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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 22 de novembro de 2020

Mercosul: da união alfandegária à união monetária (1998) - Paulo Roberto de Almeida

Mais um texto da fase otimista quanto ao avanço do Mercosul para etapas mais avançadas da integração econômica e comercial. Só me pronunciei sobre integração monetária porque estava na pauta dos organizadores, mas mesmo nessa época, ainda de expansão do Mercosul, eu não acreditava que fosse possível essa evolução.

Paulo Roberto de Almeida 

 

V Fórum Brasil - Europa

“Novos desafios para a União Européia e o Mercosul no marco das privatizações e da união monetária”

26 e 27 de novembro de 1998, BNDES, Rio de Janeiro

Realização: Fundação Konrad Adenauer, São Paulo

Instituto de Relações Europeu-Latinoamericanas, Madrid

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, Rio de Janeiro

Instituto Brasil-Europa, Rio de Janeiro

Apoio: Comissão Européia, Bruxelas

Centro de Estudos Estratégicos / Secretaria de Assuntos Estratégicos- PR, Brasília

Fundação Alexandre de Gusmão, Brasília

 

Mercosul: da união alfandegária à união monetária

Moderador: Wolf Grabendorff - IRELA, Madrid

 

 

Preparando a união monetária: as agendas política e econômica

 

Paulo Roberto de Almeida 

Diplomata. Chefe da Divisão de Política Financeira

e de Desenvolvimento Ministério das Relações Exteriores.

Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas. Editor Adjunto da Revista Brasileira de Política Internacional. Autor de Mercosul: fundamentos e perspectivas (São Paulo: LTr, 1998). E-mail: pralmeida@mre.gov.br. As opiniões e argumentos aqui desenvolvidos em caráter pessoal não expressam posições ou políticas do Ministério das Relações Exteriores ou do Governo brasileiro. 

 

Sumário:

Introdução: Idealpolitik e Realpolitk no processo de integração

O Mercosul virtual e o Mercosul real: copo meio cheio ou meio vazio?

O Manifesto de Maastricht: gostosuras e travessuras do modelo europeu

A agenda do Mercosul: back to the future ou a Europa dos “golden sixties”

Um Mercosul minimalista ou maximalista? O papel da moeda e do câmbio

Uma agenda de Realpolitik para objetivos de Idealpolitik: o Mercosul em ação

O futuro do Mercosul. A work in progress

 

Preparando a união monetária: as agendas política e econômica

 

Paulo Roberto de Almeida

 

Introdução: Idealpolitik e Realpolitk no processo de integração

Abordar a questão de uma agenda política e econômica para preparar uma união monetária no Mercosul implica a suposição de que o processo de integração sub-regional se encontraria na iminência (ou pelo menos no caminho) da adoção de uma moeda comum aos quatro países-membros. Ora, tal parece não ser o caso, nem agora nem num futuro imediato, por razões que a muitos pareceriam óbvias.

Deve-se, portanto, indagar antes se uma tal questão sobre a agenda política e econômica da união monetária no Mercosul — e mais concretamente se a própria preparação de que se cogita — é legítima e pertinente do ponto de vista do estado atual e próximo futuro dessa união aduaneira ainda incipiente. A questão poderia merecer dois tipos de resposta, dependendo do ponto de vista do “espectador engajado”: de um lado, uma resposta positiva, confirmando que, sim, deve-se iniciar, hic et nunc, a preparação da agenda da futura unificação financeira; de outro, uma reação inquestionavelmente negativa, recusando uma tal agenda por seu caráter prematuro, inadequado ou até impertinente, uma vez que não estariam dadas, ainda, as condições para sequer se iniciar um debate sobre a unificação monetária.

Para comodidade desta discussão, chamemos a cada uma das duas posições, respectivamente, de idealista e de realista. A suposição, aqui, é a de que os idealistas seriam os que propugnam a preparação, desde já, da futura agenda da unificação monetária, e os realistas aqueles que recusam essa iniciativa como déplacée ou mesmo sua possibilidade como simplesmente inconsequente. Em outros termos, propor a agenda da moeda única seria praticar uma espécie de Idealpolitk, ao passo que ater-se à singela realidade das assimetrias estruturais do Mercosul atual significaria seguir o itinerário concreto da Realpolitik.

Mas, poder-se-ia, também, adotar a suposição inversa, com base no seguinte argumento: se a consequência natural de um mercado comum é a unificação de todo o espaço econômico correspondente ao território dos países-membros, se isso implica, por sua vez, a liberdade de circulação de todos os fatores produtivos e de todos os meios de sustentação da atividade econômica respectiva, inclusive e principalmente a do meio circulante próprio a cada uma das economias nacionais e se, finalmente, o Mercosul pretende, de verdade, converter-se num mercado comum pleno, então, nesse caso, a moeda única nada mais é do que a consequência natural e necessária desse mercado comum. Preparar-se para essa fase futura, ainda que mais ou menos distante no tempo, nada mais representa do que um simples ato de realismo, ao passo que recusar in limine esse tipo de discussão, com base em seu suposto caráter prematuro, aí sim, seria uma decepcionante demonstração de idealismo.

