O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

terça-feira, 23 de junho de 2020

O Mercosul e o regionalismo latino-americano: sumário e índice detalhado - Paulo Roberto de Almeida

O Mercosul e o regionalismo latino-americano: ensaios selecionados, 1989-2020


Um livro de 
Paulo Roberto de Almeida
Disponível em formato Kindle.

Sumário

Prefácio – O Mercosul e a integração latino-americana
Prólogo – A América Latina: entre a estagnação e a integração (1989)

Primeira Parte
O Mercosul em sua fase de crescimento
1. Mercosul: o salto para o futuro (1991)
2. Mercosul e Comunidade Econômica Europeia (1992) 
3. Dois anos de processo negociador no Mercosul (1993) 
4. O Brasil e o Mercosul em face do Nafta (1994) 
5. Mercosul e União Europeia: vidas paralelas? (1994) 
6. O futuro do Mercosul: dilemas e opções (1998) 
7. Coordenação de políticas macroeconômicas e união monetária (1999)
8. O Brasil e os blocos regionais: soberania e interdependência (2001)
9. Trajetória do Mercosul em sua primeira década, 1991-2001 (2001) 

Segunda Parte
Crises e desafios do Mercosul
10. O Mercosul em crise: que fazer? (2003) 
11. Relações do Brasil com a América Latina desde o século XIX (2004)
12. Mercosul: sete teses na linha do bom senso (2005) 
13. Problemas da integração na América do Sul (2006) 
14. Mercosul e América do Sul na visão estratégica brasileira (2007) 
15. O regionalismo latino-americano vis-à-vis o modelo europeu (2009) 
16. Seria o Mercosul reversível? (2011) 
17. Desenvolvimento histórico do Mercosul aos seus 20 anos (2011) 
18. Perspectivas do Mercosul ao início de sua terceira década (2012) 
19. Os acordos extra-regionais do Mercosul (2012) 

Terceira Parte
Estagnação do processo integracionista
20. A economia política da integração regional latino-americana (2012)
21. O Mercosul aos 22 anos: algo a comemorar? (2013)
22. O megabloco do Pacífico e o Brasil (2015) 
23. O Mercosul aos 25 anos: minibiografia não autorizada (2016) 
24. Regional integration in Latin America: an historical essay (2018)
25. O Brasil isolado na América do Sul (2019)

Epílogo – Conflitos Brasil-Argentina, paralisia do Mercosul (2020)

Apêndices:
Livros publicados pelo autor
Nota sobre o autor 


Descrição:
Coletânea de ensaios e artigos sobre o processo de integração regional latino-americana, e em especial sobre o Mercosul (Mercado Comum do Sul), em perspectiva histórica e em escala comparada (com o processo europeu de integração), enfatizando suas características peculiares com respeito aos demais processos existentes na região e em relação ao modelo comunitário europeu. 
A obra está organizada em três partes, cobrindo a fase de construção e afirmação do Mercosul, nos primeiros dez anos, seguida pelas crises dos países membros, sobretudo Brasil (1999) e Argentina (2001), que afetaram os compromissos internos de liberalização e de abertura para o mundo, finalizando com a fase de estagnação, nos últimos dez anos, quando o potencial de comércio interno ao bloco diminui relativamente, no contexto dos grandes desafios da globalização contemporânea. 
O autor possui grande conhecimento prático dos processos de integração regional e do Mercosul em especial, pois em sua qualidade de diplomata especializado em temas de relações econômicas internacionais, serviu sucessivamente em Genebra (Rodada Uruguai do Gatt), em Montevidéu (representação do Brasil junto à Aladi e nascimento do Mercosul), tendo negociado pelo Brasil o protocolo de Brasília de Solução de controvérsias, enquanto coordenador executivo encarregado da informação sobre os trabalhos do bloco no Ministério da Relações Exteriores, depois como encarregado do Setor Econômico e da OCDE na embaixada do Brasil em Paris (quando acompanhou os temas e a agenda do Brasil no Clube de Paris), novamente no Itamaraty em Brasilia, como chefe da Divisão de Política Financeira e de Desenvolvimento (negociações da Alca e acompanhamento das negociações com a UE), e finalmente como chefe do Setor Econômico na embaixada do Brasil em Washington (FMI, Banco Mundial, BID, negociações da Alca, etc.), combinando essa vasta experiência negociadora e de representação com atividades acadêmicas sempre desenvolvidas paralelamente, na qualidade de professor de Economia Política. 
Possui duas dúzias de livros individuais, editou vários outros e colaborou com mais de uma centena de capítulos em livros coletivos, tendo ainda publicados ensaios e artigos em revistas da área de relações internacionais e de história diplomática. 
Vários livros (entre eles um sobre o nascimento do Mercosul) e muitos desses artigos encontram-se livremente disponíveis a partir de seu site (www.pralmeida.org) ou em outras ferramentas de comunicação social (Academia.edu, Research Gate, SSRN, entre outras), ademais de manter um blog muito requisitado por estudantes, professores e pesquisadores: Diplomatizzando.



O Mercosul e o regionalismo latino-americano: ensaios selecionados, 1989-2020

Paulo Roberto de Almeida

Índice detalhado

Prefácio – O Mercosul e a integração latino-americana

Prólogo – A América Latina: entre a estagnação e a integração (1989)
       1. O lento despertar
       2. As vias perversas
       3. A modernização pela integração?

Primeira Parte
O Mercosul em sua fase de crescimento
1. Mercosul: o salto para o futuro (1991)
       
2. Mercosul e Comunidade Econômica Europeia (1992) 
       1. Mercosul: as origens
       2. O impacto da experiência europeia
       3. Mercosul: uma cópia institucional da CEE?
       4. Uma Etapa no Modelo BENELUX antes do Modelo 1957
       5. De uma União Aduaneira ao Mercado Comum
       
3. Dois anos de processo negociador no Mercosul (1993) 
       1. Significado do Mercosul
       2. As instituições da integração: breve visão comparativa
       3. Ampliação e aprofundamento do processo de integração
       4. Atos subordinados ao Tratado de Assunção
       5. O cronograma de Las Leñas
       6. Estatuto das binacionais
       7. Autoridades econômicas e monetárias
       8. Políticas fiscal e monetária
       9. Coordenação de políticas macroeconômicas
       10. A Integração em Processo

4. O Brasil e o Mercosul em face do Nafta (1994) 
       1. Plaidoyer pelo Mercosul
       2. As Razões do Nafta
       3. Política dos EUA para a América Latina
       4. Impacto do Nafta sobre a política regional do Brasil
       5. O Nafta e seu impacto econômico no Brasil
       6. O NAFTA e a disputa por espaço comercial na América Latina
       7. Mercosul vs. Nafta: um dilema real?

5. Mercosul e União Europeia: vidas paralelas? (1994) 
       1. UE e Mercosul: problemas atuais
       2. Desafios do momento: recuar para melhor saltar?
       3. Back to the future in the Southern Cone?
4. O Mercosul possível: a modest proposal

6. O futuro do Mercosul: dilemas e opções (1998) 
       1. Opções extremas: entre um mercado comum completo e a Alca
       2. Opções de Realpolitik: a grande estratégia do Mercosul
       3. A agenda institucional do Mercosul: a questão da supranacionalidade

7. Coordenação de políticas macroeconômicas e união monetária (1999)
       1. Idealpolitik e Realpolitk no processo de integração
       2. O Mercosul virtual e o Mercosul real: copo meio cheio ou meio vazio?
       3. O Manifesto de Maastricht: gostosuras e travessuras do modelo europeu
       4. A agenda do Mercosul: back to the future ou a Europa dos “golden sixties”
       5. Um Mercosul minimalista ou maximalista? o papel da moeda e do câmbio
       6. Uma agenda de Realpolitik para objetivos de Idealpolitik: o Mercosul em ação 
       7. O futuro do Mercosul: a work in progress

8. O Brasil e os blocos regionais: soberania e interdependência (2001)
       1. Dominação do capital: déjà vu again?
       2. Os blocos regionais: conceito e manifestações empíricas
       3. Comércio: liberalismo, protecionismo, multilateralismo e regionalismo
4. A Alca: fim da soberania econômica brasileira e desaparecimento do Mercosul?

