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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

terça-feira, 22 de setembro de 2020

Bolsonaro na ONU: Um discurso recheado de mentiras: confronto com a realidade - Paulo Roberto de Almeida

Um discurso recheado de mentiras: confronto com a realidade 

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

[Objetivoconfrontar o discurso de Bolsonaro à realidadefinalidadedebate público]

  

Um exercício de leitura linear a partir do canhestro discurso do presidente, com poucas platitudes, muitas mentiras e um pouco menos de agressividade do que o ridículo discurso de 2019, que foi mais dirigido para o público interno do que tratou da agenda internacional. Ele agrediu menos dirigentes estrangeiros desta vez, mas agrediu a imprensa, a verdade e não teve sequer o decoro de respeitar a inteligência de quem o ouviu, proclamando virtudes – em matéria de meio ambiente, pandemia – que certamente não possui.

 

Um exercício de confrontação: o discurso do presidente na 75ª. AGNU e seus problemas com a realidade observável

Discurso de Bolsonaro na AGNU, 22/10/2020

Observações, comentários e retificações de Paulo R. de Almeida

É uma honra abrir esta assembleia com os representantes de nações soberanas, num momento em que o mundo necessita da verdade para superar seus desafios.

DISTORÇÃO: verdade é o que menos teve no discurso do presidente na AGNU. Existem uma ou duas, apenas, e nenhuma delas se deve a seu governo; são platitudes, apenas e tão somente.

A COVID-19 ganhou o centro de todas as atenções ao longo deste ano e, em primeiro lugar, quero lamentar cada morte ocorrida.

MENTIRA: Nunca lamentou sinceramente as milhares de mortos no Brasil, e só o fez, de forma canhestra, quando instado a fazê-lo

Desde o princípio, alertei, em meu País, que tínhamos dois problemas para resolver: o vírus e o desemprego, e que ambos deveriam ser tratados simultaneamente e com a mesma responsabilidade.

MENTIRA: Sempre negou a gravidade da pandemia, como negacionista que sempre foi, e tentou evitar por todos os meios quarentenas ou afastamentos, determinados unicamente com o objetivo de salvar vidas, por governadores.

Por decisão judicial, todas as medidas de isolamento e restrições de liberdade foram delegadas a cada um dos 27 governadores das unidades da Federação. Ao Presidente, coube o envio de recursos e meios a todo o País.

MENTIRA: É a Constituição que prevê essa repartição de responsabilidade. O STF apenas se limitou a respeitar a CF-1988. Enviou recursos em caráter muito precário, inclusive porque não houve comitê nacional de coordenação na área.

Como aconteceu em grande parte do mundo, parcela da imprensa brasileira também politizou o vírus, disseminando o pânico entre a população. Sob o lema “fique em casa” e “a economia a gente vê depois”, quase trouxeram o caos social ao país.

MENTIRA CALHORDA: A imprensa, no Brasil e no mundo, sempre fez o papel que se espera dela, refletindo objetivamente tudo o que governos e outras autoridades falam e fazem. Quem trouxe o caos foi ele mesmo, ao desafiar continuamente as recomendações de cientistas.

Nosso governo, de forma arrojada, implementou várias medidas econômicas que evitaram o mal maior:

– Concedeu auxílio emergencial em parcelas que somam aproximadamente 1000 dólares para 65 milhões de pessoas, o maior programa de assistência aos mais pobres no Brasil e talvez um dos maiores do mundo;

MENTIRA DESLAVADA: O governo queria dar apenas 200 reais, o Congresso aumentou para 500 e o presidente concedeu 600, apenas para prevalecer, de forma demagógica. Os 1.000 dólares são uma interpretação muito ampliada da realidade, juntando o máximo que alguns poderiam ganhar cumulativamente. Não houve tal generosidade de forma geral à população.

– Destinou mais de 100 bilhões de dólares para ações de saúde, socorro a pequenas e microempresas, assim como compensou a perda de arrecadação dos estados e municípios;

MEIA VERDADE, DISTORÇÃO: Até parece que tudo se desenvolveu de forma perfeita, a todas as microempresas, quando a realidade está muito longe disso; existem fatos que o provam.

– Assistiu a mais de 200 mil famílias indígenas com produtos alimentícios e prevenção à COVID;

GRANDE MENTIRA: Inúmeras matérias de imprensa e relatos de ONGs atestam os desafios às populações indígenas, com muitas vítimas.

– Estimulou, ouvindo profissionais de saúde, o tratamento precoce da doença;

MENTIRA CALHORDA: Dois ministros da Saúde foram desmentidos, por falar a verdade;

– Destinou 400 milhões de dólares para pesquisa, desenvolvimento e produção da vacina de Oxford no Brasil;

DISCRIMINAÇÃO: Tal financiamento se fez apenas a UM dos projetos de vacina; a vacina do Instituto Butantã com a China não teve nada.

Não faltaram, nos hospitais, os meios para atender aos pacientes de COVID.

MENTIRA MAIS UMA VEZ: Hospitais nas regiões NO e NE ficaram sem equipamentos.

A pandemia deixa a grande lição de que não podemos depender apenas de umas poucas nações para produção de insumos e meios essenciais para nossa sobrevivência. Somente o insumo da produção de hidroxicloroquina sofreu um reajuste de 500% no início da pandemia. Nesta linha, o Brasil está aberto para o desenvolvimento de tecnologia de ponta e inovação, a exemplo da indústria 4.0, da inteligência artificial, nanotecnologia e da tecnologia 5G, com quaisquer parceiros que respeitem nossa soberania, prezem pela liberdade e pela proteção de dados.

DÚVIDAS: O retorno a práticas de autarquia não é a melhor solução para os problemas temporários trazidos pela pandemia; em breve prazo, as relações de interdependência e de abastecimento voltam a níveis normais.

inflação no preço da cloroquina se DEVE INTEIRAMENTE à recomendação demencial do próprio Bolsonaro pelo uso, sem qualquer comprovação científica de sua eficácia efetiva.

O Brasil é, dos países do G20, o mais fechado às cadeias de valor. Cabe ao presidente ordenar à abertura, se preciso UNILATERAL, do Brasil, já que é o Brasil que é fechado ao mundo.

No Brasil, apesar da crise mundial, a produção rural não parou. O homem do campo trabalhou como nunca, produziu, como sempre, alimentos para mais de 1 bilhão de pessoas.

ABUSANDO DO TRABALHO ALHEIO: Nada dessa imensa produtividade do campo se deve ao atual governo, menos ainda ao se chefe, pois esse ciclo ascendente vem de longe.

O Brasil contribuiu para que o mundo continuasse alimentado.

IDEM: O Brasil é um grande ator na área, pelo trabalho dos agricultores, não do governo.

Nossos caminhoneiros, marítimos, portuários e aeroviários mantiveram ativo todo o fluxo logístico para distribuição interna e exportação.

INÓCUO: Uma economia normal funciona sem que o governo precise fazer qualquer concessão aos agentes reais da economia brasileira. Aliás, a infraestrutura que depende dele é péssima.

Nosso agronegócio continua pujante e, acima de tudo, possuindo e respeitando a melhor legislação ambiental do planeta.

IDEM:A construção da pujança do agronegócio é uma obra coletiva que vem de pelo menos três décadas de trabalho contínuo, não de 2019-20.

Mesmo assim, somos vítimas de uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal.

MENTIRA CALHORDA: Acusar o mundo de se entregar à desinformação deliberada sobre o Brasil, é uma mentira calhorda e insultuosa.

A Amazônia brasileira é sabidamente riquíssima. Isso explica o apoio de instituições internacionais a essa campanha escorada em interesses escusos que se unem a associações brasileiras, aproveitadoras e impatrióticas, com o objetivo de prejudicar o governo e o próprio Brasil.

IGNORÂNCIA: Confunde recursos naturais com riqueza; esta só existe quando existem meios de explorar de maneira sustentável. Essa noção de que que estrangeiros querem retirar a Amazônia de nossa soberania é errada e também ridícula; quem prejudica o Brasil é a postura destruidora do presidente e seu antiministro.

Somos líderes em conservação de florestas tropicais. Temos a matriz energética mais limpa e diversificada do mundo.

ARROGÂNCIA: Não foi este governo quem fez a matriz energética diversificada; ela vem de longe; quanto a ser líder, resta provar...

Mesmo sendo uma das 10 maiores economias do mundo, somos responsáveis por apenas 3% da emissão de carbono.