Não obstante, por facilidade de identificação ou por excesso de tradicionalismo em relação às rupturas de paradigma — a decisão de se caminhar para uma moeda única representa, certamente, uma espécie de salto paradigmático — adotaremos a classificação inicialmente proposta e chamaremos aos partidários de uma moeda única no Mercosul de idealistas e, por raciocínio inverso, seus opositores de realistas. Não há aqui um julgamento de valor apriorístico, mas uma espécie de convenção dicotômica quanto aos termos do problema, cuja discussão parece requerer uma certa dose de maniqueísmo, como ocorre em quase todas as tipologias formais da teoria social.

Os idealistas são, portanto, aqueles que pretenderiam o avanço do Mercosul com base em decisões de natureza política, cujo significado representaria nada menos do que o equivalente monetário de “queimar os navios”, ao passo que os realistas recomendam que se deixe uma tal discussão para um futuro indeterminado, sob escusa de prosaicos critérios de ordem econômica. Vejamos agora o diagnóstico do terreno, antes de discutir a agenda Idealpolitik da unificação monetária no Mercosul, pois é disso finalmente que se trata numa discussão deste tipo. 

 

O Mercosul virtual e o Mercosul real: copo meio cheio ou meio vazio? 

A despeito das atuais escaramuças “verbais” e de várias disputas comerciais, o Mercosul não parece estar ameaçado por alguma catástrofe política irreversível, nem por algum conflito econômico de grandes proporções. No que se refere às primeiras, elas parecem derivar do confronto entre uma retórica ideologicamente livre-cambista para consumo externo e algumas práticas internas, abertas ou veladas, de protecionismo explícito ou implícito, exercitado episodicamente para contentar ou apaziguar setores específicos da economia “doméstica” ameaçados de deslocamento pelo ritmo da integração. A necessidade de proteção dos empregos nacionais nos setores sob risco é, evidentemente, uma mola propulsora dessas contradições entre o programa doutrinário da integração — ao qual todos aderem sem restrições — e o pragmatismo mais discreto da proteção (justificada a título de “exceções”).

Quanto às disputas comerciais por acesso recíproco aos mercados dos países membros e as acusações mútuas de “comércio desleal” entre parceiros — a começar pela própria magnitude da TEC ou pela “legitimidade” de algumas barreiras não-tarifárias, remanescentes ou “construídas” durante ou após o período de transição —, elas são inevitáveis, na medida em que correspondem a uma situação de abertura progressiva num contexto de indefinição de normas estritas de competição e de ausência parcial ou total da “harmonização das políticas macroeconômicas”, objeto, como se sabe, do Artigo 1º do Tratado de Assunção. Ao não ter sido realizada essa harmonização, torna-se evidente o potencial de desentendimentos entre os membros nos mais diversos campos: níveis da TEC, exceções aceitáveis, ritmo da convergência, barreiras ao intercâmbio, normas industriais e fitossanitárias, regulamentos técnicos, padrões e formas de proteção à propriedade intelectual, medidas de defesa comercial, regras aplicadas aos setores ditos “sensíveis”, créditos e financiamentos ao intercâmbio, enfim, questões próprias a toda e qualquer união aduaneira em formação. O contexto fin-de-siècle de crise financeira internacional ou as preocupações no Brasil e na Argentina com o desequilíbrio das transações correntes não ajudam, por certo, no desmantelamento de alguns dos obstáculos nacionais erigidos no caminho da consolidação dessa união aduaneira.

Ainda adotando-se uma visão maniqueísta sobre o desenvolvimento futuro do processo de integração regional, quais seriam, hipoteticamente, as perspectivas extremas e as alternativas dicotômicas colocadas como promessa ou como ameaça no futuro do Mercosul? Eles parecem conformar duas perspectivas bem definidas, ainda que aparentemente pouco factíveis, de desenvolvimento político-institucional. Por um lado, na vertente “otimista”, a realização plena do projeto integracionista original, ou seja, um mercado comum caracterizado pela “livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos”, consoante os objetivos do Artigo 1° do Tratado de Assunção, ainda não realizados, diga-se de passagem. Por outro lado, no extremo “pessimista”, a diluição do Mercosul numa vasta zona de livre-comércio hemisférica, do tipo da ALCA, de conformidade com o programa traçado em Miami em dezembro de 1994 e confirmado em Santiago em abril de 1998. Por uma questão de timing político, o horizonte inicial de uma suposta realização prática dessas hipóteses de desenvolvimento seria o mesmo, ou seja, em torno de 2005-2006.