9. Trajetória do Mercosul em sua primeira década, 1991-2001 (2001) 
       1. O Mercosul como processo histórico e como realidade sociológica
       2. Da integração Brasil-Argentina ao Mercado Comum do Sul
       3. A economia a serviço da política: a construção do Mercosul
4. Desenvolvimento político e econômico do Mercosul de 1991 a 2000
5. Estrutura jurídico-institucional do Mercosul
       6. Desenvolvimento de um espaço integrado e democrático na América do Sul
       7. Relações internacionais do Mercosul: projeção internacional e desafio da Alca
8. Um balanço do Mercosul em seu primeiros dez anos: realizações e limites
9. Contexto econômico e político do processo hemisférico: o Mercosul e a Alca
10. Cronologia relacional do Mercosul no contexto global
     10.1. Antecedentes imediatos, 1990
     10.2. A fase de transição do processo integracionista, 1991-1994
     10.3. O Mercosul enquanto união aduaneira, 1995-2001
     10.4. Desenvolvimentos da integração nas Américas, 2001-2005
Fontes e bibliografia

Segunda Parte
Crises e desafios do Mercosul
10. O Mercosul em crise: que fazer? (2003) 
       1. Crise do Mercosul ou dos países membros? Um diagnóstico preliminar
       2. O Brasil e o Mercosul: nem tanto ao mar, nem tanto à terra
       3. Que Mercosul queremos (ou poderemos ter)?
       4. Conclusões pouco conclusivas: uma pequena revolução no Mercosul

11. Relações do Brasil com a América Latina desde o século XIX (2004)
       Indicações de Leitura

12. Mercosul: sete teses na linha do bom senso (2005) 
1. O Mercosul não é, nem pode ser um fim em si mesmo
2. O Mercosul não contém, não pode conter, não responde e não pode responder a todos os interesses nacionais brasileiros
3. Os benefícios do Mercosul precisariam, em algum momento, ser confrontados aos seus custos
4. O Mercosul não é um instrumento de desenvolvimento nacional; é um mecanismo de liberalização
5. O Mercosul não é uma instituição de caridade (e nem se deveria cogitar de criar uma)
6. As instituições do Mercosul não devem definir-lhe a forma e sim responder a funções reais do processo de integração; por isso não se deve constituir instituições que não respondem a funções concretas
7. Não se deve temer retrocessos, desde que seja para avançar de maneira mais segura, mais adiante, segundo a conhecida fórmula: reculez pour mieux sauter, recuar para melhor saltar

13. Problemas da integração na América do Sul (2006) 

14. Mercosul e América do Sul na visão estratégica brasileira (2007) 
       1. Introdução
       Primeira Parte: Mercosul: uma avaliação retrospectiva e uma visão prospectiva
       2. A relevância estratégica do Mercosul para o Brasil
       3. Retrospectiva do Mercosul
       4. Um visão de futuro para o Mercosul
       5. Possível evolução do Mercosul
       6. Os desafios que se colocam ao Mercosul
       Segunda Parte: O contexto geopolítico da América do Sul: visão estratégica da integração regional
       8. O contexto geopolítico da América do Sul na visão brasileira
       9. A importância estratégica da América do Sul
       10. Conjuntura atual e retrospectiva da evolução da integração sul-americana
       11. Uma visão prospectiva sobre a América do Sul
       12. O objetivo geoestratégico básico do Brasil na América do Sul
       13. Conclusão: a estratégia sul-americana do Brasil

15. O regionalismo latino-americano vis-à-vis o modelo europeu (2009) 
       1. Evolução do regionalismo nas duas regiões: breve síntese histórica
       2. Evolução dos processos de integração na América Latina
       3. Avanços e limitações dos esquemas existentes: causas e consequências
       4. Evolução recente dos principais processos de integração na América Latina
       5. Dilemas e problemas da integração: consolidação ou fuga para a frente?
       6. Perspectivas da integração sul-americana no atual contexto internacional
       7. Diagnóstico final: transição para algo ainda indefinido

16. Seria o Mercosul reversível? (2011) 
       1. Colocando o problema: reversão ou reforma?
       2. Enfrentando o problema das razões da reversão ou mudança
       3. Construindo o Mercosul: uma estrutura definitiva?
       4. Deslindando as razões da crise do Mercosul: insuficiências institucionais?
       5. Modalidades de uma reversão no Mercosul: propostas teóricas, efeitos práticos
       6. O que é, atualmente, e o que pode ser o Mercosul: enfrentando as realidades

17. Desenvolvimento histórico do Mercosul aos seus 20 anos (2011) 
       1. Um bloco comercial que caminhou para a cooperação política
       2. O Mercosul histórico: origens e desenvolvimento de um bloco comercial
       3. O Mercosul econômico: a integração comercial, seus sucessos e limitações
       4. O Mercosul político: questões institucionais e de processo decisório
       5. Conclusões: promessas não realizadas, coordenação frustrada, avanços limitados

18. Perspectivas do Mercosul ao início de sua terceira década (2012) 
       1. Questões gerais para uma análise prospectiva do Mercosul
       2. Objetivos comuns e convergência de políticas econômicas: ponto de partida?
       3. Breve exercício de reconstrução histórica: o Mercosul nos primeiros vinte anos
       4. A politização do Mercosul e o fantasma das assimetrias estruturais
       5. O que o futuro reserva ao Mercosul e ao processo de integração?

19. Os acordos extra-regionais do Mercosul (2012) 
       1. Introdução: contexto e quadro cronológico
       2. A fase de transição do processo integracionista, 1991-1994
       3. O Mercosul enquanto união aduaneira, 1995-1999
       4. O Mercosul em crise, 1999-2003
       5. O Mercosul aprofunda sua crise e faz poucos acordos externos, 2003-2012

Terceira Parte
Estagnação do processo integracionista
20. A economia política da integração regional latino-americana (2012)
       1. Introdução: objetivos e metodologia do ensaio
       2. Delimitação física e mapeamento geográfico dos experimentos
       3. Quem avançou, quem regrediu na integração regional?
       4. Existe um problema vinculado à natureza intergovernamental dos processos?
       5. O supranacional é qualitativamente melhor do que o intergovernamental?
       6. O mito das assimetrias estruturais como impeditivas da integração
       7. Conclusão: atos dos governos explicam o caráter errático da integração

21. O Mercosul aos 22 anos: algo a comemorar? (2013)

22. O megabloco do Pacífico e o Brasil (2015) 

23. O Mercosul aos 25 anos: minibiografia não autorizada (2016) 

24. Regional integration in Latin America: an historical essay (2018)
       1. The evolution of Latin American integration in the world context
       2. Historical context of previous attempts at integration
       3. Contemporary Latin America integration efforts: fragmentation?
       4. Mercosur enters the scenario: high expectations, some accomplishments
       5. New turbulent times, both for countries and trade blocs
       6. Mercosur expands, somewhat erratically, in the region, but stays stalled
       7. What lies ahead for the integration process in Latin America and in Mercosur?

25. O Brasil isolado na América do Sul (2019)

Epílogo – Conflitos Brasil-Argentina, paralisia do Mercosul (2020)


Apêndices:
       Livros publicados pelo autor
       Nota sobre o autor 


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 23 junho 2020

Nova edição da Revista Interação - UFSM, Editor José Renato Ferraz da Silveira

A nova edição da Revista Interação já está disponível.




Prof. Dr. José  Renato Ferraz da Silveira

Apresentação 

Vol. 10, nº 02, ISSN 2357-7975 
Julho/Dezembro 2019 

A revista Interação chega ao v.10, n° 02 (2019)

