolvidos na crise política, justamente temendo uma instabilidade social no País.

Em 2016, a diplomacia brasileira colocou em operação uma estratégia para garantir que, em qualquer fórum internacional, a versão oficial sobre o impeachment fosse transmitida. A mensagem era de que o processo tinha seguido todos os passos constitucionais, que o Supremo Tribunal Federal havia realizado o acompanhamento do caso e que o Congresso havia votado. A ordem era passar a ideia de uma “normalidade institucional” e garantir que o estado de Direito não havia sido abalado.

O envolvimento da ONU acabou se intensificando diante do processo que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso pela Operação Lava Jato, levou ao Comitê de Direitos Humanos da entidade. O caso será concluído apenas em 2019, mas obrigou o governo brasileiro a dar respostas aos peritos que, por sua vez, passaram a acompanhar de perto os trabalhos do Judiciário.

Recentemente, foi a vez do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU reagir diante da crescente popularidade do candidato à Presidência pelo PSL, Jair Bolsonaro. Em agosto, o então chefe do escritório da ONU, Zeid al Hussein, qualificou o discurso do candidato de “um perigo” para certas parcelas da população no curto prazo e para o “País todo” no longo prazo. Ele foi substituído logo depois pela chilena Michelle Bachelet, que, por enquanto, não se pronunciou publicamente sobre as eleições brasileiras.

Bolsonaro chegou a mencionar que, se eleito, o Brasil deixaria o Conselho de Direitos Humanos da ONU, recuando dias depois. “Não serve para nada essa instituição”, disse Bolsonaro. Em julho, durante entrevista no programa Roda Viva, Bolsonaro ainda defendeu a ditadura militar (1964-1985) e disse que, se eleito, não vai abrir os arquivos do regime. “Não houve golpe militar em 1964. Quem declarou vago o cargo do presidente na época foi o Parlamento. Era a regra em vigor”, disse.

Tensão - Uma eventual vitória do PT também tem sido acompanhada de perto pela ONU, que teme o acirramento das tensões e resultados que possam ser questionados.

A violência durante a campanha, que resultou inclusive no atentado a faca contra Bolsonaro, foi considerada como sinal de alerta sobre possíveis cenários de tensão. Em comunicado, o Escritório para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) condenou o ataque e “observou o crescimento das tensões nas últimas eleições em países da América Latina e manifestou preocupação com os casos de ameaças contra candidatos concorrendo a cargos nos poderes Executivo e Legislativo no Brasil”. O Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos apelou ao “diálogo”.

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

O poder do Itamaraty: o conhecimento como base - Paulo Roberto de Almeida

Alguns meses atrás, sempre armado de minhas cadernetas Moleskine, indo e voltando de uma aula magna na UFPB, eu traçava no avião algumas notas sobre a corporação que é a minha, desde algumas décadas. Eis o que escrevi no voo de ida e de volta, sendo que antes transcrevo a ficha do trabalho: 


3277. “O poder do Itamaraty: o conhecimento como base”, Em voo, Brasília-João Pessoa-Brasília, 28-29 maio 2018, 6 p. Comentários sobre a agenda de reformas do Brasil e suas implicações para a política externa e para o Itamaraty. Inédito. 


O poder do Itamaraty: o conhecimento como base

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: comentários sobre as reformas no Brasil; finalidade: papel do Itamaraty]

Introdução
O Itamaraty não tem muito poder, ou quase nenhum. Poucos políticos miram o seu comando, uma vez que ele não dá votos, talvez apenas um pouco de prestígio para quem não deseja maiores cargos na trajetória política. Ele tampouco possui, longe disso, alguma força própria no sentido estrito, poder de polícia, de defesa ou de ataque, nada. Ele não tem, obviamente, nenhum poder econômico ou financeiro: dispondo de menos de 0,5% do orçamento geral do executivo, ele não pode sequer pensar em lançar grandes projetos por sua própria iniciativa, pois sem prévia aprovação das autoridades econômicas, necessitando ainda do empenho pessoal do presidente, nada pode fazer, uma vez que a burocracia do setor podaria qualquer aumento de despesa. Em outros termos, trata-se de um ministério fraco, desprovido de meios, de recursos, dispondo, apenas e tão somente, de algum controle sobre as informações que processa, a partir de suas antenas, que são os postos no exterior, aliás, considerados em número excessivo por essas mesmas autoridades.
O único poder de que dispõe o Itamaraty, mas que pode ser a sua força moral, é a arma do conhecimento, ainda que não se tenha certeza de que ele faça bom uso desse recurso valiosíssimo. A presente nota, de caráter subjetivo, pretende discutir o poder do conhecimento no plano mais amplo das políticas públicas em geral, com referência ao papel subsidiário do Itamaraty no processo de reformas de que carece o Brasil.