DADOS NÃO CONFIRMADOS: Emissões de carbono não têm relação direta com o tamanho da economia; emissões podem ser ambientais.

Garantimos a segurança alimentar a um sexto da população mundial, mesmo preservando 66% de nossa vegetação nativa e usando apenas 27% do nosso território para a pecuária e agricultura. Números que nenhum outro país possui.

CANTANDO VANTAGEM: O governo não é o responsável por essa situação que vem de longe; outros países participam da oferta alimentar no mundo, e isso ocorre tanto por produtividade quanto por extensão de terras e outros recursos, que são dados da natureza.

O Brasil desponta como o maior produtor mundial de alimentos.

PLATITUDE: Trata-se apenas de uma simples constatação de fato, uma evidência primária.

E, por isso, há tanto interesse em propagar desinformações sobre o nosso meio ambiente.

MENTIRA CRASSA: A mídia não tem nenhum interesse em propagar desinformações.

Estamos abertos para o mundo naquilo que melhor temos para oferecer, nossos produtos do campo. Nunca exportamos tanto. O mundo cada vez mais depende do Brasil para se alimentar.

EM TERMOS: Se acaso Brasil desaparecer, o mundo vai se arranjar de outra forma; existem outros países que podem fornecer os produtos que o Brasil produz; não há essa dependência.

Nossa floresta é úmida e não permite a propagação do fogo em seu interior. Os incêndios acontecem praticamente, nos mesmos lugares, no entorno leste da Floresta, onde o caboclo e o índio queimam seus roçados em busca de sua sobrevivência, em áreas já desmatadas.

BOBAGEM: Os incêndios são em áreas já devastadas, não na floresta virgem. Caboclos e índios são absolutamente marginais para efeito do desmatamento e das queimadas; a maior parte é feita por grileiros, fazendeiros voltados para a pecuária e agricultura, desmatadores em geral; essa acusação é indigna de um presidente.

Os focos criminosos são combatidos com rigor e determinação. Mantenho minha política de tolerância zero com o crime ambiental. Juntamente com o Congresso Nacional, buscamos a regularização fundiária, visando identificar os autores desses crimes.

MENTIRA, MENTIRA! A tolerância zero é justamente com os desmatadores e grileiros. O governo não tem fiscalizado, não tem aplicado multas, tem sido leniente e conivente com os destruidores dos recursos naturais. A mentira é evidente para quem conhece a realidade.

Lembro que a Região Amazônica é maior que toda a Europa Ocidental. Daí a dificuldade em combater, não só os focos de incêndio, mas também a extração ilegal de madeira e a biopirataria. Por isso, estamos ampliando e aperfeiçoando o emprego de tecnologias e aprimorando as operações interagências, contando, inclusive, com a participação das Forças Armadas.

PROMESSAS: Todos sabem disso e estão dispostos a conceder essa condição ao Brasil, de não ser capaz de controlar um imenso território da Amazônia; mas até aqui não se viu qualquer providência governamental de PROTEÇÃO da Amazônia, apenas projetos de EXPLORAÇÃO não sustentável; FFAA não seriam necessárias se os órgãos tradicionais não tivessem sido objeto de cortes e cerceamentos de atuação.

Pantanal, com área maior que muitos países europeus, assim como a Califórnia, sofre dos mesmos problemas. As grandes queimadas são consequências inevitáveis da alta temperatura local, somada ao acúmulo de massa orgânica em decomposição.

MENTIRA: Grandes queimadas não ocorrem apenas naturalmente pela alta temperatura, e sim pela ação do homem, criminosa ou não; governo é feito para controlar essas ações em áreas expostas a esses riscos, na Califórnia, no Brasil, no Pantanal ou na Amazônia.

A nossa preocupação com o meio ambiente vai além das nossas florestas. Nosso Programa Nacional de Combate ao Lixo no Mar, um dos primeiros a serem lançados no mundo, cria uma estratégia para os nossos 8.500 quilômetros de costa.

CABE VERIFICAR: A Marinha brasileira há muito tempo vem se dedicando a esse projeto. Ela está de parabéns pelo seu trabalho. O governo quer tirar vantagem sobre aquilo que ele não fez, e sim que recebeu como legado das instituições e programas já existentes.

Nessa linha, o Brasil se esforçou na COP25 em Madri para regulamentar os artigos do Acordo de Paris que permitiriam o estabelecimento efetivo do mercado de carbono internacional. Infelizmente, fomos vencidos pelo protecionismo.

MENTIRA, ERRADO: O fracasso do Brasil na COP25 – que deveria ter sido REALIZADA no Brasil, e foi recusada desde 2018 – se deve basicamente à atitude irracional do antiministro do 1/2 Ambiente, que não conseguiu êxito em seu projeto de chantagear os países ricos. 

Em 2019, o Brasil foi vítima de um criminoso derramamento de óleo venezuelano, vendido sem controle, acarretando severos danos ao meio ambiente e sérios prejuízos nas atividades de pesca e turismo.

CABE ESCLARECER: Até agora, a Marinha ou outros órgãos (PF, etc.) não conseguiram determinar a origem exata desse derramamento, que é efetivamente de petróleo venezuelano, mas provavelmente exportado ilegalmente. 

O Brasil considera importante respeitar a liberdade de navegação estabelecida na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

PLATITUDE: Não precisaria afirmar o óbvio: que o Brasil respeita convenções internacionais que ele próprio soberanamente aceitou e cumpre como deve ser nas relações internacionais.

Entretanto, as regras de proteção ambiental devem ser respeitadas e os crimes devem ser apurados com agilidade, para que agressões como a ocorrida contra o Brasil não venham a atingir outros países.

OUTRA PLATITUDE: O Brasil pode contar com a colaboração da IMO e de outros órgãos para ajudar nisso, ou seja, precisa reafirmar sua adesão ao MULTILATERALISMO, o que vem sendo combatido por alguns IDIOTAS.

Não é só na preservação ambiental que o país se destaca. No campo humanitário e dos direitos humanos, o Brasil vem sendo referência internacional pelo compromisso e pela dedicação no apoio prestado aos refugiados venezuelanos, que chegam ao Brasil a partir da fronteira no estado de Roraima.

MENTIRA, MENTIRA, MENTIRA: Como é possível ao presidente mentir tão abertamente, tão descaradamente? O Brasil é acusado por organismos internacionais e por ONGs por não respeitar, justamente, compromissos internos e externos no plano do meio ambiente e dos DH; o Brasil saiu do Pacto Global das Migrações.

A Operação Acolhida, encabeçada pelo Ministério da Defesa, recebeu quase 400 mil venezuelanos deslocados devido à grave crise político-econômica gerada pela ditadura bolivariana.

COMPROMISSOS EXTERNOS: Somos membros de convenções internacionais, ou seja, MULTILATERAIS, que comandam o refúgio e o acolhimento de pessoas em situação de perigo; temos de cumprir nossas obrigações.

Com a participação de mais de 4 mil militares, a Força Tarefa Logística-Humanitária busca acolher, abrigar e interiorizar as famílias que chegam à fronteira.

O QUE SE FAZ É O NECESSÁRIO: o Brasil estaria falhando a seus compromissos se não estivesse acolhendo refugiados em situação de extrema precariedade; é uma questão MORAL!

Como um membro fundador da ONU, o Brasil está comprometido com os princípios basilares da Carta das Nações Unidas: paz e segurança internacional, cooperação entre as nações, respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais de todos. Neste momento em que a organização completa 75 anos, temos a oportunidade de renovar nosso compromisso e fidelidade a esses ideais. A paz não pode estar dissociada da segurança.

PLATITUDE DIPLOMÁTICA: O que se diz aqui figura em todos os discursos de delegados brasileiros às AGNUs desde 1946, ou seja, não existe nenhuma novidade nessa repetição de platitudes que qualquer terceiro secretário da carreira diplomática aprende desde suas aulas no Instituto Rio Branco. O discurso aqui retoma, portanto, um tom e estilo, que deveria ser o do ano passado, quando o que tivemos foi uma VERGONHA anti-onusiana e agressiva.

A cooperação entre os povos não pode estar dissociada da liberdade. O Brasil tem os princípios da paz, cooperação e prevalência dos direitos humanos inscritos em sua própria Constituição, e tradicionalmente contribui, na prática, para a consecução desses objetivos.

MAIS PLATITUDES: Ou seja, pelo menos, desta vez, usaram alguns conceitos típicos da diplomacia profissional para incorporar num discurso que não deveria repetir PLATITUDES, mas tratar da agenda internacional, dos grandes problemas da humanidade.