O periódico teve, nessa edição, como Dossiê "União Europeia e Mercosul: interações possíveis". 
A entrevistada dessa edição foi a historiadora e economista, professora Dra. Carmen Lícia Palazzo. Palazzo é pesquisadora de História Cultural, com ênfase em estudos sobre: alteridade; relatos de viajantes; imaginário ocidental sobre o Oriente, em especial, sobre a China e o mundo islâmico. A revista Interação envereda, a partir dessa edição, a tratar – de forma mais ampla e específica - sobre temas culturais e sobre o Oriente, no entanto, sem perder a análise das relações internacionais, nos âmbitos econômicos, sociais, políticos e jurídicos. O erudismo de Palazzo é revelado em três questões fundamentais sobre a relação entre o Ocidente e Oriente. É uma entrevista convidativa à reflexão, crítica e a busca de saber. 
O destacado artigo do nosso Dossiê é Mercosul Social e Participativo: uma revisão das normativas e instâncias criadas de Natanael Gomide Junior. O presente artigo reforça e reitera as constantes contribuições jurídicas ao campo das Relações Internacionais em nosso periódico. O artigo realiza uma revisão sobre as principais normativas e instâncias criadas pelo Mercosul, com enfoque especial para a questão participativa. 
Na seção de Artigos, tivemos 3 contribuições singulares para o momento especial que vivemos no Brasil e no Mundo. 
O primeiro artigo intitulado Interpretação Constitucional: a garantia da supremacia da Constituição de Emerson de Lima Pinto e Mariana Kovara Jung trata de um tema frequente no debate jurídico: a su-premacia da Constituição. Embora haja inúmeros textos e discussões acerca da temática, o presente artigo aborda – de modo retórico – os elementos pertinentes que garantem a supremacia do texto constitucional frente às demais normatizações pertencentes ao ordenamento jurídico. 
O segundo artigo intitulado O caráter transnacional de proteção ambiental de Matheus de Araújo Alves e Luiza Cardoso Boaventura Vinhal demonstra a pertinência do tema ambiental na revista Interação, no Direito Internacional e nas Relações Internacionais. Como diz o texto: “As questões relacionadas ao Direito Ambiental no âmbito internacional estão em constante construção e com cada vez mais importância”. 
O terceiro artigo intitulado Acesso à justiça no Projeto “Escrevendo e Reescrevendo a Nossa História (Pernoh)” de Sandoval Alves da Silva e João Renato Rodrigues Silveira é uma excelente contribuição – principalmente pelo método e metodologia adotada - à revista Interação. O artigo aborda em uma perspectiva expansionista o acesso à justiça, que ultrapassa a ideia de acesso à jurisdição, relatando-se experiências extensionistas obtidas na realização do projeto “Escrevendo e Reescrevendo a Nossa História” (Pernoh), localizado no bairro do Una em Belém (PA). 
Por fim, temos o ensaio Treaties with indigenous people in Canada – a not so serious essay de Felipe Kern Moreira. É um ensaio instigante e provocativo. Como diz Moreira: “No Canadá, existem vários Tratados diferentes com os povos indígenas em relação a diferentes tipos de direitos. O caso dos Tratados com as "First Nations" do Canadá é uma questão de busca de justiça. Na transição da América do Norte colonial para o Canadá moderno, o significado pleno dos Tratados com as nações indígenas foi pelo menos subvertido. Esta afirmação não é um julgamento moral; é uma questão "ipso facto" legal e política”. 
Boa leitura! 
Revista InterAção



Análise: A declinante reputação do Brasil - Hussein Kalout (OESP)

Acho que "declinante" é muito otimista: a imagem já caiu um profundo precipício com grande estrondo.
Paulo Roberto de Almeida

Análise: A declinante reputação do Brasil
O que define a reputação de um país no mundo? Quais são as razões para o declínio da imagem do Brasil? Que responsabilidade o governo tem sobre tal degradação?
Hussein Kalout*, O Estado de S.Paulo
22 de junho de 2020 | 12h00

Já não é segredo que a imagem do Brasil na Europa, América LatinaEstados Unidos e África sofre de crescente desprestígio – não carece aqui mencionar China e Ásia. Os governistas e seus apoiadores mais fanáticos consideram injusto atribuir tal retrato à imagem do país. Culpam a mídia e os adversários políticos “desprovidos de patriotismo”. Toda essa balela se pronuncia sem que se ofereça um único argumento verossímil. 
Da destruição do meio ambiente à negligência no apropriado combate aos efeitos da pandemia da covid-19, passando pelos retrocessos no campo dos direitos fundamentais, a culpa parece ser de todos menos de quem possui a primazia de propor as soluções e para tal foi eleito.
Em mundo competitivo e comandado pela tecnologia, onde o acesso à informação é dinâmico e se dá em tempo real, já não é mais possível para tapar o sol com a peneira e adotar narrativas insustentáveis. Governos estrangeiros, fundos de investimentos, empresas privadas de mídia e organizações de direitos civis atualmente aquilatam a reputação de um país com base em quatro fatores fundamentais: 1) estabilidade política; 2) solidez econômica; 3) arcabouço das garantias e dos direitos; e 4) compromisso com a proteção do meio ambiente e da biodiversidade.
Lamentavelmente, o Brasil não vai bem em nenhuma dessas quatro vertentes. A degradação da imagem do país é, em termos simples, resultado da incapacidade do governo de administrar as crises surgidas – afora as que são geradas de forma endógena por
autoridades boquirrotas que têm mais compromisso com sua claque de extremistas do que com a nação.
No primeiro quesito, estabilidade política, bom, os fatos falam por si. À parte o imobilismo na relação com o Congresso Nacional, o governo não consegue se manter afastado de embates polêmicos com a classe política e com o Poder Judiciário. E isso para não trazer à luz a confrontação com a mídia e com a sociedade civil. A arte de bem governar passa longe do Palácio do Planalto. A confiança fica abalada quando o governo procura dotar minoria para bloquear potencial processo de impeachment, entregando os aneis e os dedos, em vez de buscar organizar maioria para fazer avançar seus projetos no parlamento.
No que diz respeito à robustez econômica, o governo vendeu a si expectativa exageradamente superior aos resultados coletados. O PIB de 2019 foi inferior ao de 2018. A reforma da previdência não catapultou as demais reformas. O capital externo e os investimentos esperados seguem à espreita. Investidores, empresas e governos estrangeiros sabem que o Poder Executivo está sem alavancagem no Congresso.
Estão cientes também de que quem mobilizou e salvou a agenda econômica foi Rodrigo Maia. As demais reformas, como a tributária e administrativa, ainda não fizeram a travessia do Ministério da Economia ao Congresso nacional. O que tramita em matéria de reforma nas duas casas legislativas são projetos dos próprios congressistas. Achar que taxa de juros baixa ou discurso de confiança bastam para que a economia deslanche não passa de autoilusão. O cenário econômico, já nebuloso antes da pandemia, agora ficou mais incerto.
No tocante às garantias e aos direitos, não fica bem para país que pretende se desenvolver e que tem o enorme desafio de reduzir as desigualdades lançar-se à inépcia de bradar nostalgicamente pelo AI-5 ou advogar o armamento da população. Quando a imprudência chega a esse nível, é a segurança jurídica que passa a estar ameaçada.
Afasta-se do cenário em que se casam desejo de investir e ambiente político estável – e, com isso, vai minguando a simpatia de países amigos. Ademais, quando também se tenta, por exemplo, manipular a autonomia universitária e minar a política de cotas por meio de gambiarras burocráticas, atinge-se a democracia e o Estado de Direito, que se tornam mais opacos.
No mundo atual, o compromisso de proteção do meio ambiente tornou-se medida inescapável da qualidade da governança de um país, fundamental para que os interesses nacionais se legitimem com o atestado de “boa governança”. Quando o objetivo declarado
passa a ser a mudança das regras do jogo e o afrouxamento da fiscalização (entenda-se: “passar a boiada”), não há narrativa capaz de suavizar seus efeitos deletérios. A política é feita de ações e impressões. Foi o Brasil que desistiu de sediar a Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP25).
O país abriu mão de margem para influenciar as narrativas e o processo decisório na governança de tema ambiental central e, de quebra, delegou sua liderança a terceiros. Foi também o Brasil que ameaçou sair do Acordo de Paris. Quando malogrou a tentativa de macaquear Trump, o governo recuou, ficando com todo o passivo diplomático. Dito isso, ninguém é mais responsável pelo declínio acachapante da imagem do Brasil no mundo do que os atuais donos do poder.
Instituições de mídia como The Economist e Financial Times são insuspeitos da pecha de “comunista”. As publicações nas páginas desses meios são, no fundo, o reflexo daquilo que pensa o leitor empresário, financista e acadêmico. Em verdade, a imagem que se projeta hoje é a de que o Brasil está acéfalo e padece de governança que se possa considerar ao menos regular. Se o governo considera injusta a imagem que atribui ao país no mundo, é preciso então iniciar a mudança de rota. Seria bom começo trabalhar para restaurar a força dos quatro vetores que condicionam a reputação do país.
HUSSEIN KALOUT, 44, é Cientista Político, Professor de Relações Internacionais e Pesquisador da Universidade Harvard. Foi Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2016-2018). Escreve semanalmente, às segundas-feiras.

LEIA TAMBÉM
Análise: A imagem de um Brasil desgovernado


O Mercosul e o regionalismo latino-americano: ensaios selecionados, 1989-2020 - novo livro Paulo R. de Almeida

O Mercosul e o regionalismo latino-americano
ensaios selecionados, 1989-2020

Paulo Roberto de Almeida
Doutor em ciências sociais.
Mestre em economia internacional.
Diplomata.