O que faz o Itamaraty?
A linguagem, o discurso, as negociações em torno de acordos, o entendimento recíproco no plano bilateral, a participação plena no contexto multilateral, constituem as principais ferramentas de trabalho do Itamaraty, ao longo de toda a sua história e no futuro previsível. Mas todos esses instrumentos representam apenas meios, e não seriam de grande ajuda no plano substantivo, se eles não estivessem apoiados, se não fossem embasados num conhecimento profundo do que é o Brasil e do que é o mundo, e de como evoluem e se relacionam essas duas entidades políticas desiguais, sobre como fazê-las interagir ao melhor dos modos possíveis, de maneira a lograr com que o Itamaraty possa contribuir de modo decisivo para que se alcance a grande obsessão nacional desde largo tempo: o desenvolvimento. Este representa bem mais do que o simples crescimento econômico: sociedade próspera, democracia estável e inclusiva, economia dinâmica, tecnologia avançada, sociedade relativamente igualitária, ou pouco desigual, respeitadora dos direitos humanos, uma nação integrada nos seus vários componentes étnicos, culturais, religiosos, respeitadora das diferenças e dos direitos das minorias e, sobretudo e principalmente, um Estado de Direito.
Alcançar o status de país desenvolvido tem sido o objetivo maior da sociedade brasileira desde sempre, como parece natural. Mas é forçoso reconhecer que nossas elites – todas elas, inclusive a corporação dos diplomatas – têm fracassado nessa meta nacional. Digo isto com certo constrangimento, pois parece que também pertenço a essas elites que fracassaram no atingimento do grande objetivo nacional, embora eu talvez possa me atribuir certa isenção de culpa. Nunca me julguei pertencer a qualquer tipo de elite, exceto, talvez, à elite do conhecimento, justamente. Sendo originário de uma família extremamente modesta, eu ascendi a essa elite social de renda e prestígio exclusivamente pela via do trabalho e da educação, isto é, por meio do conhecimento.
Se existe algum sentido mais elevado no trabalho amplamente burocrático de que nos ocupamos na maior parte do tempo ele deveria estar, precisamente, na produção de conhecimento especializado e instrumental, não apenas na busca, processamento e organização de conhecimento produzido não por diplomatas, mas por outras categorias de trabalhadores não manuais, os “trabalhadores intelectuais”. Pois bem, como se produz conhecimento original? Como fazer aportes inéditos, novos insumos ao trabalho diplomático, trazidos afanosamente para processamento na Secretaria de Estado ou comunicado a postos no exterior, que não seja a mera transmissão de conhecimento produzido alhures, nos meios de comunicação, nos informes e relatórios de organismos internacionais, nas consultas e expedientes de outros governos, nas comunicações de interlocutores, do país e do exterior?

AC e DC na diplomacia
A produção de conhecimento, da mesma forma como a de qualquer outro insumo ou mercadoria, requer agregação de valor pela via da mobilização de fatores produtivos. No caso dos diplomatas, trata-se de produzir conhecimento especializado e adaptado aos requerimentos do serviço exterior da nação. A finalidade última é, obviamente, a de subsidiar a política externa definida pelo governo: no caso dos regimes presidencialistas, aquela definida pelo presidente, auxiliado por seu ministro das relações exteriores; no caso dos regimes parlamentaristas, o presidente do Conselho, ou o primeiro ministro, e o seu auxiliar setorial. 
A diplomacia profissional, ao subsidiar esses executivos na política externa, não só deve trazer-lhes as informações mais acuradas sobre as relações exteriores do país, sobre a política internacional e a economia mundial, como também produzir guias de ação para os itens mais relevantes da agenda de política externa desse país. Isso significa, muitas vezes, libertar-se das amarras do passado e inovar, num sentido que por vezes não é bem percebido pelos próprios diplomatas, acostumados que eles estão, como sempre foram, a seguir as ordens vinda de cima, que cumprem disciplinadamente, mesmo quando o senso comum pode revelar o contrário do que lhes é ordenado.
Tomemos, por exemplo, o caso da política externa brasileira que nos foi servida diligentemente nos últimos quinze anos, e talvez até um pouco mais, essa diplomacia que já foi classificada de “ativa e altiva”, mas que, salvo na superfície – como o término do apoio a ditaduras execráveis, na região e fora dela –, não mudou significativamente, talvez alguma coisa na forma e quase nada no conteúdo. Ora, o que faz o Itamaraty, o que faz a diplomacia brasileira, que não produz conhecimento novo sobre a política externa, para servir a um novo governo, animado por outros princípios? O que fazem todos os diplomatas profissionais que continuam disciplinadamente obedecendo aos mesmos padrões de política externa, sem questionar nada do que aconteceu na cronologia política desse período? Eu o divido, como na historiografia cristã, em duas eras bem definidas, uma AC e outra DC: Antes dos Companheiros e Depois dos Companheiros. O que fazem os diplomatas que não elaboram novos conceitos para a política externa brasileira, para subsidiar o presidente e o seu ministro da área?