O Brasil já participou de mais de 50 operações de paz e missões similares, tendo contribuído com mais de 55 mil militares, policiais e civis, com participação marcante em Suez, Angola, Timor Leste, Haiti, Líbano e Congo.

BLÁ, BLÁ, BLÁ: O presidente não tem a menor ideia do que o Brasil já fez na esfera das missões de paz da ONU, e apenas repete o que lhe foi servido por assessores internacionais um pouco menos idiotas do que em 2019. 

O Brasil teve duas militares premiadas pela ONU na Missão da República Centro-Africana pelo trabalho contra a violência sexual.

As FFAA cumprem com o seu dever: mais uma colaboração da diplomacia profissional para evitar que ele fale muita bobagem.

Seguimos comprometidos com a conclusão dos acordos comerciais firmados entre o MERCOSUL e a União Europeia e com a Associação Europeia de Livre Comércio. Esses acordos possuem importantes cláusulas que reforçam nossos compromissos com a proteção ambiental.

EQUIVOCADO: Não, o Brasil, ou o presidente não está minimamente comprometido com esses objetivos, pois vem se exercendo como touro desembestado numa loja de cristais; ele vem contrariando sistematicamente o espírito e a letra desses acordos, por sua atitude destrutiva no meio ambiente e em DH; o acordo não sai.

Em meu governo, o Brasil, finalmente, abandona uma tradição protecionista e passa a ter na abertura comercial a ferramenta indispensável de crescimento e transformação.

MENTIRA RIDÍCULA: até aqui não houve NENHUMA medida de abertura; a Tarifa do Mercosul continua alta e o Brasil continua aplicando restrições indevidas no comércio.

Reafirmo nosso apoio à reforma da Organização Mundial do Comércio que deve prover disciplinas adaptadas às novas realidades internacionais.

OUTRA MENTIRA: o chanceler acidental, submisso e servil ao governo Trump, vem aderindo à visão anti-OMC dos EUA; por isso mesmo, perdeu o Diretor Geral brasileiro.

Estamos igualmente próximos do início do processo oficial de acessão do Brasil à OCDE. Por isso, já adotamos as práticas mundiais mais elevadas em todas as áreas, desde a regulação financeira até os domínios da segurança digital e da proteção ambiental.

ILUDIDO OU IGNORANTE: O Brasil não tem nenhuma chance de ser admitido na OCDE se não corrigir sua postura contrária às medidas de luta contra a corrupção e à lavagem de cash; a sabotagem contra a COAF e a Lava Jata devem deixar o Brasil de fora da OCDE.

No meu primeiro ano de governo, concluímos a reforma da previdência e, recentemente, apresentamos ao Congresso Nacional duas novas reformas: a do sistema tributário e a administrativa.

RETÓRICA VAZIA: Reforma da Previdência não teve a nada a ver com o governo; já vinha da presidência Temer e deve mais ao Congresso do que ao ministro da Economia. As reformas tributária e administrativa ainda são promessas.

Novos marcos regulatórios em setores-chave, como o saneamento e o gás natural, também estão sendo implementados. Eles atrairão novos investimentos, estimularão a economia e gerarão renda e emprego.

PROMESSAS, PALAVRAS: Como ocorreu em presidências anteriores, algumas reformas se impõem pela própria situação calamitosa de certos serviços públicos que não podem contar com recurso públicos; daí a privatização.

O Brasil foi, em 2019, o quarto maior destino de investimentos diretos em todo o mundo. E, no primeiro semestre de 2020, apesar da pandemia, verificamos um aumento do ingresso de investimentos, em comparação com o mesmo período do ano passado. Isso comprova a confiança do mundo em nosso governo.

ATRAÇÃO DE INVESTIMENTOS: Como grande economia o Brasil sempre vai atrair maiores fluxos de IED; a desvalorização da moeda também ajuda, pois se pode “comprar” o Brasil com “descontos” de 40% sobre o passado e isso deve continuar; Investidores de fora já alertaram o governo para as posturas erradas.

O Brasil tem trabalhado para, em coordenação com seus parceiros sul-atlânticos, revitalizar a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul.

MAIS PLATITUDE DIPLOMÁTICA: Isso na verdade é apenas uma intenção; não quer dizer quase nada na prática.

O Brasil está preocupado e repudia o terrorismo em todo o mundo.

TERIA COMO SER DE OUTRA FORMA? Ser contra o terrorismo não é mérito nenhum...

Na América Latina, continuamos trabalhando pela preservação e promoção da ordem democrática como base de sustentação indispensável para o progresso econômico que desejamos.

SIM, QUAIS SÃO OS EXEMPLOS? Tirartodo o pessoal diplomático e consular da Venezuela ajuda nesse projeto? O Brasil atual se excluiu de qualquer solução diplomática para a tragédia venezuelana, se auto-excluiu. 

A LIBERDADE É O BEM MAIOR DA HUMANIDADE.

PRECISA COMENTAR? Alguém tem outra opinião? O presidente descobriu a pólvora?

Faço um apelo a toda a comunidade internacional pela liberdade religiosa e pelo combate à cristofobia.

CONTRA A LAICIDADE DO ESTADO: O país tem outras denominações religiosas; caber dizer isso aos “aliados” da Arábia Saudita. 

Também quero reafirmar minha solidariedade e apoio ao povo do Líbano pelas recentes adversidades sofridas.

COMO EU SOU BONZINHO...: O Brasil tem a maior população de origem libanesa, e não faz mais do que a sua obrigação de solidariedade.

Cremos que o momento é propício para trabalharmos pela abertura de novos horizontes, muito mais otimistas para o futuro do Oriente Médio.

PRETENSÕES LULOPETISTAS? Bolsonaro também pretende fazer a paz entre israelenses e palestinos? Vai se meter em imbróglios eternos? Acha que tem capacidade para tanto? Ilusões? 

Os acordos de paz entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, e entre Israel e o Bahrein, três países amigos do Brasil, com os quais ampliamos imensamente nossas relações durante o meu governo, constitui excelente notícia.

CONSTATAÇÃO ELEMENTAR: Será que a mídia não está enganando ninguém nesse tema? O fato de Israel e países supostamente inimigos do Irã estarem estabelecendo relações é uma boa notícia em si. Trump se aproveita disso, e o seu seguidor vai atrás, querendo tirar vantagem.

O Brasil saúda também o Plano de Paz e Prosperidade lançado pelo Presidente Donald Trump, com uma visão promissora para, após mais de sete décadas de esforços, retomar o caminho da tão desejada solução do conflito israelense-palestino.

SERVILISMO DIPLOMÁTICO: O Brasil foi um dos poucos países que apoiaram esse plano que não respeita os direitos dos palestinos e foi inclusive desativado pelas novas posturas que Israel vem adotando a esse respeito. Nenhum outro país importante apoiou o Plano Trump.

A nova política do Brasil de aproximação simultânea a Israel e aos países árabes converge com essas iniciativas, que finalmente acendem uma luz de esperança para aquela região.

WISHFUL THINKING: O Brasil já tinha boas relações com as duas partes há décadas, e foi esse governo que se inclinou para o lado de Israel, causando desconforto entre os árabes. A “luz de esperança” é apenas uma promessa. 

O Brasil é um país cristão e conservador e tem na família sua base.

NOVIDADE CONSTITUCIONAL: Desde a República o Brasil é um país laico e secular. 

Deus abençoe a todos!

VOTO: Podia começar iluminando ele mesmo.

E o meu muito obrigado!

UFA! Terminaram as mentiras...

Assista ao discurso de Bolsonaro:

https://www.oantagonista.com/brasil/leia-a-integra-do-discurso-de-bolsonaro-na-onu/

Quem tiver paciência, obviamente, para ouvir mentiras, meias verdades, falcatruas ridículas...

 


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3759, 22 de setembro de 2020

 


Addendum: 

Complemento com o que recebi de Eduardo Fleming: 


Uau... parabéns pela espantosa paciência de retrucar frase a frase da mais boçal das criaturas que até agora subiu a rampa do Planalto. Eu, por minha curta paciência, apenas me limitaria a juntar tudo e escrever em todas as línguas e dialetos o mesmo texto:

- CUIDADO! MENTIRA PODE TRAZER DEMENCIA! O LIXO DESTE DISCURSO DEVE SER DESCARTADO CORRETAMENTE!