Brasília
Diplomatizzando
2020

Sumário: 

Prefácio – O Mercosul e a integração latino-americana
Prólogo – A América Latina: entre a estagnação e a integração (1989)

Primeira Parte
O Mercosul em sua fase de crescimento
1. Mercosul: o salto para o futuro (1991)
2. Mercosul e Comunidade Econômica Europeia (1992) 
3. Dois anos de processo negociador no Mercosul (1993) 
4. O Brasil e o Mercosul em face do Nafta (1994) 
5. Mercosul e União Europeia: vidas paralelas? (1994) 
6. O futuro do Mercosul: dilemas e opções (1998) 
7. Coordenação de políticas macroeconômicas e união monetária (1999)
8. O Brasil e os blocos regionais: soberania e interdependência (2001)
9. Trajetória do Mercosul em sua primeira década, 1991-2001 (2001) 

Segunda Parte
Crises e desafios do Mercosul
10. O Mercosul em crise: que fazer? (2003) 
11. Relações do Brasil com a América Latina desde o século XIX (2004)
12. Mercosul: sete teses na linha do bom senso (2005) 
13. Problemas da integração na América do Sul (2006) 
14. Mercosul e América do Sul na visão estratégica brasileira (2007) 
15. O regionalismo latino-americano vis-à-vis o modelo europeu (2009) 
16. Seria o Mercosul reversível? (2011) 
17. Desenvolvimento histórico do Mercosul aos seus 20 anos (2011)
18. Perspectivas do Mercosul ao início de sua terceira década (2012) 
19. Os acordos extra-regionais do Mercosul (2012) 

Terceira Parte
Estagnação do processo integracionista
20. A economia política da integração regional latino-americana (2012)
21. O Mercosul aos 22 anos: algo a comemorar? (2013)
22. O megabloco do Pacífico e o Brasil (2015) 
23. O Mercosul aos 25 anos: minibiografia não autorizada (2016) 
24. Regional integration in Latin America: an historical essay (2018)
25. O Brasil isolado na América do Sul (2019)

Epílogo – Conflitos Brasil-Argentina, paralisia do Mercosul (2020)

Apêndices:
Livros publicados pelo autor
Nota sobre o autor 

Prefácio – O Mercosul e a integração latino-americana


Uma das temáticas mais frequentes em meus escritos, desde que dei início a uma coleta organizada de meus trabalhos de natureza acadêmica, e já em atividade profissional na carreira diplomática, foi a da integração latino-americana, em especial em conexão com o Mercosul, como reflexo de um precoce interesse intelectual pelo assunto, mas sobretudo como resultado do seguimento dessas questões no contexto da política externa regional do Brasil. Numa criteriosa seleção dos trabalhos enfeixados sobre os conceitos de “integração” e de “Mercosul”, detectei a existência de duas centenas de escritos tratando desses assuntos, sob os mais diferentes aspectos e formatos: ensaios históricos, artigos conjunturais, entrevistas e respostas a questionários submetidos por jornalistas e pesquisadores, resenhas voluntárias, capítulos em colaboração ou prefácios (a convite) a livros sobre esses temas, ademais de um breve papel como organizador de documentação sobre os primórdios do Mercosul e editor de periódico sobre o bloco em seus primeiros momentos, do nascimento a uma fugaz consolidação. 
De todos esses trabalhos, excluídos os livros sobre o assunto, selecionei pouco mais de um décimo do total para compor este volume, aqueles que me pareceram mais representativos de meu pensamento, de minhas pesquisas, ou dotados de certa resiliência temporal, para escapar ao julgamento implacável da conjuntura. Não entraram aqui, por exemplo, as muitas notas introdutórias que fiz ao Boletim de Integração Latino-Americana, que criei e dirigi, enquanto estive trabalhando sob a liderança do embaixador Rubens Antônio Barbosa nos primeiros anos de existência do bloco. Exclui desta coletânea, por natural, os diversos trabalhos que elaborei em seu nome, por fazerem parte de minhas obrigações funcionais naquele contexto, assim como também deixei de fora prefácios e resenhas a livros desse universo de estudo e de desempenho institucional. 
Muitos desses trabalhos se beneficiaram de uma prolífica, embora curta, estada em Montevidéu, entre 1990 e 1992, durante a qual eu dei início ao estudo dos problemas da integração econômica regional, inclusive no contexto de uma abordagem institucional comparada (no caso com a então Comunidade Econômica Europeia, que pouco depois se transformaria em União). O período passado em Montevidéu, país vizinho ao Brasil, permitiu-me, oportunamente, algumas rápidas incursões ao Brasil, para seminários ou mesmo para pesquisa, sempre resultando em trabalhos sobre as relações econômicas internacionais do Brasil, dos quais resultaria, algum tempo mais tarde, um livro de historiografia sobre a Formação da Diplomacia Econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império (já na terceira edição: 2001, 2004 e 2017). Mas, meu primeiro livro, hoje de livre acesso, foi exatamente sobre a grande iniciativa estratégica da diplomacia regional do Brasil: O Mercosul no contexto regional e internacional (1993). A ele se seguiram um segundo, já na fase de consolidação do bloco – Mercosul: fundamentos e perspectivas (1998) – e um terceiro, dirigido ao público externo: Mercosud: un marché commun pour l’Amérique du Sud (2000). Entre eles, e mesmo depois, elaborei incontáveis artigos conjunturais e vários outros trabalhos mais permanentes, alguns dos quais figuram neste volume. 
Do ponto de vista diplomático, a curta estada em Montevidéu – trabalhando como representante alterno do Brasil junto à Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), sob a liderança e a convite do embaixador Rubens Barbosa – ofereceu-me uma excelente oportunidade de afirmação profissional, na medida em que eu deixava um foro negociador de caráter relativamente assimétrico, Genebra (no contexto da recém iniciada Rodada Uruguai de negociações comerciais multilaterais, então no âmbito do GATT, entre 1987 e 1990), para um outro foro, a Aladi, no qual a legítima expressão de nossos interesses se inseria num contexto de igualdade soberana entre as nações, senão de relativa preeminência do Brasil, em vista de seu peso econômico e comercial nas relações continentais. Com efeito, nas diversas instâncias negociadoras de Genebra, o Brasil, apesar de bastante importante (sobretudo no quadro das organizações internacionais de caráter econômico), era, na maior parte dos casos, apenas “mais um país em desenvolvimento” no meio de dezenas de outros participando do que era, até então, um “diálogo Norte-Sul”. Na verdade, assistia-se, na maior parte dos casos, a um diálogo de surdos (a caracterização é válida sobretudo para as demandas em favor de “transferência de tecnologia” no âmbito da Unctad ou da Ompi, por exemplo). Em Montevidéu, ao contrário, o Brasil aparecia quase como uma “grande potência”, em todo caso como um país razoavelmente avançado, senão já “desenvolvido”, num continente ainda marcado por profundos desequilíbrios sociais e regionais, desigualmente industrializado e historicamente especializado em algumas poucas commodities de exportação.