Os novos conceitos da diplomacia: seria ela meramente acessória?
Por novos conceitos eu quero me referir, não a uma versão diferente da diplomacia “ativa e altiva”, de tão triste memória (em minha opinião), mas a uma diplomacia da inserção global do Brasil, como aparentemente estamos tentando fazer, com o ingresso pleno no Clube de Paris e a demanda de adesão à OCDE. Considero essas duas iniciativas não como um fim em si mesmo, mas como mero meio para implementar uma política externa de abertura realista, um regionalismo sensato – não aqueles arreganhos de liderança regional de que se jactava o Guia Genial dos Povos –, a continuidade da prática de um multilateralismo ponderado, focado em objetivos pragmáticos, não estrepitoso ou voluntarista, visando definir e estabelecer parcerias estratégicas no estrito limite dos interesses nacionais, não determinadas a priori por uma postura ideológica canhestra e anacrônica, caracterizada por um anti-imperialismo infantil e um anti-hegemonismo de fancaria. O que se visa é uma política externa podendo servir ao Brasil numa fase de transição para um outro tipo de política geral de governo, que será a do país nos próximos anos. 
Por que digo isto? Porque vejo o Brasil como um país notoriamente fracassado em atingir o seu objetivo básico de desenvolvimento integrado, ou seja, com igualdade social. Vejo um país frustrado com os retrocessos que lhe foram impostos por uma política econômica esquizofrênica, não apenas inepta, no sentido operacional do termo, mas especialmente corrupta até a raiz dos cabelos, se é possível dizer. Tratou-se de uma administração econômica que nos levou à Grande Destruição a que eu já me referi em outros trabalhos. Não tenho nenhuma dúvida de que o Brasil é um país derrotado por suas próprias elites, irresponsáveis, patrimonialistas, prebendalistas, incompetentes e singularmente corruptas, fenômenos tradicionais desde sempre, mas que se agravaram a partir do momento em que uma organização criminosa tomou de assalto o Brasil. 
Estabelecer novos conceitos para uma nova política externa significa, antes de mais nada, reconhecer essa realidade, a de um país fracassado, deteriorado em suas instituições, fragmentado e dividido pela ação criminosa e irresponsável daqueles que insistem em dividi-lo ainda mais, com suas propostas deletérias, equivocadas, enfim, anacrônicas do ponto de vista de um país que pretende se inserir na moderna economia global. Significa também reconhecer que a política externa é meramente acessória, secundária, não determinante na solução dos principais problemas que afligem o Brasil atualmente. Mas, o que é determinante no Brasil atual?
Para mim, trata-se de considerar a questão social como uma questão nacional, a prioridade das prioridades, a única que deveria mobilizar nossas energias de mandarins da República, de altos burocratas, de membros de uma elite privilegiada, que não quer ver-se dessa maneira. E qual é a tarefa básica nessa missão de fazer da questão social a mais alta prioridade da nação?
Parece-me, sem sombra de dúvida, que é o ajuste fiscal. Sem tergiversações, eu diria que esse ajuste deve sim ser feito com austeridade, a mais completa e corajosa austeridade. Não aquela que atingiria os mais pobres, mas a que precisa, desta vez, atingir os mais ricos. Os mais ricos somos nós, não necessariamente os diplomatas, mas os membros da magistratura, os da mais alta cúpula do Estado, os políticos em geral, os mandarins dos três poderes, nos três níveis da federação e os seus associados de carreira ou de circunstância. O ajuste fiscal deve figurar como tarefa básica no contexto da austeridade geral, e esta atingir primeiro o Estado, antes que a sociedade produtiva, os empresários e os trabalhadores, que são os que criam riqueza, renda, empregos. O Brasil precisa empreender um processo vigoroso, continuado, persistente, de reformas estruturais profundas, em todos os setores de sua vida pública, a começar pela Constituição, esse monstro metafísico notoriamente esquizofrênico em seus capítulos econômicos e sociais.
Essas reformas não devem incidir apenas e tão somente sobre aspectos deletérios, iníquos e irracionais de nossa presente organização institucional, como o sistema previdenciário e o assistencialista, a legislação laboral, as políticas setoriais protecionistas e subvencionistas (como na indústria e na agricultura). Elas devem se concentrar, sobretudo e principalmente, no peso do Estado na vida pública, na enorme e opressora carga fiscal, que atinge todos os brasileiros, especialmente os do setor produtivo, e inclusive os mandarins do Estado, que vivem dos recursos extraídos dos verdadeiros criadores de riqueza. Deve-se desde já revisar e eliminar do jargão corrente um conceito totalmente errado, o tal de “custo Brasil”, que só redunda em atribuir genericamente a culpa de nossas mazelas a todo o país, de maneira vaga. Não existe “custo Brasil”. O que existe é o custo do Estado brasileiro, que pesa como uma canga sobre os ombros dos brasileiros produtivos.
Caberia também empreender uma revolução educacional, que não é apenas uma reforma dos sistemas educativos, nos seus vários níveis, do pré-primário ao pós-doc, esse turismo de luxo para os detentores de sinecuras acadêmicas. A reforma da educação, na verdade, exigiria uma verdadeira revolução mental, mudança para a qual a maioria dos brasileiros não está provavelmente preparada para aceitar e empreender. O analfabetismo funcional atinge, ao que parece, os mais altos níveis da educação formal: os brasileiros, já se constatou, exibem uma enorme dificuldade para aceitar a simples lei da oferta e da procura, a coisa mais elementar que existe em economia, equivalente à lei da gravidade para a física.