- CAUTION! LIE CAN BRING DEMENTIA! THE GARBAGE OF THIS DISCOURSE MUST BE DISPOSED OF CORRECTLY!

- VORSICHT! LÜGE KANN DEMENTIEN BRINGEN! DER ABFALL DIESES DISKURSES MUSS RICHTIG ENTSORGT WERDEN!

- alhdhr! alkadhib ymkn 'an yusabib alkhrf! yjb altakhalus min nifayat hdha altarh bishakl sahih!an

- MISE EN GARDE! LE MENSONGE PEUT APPORTER DE LA DEMENCE! LES DÉCHETS DE CE DISCOURSE DOIVENT ÊTRE ÉLIMINÉS CORRECTEMENT!

-注意!谎言可以带来痴呆!必须正确处置此垃圾的内容!

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

A empulhação americana no caso do açúcar e a sabujice confirmada do chanceler acidental - Mariana Sanches (BBC)

 Os americanos querem enganar os brasileiros? Parece que sim. E quais são os idiotas que querem se deixar enganar? São aqueles que pretendem que os americanos fizeram uma concessão ao Brasil em troca da importação livre de direitos de etanol de milho americano, quando eles NÃO FIZERAM NENHUMA CONCESSÃO, apenas realocaram cotas de açúcar já disponíveis.

MENTIRA, o que qualquer autoridade americana ou brasileira possa dizer sobre esse "acordo" enganoso.

Paulo Roberto de Almeida 

Por que anúncio de Bolsonaro sobre cota de açúcar dos EUA para o Brasil não é vitória diplomática


  • Mariana Sanches - @mariana_sanches
  • Da BBC News Brasil em Washington, 21/09/2020

Depois de uma sequência recente de derrotas diplomáticas para os Estados Unidos no comércio bilateral, o presidente Jair Bolsonaro foi ao Twitter nesta segunda-feira, dia 21, anunciar que os americanos aumentarão a compra de açúcar brasileiro em 80 mil toneladas e, junto com uma foto do chanceler Ernesto Araújo, afirmou que esse é "o primeiro resultado das recém-abertas negociações Brasil-EUA para o setor de açúcar e álcool". 

A manifestação ocorre semanas após o aço brasileiro ter sido cortado em mais de 80% das importações americanas e de o Brasil ter renovado uma isenção de tarifas à entrada de quase 200 milhões de litros de etanol americano no país, o que o setor sucroalcooleiro classificou como "enorme sacrifício". 

Final de Twitter post, 1

De acordo com fontes com conhecimento direto das negociações ouvidas pela BBC News Brasil, o Itamaraty teria tomado as medidas para tentar colaborar com a campanha de reeleição do presidente Donald Trump, que tem entre os operários da siderurgia e os fazendeiros de milho parte de sua base eleitoral. 

Oficialmente, o chanceler Araújo afirmou que a concessão era necessária para abrir negociações que poderiam resultar em uma redução das barreiras tarifárias de 140% que os americanos impõem sobre o açúcar brasileiro há décadas. 

Mas as negociações caíram mal politicamente e geraram críticas de subserviência do país diante de seu aliado preferencial. A tensão ainda aumentou depois que Araújo serviu de cicerone ao secretário de Estado americano Mike Pompeo em uma visita relâmpago à Roraima, na última sexta-feira, quando o americano fez críticas ao regime venezuelano. 

"No geral, há uma percepção de que o Brasil não está sendo tratado de uma maneira justa perante os Estados Unidos, por isso o governo está tentando dar uma publicidade para algo trivial e esperado, para buscar um equilíbrio nessa imagem para o seu público", afirmou reservadamente à BBC News Brasil um embaixador especializado em comércio internacional.

Segundo o diplomata, trata-se de algo "trivial" e "esperado" porque embora o presidente sugira que houve um incremento permanente na quantidade de açúcar que o Brasil poderá exportar aos americanos, o que aconteceu na verdade foi uma realocação temporária de fornecedores feita pelos americanos. 

Os Estados Unidos importam anualmente mais de 3 milhões de toneladas de açúcar - e dão preferência a vendedores da África ou América Central. Mas, caso esses fornecedores habituais não vendam a quantidade necessária e haja um subabastecimento do mercado americano, a Secretaria de Agricultura dos Estados Unidos informa o representante comercial do país que redireciona suas compras para outros produtores, como o Brasil. 

A mesma coisa aconteceu no ano passado e em fevereiro desse ano, sem que Bolsonaro fizesse do fato motivo de comemoração nas redes nessas duas ocasiões.

"Os Estados Unidos não fizeram nenhum favor ao Brasil, apenas realocaram algum volume (de açúcar) ao Brasil, dentro do mercantilismo geral deles. Isso precisa ser esclarecido, para que não pareça uma vitória diplomática que não foi", afirmou o embaixador Paulo Roberto de Almeida.

Pompeo, de máscara, descendo de escada no avião
Legenda da foto, 

Visita de Pompeo a Roraima gerou diversas críticas no mundo político

Mas o momento político atual pode ter levado a essa mudança de postura do presidente. No último fim de semana, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, criticou a visita de Pompeo a Roraima e acusou sua presença de eleitoreira e de afronta à autonomia do país.

"A visita do Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, nesta sexta-feira, às instalações da Operação Acolhida, em Roraima, junto à fronteira com a Venezuela, no momento em que faltam apenas 46 dias para a eleição presidencial norte-americana, não condiz com a boa prática diplomática internacional e afronta as tradições de autonomia e altivez de nossas políticas externa e de defesa", afirmou Maia. 

Suas críticas foram endossadas em carta por todos os ex-chanceleres do período democrático: Fernando Henrique Cardoso (governo Itamar Franco), Francisco Rezek (governo Collor), Celso Lafer (governos Collor e FHC), Celso Amorim (governos Itamar Franco e Lula), José Serra e Aloysio Nunes Ferreira (governo Temer).

O clima político ficou tão difícil que nesta segunda-feira senadores chegaram a cogitar o adiamento da sabatina de mais de 20 candidatos brasileiros a embaixadores pelo mundo, que esperam confirmação pela Casa de seus postos. O boicote foi desmobilizado depois que Ernesto Araújo aceitou comparecer ao Senado na próxima quinta-feira para explicar em detalhes a visita de Mike Pompeo.

Duas grandes sacas de açúcar em galpão
Legenda da foto, 

Sacas de açúcar para exportação no Rio Grande do Sul; produtores negaram que medida anunciada por Bolsonaro seja uma vitória

Os principais interessados no anúncio de Bolsonaro, os produtores de açúcar, tampouco consideraram o aumento na cota uma vitória. De acordo com dados da Câmara de Comércio Exterior, nas últimas cinco safras o Brasil exportou em média 25,6 milhões de toneladas de açúcar no total. Nesse universo, as 80 mil toneladas que os Estados Unidos devem comprar agora representam apenas 0,3%. 

Em nota, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA) e o Fórum Nacional Sucroenergético (FNS) afirmaram que "essa cota adicional de açúcar é consideravelmente inferior à cota mensal de etanol que o Brasil ofereceu novamente aos Estados Unidos em setembro" e reafirmou que a medida não é "uma concessão americana". 

"Devemos esclarecer que se trata de um procedimento normal adotado pelos EUA nos últimos anos, sem representar qualquer avanço estrutural para um maior acesso do açúcar brasileiro àquele país", dizem os produtores na nota.

A BBC News Brasil consultou o Itamaraty a respeito das negociações com os americanos e da cota de açúcar, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. Dentro do órgão, auxiliares do ministro afirmam que relações comerciais nesses moldes são normais, mas que fica difícil compreender esses movimentos a partir de um prisma "em que concessões brasileiras representam submissão absoluta do Brasil enquanto que qualquer medida americana é 'prêmio de consolação'". 

Desde que assumiu a presidência, Bolsonaro operou uma profunda mudança na política internacional brasileira, transformando os Estados Unidos em seu aliado preferencial.

O embaixador especialista em comércio ouvido reservadamente pela BBC News Brasil afirma que cotas e concessões são comuns nas relações internacionais, mas que em ambientes polarizados, onde que esse tipo de transação tem chamado a atenção, tem levado políticos a tentar explorá-los a seu favor. 

"Nesse caso do açúcar, não há o que se falar em vitória diplomática, é uma questão circunstancial. O Itamaraty e o setor produtivo sabem disso. Mas o resto da população, especialmente os apoiadores do presidente, não sabem. E vão se satisfazer com a mensagem dele", afirma.