Grande parte dos trabalhos então elaborados – alguns poucos compilados neste volume – se referiam, assim, ao estudo e à exposição dos problemas da integração regional, ainda num contexto multilateral muito difuso, o da Aladi, pois que elaborados à margem do processo de integração bilateral Brasil-Argentina (que era dirigido diretamente das capitais), ou anteriormente à constituição do Mercosul, processo também negociado exclusivamente nas capitais, sem a “interferência” ou a participação da delegação junto à Aladi. Muitos desses trabalhos foram também elaborados para terceiros – até para ministros ou presidentes – no quadro dos compromissos funcionais ou atendendo a solicitações diversas para participação em seminários e colóquios. Praticamente nenhum deles chegou a ser divulgado em meu próprio nome, embora eu tenha resgatado para este volume um artigo que fiz para ser publicado pelo presidente Fernando Collor, por ocasião da primeira reunião de cúpula do bloco, após a aprovação e rápida ratificação do Tratado de Assunção, ao final de 1991. Alguns outros, deixados em “banho-maria”, me serviriam mais tarde, já em Brasília, a partir do final de 1992, no intenso trabalho que passei a desenvolver como organizador e divulgador de informações sobre os processos de integração regional, em especial sobre o Mercosul.
O novo e curto período de estada em Brasília (apenas um ano e meio, de 1992 a 1993), poderia ser praticamente caracterizado como “monotemático”, tendo em vista o monopólio que sobre ele exerceram os assuntos do Mercosul e os temas da integração regional de modo geral, não fosse minha tradicional vocação dispersiva nas lides intelectuais e um certo espírito touche à tout, que me levaram, a despeito dessas intensas obrigações funcionais centradas sobre o Mercosul, a continuar ocupando-me de questões tipicamente acadêmicas, geralmente em pesquisas históricas, das quais resultariam aquele primeiro volume sobre a diplomacia econômica do Brasil no século XX (embora contendo um longo capítulo final sobre o período republicano). Ao assumir em Brasília uma coordenadoria executiva – primeiro no Departamento de Integração, depois no que veio a constituir-se a Subsecretaria-Geral de Assuntos de Integração, Econômicos e de Comércio Exterior – passei a ocupar-me de um sistema de informações institucionais e econômicas sobre os diversos processos de integração regional, montado sob minha direta supervisão e aberto o mais possível às demandas das associações empresariais, da comunidade acadêmica e estudantil, enfim da sociedade civil, num sentido largo. 
Esse sistema baseou-se essencialmente, mas não exclusivamente, num periódico de informações e num banco de dados em computador. A publicação foi montada muito rapidamente: em menos de dois meses de Brasília, eu compunha, editava e distribuía o primeiro exemplar do Boletim de Integração Latino-Americana, cujas dimensões e tiragem cresceram assustadoramente nos meses e números seguintes. O Editor, eu, também servia de redator principal, corretor de provas, além de habitual resenhista de publicações nem sempre restritas aos temas de sua área. No terreno informática, os progressos também foram rápidos, ainda que não de todo satisfatórios: impaciente com a lentidão da burocracia do Itamaraty em colocar à disposição dos interessados um banco de dados eletrônico, funcionando em sistema de rede aberta, tratei eu mesmo de instalar, com a ajuda de um programador, um BBS – um Bulletin Board System, como na época se chamavam essas geringonças –, um foro de informações sobre o Mercosul, aberto a consultas externas, sem qualquer discriminação. O único inconveniente para os usuários era a necessidade de uma chamada telefônica a Brasília, uma vez que não foi possível conseguir as necessárias “portas externas” para conectá-lo às redes acadêmicas. Nessa época, estou falando do início dos anos 1990, a cultura informática do Itamaraty podia ser cronologicamente situada no Jurássico, talvez até no pré-Cambriano.
Outro aspecto de minhas atividades “mercosulianas” era, de um lado, a preparação de textos (discursos, artigos, papers de informação) para os superiores hierárquicos, inclusive os chanceleres, e de outro lado, a participação em seminários ou mesas redondas, atividades que desempenhava com grande prazer intelectual e uma certa heterodoxia em relação aos tradicionais parâmetros da linguagem oficial ou da discrição diplomática. Devo confessar que, mesmo contando com quase três lustros na carreira, nunca resignei-me à continência verbal ou à timidez formal da maior parte de meus colegas de profissão Como jamais fui adepto da chamada langue de bois, sempre pensei que todos os temas, mesmo os mais sujeitos a discussão e controvérsia – como era o da integração com os países vizinhos –, deveriam merecer uma discussão sem preconceitos políticos ou econômicos. Esta foi a orientação que prevaleceu na linha editorial do Boletim – não sem algumas dificuldades eventuais – ou nas palestras que pronunciava em todo o Brasil ou no exterior. Creio, modestamente, ter contribuído em algo para certa abertura do Itamaraty em relação à sociedade à sua volta.
A intensa atividade profissional como “editor do Mercosul” impediu-me de assumir compromissos acadêmicos regulares, na Universidade de Brasília ou no Instituto Rio Branco (como tinha sido o caso na estada anterior, entre 1986 e 1987), com exceção da participação em seminários específicos ou da redação de artigos para revistas especializadas. Muitos outros trabalhos produzidos nessa segunda estada, também curta, em Brasília, se referem, mais propriamente, a temas de história diplomática ou de economia internacional e, portanto, não compilados neste volume, que é dedicado exclusivamente ao Mercosul e à integração regional. Numa outra vertente de meus interesses pessoais, a maior parte das resenhas de livros reportou-se evidentemente ao Mercosul, mas várias outras seguiram a curiosidade intelectual do momento. As resenhas de livros, em todas as áreas já foram objeto de outros volumes em edição de autor, livremente disponíveis em minhas páginas na internet.
Permito-me, por fim, relatar também, não sem uma ponta de orgulho, o começo de uma bela aventura: o salvamento, a recuperação e a continuidade de um empreendimento exemplar de nossa história diplomática e editorial, a Revista Brasileira de Política Internacional, que tinha ficado órfã, no final de 1992, com a morte de seu editor de longa data, Cleantho de Paiva Leite: fui o principal animador de sua vinda a Brasília, junto com colegas diplomatas e professores da UnB, tendo sido igualmente, em período ulterior, presidente do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais. Mas, isso já foi motivo para um outro volume de trabalhos, igualmente disponível livremente em minhas bases de dados. 
No momento, pretendo apenas coletar e tornar públicos alguns trabalhos sobre uma das grandes prioridades do Brasil em épocas pregressas, mas que permaneceram numa relativa obscuridade desde seu período de maior relevância, nos distantes anos 1990. A reconhecida excelência profissional da diplomacia brasileira resgatará, em futura ocasião oportuna, a aventura do Mercosul e a da integração regional, no momento relegadas a um injusto limbo político, numa conjuntura política em que se afirmam, abertamente, a oposição ao multilateralismo e uma adesão a tresloucadas seitas conspiratórias que pregam o combate ao “globalismo”, um monstro metafísico que essa franja lunática nunca soube explicar em que consiste. 
As próximas etapas de meu trabalho intelectual, e prático, serão dedicadas a esse trabalho de resgate, que aliás já começou. Meus livros mais recentes, se ouso terminar por uma nota de divulgação em causa própria, tiveram como respectivos títulos: Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty (2019, em duas edições, livremente disponíveis a partir do blog Diplomatizzando), Marxismo e socialismo no Brasil e no mundo: trajetória de duas parábolas da era contemporânea (2019) e O Itamaraty num labirinto de sombras: ensaios de política externa e de diplomacia brasileira (2020), os dois últimos em formato Kindle. Continuarei no meu quilombo de resistência intelectual...