A produção de conhecimento para uma nova política externa
A reforma da política externa não estaria imune a esse processo de revisão geral das políticas públicas, a começar pela revisão dos conceitos nos quais ela se tem apoiado nas últimas décadas. Isso passa, obviamente, por uma reforma dos métodos de trabalho do Itamaraty, mas não se resume a esse aspecto operacional. Essa reforma da política externa passa também por uma revolução mental, que nos liberte de certas suposições do passado recente e nos coloque num outro patamar de formulação e de execução da diplomacia profissional. Se as palavras máximas da nova política externa de inserção plena do Brasil na economia global são abertura econômica e liberalização comercial, então a diplomacia profissional precisa se preparar para suas novas tarefas.
Já indiquei, em trabalho recente sobre as relações econômicas internacionais do Brasil (em capítulo no livro de Jaime Pinsky, Brasil: o futuro que queremos, São Paulo: Contexto, 2018), os principais elementos que me parecem dignos de integrar uma nova agenda para as relações exteriores do país. Uma formulação paralela dos objetivos estratégicos do Brasil, em linha com esses objetivos e os princípios aqui traçados, encontra-se em curso de elaboração, em texto independente.
Se existe algum poder no, ou do, Itamaraty, esse poder está em sua capacidade, em nossa capacidade, de adaptar a política externa às necessidades mais prementes do país. Os diplomatas profissionais não devem ser mandarins desligados das carências mais sentidas pelos concidadãos mais humildes. Ou melhor: eles são mandarins, mas nem por isso devem se sentir, ou se julgar alheios aos problemas internos do país. A força moral do Itamaraty consiste em usar todo o poder derivado do seu conhecimento especializado para, como já disse alguém, transpor possibilidades externas ao terreno das capacidades internas. Para isso, o mero conhecimento das realidades externas talvez não seja suficiente; um profundo conhecimento do que é o Brasil, de sua história e de sua presente fase de transição, de seus problemas cruciais e dos remédios a eles associados, representa não apenas uma agregação de valor à diplomacia profissional, mas a condição necessária para a expressão de um poder próprio.

Paulo Roberto de Almeida
Em voo: Brasília, João Pessoa, Brasília, 28-29 de maio de 2018


Balanco e trajetoria futura das relacoes internacionais do Brasil - Paulo Roberto de Almeida

Uma reflexão anterior, não publicada, mas que talvez mereça alguma atenção no momento presente, de indefinições eleitorais.
Já tenho alguma ideia do que pode ser feito (ou não) no plano externo).
Paulo Roberto de Almeid
Brasília, 4 de outubro de 2018

Balanço e trajetória futura das relações internacionais do Brasil

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de abril de 2018
 [Objetivo: análise da situação presente, temas em curso; finalidade: debate]


Introdução
O conceito de relações internacionais, no presente ensaio, compreende tanto uma breve análise do quadro global, do contexto regional, e das diferentes vertentes do enquadramento do Brasil nesses ambientes, quanto uma avaliação sumária de sua política externa no período recente e da atuação de sua diplomacia, complementando esta síntese por um enunciado resumido das diferentes frentes de trabalho abertas ao país, a cargo dos responsáveis políticos e dos profissionais das relações exteriores.