Sob pressão ambiental pela segunda vez, Bolsonaro dirá na ONU que foi bem na pandemia e que Brasil alimenta o mundo (BBC Brasil)

 Sob pressão ambiental pela segunda vez, Bolsonaro dirá na ONU que foi bem na pandemia e que Brasil alimenta o mundo

Mariana Sanches, BBC Brasil (de Washington), 21/09/2020

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2020/09/21/sob-pressao-ambiental-pela-segunda-vez-bolsonaro-dira-na-onu-que-foi-bem-na-pandemia-e-que-brasil-alimenta-o-mundo.htm

Bolsonaro grava vídeo em foto de 2019; discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU também será gravado, por conta da pandemia de coronavírus - Marcos Corrêa/PR
Bolsonaro grava vídeo em foto de 2019; discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU também será gravado, por conta da pandemia de coronavírus Imagem: Marcos Corrêa/PR

Presidente brasileiro enviou discurso gravado para a abertura da Assembleia Geral da ONU, na próxima terça-feira.

Sob intenso escrutínio mundial por seu desempenho na condução do Brasil durante a pandemia de coronavírus e pelas queimadas na Amazônia e no Pantanal, ainda mais intensas do que em 2019, o presidente Jair Bolsonaroabrirá na próxima terça-feira (22/09), a 75ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas.

Em um discurso gravado ainda na semana passada, ele deve defender que o país não só teve um bom desempenho doméstico na crise sanitária como garantiu a segurança alimentar de um bilhão de pessoas ao redor do mundo graças ao agronegócio nacional, alvo real daqueles que criticam a atual gestão ambiental brasileira, segundo a interpretação do governo.

Condução da pandemia

Com mais de 4,5 milhões de infectados e 135 mil mortos por covid-19, o governo brasileiro adotou postura contrária a medidas de isolamento social e ao uso de máscara, recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e advogou por tratamentos à doença sem comprovação científica, como a hidroxicloroquina.

Mas a recente tendência de queda no número de novos contágios e mortes no país deve dar a Bolsonaro subsídios para argumentar que a situação do Brasil parece sob controle.

Ele também deve dizer que graças à sua resistência em determinar a paralisação das atividades econômicas e ao auxílio-emergencial de R$ 600 mensais recebido por mais de 60 milhões de brasileiros, o chamado "coronavoucher", a economia brasileira seguiu em funcionamento e as perspectivas de recessão do país não são tão severas quanto as de outras nações emergentes, como a Índia.

O impacto do auxílio no bolso de parcela relevante da população é apontado por especialistas como uma das explicações para as taxas de popularidade atuais do presidente, que chegou a estudar meios para tornar permanente ao menos parte do programa.

"Bolsonaro vai defender sua atuação na pandemia e sugerir que as críticas a ela eram mera perseguição política", afirma a professora de relações internacionais Elaini da Silva, da PUC-SP.

Meio ambiente, indígenas e agronegócio

O presidente deve lembrar ainda que, mesmo diante da crise, o Brasil cumpriu um papel pelo qual merece respeito internacional: forneceu alimentos para uma série de países no mundo. O presidente tem dito que se tivesse continuado a fazer demarcações de terra indígena, essa produção não seria possível.

"A ONU queria que nós passássemos de 14% para 20% de território demarcado. Falei-lhes: 'Não'. Nós não podemos sufocar aquilo que nós temos aqui que tem nos garantido a nossa segurança alimentar bem como a de mais de um bilhão de habitantes do mundo", afirmou Bolsonaro em discurso na sexta-feira, 18, em Sinop (MT).

No ano passado, para contrapor acusações de que desrespeitava os direitos dos povos indígenas, Bolsonaro levou ao plenário da Assembleia Geral a jovem liderança indígena Ysani Kalapalo, que hoje se diz decepcionada com o presidente. E em seu discurso, atacou o líder indígena caiapó Raoni Metuktire, a quem acusou de ser manipulado por ONGs e governos estrangeiros com interesses escusos na Amazônia.

Durante a pandemia, a tensão entre governo e os indígenas se intensificou. A Organização Panamericana de Saúde (OPAS), braço da OMS nas Américas, afirmou que as populações nativas têm sido cinco vezes mais atingidas do que a média da população brasileira. E em relatório lançado em agosto, o relator especial da ONU sobre direitos humanos e substâncias e resíduos tóxicos, Baskut Tuncak, afirmou que "no Brasil, as comunidades Yanomami encaram uma crise existencial e sanitária pelo contato com mineradores ilegais".

Bolsonaro deve ainda dizer que as queimadas são processos naturais e que tem acontecido não só no Brasil, como nos Estados Unidos e na África. E que o agronegócio brasileiro é eficiente e não têm responsabilidade pela devastação. Como já fez no discurso na ONU no ano passado, Bolsonaro acusará os críticos de ter motivação protecionista. A pauta ambiental seria apenas uma desculpa para que países europeus fechassem seus mercados para produtos brasileiros.

Há cinco dias, Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Dinamarca, Noruega, Países Baixos e Bélgica assinaram uma carta aberta endereçada ao vice presidente Hamilton Mourão em que se dizem "profundamente preocupados" com o desmatamento da Amazônia que "tem crescido em níveis alarmantes".

Quase 20% do Pantanal já foi destruído por incêndios. Já na Amazônia, as queimadas cresceram 12% esse ano. Mourão tem dito que o Brasil reconhece que há um problema, mas que não aceita interpretações "simplistas" do fato. Membros do alto escalão do Itamaraty que conversaram com a BBC News Brasil anteveem ao menos um momento de constrangimento brasileiro no evento.

Os diplomatas esperam ataques diretos ao país durante uma sessão da cúpula de líderes em biodiversidade. O chanceler Ernesto Araújo foi o escalado para rebater, em vídeo de 3 minutos, às possíveis críticas.

Líderes online

Pela primeira vez em seus 75 anos, a ONU não verá os discursos dos chefes de Estado ao vivo e presencialmente em sua sede em Nova York (EUA). Primeiro grande epicentro da pandemia em território americano, Nova York enfrentou um extenso período de quarentena que tem sido relaxado gradualmente.

Ainda assim, a ONU tem mantido boa parte de suas atividades diplomáticas em modo remoto. Apenas votações de resoluções em que não há consenso têm sido feitas por um integrante de cada delegação em plenário — a organização chegou a cogitar a possibilidade de votação online, mas países como a Rússia se opuseram por considerar haver risco de hackeamento.

E embora o presidente americano Donald Trump e ao menos uma dezena de outros líderes estrangeiros tenham expressado interesse de ir pessoalmente fazer o discurso, a organização da Assembleia Geral deixou claro que nenhuma autoridade seria dispensada de cumprir um rígido isolamento de 14 dias antes de poder se apresentar no púlpito, o que desencorajou os mandatários.

Normalmente apinhado de representantes, dessa vez o plenário da ONU terá apenas um representante da delegação fixa de cada país, responsável por apresentar o discurso de seu chefe de Estado antes da entrada do vídeo.

Menos agressividade

Integrantes do Itamaraty acreditam que o discurso do presidente será menos agressivo dessa vez do que no ano passado, quando ele quebrou o protocolo para afrontar nominalmente cidadãos de seu próprio país, como Raoni, e afirmou que sua eleição salvará o Brasil do socialismo. Alguns motivos explicam essa leitura. Naquele momento, poucos meses após a posse, argumentam os diplomatas, Bolsonaro precisava "marcar uma posição", "reposicionar o Brasil".

Agora é diferente. Nos últimos dois meses, o presidente tem adotado uma estratégia de comunicação mais moderada e menos verborrágica em suas falas públicas. Além disso, o próprio fato de o discurso ter sido gravado pressupõe a possibilidade de ensaio e de edição e evita mudanças de tom de último minuto, como aconteceu em 2019.

"Eu apostaria em uma atitude mais defensiva e menos virulenta. Digamos que um repeteco com menos brilho até porque ninguém deve dar muita importância ao discurso dele", afirmou o embaixador Paulo Roberto de Almeida.

Para a professora de relações internacionais Elaini da Silva, as ações de política internacional do governo no último ano, quando o Brasil passou a mostrar um alinhamento ideológico consistente com os Estados Unidos, acabaram por levar a um certo isolamento do país que devem tirar relevância do discurso de Bolsonaro.