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 22 de junho de 2020


domingo, 21 de junho de 2020

A geopolítica do “vírus chinês” - Marcos de Azambuja (revista Piauí)

A geopolítica do “vírus chinês”

A disputa do século entre Washington e Pequim – e o que o Brasil tem a ver com isso

Marcos Azambuja
Revista Piauí, edição 165, junho de 2020

Mapa atribuído a Zheng He, grande navegador chinês do século XV: ao contrário dos EUA, que não temem agressão do Canadá ou do México, a China tem uma vulnerabilidade geográfica, que lhe traz preocupações reais com vizinhos poderosos, como a Rússia, a Coreia, a Índia e o Japão

O ofício do futuro é ser perigoso.ALFRED NORTH WHITEHEAD


É um lugar comum dizer que a história se faz por caminhos complexos e tortuosos, mas não é menos verdade dizer que ela também gosta e precisa de datas e palavras que sirvam como pontos de referência claros para os contemporâneos e para os que virão depois. São inúmeros, no correr dos séculos, os períodos de sinalização incerta e ambígua, mas uma coisa é praticamente certa: os anos de 2017 a 2020 não estarão nessa lista. Poucas vezes um momento histórico indicou, de maneira tão clara, sua intenção de ser lembrado como uma daquelas encruzilhadas em que as coisas deixam de ser o que eram e uma nova realidade aparece com todas as suas promessas e desafios. No caso, e pelo que se vê até agora, com mais desafios do que promessas.
Os Estados Unidos, nesses quatro anos memoráveis, promoveram a desconstrução da ordem internacional que eles próprios, com algumas interrupções e hesitações, vinham desenhando desde o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1918. Enfraqueceram o Tratado do Atlântico Norte, sua principal aliança militar e política com os países da região. Reviram seu apoio ao sistema das Nações Unidas, amplamente construído por mãos norte-americanas, em São Francisco e em Bretton Woods. Saíram da Unesco e do Conselho dos Direitos Humanos, ambos entidades da ONU. Afastaram-se do Acordo de Paris sobre o clima e do acordo de controle nuclear com o Irã. Deixaram o Tratado Transpacífico, um acordo comercial entre países do Oceano Pacífico. Esvaziaram a política de criação de dois Estados em Israel e levaram sua embaixada para Jerusalém, dando reconhecimento formal à cidade como capital israelense. Buscaram aproximação com os regimes fortes da Rússia e da Coreia do Norte. Começaram uma guerra comercial com a China, seu maior parceiro e, depois deles próprios, a mais poderosa economia do mundo. Renegociaram seus tratados com o México e o Canadá que haviam criado a Alca, uma área de livre-comércio da região. Mudaram drasticamente as regras que regulavam o processo migratório para o país, começaram a construir um muro de separação com o México. Finalmente, os Estados Unidos também estão enfrentando agora, como todos nós, a mais agressiva pandemia dos últimos cem anos.
É difícil encontrar nos anais e em tempos de paz um processo de demolição tão abrangente. Como ilustração deste momento, escolho, arbitrariamente, um instante que me parece revelador e que foi capturado pelas implacáveis e onipresentes lentes e câmeras do nosso tempo. O presidente Donald Trump está na Casa Branca, tendo à sua frente um texto que vai ler para a nação. A menção que o texto fazia ao “coronavírus” é riscada e substituída – por sua própria mão – para que o vírus fosse simplesmente rotulado como o “vírus chinês”.
As palavras de Trump foram pronunciadas no dia 19 de março, quando a pandemia chegava devastadora à população norte-americana. A tentativa de associação explícita do vírus com a China destinava-se a fazer com que as duas palavras – “vírus” e “chinês” – ficassem ligadas de maneira indelével na memória coletiva. Como Catão, que exibe no Senado de Roma os figos recém-colhidos para mostrar a proximidade e a ameaça de Cartago, Trump procura transformar o novo coronavírus em arma e argumento contra a China. O mero fato de que, mais de 2 mil anos depois, eu ainda recorde aqui o episódio de Roma, em contexto tão diverso, é prova de como as palavras e os gestos podem ser longamente memoráveis e servem para definir momentos cruciais. Em termos puramente retóricos, a mudança intencional do nome do agente responsável pela pandemia era quase – como pretendia ser – uma declaração de guerra.
As palavras Covid-19 e coronavírus parecem ter sido aceitas de forma agora irreversível, mas, para isso, foi preciso que até mesmo os principais aliados dos Estados Unidos se recusassem a subscrever um importante documento do G7 porque incluía a expressão “vírus de Wuhan”, uma fórmula alternativa, e igualmente agressiva, que Washington desejava e promovia.
O que ajuda a entender a animosidade norte-americana é o fato de que a China, bem antes do tempo imaginado, ultrapassou a sua condição de economia complementar à dos Estados Unidos, que fornecia em condições imbatíveis uma enorme gama de bens e serviços, e passou a se apresentar, cada vez com mais credibilidade, como um poderoso rival no terreno que de fato importa e onde se definirá o controle do futuro – as tecnologias de ponta. A controvérsia não irá embora. Ao contrário, deve se agravar cada vez mais daqui para a frente.
A relação entre a China e os Estados Unidos – eixo central do mundo de hoje e, até agora, indispensável e vantajoso para a economia de ambos – vinha se deteriorando ao longo dos últimos meses, talvez um pouco mais. Mas, até então, o terreno principal do enfrentamento entre os dois gigantes era o das trocas comerciais. No centro das discussões, estavam os problemas ligados à propriedade intelectual e à competição desleal. A pandemia serviu para que se subisse o tom e se ampliasse a desconfiança entre os parceiros, que são, agora e cada vez mais claramente, adversários. Elevou-se neste ano, de maneira inquietante, o patamar do crescente antagonismo. Mas, antes de ir adiante e tratar especificamente disso, devo andar um pouco para trás.
Não encontro melhor caminho do que começar no ano de 1945, quando o fim da Segunda Guerra Mundial e o início da era atômica inauguram um ciclo que se estende até hoje e que, apesar de importantes rupturas, guarda não poucos traços de coerência e continuidade. É um período marcado pela hegemonia dos Estados Unidos – desafiada até 1989 pela rivalidade militar e ideológica com a então União Soviética –, que se define por três parâmetros: a Guerra Fria, o fim dos impérios coloniais clássicos e o aparecimento na cena internacional de quase 150 novos países independentes, antes colônias, fato que mudou de maneira extraordinária o mapa político do mundo.
É, também, o período em que as armas nucleares excluíram, como opção racional, os enfrentamentos diretos entre Estados detentores dessa tecnologia, ainda que um número importante de conflitos periféricos desafiasse o controle das potências dominantes, interessadas em manter certas áreas sob sua influência. Nesse intervalo, emergem para a vida independente moderna alguns grandes atores, entre eles a Índia, o Paquistão e Israel, além da África do Sul, que se redefine com nova e acrescida legitimidade. E, finalmente, a China sai de um longo período de declínio e fragmentação para, reclamando ser vista como uma única entidade, ocupar seu lugar de direito na vida internacional.
Foi, sobretudo, um extraordinário período de acelerada incorporação científica e tecnológica. Penso que a época que agora está chegando ao fim será lembrada como aquela em que o homem passou, por sua ação ou omissão e pela primeira vez na história, a ter uma influência decisiva na sua própria sobrevivência como espécie. (As inquietações com o clima, com o meio ambiente e com o esgotamento dos recursos naturais, inexistentes ou marginais em 1945, são hoje uma preocupação absolutamente prioritária. A exploração espacial começou, deslanchou e hoje os céus são, literalmente, o limite. O fundo dos mares e dos oceanos oferece uma nova fronteira.)
Neste período, a ordem internacional democrática e liberal emergiu triunfante depois de décadas de desafio e turbulência. Parecia ser uma arquitetura tão estável que alguns até imaginavam que seu advento significava simplesmente o fim da história.
Este é o ciclo que está terminando. Agora, com sobressaltos, num mar de incertezas e enormes indagações, vivemos o que parece ser o nascimento de um outro ciclo no qual o poder dos Estados Unidos – um poder tão dominante que transformou os últimos cem anos no que se pode chamar, apropriadamente, de “século americano” – começa a ser ameaçado por novas formas de governo e de interação social, e pela volta da China ao lugar que o país ocupou, durante milênios, no tabuleiro do poder mundial.
O momento é talvez decisivo para o Ocidente, que terá de enfrentar um desafio direto à sua longa hegemonia, que vinha se estendendo e se consolidando desde que as Grandes Navegações, o Iluminismo e a Revolução Industrial deram à nossa parte do mundo a impressão de que podia exercer um poder duradouro em escala verdadeiramente global. Durante todos esses séculos, o Ocidente foi o centro e o motor da história. As duas grandes guerras do século XX, que chamamos mundiais, foram a culminância explosiva de crises que o Ocidente criou para si mesmo.