1. O quadro global
A ordem mundial caracterizada pela existência da ONU e de grandes potências autônomas, capazes de influenciar a agenda multilateral, se desenvolve entre as regras do direito internacional e a ação política dos atores mais influentes, com coalizões diversas atuando em diferentes frentes de trabalho, tais como: paz e segurança, comércio mundial e finanças internacionais, blocos regionais e esquemas de integração, desequilíbrios estruturais e permanência de situações de instabilidade política, insuficiência de desenvolvimento e de níveis adequados de prosperidade em largas porções do planeta, desafios comuns advindos de sustentabilidade não garantida, criminalidade e violência em diferentes ambientes interestatais, fragilidades dos regimes democráticos, não observância dos direitos humanos ou sua violação sistemática, etc.
O Brasil se situa nesse quadro como uma potência média, dotada de recursos e fatores produtivos relativamente amplos, mas fragilizado nos últimos anos pela mais grave crise econômica de sua história, provocado inteiramente no âmbito interno, por erros graves de política econômica e extenso quadro de corrupção no próprio seio do poder central, o que diminuiu o ímpeto de sua ação diplomática, sempre muito ativa nas diferentes frentes de trabalho abertas aos profissionais de seu serviço exterior. A recuperação vem se fazendo de forma lenta, porém segura, o que deve garantir, no próximo mandato presidencial, a retomada de dinamismo habitual.
Sua diplomacia sempre se guiou por valores e princípios solidificados ao longo da história, na defesa da igualdade soberana das nações, mas reconhecendo de forma realista as diferenças de poder e de influência nos diferentes processos decisórios nos diversos órgãos da interdependência global contemporânea. Sempre partidário do diálogo e da busca de consenso por meios pacíficos, sua capacidade de projeção em cenários de exercício de poder é relativamente limitada em razão de carência de recursos apropriados para suas Forças Armadas, estritamente limitadas ao desempenho de suas funções constitucionais e alinhadas com sua diplomacia no plano externo. 
A pequena limitação do “domínio de competência exclusiva” nos assuntos internos de cada Estado membro da ONU representada pelo conceito de “responsabilidade de proteger” suscitou a proposta feita pela diplomacia brasileira de “responsabilidade ao proteger”, mas ambiguidades na aplicação dos dois conceitos devem persistir no futuro previsível. Não é seguro que a aparente multipolaridade atual, com o declínio relativo de velhos poderes imperiais e a ascensão de novas potências emergentes, favoreça um ambiente favorável a um multilateralismo ordenado; pode criar novas fontes de tensão, resultantes dessas alterações nas capacidades decisórias. 
Do ponto de vista de sua segurança, não parecem existir ameaças reais ou potenciais que exijam postura ativa de sua defesa, e menos ainda um ambiente regional que requeira uma atitude ofensiva, mas a persistência de tensões localizadas e de conflitos efetivos em diferentes cenários confirma a necessidade de preparação adequada de suas FFAA, sobretudo no quadro de operações multilaterais legalmente autorizadas no quadro do direito internacional e do órgão de segurança da ONU. A proliferação de atores não estatais dotados de certa capacidade destrutiva implica, todavia, inovações doutrinais e adaptação nas ferramentas necessárias a esses novos desafios, sobretudo no campo da criminalidade transnacional. 
O ambiente econômico internacional se apresenta como quase completamente liberado dos modelos alternativos à economia de mercado, mas o recrudescimento de posturas nacionalistas e mercantilistas e de desequilíbrios derivados de contas fiscais deficitárias em grande número de países não poupa o mundo da possibilidade de novas crises financeiras. A demagogia política e o populismo econômico, inclusive por parte de economias dominantes, também podem contribuir para o arrefecimento da construção de uma ordem econômica internacional verdadeiramente interdependente. O Brasil, reconhecidamente, é um país dotado de instintos nacionalistas exacerbados, sendo notoriamente fechado a essa interdependência global, ficando bem mais próximo de uma postura protecionista e mercantilista do que de uma postura propensa à abertura econômica e à liberalização comercial. Sua baixíssima integração a cadeias de valor não augura progressos significativos nessa frente, que demandaria aumentos significativos de produtividade, exatamente dependente dessa maior abertura e da redução da proteção efetiva à produção doméstica, acoplada à melhoria dos padrões de inovação tecnológica.