"Pode haver até uma certa curiosidade antropológica das outras delegações. Mas tanto pela pandemia quanto pelas queimadas, o Brasil erodiu a autoridade que teria para falar aos outros países a partir de sua experiência, queimou muito 'soft power'", afirma Silva, mencionando um conceito da diplomacia que se refere à capacidade de influência cultural e ideológica de um país sobre os demais.

Trump

O discurso de Bolsonaro pode ser ainda eclipsado pelo de Donald Trump. Concorrendo à reeleição em menos de 50 dias, o republicano não deve desperdiçar a oportunidade de se dirigir diretamente ao eleitorado americano em seu discurso na Assembleia Geral da ONU.

Crítico ao multilateralismo, Trump tem atuado para fragilizar organismos internacionais como a própria ONU e, com mais intensidade, a OMS e a Organização Mundial do Comércio (OMC). No caso da OMS, o governo americano iniciou a retirada formal do país dos quadros da organização e não participa do consórcio de mais de 70 países para o desenvolvimento de uma vacina contra covid-19.

Trump acusa a OMS, a OMC e a própria ONU de terem sido ao menos parcialmente sequestradas pelos interesses chineses. No caso da OMS, o governo americano afirma que a organização foi "leniente"e "corrupta" na maneira como conduziu a crise do coronavírus, protegendo a China, que teria escondido a gravidade do vírus.

Entre diferentes delegações em Nova York existe a tensão de que em seu discurso na Assembleia, Trump possa ameaçar cortar fundos da ONU ou até algum tipo de retirada americana da organização. Essa poderia ser uma jogada política com ressonância em seu eleitorado. Trump afirma ser defensor dos Estados Unidos em primeiro lugar e explora uma certa confusão no público em geral sobre o que são organismos multilaterais e como eles lidam com a China, cuja aversão é hoje prevalente tanto entre republicanos quanto entre democratas.

O presidente americano ainda não definiu se fará seu discurso de forma gravada ou em transmissão online ao vivo.

"Se for ao vivo, as pessoas podem tratar como algo dito no improviso e não levar tão a sério. Mas se ele disser isso em um vídeo gravado, com um roteiro, é muito mais difícil retroceder ou ignorar ", disse Richard Gowan, Diretor do Grupo de Crises Internacionais da ONU ao site americano Político.

É também incerto se em seu próprio discurso Bolsonaro fará alguma menção à tentativa de reeleição de Trump, a qual apoia. Reservadamente, um embaixador brasileiro afirmou que qualquer menção seria totalmente não recomendada, especialmente porque Trump aparece em desvantagem nas pesquisas eleitorais e pode vir a perder para o democrata Joe Biden.

Um comentário sobre preferência por Trump em um evento de alto nível como a Assembleia Geral deixaria o Brasil marcado para estabelecer relacionamento com um novo governo americano, caso Biden vença.

"Mas a gente sabe como o Bolsonaro é. No apoio com o Macri, ele foi até o fim, mesmo quando já estava claro que ele ia perder a presidência argentina", diz o embaixador.


Frente Ampla (para a democracia) - Rubens Ricupero (Fundação Astrojildo Pereira)

 Frente ampla

Ao Brasil falta muito, quase tudo, para ser o sonho intenso de que fala o nosso hino. Uma lista exaustiva das carências nos aproximaria do infinito. O problema maior, no entanto, não é a ausência de muitas coisas desejáveis. O pior é que nos privamos da única condição indispensável para um dia conquistar o que nos falta. Perdemos a esperança, isto é, a confiança de que o futuro nos trará remédio às agruras do presente, da mesma forma que antes o presente costumava superar problemas do passado. Vivemos um déficit agudo de esperança. E sem esperança, não existe possibilidade de construir o futuro.

O sentimento tem precedentes, geralmente em momentos de profunda desestabilização das instituições e das pessoas, como na súbita derrubada da monarquia. Joaquim Nabuco temia até o desmembramento do país ou a perda da noção de liberdade. O visconde de Taunay chegava a sentir “intensa vergonha de não ter morrido!” Silveira Martins comparava o Brasil ao que Diderot escrevera da civilização russa: “um fruto que apodrecera antes de amadurecer”.

O regime de Pedro II que esses brasileiros confundiam com o melhor Brasil possível possuía aspectos respeitáveis. Era, contudo, um país de pouco mais de 14 milhões de habitantes, a maioria analfabeta, com expectativa de vida inferior a 30 anos, muitos recém-saídos da escravidão e abandonados à própria sorte.

Houve depois outras fases de abatimento, mas a versão mais grave data de poucos anos atrás, de 2015/16, o instante em que começou a desfazer-se a ilusão de que o país tinha dado certo. Guardadas as proporções, o naufrágio da hegemonia do PT cumpre na história brasileira função análoga ao do colapso do comunismo no mundo. Para melhor explicar a afirmação, peço licença para transcrever na íntegra uma observação de Emmanuel Levinas sobre o sentido do fim do comunismo.

O jornal La Stampa lhe havia perguntado, pouco antes de sua morte em 1995, se pensava que esse acontecimento havia sido uma grande vitória para a democracia e o filósofo respondeu:

“Não, penso que as democracias perderam e muito. Apesar de todos seus horrores, seus excessos, o comunismo havia sempre representado a esperança […]de uma ordem social mais equitativa. Não é que os comunistas tivessem uma solução ou estivessem preparando uma, ao contrário. Existia, no entanto, a ideia de que a História possuía um sentido, uma direção e que viver não era insensato, absurdo. […]. Não creio que haver perdido essa ideia para sempre seja uma grande conquista espiritual.[…]. Acreditávamos saber para onde ia a História e que valor dar ao tempo. Agora caminhamos sem rumo, perguntando-nos a cada instante: ‘que horas são?’ De maneira fatalista, um pouco como se faz o tempo todo na Rússia: ‘que horas são?’ Ninguém sabe a resposta.”
Se trocarmos a palavra “comunismo” por “petismo”, impressiona como o trecho parece retratar o que sucedeu no Brasil. Excessos à parte, o PT também expressava a esperança de uma sociedade mais justa. Obviamente, além do PT, muitos brasileiros partilhavam a mesma aspiração. Foi o PT, porém, que teve a oportunidade de tentar em mais de 13 anos de governo aplicar inúmeras políticas públicas para reduzir a desigualdade, outra semelhança com o comunismo “real” e seus mais de 70 anos no poder.

Lula dava a sensação de encarnar uma notável transformação da sociedade. As medidas de transferência de renda, as quotas raciais, o acesso dos pobres ao ensino superior, prometiam um futuro de superação da desigualdade extrema herdada do passado. Sem base financeira adequada, as fórmulas petistas se tornaram insustentáveis. Algumas concorreram poderosamente para desencadear, primeiro a crise fiscal, em seguida o gravíssimo colapso que prostrou a economia até este momento.

A associação que se estabeleceu entre a ruína das contas públicas e o combate às injustiças sociais abalou as fundações da crença de que somos capazes de superar a desigualdade. Após os sucessos do Plano Real, do crescimento do governo Lula, da conquista do grau de investimento, a debacle da economia trouxe de volta aos brasileiros o efeito psicológico desmoralizante do fracasso.

A isso se somou o trauma do impeachment de Dilma, da condenação e prisão de Lula, de seu alijamento da campanha eleitoral de 2018, gerando contestações sobre a legitimidade democrática do poder. O pouco que sobrava do prestígio das instituições políticas se viu, ao longo de três intermináveis anos, estremecido pelas revelações quase diárias de escândalos pela Lava Jato, ela mesmo ora em vias de desmoralização devido a excessos e erros próprios, assim como à reação defensiva de setores políticos.

O Brasil jamais tinha passado por retrocesso tão destrutivo na vida das pessoas por meio do desemprego, do aumento da pobreza, do desalento. Nem experimentara nada equiparável ao profundo impacto depressivo dos escândalos de corrupção que destruíram a autoestima de todo um povo. Em conjunto, essas desgraças simultâneas produziram efeito equivalente ao da guerra sobre uma sociedade até então poupada de catástrofes históricas como derrotas e ocupações estrangeiras.

Tenho usado os verbos no passado a fim de situar no tempo o momento em que ocorreram as causas da situação que vivemos. Esse nosso passado próximo, contudo, não acabou de passar, é ainda o nosso presente. Neste mesmo instante, ele continua a nos fazer sofrer na persistência da estagnação econômica, do desemprego, do retrocesso social, da barbárie das prisões, da corrupção, da destruição da Amazônia, da degradação dos homens que nos desgovernam. A mais angustiante crise de nossa História se prolonga como obra de demolição em pleno andamento, como um work in progress. Agravada pelo advento de um governo retrógrado cujo único programa reside na demolição sistemática do passado.