Não quero exagerar nem simplificar demais. Não ignoro o desafio que o Japão procurou oferecer na primeira metade do século XX até sua derrota em 1945 e, depois, seu impressionante renascimento. A própria China, humilhada e fragilizada, não chegou a perder formalmente a sua soberania e conseguiu mesmo, por seu incontornável peso, um lugar privilegiado como membro permanente do Conselho de Segurança da então recém-criada Organização das Nações Unidas. Tampouco estou esquecendo o dinamismo dos chamados “tigres asiáticos” a partir da década de 1970, e também tenho presente que a Coreia e o Vietnã deram a medida de como era caro e perigoso, mesmo para países muito poderosos, meter-se em uma guerra terrestre na Ásia. E a hora e a vez da Índia parecem estar perto de chegar.
Nos mares, a história não foi diferente. Ao longo dos séculos, o Mediterrâneo cedeu sua centralidade e influência ao Atlântico e, agora, o imenso Pacífico reclama sua hegemonia. Tudo parece indicar que iremos viver uma fase de menor fervor ideológico e ainda maior dinamismo tecnológico. A ciência vai tão longe e tão depressa que até a ficção científica parece superada por avanços e conquistas reais. Júlio Verne e H. G. Wells, assim como seus muitos sucessores, podem ser vistos hoje apenas como acanhados precursores. O mundo real, em várias frentes, parece ir mesmo além do que hoje pode ser imaginado.
Observo, naturalmente, com olhos brasileiros o que está acontecendo. O status quo é, certamente, mais confortável para nós do que aquele que agora começa a se desenhar. Temos, por ser parte dele, imensas afinidades com o mundo ocidental e nele estamos em casa. Participamos de sua história, de sua cultura e de sua política, e compartilhamos uma mesma tradição que se estende das práticas religiosas ao pensamento econômico.
A globalização aproximou maneiras de ser e fazer virtualmente em todo o mundo e reduziu diferenças, mas, apesar de tudo, ainda é mais fácil para nós pensar e atuar em algum idioma neolatino ou germânico do que em mandarim ou híndi. É bem mais simples nos orientarmos pelas ruas de Barcelona do que de Karachi. É verdade que o inglês é o novo latim, mas basta chegar a Cantão ou Bangcoc para descobrir que a chamada língua franca do nosso tempo é menos falada e entendida do que se supõe.
Teremos que nos acostumar a novos hábitos, aprender e decifrar ideogramas e nos familiarizar com tradições e narrativas que não são aquelas que conhecemos. Durante os muitos séculos em que o Ocidente ditou comportamentos e modas, eram elas, as imensas multidões que moravam do lado errado do Canal de Suez, que deviam fazer o esforço de aprender e copiar os estilos ocidentais, muitas vezes emigrar e vir aqui comer o “trigo alheio”. Agora, seremos nós a fazer o percurso em sentido contrário em busca de mercados, financiamentos e até mesmo empregos.
Tínhamos a impressão – e não era uma impressão falsa – de sermos o centro do mundo. Entre nós, um navio de longo curso era chamado de transatlântico, como se o nosso mar vizinho fosse o único em que se navegasse. Contávamos as horas pelo meridiano de Greenwich e parecia ser da ordem natural das coisas que fosse assim. O metro original, medida de quase todas as coisas, tinha nascido e morava em Paris. Aceitávamos sem surpresas que quase tudo se medisse por nossas réguas e nossos compassos.
Quando fui à China pela primeira vez, nos idos de 1975, os efeitos cumulativos da Revolução Cultural, do Grande Salto para a Frente e do radicalismo feroz da chamada Gangue dos Quatro ainda estavam dolorosamente presentes. O Brasil, ao contrário, vivia então um ciclo de acelerado crescimento econômico e, apesar do regime ditatorial, havia confiança no futuro. Na época, enquanto nós convivíamos com índices de crescimento aproximados aos da China de hoje, a China de então derrapava em taxas modestas e mesmo negativas de crescimento, como as do Brasil de agora. Em menos de cinquenta anos, tudo mudou.
A diferença de fuso horário entre Brasília e Pequim era e continua sendo de onze horas – e comemoro que, em um mundo em grande transformação, pelo menos isso não tenha mudado. Minha primeira noite no histórico Grand Hôtel de Pékin foi, como aconteceu em várias viagens seguintes, insone. Poucas horas antes, tinha cochilado, confesso, em cima de uma indefinível sopa durante um jantar formal interminável em pratos e brindes. Lá pelas sete da manhã, ou talvez um pouco antes, desisti de tentar dormir e fui para a minha janela, que dava para uma daquelas larguíssimas avenidas da capital chinesa. Vi então – e a imagem ficou comigo – uma miríade de bicicletas que rolavam em silêncio, pilotadas por muitas dezenas de milhares de chineses, todos vestidos com o que era virtualmente o uniforme do período maoista, e tive uma impressão, que perdura até agora, da imensidão do universo humano chinês e do seu não menor potencial.
Pequim então era cinza – desde a cor do céu até o tijolo das casas – e ainda se escutava o hino O Oriente É Vermelho, comemorando Mao Tsé-tung e sua obra em termos escandalosamente laudatórios. Na última visita que fiz à China, em 2012, as bicicletas haviam virtualmente desaparecido, o hino estava esquecido e o cinza fora substituído pelas cores reluzentes de uma cidade que parecia ter se reinventado e, magicamente, enriquecido. Do primeiro encontro com a China, lembro ainda que viajar de Cantão a Hong Kong representava muito mais do que atravessar uma fronteira política. Era observar aquela imensa diferença de riqueza e de modo de vida entre dois regimes e duas formas de organização econômica. Na minha visita mais recente, as diferenças eram quase imperceptíveis.
Atribui-se a Napoleão a seguinte frase: “Quando a China despertar, o mundo irá tremer.” Ele teria dito isso durante o exílio na ilha britânica de Santa Helena e, embora concorde com a profecia, desconfio da autenticidade da atribuição. (Eu mesmo tenho ocasionalmente usado o imperador para emprestar prestígio e autoridade a frases de origem duvidosa. Sábios chineses não identificados, bem como obscuros provérbios russos, são outros disfarces aos quais eu e outros tantos temos recorrido para dizer coisas às quais desejamos dar uma aura de profundidade ou um selo de autoridade. Os mortos não costumam reclamar.)
O fascínio do Ocidente com a China não é novidade. O nosso maravilhamento começa por volta de 1298, com a publicação do relato das viagens de Marco Polo. O outro momento decisivo de descoberta e contato ocorre na missão de lorde George Macartney, em 1792, a primeira da história. Com essa iniciativa, a Grã-Bretanha queria abrir a China para os seus produtos – e queria que isso acontecesse logo, por bem ou por mal. O imperador Qianlong disse que a China não precisava daquele comércio, desprezou os presentes que lhe eram oferecidos e não simpatizou com o emissário. O encontro marca também o primeiro choque entre dois impérios: o britânico, que estava em movimento e expansão, e o chinês, que vivia seu declínio. Em dois livros cuja leitura recomendo com entusiasmo, Alain Peyrefitte trata desse episódio crucial.
Com manobras astuciosas e dilatórias no final fadadas ao insucesso, a China procurou resistir ao insaciável apetite do colonialismo e do imperialismo ocidental e, depois, tardiamente, ao imperialismo nipônico. Por isso, foi alvo de ataques de uma violência que excederam mesmo os parâmetros do século XIX e da primeira metade do século XX, uma época especialmente tolerante aos abusos de poder pelas grandes potências. O retalhamento da China em áreas sob virtual jurisdição estrangeira, a ignomínia das guerras do ópio, a ferocidade da Guerra dos Boxers e a barbárie da invasão e ocupação japonesas devem ser vistos como alguns dos momentos mais repugnantes da história moderna. Não quero sugerir aqui que a China tenha sido apenas vítima inocente da violência de terceiros. Muito do que aconteceu na rebelião Taiping, ainda no século XIX, depois no longo enfrentamento entre nacionalistas e comunistas, e durante sua grande revolução, é igualmente terrível e indesculpável.
Como as coisas andam depressa, os novos tempos não têm ainda um nome de aceitação geral e, ao chamá-lo aqui de período pós-americano, tomo emprestada a expressão proposta pelo escritor e colunista Fareed Zakaria para descrever o mundo, como ele hoje se apresenta. Não disponho de outro rótulo melhor. A China, apesar de todo seu impressionante crescimento e projeção, ainda não reúne credenciais para pretender que os novos tempos tenham seu nome. A expressão pós-americano mostra, e isto me parece correto e essencial, que vivemos uma fase de transição que ainda não permite identificar com clareza suas coordenadas principais. Vemos apenas, com nitidez, o que deixou de ser.
Estou convencido de que o mundo, do ponto de vista militar, deverá nos próximos anos continuar com a configuração unipolar que o define. O poder norte-americano não deverá ser desafiado. Os Estados Unidos serão detentores, agora e no futuro previsível, de incontrastáveis meios de dissuasão e pressão. É sempre bom recordar que, além de sua própria e imensa projeção, os Estados Unidos são herdeiros e sucessores de três grandes impérios: o espanhol, o francês e o britânico, e a dispersão de suas bases e postos avançados corresponde, no Pacífico, no Atlântico e no Caribe, às fronteiras da influência desses impérios anteriores. A recente ampliação da presença chinesa em ilhas no Mar da China, espaço que Pequim prepara e virtualmente cria para seu uso estratégico, é coisa que não pode ser negligenciada, mas que, nem de longe, corresponde à profundidade e extensão da rede de instalações que definem o império norte-americano.