2. O quadro regional
O ambiente geral é desprovido de maiores focos de tensão, embora persistam fricções localizadas em alguns cenários interestatais – Bolívia-Chile, Venezuela-Guiana – ou mesmo internos: guerrilhas residuais, erosão política e “exportação” populacional de crises (Venezuela). O continente sul-americano permanece marcado por amplo quadro de pobreza, a despeito dos progressos realizados, desigualdades persistentes e enormes bolsões de corrupção, quando esta não se encontra incrustrada no próprio seio do poder (como no caso brasileiro a partir de 2003). A América Latina, de modo geral, apenas acompanhou a evolução da economia global, sem grandes avanços estruturais, uma vez que permanece basicamente exportadora de commodities, a despeito do vigor (não isento de retrocessos) dos processos de industrialização. Ela perdeu espaços de forma consistente para a região da Ásia Pacifico nos grandes fluxos de comércio e de atração de investimentos, e não parece pronta a alterar significativamente seus padrões de inserção global, com a exceção de algumas economias adeptas de uma postura globalizante. A Aliança do Pacífico é notoriamente mais aberta que o Mercosul.
Os diferentes experimentos de integração serviram para abrir reciprocamente economias nacionais anteriormente introvertidas ou extrovertidas unicamente em direção dos mercados mais avançados, mas não conseguiram consolidar um espaço econômico verdadeiramente integrado ou dotado de um quadro regulatório uniforme e aberto a uma maior complementaridade entre setores. A cartografia desses vínculos é notoriamente inferior às cadeias de valor existentes em outras regiões, o que se explica essencialmente pela ausência de uniformização nos mecanismos de acesso a mercados e sobretudo pelas enormes diferenças de padrões regulatórios, mais até do que pela existência de barreiras físicas ou as dificuldades de comunicações. 
No plano político, a retórica continua suplantando largamente o pragmatismo necessário ao aprofundamento dos laços inter-regionais, inclusive no Brasil, que se tem revelado tímido em sua própria abertura aos vizinhos, como autorizaria sua economia mais avançada e sua produtividade relativamente mais robusta. Sua diplomacia, entre 2003 e 2016, foi errática ou excessivamente contaminada por influências partidárias claramente enviesadas no plano político e ideológico, o que claramente lhe retirou algumas alavancas para exercer certa preeminência consensual em iniciativas que poderiam ter impulsionado o processo de integração ou de convergência para ações e políticas mais conformes à globalização e à interdependência global. A “exportação” de corrupção, no mesmo período, também deixou uma marca negativa na projeção do Brasil, na região e fora dela. Uma completa normalização de sua ação externa parece depender da instalação de novo governo em 2019, assim como de claras orientações de política externa que caminhem no sentido da integração regional e da inserção global. 
Caberia, a propósito, uma revisão ponderada dos diferentes mecanismos de coordenação política criados na esfera regional durante aquele período, vários deles marcados ou contaminados pela mesma visão enviesada que caracterizou a diplomacia brasileira em outras esferas, bem como o reexame de algumas “parcerias estratégicas”, mais definidas em função dos mesmos critérios puramente políticos do que com base nos reais interesses nacionais. Por fim, os mecanismos de financiamento a projetos no exterior padeceram das mesmas deformações, o que criou uma exposição excessiva dos recursos nacionais a iniciativas dotadas de poucas garantias efetivas de repagamento, o que também pode ser explicado pelas simpatias políticas do regime anterior. 

3. Uma agenda de reformas e de modernização
O Brasil continuará padecendo, no futuro imediato, de uma enorme crise fiscal criada pelo regime anterior, que limitará de alguma forma tanto iniciativas localizadas ou multilaterais de projeção de seus interesses quanto seu engajamento decisivo nos processos de interdependência global (que requerem abertura econômica e liberalização comercial). As soluções são praticamente todas de âmbito interno, ainda que a sua diplomacia profissional possa contribuir para a definição e a implementação de toda uma série de reformas internas já suficientemente diagnosticadas e prescritas em vários relatórios de entidades multilaterais ou foros globais. Documentos como o “Fazendo Negócios” do Banco Mundial, os relatórios de competitividade do World Economic Forum, as evidências eloquentes de análises como as inseridas nos estudos “Economic Freedom of the World”, assim como avaliações tecnicamente embasadas de órgãos como a OCDE ou mesmo de instituições nacionais (Ipea, FGV, SAE-PR) representam um manancial completo de “terapêutica e cura” da maior parte dos males nacionais. 
A diplomacia econômica brasileira pode e deve contribuir no e ao necessário processo de modernização econômica do país, trazendo evidências quanto à eficácia de uma série de reformas já efetuadas em outros contextos, mas dotadas do mesmo sentido de abertura resoluta à interdependência global. O fortalecimento da economia nacional, assim como a correção das deformações mais evidentes em seu ambiente regulatório – sobretudo na esfera tributária, no excesso de burocracia, no nacionalismo exacerbado – devem poder assegurar ao Brasil um retorno mais efetivo às iniciativas e à participação efetiva na agenda internacional de que é capaz sua diplomacia profissional. A nova postura necessita de meios adequados à projeção dos interesses brasileiros, não apenas na cooperação com países em desenvolvimento, mas basicamente na aceitação decidida de novos compromissos no plano da interdependência, o que de toda forma emergirá naturalmente a partir da aceitação não defensiva de padrões superiores de qualidade nas políticas macroeconômicas e setoriais, a partir do ingresso pleno do país na OCDE.
Essa interface econômica não representa todos os componentes já presentes na agenda multilateral – global e regional – e nos diferentes outros compromissos já inscritos na ordem do dia da diplomacia brasileira, derivados de suas parcerias já consolidadas ou a serem criadas a partir dessa nova postura engajada. Existem muitos outros itens no multilateralismo político – sobretudo paz e segurança internacionais –, nos foros econômicos, no plano bilateral ou de foros específicos que vão continuar a exigir recursos humanos e financeiros, ademais de uma visão clara das prioridades externas, todos eles amplamente cobertos pela diplomacia profissional. Mas esse lado de reformas econômicas e de modernização da agenda nacional representa a condição sine quaoutros objetivos políticos e diplomáticos não poderão ser alcançados. A nova política externa do Brasil deveria dar clara prioridade aos capítulos mais importantes de sua diplomacia econômica. Esta é a direção dos próximos anos.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de abril de 2018