Se a analogia com o contexto externo for correta, deve-se esperar, também por aqui, uma transição dolorosamente longa até que desponte período histórico diferente. No mundo, o sonho de uma sociedade mais justa acabou antes que no Brasil. Uma de suas primeiras expressões foi o ensaio do pensador e jornalista norte-americano William Pfaff por volta de 1995/1996, que partia da pergunta: “E se não houvesse nenhuma razão de pensar que o futuro será melhor que o presente, ou, pior ainda, melhor que o passado?”

Desde o Iluminismo, acreditava-se que a História se encaminhava a um futuro que, retrospectivamente, daria sentido ao passado. Essa bela confiança tinha se evaporado.

Profético, o ensaio de Pfaff antecedeu as calamidades que se sucederiam nos anos seguintes. A lista é interminável: o genocídio de Ruanda, os massacres da Bósnia, os atentados do Onze de Setembro, a eterna guerra do Afeganistão, a invasão do Iraque, a proliferação do terrorismo, a guerra civil da Síria, a anarquia na Líbia, as massas desesperadas de refugiados, a devastadora crise financeira de 2008, o aumento da desigualdade, a conquista do poder nos EUA pelo mais reacionário dos populismos.

A passagem para um novo milênio se cumpriu sob o signo da tragédia que voltou a pautar a História. Ubíqua, a crise da democracia liberal se manifesta por todo lado. Cobrem já boa parte da população mundial os regimes antiliberais, anticientíficos, negadores da mudança climática, hostis às elites intelectuais, à tolerância da diversidade, ao respeito do outro em matéria sexual ou cultural.

Dos quatro centros do poder mundial, três – os EUA de Trump, a China do presidente vitalício Xi, a Rússia do czar Putin – colocam o egoísmo nacional acima de uma ordem internacional baseada em leis, movida pela busca do consenso. O quarto, a União Europeia, último reduto da democracia liberal, do bem-estar social, da defesa do ambiente, sofre da desunião, do Brexit, do populismo de direita na Itália, Hungria, Polônia.

Os regimes atuais, quer o capitalismo ocidental, quer a versão estatizante chinesa, são incapazes de resolver os três maiores problemas humanos: o aquecimento global, o aumento da desigualdade, o desemprego estrutural agravado pelos robôs e a inteligência artificial. A possibilidade de que a mudança climática se torne irreversível traz de volta a ansiedade pela sobrevivência individual que se sentia no final da Antiguidade.

Coroando tudo, os ocidentais perdem a confiança na própria cultura, atacada com prepotência pelos adversários do liberalismo e da democracia. Batidos pelos chineses na expansão rápida da economia, amanhã, quem sabe, na vanguarda das tecnologias de ponta, americanos, europeus, temem a emergência, pela primeira vez em quinhentos anos, de uma superpotência não-ocidental.

Como será o mundo do futuro? Que valores refletirá a partir da influência do poder chinês? Até que ponto a ordem mundial continuará a se inspirar no Iluminismo, na Declaração dos Direitos do Homem, na democracia? É possível confiar na evolução de um regime como o chinês que confina centenas de milhares de uigures em campos de lavagem cerebral, que não tolera a diversidade de Hong Kong?

É nesse nevoeiro espesso de incertezas que se esconde o horizonte do futuro. Não foi muito diferente, cem anos atrás, quando o Brasil se aproximava do primeiro centenário. O mundo saia da Grande Guerra destroçado nas estruturas e nas almas. Em 1919, negociava-se o Tratado de Versalhes, Paul Valéry escrevia “nós civilizações sabemos agora que somos mortais […] sentimos que uma civilização tem a mesma fragilidade que uma vida”.

Os tempos não eram melhores que os de hoje. Basta lembrar que o ano do centenário da independência coincidiu com a marcha de Mussolini sobre Roma, a primeira conquista de um país pelo fascismo. A década de 1920 se encerraria com o colapso da Bolsa de Nova York e a Grande Depressão. A seguinte assistiria ao sinistro triunfo do nazismo, ao estalinismo, ao estalar da Segunda Guerra Mundial com o cortejo de horrores que se seguiu: o Holocausto, os campos de extermínio, as bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki.

Nada disso impediu o Brasil de avançar. Ao completar cem anos de vida independente, a sociedade brasileira deu balanço no passado, espantando-se com o déficit. No sugestivo estudo que dedicou ao centenário, A nação faz cem anos, a Professora Marly Silva da Motta mencionava o severo juízo de Capistrano de Abreu, ao concluir em 1907 seus Capítulos de história colonial. O legado de três séculos de colônia teria sido a pobreza intelectual, moral e material, a inexistência de vida social, a incapacidade organizativa. A monarquia escravocrata não havia sido capaz de superar tal herança em 67 anos de crescimento modorrento.

O debate intelectual, jornalístico, antes e depois do centenário, produziria, em 1924, a coletânea À margem da história da República. Seu organizador, Vicente Licínio Cardoso, afirmava que o desafio de sua geração consistia em empreender “nova Obra de construção, ou seja, fixar […] o Pensamento e a Consciência da Nacionalidade Brasileira”, tudo com maiúsculas. Nas palavras de Marly Motta, “ser moderna, eis a aspiração da sociedade brasileira às vésperas do Centenário da Independência”, embora a autora advirta que os diferentes atores tinham concepções diferentes da modernidade.

A diversidade marca, de fato, as manifestações do centenário, que se inauguram, em fevereiro, com a Semana de Arte Moderna de São Paulo, seguindo-se a fundação do Partido Comunista do Brasil, a do Centro Dom Vital, núcleo do pensamento católico conservador, por Jackson de Figueiredo, o sacrifício heroico dos 18 do Forte de Copacabana, primeira manifestação pública do Tenentismo, a Exposição Internacional de setembro, e a instituição, no último dia do ano, do imposto de renda!

O carcomido sistema político da República Velha não soube captar os sinais de que a sociedade ansiava por mudanças profundas: a greve geral de 1917, a pulsação dos movimentos artísticos, a inconformidade das baixas patentes do Exército com as fraudes eleitorais. Mostrou-se assim incapaz de deter o processo de autodestruição que culminaria na Revolução de 30.

Nascido com a Primeira República em 1889, Vicente Licínio Cardoso manifestava a decepção dos contemporâneos com os 35 anos do regime em palavras que parecem expressar os nossos sentimentos em relação aos 34 anos da Nova República: “A grande e triste surpresa de nossa geração foi sentir que o Brasil retrogradou. Chegamos quase à maturidade na certeza de que já tínhamos vencido certas etapas […]resolv(ido) de vez certos problemas essenciais. E a desilusão, a tragédia […] foi sentir quanto de falso havia nessas suposições”

Apesar do igual desapontamento, há uma evidente diferença entre a efervescência de 1922 e a desesperança de hoje. O contraste talvez se deva à crueldade do choque recente por haver sido precedido da ilusão de que o Brasil era “a maior história de sucesso da América Latina”, como afirmou a revista Economist na edição da fatídica capa do Cristo Redentor decolando, em novembro de 2009. Sem a mesma frustração de um tempo melhor, os brasileiros de 22 só viam, ao olhar para trás, um passado de atraso, ignorância, insucesso. A própria crise do sistema político vinha de longe, tornara-se crônica. O governo de Epitácio, que terminava em 22, até se comparava com vantagem aos anteriores, embora a situação não tardasse em se agravar com o advento de Artur Bernardes.

O confronto entre o primeiro e o segundo centenário põe em evidência o inédito da experiência corrente: a de que, em alguns aspectos importantes, nosso presente é pior que nosso passado. Não se trata do vulgar sentimento de que “a nuestro parescer, cualquier tiempo pasado fue mejor”, como dizia Jorge Manrique nas Coplas por la muerte de su padre.

Quem negaria, por exemplo, que os tempos atuais são piores que os da modernização do Estado e industrialização dos anos 1930 a 1950, aos “50 anos em 5” de JK, aos da Política Externa Independente de Jânio e San Tiago Dantas, aos 16 anos de estabilidade, crescimento, conquistas sociais de FHC e Lula? Se essa avaliação for julgada subjetiva, existe um critério mensurável indiscutível: o do crescimento econômico.

