Eu nunca chamaria os diplomatas que rejeitam a atual política externa, do governo Bolsonaro, de "desalentados". Ao contrário, se trata de resistentes à subissão da diplomacia bolsolavista ao governo Trump, suas posturas antidiplomáticas em praticamente todas as vertentes da agenda internacional, multilateral, regional e bilateral.
Esse trabalho de resistência vai continuar.
Eu mesmo pretendo lançar mais um livro proximamente.
"Desalentados", grupo de diplomatas propõe política externa pós-Bolsonaro
Carolina Marins
Do UOL, em São Paulo
05/09/2020 04h00
Na próxima terça-feira (8), às 15h, os ex-embaixadores Celso Amorim e Rubens Ricupero, que não participaram da construção do documento, mas interpretam a iniciativa como uma forma de demonstrar "desalento" com o momento atual vivido pelo Itamaraty, participam de debate virtual para o lançamento da carta de metas. A mediação será da professora Suhayla Khalil, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, e a transmissão ocorrerá pelo YouTube, Facebook e no UOL.
"Isso reflete um momento de tremendo desencanto com o que está ocorrendo na política externa", opina o ex-chanceler Celso Amorim em entrevista ao UOL. "A gente tem visto outros diplomatas veteranos que estão todos muito chocados com os rumos que o Brasil tem tomado. Eu acho que isso chegou aos jovens diplomatas também. Os jovens estão muito desalentados."
Antonio Cottas, diplomata licenciado que idealizou o projeto, explica que o documento reúne sugestões de outros diplomatas, servidores públicos e especialistas na área de relações internacionais para "recuperar" a reputação do Itamaraty. "O primeiro projeto público de uma política externa pós-bolsonarista parte da constatação de graves danos à reputação e aos interesses do Brasil causados pelo atual governo", diz a nota de divulgação do evento.
"Já passado um ano e meio, o governo não tem sido capaz de apresentar resultados concretos. Pelo contrário, tem colocado o Brasil em grandes dificuldades com países parceiros", afirma Cottas.
"Esse pessoal de agora fez uma mudança radical no organograma logo no começo do mandato. Isso causou uma dor de cabeça enorme para um monte de gente, para o funcionamento do ministério, e obteve resultados muito duvidosos. Muitas pessoas estão se sentindo constrangidas em defender algumas políticas desse governo e estão preferindo ir para postos ou designações um pouco mais 'low profile'".
Entre os descontentamentos, o diplomata aponta o alinhamento automático aos Estados Unidos, defendido pelo presidente brasileiro. Segundo ele, o comportamento do país arranha a imagem até mesmo aos olhos dos EUA.
"Vamos ter uma política externa sensata. Nada de alinhamento automático e submissão aos Estados Unidos. Primeiro porque eles não respeitam isso. Para um país com as dimensões do Brasil, não tem como você se alinhar a uma grande potência. Fora que isso é constrangedor e humilhante", diz.
"Isso não é um alinhamento. Alinhamento foi na época do Castelo Branco, do Juracy Magalhães. Isso é submissão", concorda Amorim. "Nas grandes questões globais, que o Brasil não teria um grande interesse, ele seguia os Estados Unidos. Agora não. Mesmo em coisas importantes. Por exemplo, o Brasil tinha um candidato ao BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Os EUA, rompendo com uma tradição de 60 anos, lançam um candidato e o Brasil solta uma nota elogiando. Isso aí não tem paralelo", exemplifica.
"Eu creio que nem os europeus, nem o Mercosul deseja propriamente liquidar a possibilidade de que o acordo venha a existir no futuro. Mas ele está condicionado a que haja uma mudança real na política de meio ambiente do Brasil", diz Rubens Ricupero, que também foi ministro do meio ambiente durante o governo Itamar Franco.
"Quem criou o problema foi o Brasil, porque o acordo estava indo muito bem. A Alemanha tinha interesse em levar adiante, mas o que aconteceu na Amazônia, evidentemente, paralisou tudo. E já houve dois parlamentos, o da Holanda e o da Irlanda, que votaram resoluções contrárias ao acordo", completa.
"O governo todo festejou o acordo Mercosul-União Europeia. O próprio chanceler festejou porque estávamos negociando há vinte anos. Depois, tudo o que o Brasil fez foi para sabotar o acordo. Brigou com a França. Brigou com a Alemanha. Tratam de mudança climática de maneira vexatória que nos expõe no mundo inteiro. Tudo isso torna o acordo impossível", opina Amorim.
Segundo os embaixadores, o histórico pragmatismo do Itamaraty, que antes tornava o Brasil um país amigável para participar de inúmeras discussões sensíveis da política internacional, se perdeu com a chegada da ideologia encampada por Bolsonaro, em especial em temas de direitos humanos, desmatamento e saúde. Com a pandemia de covid-19 e a consolidação do país como epicentro da doença, a reputação foi novamente afetada.
"Já tínhamos uma imagem péssima por muitas razões", diz Ricupero. "O fato de que o presidente faz apologia da ditadura e da tortura; que tem essa atitude hostil à política de gênero; o problema dos povos indígenas; os incêndios da Amazônia. E agora em cima de tudo isso, é o país percebido como o pior do mundo no combate à pandemia. Nenhum país do mundo mudou três vezes de ministro da Saúde em plena pandemia. E agora, como se não faltasse ainda, essa declaração sobre a vacina, que é a única esperança que se tem agora."
O ex-embaixador diz que recuperar a reputação pode ser um processo lento. "Ainda que daqui dois, três anos se tenha outro governo e uma política externa muito superior à atual, as pessoas no exterior vão sempre lembrar deste momento de mergulho e vão dizer 'que confiança nós podemos ter um país que teve oscilações tão grandes?'".
Ambos os embaixadores enfatizam que leram o documento a ser divulgado e não concordam necessariamente com todos os pontos, mas consideram importante a ação. "Eu fico com muita admiração pela coragem desses jovens. Entendo que muitos deles provavelmente estão em serviço ativo", completa Amorim.
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