O que Gibbon tem a ver com o Brasil? Entramos em declínio? - Paulo Roberto de Almeida

Reflexão histórica sobre o declínio de certas sociedades (seria o caso do Brasil?)

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 24 de fevereiro de 2018
 [Objetivo: refletir sobre a decadência brasileira; finalidade: debate político]


Estou lendo, em formato Kindle, uma das versões abreviadas da imensa obra de Edward Gibbon: The Decline and Fall of the Roman Empire (edited and abridged, and with a critical Foreword by Hans-Friedrich Mueller; Introduction by Daniel J. Boorstin; illustrations by Giovanni Battista Piranesi; New York: The Modern Library, 2003). Trata-se de uma excelente edição, com uma apresentação de Daniel Boorstin, o grande historiador americano que foi “Librarian” entre os anos 1975 e 1987 — ou seja, o diretor da Library of Congress, que é uma espécie de ministro da cultura americano — e com uma introdução crítica pelo especialista em Gibbon, Hans-Friedrich Mueller, professor no Union College, em Schenectady, New York. 
Como sempre, cada vez que leio uma obra clássica, fico pensando em como, em quê, em quais condições, analógicas ou de similaridade, as opiniões e argumentos que leio nesses livros poderiam encontrar alguma aplicação nos tempos que correm, e especificamente em relação ao Brasil. Dessas leituras posso eventualmente extrair algumas ideias para a minha série de “clássicos revisitados”, que é composta por uma nova versão, ou seja, uma reescritura, da obra em questão para a nossa época, sempre quando possível aplicada ao Brasil. Já fiz isso com Marx (Manifesto), Maquiavel (O Príncipe), Benjamin Constant (De la liberté chez les Anciens...), Tocqueville (De la démocratie en Amérique), parcialmente com Sun Tzu (A Arte da Guerra), e pretendo continuar fazendo com outras “vítimas” de minhas releituras enviesadas.
Mas, o “abreviador” Hans-Friedrich Mueller termina sua erudita introdução da obra monumental do historiador inglês do século 18 notando que este não especula sobre os fatos históricos tal como efetivamente acontecidos — como diria mais tarde o alemão Ranke — e não constrói versões alternativas ao declínio e queda do império romano (do Ocidente e, 900 anos mais tarde, do Oriente). Mas ele próprio, Mueller, se permite especular se tudo não poderia ter acontecido de outra forma, a partir de sua visão de americano moderno, ou seja, não mais o súdito de um império monárquico (mas liberal democrático), como Gibbon, mas o cidadão de uma república imperial (e certamente liberal e democrática, ainda que dominadora e arrogantemente hegemônica), como é o caso dos EUA.
Transcrevo o que escreve Muller ao final dessa introdução crítica:
After the fact, History is, to be sure, fait accompli. Gibbon did not indulge in the composition of speculative and alternative histories, but for those interested in lessons or instruction, we might nevertheless ask: ‘What if, instead of vesting all powers in the hands of an incredibly corrupt and rapacious upper class, the Roman republic had developed a voting system that allowed representation of all its citizens and dependents? Would military dictatorship have been inevitable?’ These are questions that cannot be answered. The Roman republic never overcame the corruption that set in after its armies achieved military supremacy over the Mediterranean world (the ‘entire’ world to their limited geographical horizons. The answer to the crisis of Rome’s corrupted imperial republic was military dictatorship. (…) The story of the Roman empire offers instructive lessons: oppressive taxes for the sake of a despotic military establishment, tyrannical government, religious bigotry, endless warfare, and, finally, collapse. Let us hope (and pray) that we read not a blueprint but a salutary warning in Gibbon’s immortal and pleasurably instructive pages.
[final do “Critical Foreword”de Hans-Friedrich Mueller; loc 548-9 of 21896]