Segundo o professor Rogério Furquim Werneck, entre 1940 e 1980, a economia apresentou taxa média de crescimento de 7% ao ano, expansão rápida e estável, pois, em 40 anos, apenas em um, (1942), registrou-se queda do produto. O longo período de crescimento, comparável aos asiáticos, permitiu multiplicar o PIB real por quinze. Apesar da população haver triplicado no período, o produto por habitante cresceu mais de cinco vezes!

Compare-se agora com as quatro décadas seguintes, de acordo com os dados do estudo da Goldman Sachs (maio de 2019) intitulado: Brasil: duas décadas perdidas em 40 anos. Poderia o país perder meio século? Afirma o estudo que “nas quatro décadas entre 1981 e 2020, o crescimento real do PIB per capita quase certamente ficará em menos de 0,8% ao ano na média; nesse passo, levará 87 anos para dobrar a renda per capita […] em duas das últimas quatro décadas, o Brasil experimentou declínio de crescimento real do PIB per capita: a de 1980 e provavelmente a de 2010 […] a próxima década poderia também ser perdida, nesse caso, o Brasil teria perdido meio século”.

Esta última frase parece ecoar as palavras do barão de Cotegipe ao barão de Penedo sobre a guerra do Paraguai: “Maldita guerra, atrasa-nos meio século!” Um fracasso de 50 anos é assustador! É preciso martelar esses dados a fim de combater a complacência e reconhecer que estamos diante do maior desastre de desempenho coletivo de nossa história recente!

Temos de admitir que o nosso presente é, sob esses aspectos, muito pior do que certas fases do nosso passado. Existem, claro, luzes que se contrapõem às sombras. Estes 40 anos de altos e baixos coincidem com a consolidação da democracia. Sem arbítrio nem poderes especiais, a democracia encontrou soluções a problemas criados ou agravados pelos militares: a crise da dívida externa, a inflação explosiva, a destruição dos direitos humanos, a ruina do Estado de direito.

Nesse período, em especial nos 20 anos entre 1995 e 2015, alcançou-se a maior redução relativa da pobreza e da indigência de nossa História. O plano Real criou uma moeda estável, institui-se o ministério da Defesa para subordinar os militares ao poder civil, atingiu-se a universalização do ensino fundamental, os estudantes das classes CDE no ensino superior saltaram de 87 mil a 2,1 milhões, lançaram-se as bases de um serviço de saúde universal.

Os progressos são reais, o problema é que, depois de gerar tais resultados, o sistema político-econômico mostra sinais de esgotamento, produzindo rendimentos decrescentes. Ora, se a estagnação se perpetuar, muitas conquistas se revelarão insustentáveis a longo prazo. Foi o que sucedeu na Argentina, onde os progressos educacionais e sociais vêm sendo gradualmente erodidos pela crise quase permanente. O bicentenário da independência argentina em 2016 encontrou a nação pior do que cem anos antes, no primeiro centenário, quando era a quinta maior economia do mundo. O decadentismo, o declínio secular, que nos habituamos a atribuir a nossos vizinhos do rio da Prata é, na verdade, doença contagiosa que já transpôs nossas fronteiras.

A exemplo de cem anos atrás, a aproximação do segundo centenário fornece estímulo para reagir à doença antes que se torne crônica. Em 22, esse papel pioneiro correspondeu, em primeiro lugar, à Semana de Arte Moderna. Um século depois, ultrapassado o debate de 22 sobre a modernidade e a questão da identidade nacional, o que nos cabe é identificar razões para confiar que o futuro será melhor que o presente e superior aos melhores momentos do passado. Precisamos de razões plausíveis para recuperar o que perdemos devido aos sucessivos fracassos: a confiança em nossa capacidade de influenciar o futuro, de dar-lhe um sentido humano.

O ponto de partida terá de ser a renovação da cultura, da filosofia, da literatura, das artes, como na Semana de Arte Moderna, na geração espanhola de 1898 e na experiência de outros povos. De 1922, o que ficou na memória coletiva foi a Semana de Arte Moderna. É por referência a Mário de Andrade, a Oswald, a Bandeira, a Drummond, a Villa Lobos, aos que vieram depois, que nos definimos na consciência de uma identidade bem diferente da que prevalecia anteriormente.

No campo das ideias, os sinais não são encorajadores. A novidade, se é que cabe tal palavra, é a versão brasileira requentada de fenômeno mundial, a seita de extrema-direita que mistura ideólogos pós-fascistas com iluminados, astrólogos, apocalípticos e lunáticos de todo o gênero. Em política, a polarização e radicalização da sociedade se aproximam dos níveis da véspera do golpe militar de 64. Consolida-se um quadro perverso que lembra o italiano no período em que o Partido Comunista se mantinha como primeira força de oposição, atingia um terço do eleitorado, mas não lograva romper esse teto. Dizia-se então que a Itália não era um país normal como os demais da Europa Ocidental pois não existia possibilidade de uma alternância democrática, que equivaleria à chegada do comunismo ao poder.

A eleição brasileira de 2018 ajusta-se a essa descrição. O padrão se reproduzirá por muito tempo se não se romper a polarização entre extrema direita e PT, com o medo empurrando os segmentos médios na direção da direita. Superar o medo requer algo parecido ao compromisso histórico que se frustrou na Itália, isto é, a aliança entre o centro socialmente progressista e a esquerda democraticamente renovada.

A eficácia econômica, a responsabilidade financeira, que tomaram o lugar da luta contra a miséria depois do colapso da era Dilma não bastarão se não forem acompanhadas de vida melhor para os marginalizados. A paixão capaz de galvanizar a sociedade brasileira só pode vir da busca da maior igualdade possível. Uma população dividida por profunda desigualdade de condições jamais se empolgará por ideais liberais de competição, eficácia, meritocracia, produtividade. Necessárias para tornar sustentável a economia, essas qualidades precisam ser conciliadas com forte redistribuição da propriedade e da renda.

Nos anos 20, o vácuo criado no debate público pelo fim do abolicionismo começava apenas a ser ocupado pela “questão social”, sob impacto das greves operárias, dos primeiros sindicatos, da agitação dos jornais e elementos anarco-sindicalistas. Dos 17,5 milhões de habitantes de 1900, rurais e analfabetos na sua maioria, a população atingiria cerca de 31 milhões no ano do centenário. A partir de então acelera-se a dupla explosão demográfica e urbana, hoje em grande parte concluída, até chegar aos atuais 209 milhões, 86% vivendo em cidades.

O crescimento concentrou-se maciçamente nos pobres. Deu nascimento às favelas, às gigantescas periferias que circundam as cidades, mesmo as pequenas do interior. Nelas se desenvolve um ator social novo, de cultura original até na religiosidade carismática e na expressão política. Esse ator novo exige um lugar ao sol na vida política, na economia, na cultura. A história dos últimos cem anos se confunde com o esforço de integração da periferia, das resistências aos avanços, dos políticos e partidos que tentaram canalizar a luta ou se beneficiar dela, Vargas, PTB, Lula, PT.

Ninguém se iluda, o aparecimento de um novo ator social e político tem sempre efeito desestabilizador. Assim sucedeu na Europa da Revolução Industrial, com as revoluções de 1830, 1848, da Comuna de 1871. Entre nós e no resto da América Latina não será diferente: não haverá paz, estabilidade, retomada do desenvolvimento sem a integração progressiva do novo ator como cidadão, produtor, consumidor, agente de cultura.

Urge por isso dobrar a página desta anomalia monstruosa produzida pelo medo na última eleição, reabrindo o caminho para devolver a esperança a todos os brasileiros, em especial aos que mais carecem dela. Depois desta hora do poder das trevas, impõe-se dar sentido à História, recuperar o sentimento de que a vida humana no Brasil não é absurda e insensata.

Nesse esforço cabem à renovação da cultura e aos intelectuais um papel insubstituível. Trata-se, com efeito, como escrevia Marcuse em O Homem Unidimensional, de fazer com que os extremos se encontrem, isto é, que a consciência humana mais evoluída se ponha a serviço da força humana mais explorada.

Não está escrito nas estrelas que o nosso futuro será melhor ou pior que o presente e o passado. Sem o consolo das certezas ilusórias, depende apenas de nós, de nossa ação consciente, que os próximos cem anos revertam o declínio, garantindo-nos um futuro melhor que o presente e superior ao passado. Devemos devolver ao Brasil não uma esperança qualquer, mas aquela de que afirmava Walter Benjamin: “É apenas por causa dos que não têm esperança que a esperança nos foi dada”.

*Rubens Ricupero é diplomata

Fonte: Fundação Astrojildo Pereira