Acho que o desafio chinês aos Estados Unidos não deverá ser, até onde a vista alcança, militar e ideológico, como o que aconteceu com a antiga União Soviética. Será essencialmente comercial e tecnológico. O regime soviético nunca teve condições nem vocação para competir com os Estados Unidos em termos econômicos e comerciais, e o seu desafio se fazia em outros terrenos. A China, por seu turno, vai oferecer, isso sim, um desafio talvez insuperável em termos de produtividade e criatividade no campo da indústria, do comércio e dos serviços. Em um vasto espectro de atividades, a China se faz cada vez mais competitiva, prenunciando que as tensões com os Estados Unidos vão continuar a se agravar.
Quero acentuar – e acho importante repetir isso – a vulnerabilidade estratégica e geográfica da China. Os Estados Unidos nunca precisaram construir uma grande muralha e nunca foram invadidos e ocupados, ao contrário do que aconteceu com a China em mais de uma ocasião. Washington não teme uma agressão canadense ou mexicana (excluídas as preocupações migratórias ou policiais), mas a China tem preocupações reais com poderosos vizinhos: a Rússia, a Coreia, a Índia e o Japão. Isso sem falar no Tibete, que é um problema interno de difícil solução ou absorção. O futuro de Taiwan, por sua vez, é sempre um complexo desafio.
O sentimento de autoconfiança da China parece estar preservado no momento, ainda que o foco inicial da grande pandemia atual tenha sido em uma de suas províncias. A resposta chinesa depois de um breve período de procrastinação e mesmo negação da realidade parece ter sido extraordinária, mas só poderia ser feita na escala e na velocidade em que ocorreu em uma sociedade equipada com abundantes recursos e na qual o governo dispõe de instrumentos coercitivos extremamente eficazes – e não hesita em utilizá-los. Não subscrevo as teorias de conspiração que, como sempre acontece nessas circunstâncias, pretendem oferecer cenários dramáticos mas de escassa credibilidade para explicar o que ocorreu. O novo coronavírus causou muito sofrimento e prejuízos para a própria China e não vejo, até agora, provas de que tenha havido algum tipo de maquinação para produzir e liberar o vírus do qual o país foi a primeira vítima.
A cultura chinesa não privilegia a transparência. O conceito seria de difícil definição e talvez mesmo incompreensível para um sistema que cultua o sigilo, a disciplina vertical, o respeito pela autoridade e vê com visceral desconfiança os motivos e intenções do mundo exterior. É sempre útil ter em mente que a China, além de ser um grande país com todos os atributos de um Estado moderno, é, sobretudo, uma velha civilização e tem, de seu longo percurso, uma memória ininterrupta de quase 4 mil anos. A própria natureza e identidade do comunismo da China requer hoje qualificações tão profundas e extensas que chego mesmo a me perguntar se ainda serve de uma maneira rigorosa e abrangente para descrever o que a China de fato é e pretende vir a ser.
Ao longo de muitos anos tenho me colocado sempre a mesma pergunta: A China é ainda um país comunista convivendo com uma economia de mercado, ou é de fato um país capitalista governado por um partido formalmente comunista? No decorrer de décadas de observação, minha resposta tem variado. Desde Mao Tsé-tung, passando pelos anos de ascendência de Zhou Enlai e depois de Deng Xiao-ping, tenho oscilado e a mesma hesitação perdura até este momento em que o controle de Xi Jinping sobre o país parece se reforçar na busca de uma duração muito mais longa para seu mandato. Acabo sempre tendo que me refugiar nas palavras de Deng sobre a irrelevância que tem a cor de um gato desde que saiba apanhar ratos.
Há cerca de 50 milhões de pessoas de etnia chinesa que não vivem na China, nem em Hong Kong, nem em Taiwan. Estão espalhadas em um grande número de países (no Brasil, calcula-se que sejam cerca de 450 mil). Em graus diferentes, esses overseas Chinese, como são chamados, conservam uma importante fidelidade a suas origens. Ser chinês é mais do que pertencer a uma nacionalidade. É, também, ser parte de uma civilização profundamente conservadora, cujos membros se identificam pelo culto aos ancestrais e pelo respeito à família e às tradições. Essa grande diáspora chinesa aconteceu em diversas ondas ao longo de mais de mil anos e em muitas dessas comunidades no exterior, mesmo depois de séculos, seus membros ainda se identificam, no todo ou em parte, como chineses. Estou sugerindo aqui que é muito difícil deixar de ser chinês. Quem viaja pela Ásia e, especialmente, pelo sudeste do continente, pode constatar como a presença chinesa é demograficamente importante e, sobretudo, decisiva na economia e na administração de países como Tailândia, Malásia, Cingapura, Vietnã, Mianmar e até a Coreia.
Poderia ir muito além, já que a dispersão e a influência dos chineses é de fato global. Só nos Estados Unidos, segundo o censo de 2010, eram cerca de 3 milhões de sino-americanos, o que lhes confere um importante papel na construção da tapeçaria de raças e culturas que formam os Estados Unidos. A população acadêmica e universitária chinesa nos Estados Unidos é imensa, e seu prestígio intelectual é significativo. Nos negócios, desde os inumeráveis pequenos restaurantes de esquina até as grandes corporações, a presença chinesa é evidente e incontornável. Nas grandes cidades da China, a reciprocidade é visível, e os McDonald’s e Starbucks estão em todo lugar. Não preciso falar da atuação das grandes empresas. Minha convicção é que o comércio e os negócios, epicentro das atuais disputas, serão também o caminho para uma futura acomodação de interesses.
Não é fácil prever e desenhar um conflito de civilizações entre a China e o Ocidente, como se considera ser possível acontecer com o Islã. Há nos chineses e no mundo ocidental uma plasticidade e um pragmatismo que faz com que seja bem mais fácil encontrar terreno comum para colaboração e entendimento. Acredito, como dizia Montesquieu, que o “doce comércio” irá nos salvar. Não vejo as atuais e possíveis futuras tensões como uma incompatibilidade irremediável de práticas e valores. Na minha avaliação, estamos diante de grandes problemas e dificuldades, mas que são, por sua própria natureza, suscetíveis de serem quantificados e claramente definidos e, assim sendo, negociáveis.
Apesar de importantes hiatos, as relações entre a China e os Estados Unidos têm um fio condutor de busca de respostas pragmáticas, como deve e costuma acontecer entre duas imensas civilizações comerciais. As iniciativas Nixon-Kissinger junto à dupla Mao-Zhou Enlai, conduzidas em momento tão adverso, mostram o caminho que deverá voltar a ser explorado. O espírito de moderação parece estar temporariamente em falta em Washington, mas é da natureza das coisas que deva logo voltar. A China atravessa um perigoso momento de húbris, mas sua própria história é rica em lições que mostram como a excessiva autoconfiança pode preparar desastres um pouco mais adiante.
Não pretendo ter – depois de muitos anos e de longa reflexão – uma posição neutra sobre as relações entre o Brasil e a China. Sempre identifiquei, sem maiores complicações, o que parece ser a natural complementaridade de interesses econômicos entre os dois países. Somos e seremos cada vez mais produtores daquilo que a China precisa. E a China, cada vez mais, pode e parece querer fazer investimentos de grande importância estratégica para o nosso país. Desejo e espero que a relação se diversifique cada vez mais e nossa pauta de exportações possa ir além dos limites da lista atual.
Em anos recentes, e em mais de uma ocasião, visitei a China quase sempre em algum evento ligado aos Brics, o pequeno clube de cachorros grandes onde, para ser sócio, como costumo dizer, tamanho é documento. A China, a Índia e a Rússia se entendem e se desentendem há muito tempo. Nós e a África do Sul somos os new kids on the block, e cabe agora, aos cinco países, de tão díspares destinos, encontrar e definir alguns temas que possam servir como uma agenda comum. Gosto de participar desse exercício e acho que o Brasil deve continuar a ser um país de múltiplos vínculos e associações. Ficaremos desconfortáveis se seguirmos políticas estreitas contando apenas com uns poucos parceiros.
Antes que a diplomacia brasileira tomasse os caminhos erráticos e ingênuos que agora percorre, algumas verdades pareciam ser incontornáveis para nós. Éramos um país destinado a encontrar convergências com muitos – e não com poucos. Éramos naturalmente criadores de amplos consensos – e não parte de alianças sectárias. Usávamos a nosso favor as muitas dimensões da nossa identidade e não excluíamos, a priori, nenhum país ou ideologia idônea do nosso convívio e do nosso diálogo. Parecemos esquecidos de tudo isso.
Temo que o agravamento das tensões e disputas entre os Estados Unidos e a China crie condições que devem nos obrigar a navegar com cuidado em águas que ficarão perigosamente agitadas. Temos que cuidar dos nossos imensos interesses em jogo e agir com racionalidade e lucidez. O falso detetive chinês Charlie Chan, que ficou famoso em filmes de segunda linha nas décadas de 1930-40 e hoje talvez esteja merecidamente esquecido, dizia sempre o seguinte: “O espírito é como um paraquedas. Só funciona bem quando está aberto.” Essa é a recomendação que se deve fazer hoje aos que vêm conduzindo, com tanta imprudência, a política exterior do Brasil.

MARCOS DE AZAMBUJA

Diplomata, foi secretário-geral do Itamaraty e embaixador do Brasil em Buenos Aires e Paris. É coautor de História da Paz, da Contexto