O caso é clássico, e pode ter acontecido o mesmo com o império britânico — ao qual pertencia Gibbon — e pode estar acontecendo agora com o próprio império americano, como pode acontecer no futuro com o atual império chinês em construção (ou reconstrução) sob o domínio dos novos mandarins comunistas.
E qual é a lição dessas possíveis trajetórias concordantes, similares ou convergentes?
Todos os grandes impérios, ao cabo de uma trajetória de relativo sucesso inicial, acabam se excedendo e ignorando as peculiaridades e necessidades de suas “províncias“: depois de completada a dominação militar e do estabelecimento de certa ordem jurídica e material, ou seja, uma paz temporária, acabam ocorrendo impostos excessivos, extorsão, corrupção e, eventualmente, tirania política. Abre-se, então, um período de declínio e de queda, como analisou Edward Gibbon a partir da longuíssima trajetória histórica do império romano.

Mas esta minha reflexão crítica, do ponto de vista de um cidadão brasileiro do início do século 21 — talvez não exatamente um cidadão, mas o “súdito” de um Estado “imperial” extorsivo, corrupto e ineficiente —, não se dirige a qualquer império brasileiro em construção, ou já em decadência, mas à nossa nação (ou sociedade), tal como existente, agora, ao início de 2018, num momento de crise, de transição, de duros ajustes tentativos depois de uma experiência desastrosa de 13 anos sob a dominação de companheiros ineptos e corruptos, antes de mais um exercício eleitoral que pode nos levar a uma fase de “renascimento”, ou, ao contrário, a mais declínio, mais decadência, à continuidade da corrupção, da violência generalizada e da perda completa do sentido de nação.
Seria esse o nosso destino atual? Ou a nossa trajetória inevitável?
Estaríamos condenados a continuar decaindo, em face da ausência completa de estadistas capazes de nos levar à retomada de um processo sustentado de crescimento econômico, em face de um Congresso reiteradamente fragmentado, entregue a uma pletora de partidos não representativos, a velhos caciques patrimonialistas, a sindicalistas rústicos, a evangélicos ignorantes (mas rapaces), dominados que somos por um Estado omnipresente, administrado por corporações de ofício focadas em seus próprios interesses pecuniários, servido “legalmente” por uma classe imensa de mandarins do Judiciário interessados apenas em defender seus privilégios inaceitáveis, um Estado que oprime despudoradamente os verdadeiros criadores de riqueza, os empresários industriais e agrícolas, os administradores de serviços comerciais e uma imensa maioria de trabalhadores extorquidos por impostos abusivos e serviços públicos deploráveis? 
Este seria a trajetória de “declínio e queda” do Brasil atual?
Pode ser, a julgar pelo que vemos todos os dias, pelo que assistimos nos canais de informação — notícias invariavelmente dominadas pela violência contínua, pelas desigualdades gritantes, pela corrupção e pela ineficiência estatal — e pelo que contemplamos pessoalmente no trânsito, no trabalho, nos shopping e supermercados.
Seria esse o nosso destino?
Gostaria de crer que não, mas confesso que as contínuas “novidades” negativas — na frente das investigações de corrupção da parte dos mais altos dirigentes da nação e também por altos magistrados, igualmente corruptos e politicamente motivados — me fazem pensar que sim.
Como o grande intelectual francês Raymond Aron — com o qual não pretendo me comparar —, minha atitude básica, nesta fase da vida nacional, é a de exibir um pessimismo ativo, no quadro do qual não mantenho muitas ilusões quanto à capacidade dos homens públicos brasileiros de encontrarem, racionalmente, o melhor caminho para a reconstrução do Brasil, mas ainda assim me resta algum resquício de esperança de que isso seja um dia possível. Continuarei sendo o mesmo espectador engajado que sempre fui ao longo de meio século de leituras, reflexões e escritos, sem qualquer aspiração a uma impossível (e indesejada) carreira política, apenas animado pelo desejo de perseguir a mesma função pedagógica ou didática que tem sido a minha nessa longa trajetória de uma vida adulta feita basicamente de livros, viagens e observações sobre o Brasil e o mundo.
Os próximos meses, talvez anos, em direção do segundo centenário de nossa vida como Estado independente, nos dirão o que esperar de uma sociedade, de uma nação que parecem permanentemente em construção.
Estarei atento ao que nos reserva o futuro, e talvez até mesmo possa, quem sabe?, participar um pouco, modestamente, dessa construção...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 24 de fevereiro de 2018