O bom senso econômico nos recomendaria considerar como pouco factível o acabamento prático do mercado comum em 2005, assim como uma boa dose de realismo político também nos levaria a afastar a hipótese de uma “autoimolação” do Mercosul no altar do projeto livre-cambista hemisférico, tal como proposto pelos Estados Unidos. No primeiro caso, isto é, o da conformação efetiva do mercado comum, estariam dadas as condições para a consideração séria da agenda da unificação monetária, segundo a visão dos idealistas. No segundo, ou seja, o do começo da implantação de uma zona de livre-comércio hemisférica, seriam confirmados os piores prognósticos dos pessimistas quanto à incapacidade do Mercosul de avançar segundo o menu básico do Tratado de Assunção, como poderiam alertar os realistas.

Nossa própria hipótese de trabalho considera que o Mercosul nem pode estimar-se confortado pela ideia de que o projeto de um mercado comum estará efetivamente ao alcance da mão no horizonte 2005, nem se ver “condenado” ao purgatório livre-cambista como resultado de sua incapacidade em avançar o suficiente para escapar da ação dissolvente de uma ALCA em construção a partir dessa data. Ele estará possivelmente a meio caminho de ambas as situações, confirmando a tradicional dificuldade em se conseguir distinguir um copo meio cheio de outro meio vazio. Em outros termos, o Mercosul virtual de 2006 será o resultado de um necessário compromisso entre o Mercosul ideal do projeto original de 1991 e o Mercosul possível da agenda concreta de trabalho dos “mercocratas” atualmente engajados no cumprimento das promessas do Artigo 1º do Tratado de Assunção.

Dito isto, permito-me tocar agora num dos principais perigos que rondam o Mercosul, além e ao lado dos supostos conflitos comerciais internos e da ameaça sempre presente de uma ALCA dissolvente: o perigo de se estabelecer uma agenda “monetária” para o Mercosul com base num mimetismo de intenções e de modalidade de ações calcado na experiência europeia de unificação econômica e monetária.

 

O Manifesto de Maastricht: gostosuras e travessuras do modelo europeu

Um espectro ronda o Mercosul: o espectro da Europa de Maastricht e seus miríficos critérios de unificação monetária. Todos os poderes do mundo acadêmico e os do universo sindical que se batem pelo avanço concreto do Mercosul segundo as linhas integracionistas do modelo europeu parecem ter se lançado numa santa aliança para impulsionar o cenário idealista implícito a esse modelo. O que pedem essas forças do progresso e da democracia? Mais instituições, se possível supranacionais, consagradoras de um regime comum verdadeiramente engajado na realização dos princípios de coesão econômica e social tal como afirmados no Ato Único Europeu; mais direitos sociais ao estilo da Carta Social Europeia, supostamente capazes de introduzir o quantum de bem-estar e de justiça social, hoje inviabilizado pelos “capitalistas selvagens” do Cone Sul latino-americano. 

Qual mercocrata de plantão não foi descrito como “insensível” por esses idealistas do projeto integracionista? Onde os economistas responsáveis não deixaram de alertar para essa simplificação da realidade da integração no Mercosul em face da complexidade das tarefas ainda remanescentes para cumprir o simples enunciado do Artigo 1º do Tratado de Assunção? Duas consequências derivam desse fato:

1) As questões da supranacionalidade e da unificação monetária já fazem parte, por bem ou por mal, da agenda implícita ou explícita do Mercosul;

2) Já é tempo que os responsáveis políticos e econômicos do Mercosul eliminem algumas das confusões mentais remanescentes nas cabeças dos partidários de um “Mercosul europeu” e expliquem em face de todo o mundo que o cenário realista traçado pelos “mercocratas” permitiria exorcizar de maneira mais eficaz os perigos que rondam a aplicação de um critério uniformemente integrador a uma realidade pré-união aduaneira que é, de fato, a situação atual do Mercosul.

 

De fato, o processo de integração no Mercosul tem sido habitualmente avaliado ¾ e julgado, o que me parece ainda pior ¾ à luz do precedente histórico europeu e segundo critérios analíticos derivados da experiência institucional europeia. Sem pretender refazer a história ou reinventar a roda ¾ como se diz em relação a progressos tecnológicos dirigidos a resolver problemas práticos ¾, quer-me parecer que as possibilidades organizacionais de se instituir um mercado comum com forte embasamento nas realidades econômicas locais dos países do Mercosul não se esgotam no modelo europeu consagrado a partir de 1951 (CECA) e de 1957 (MCE). Uma tal atitude de adesismo institucional pode na verdade demonstrar uma certa preguiça conceitual dos analistas acadêmicos ou ainda uma derivação da velha constatação keynesiana de que somos, de uma forma ou de outra, prisioneiros de algum economista morto, neste caso, condenados a repetir a genial arquitetura concebida e implementada pelos founding fathers da integração europeia.

Nunca é demais insistir sobre as particularidades desse processo de integração, seu alto sentido geopolítico ¾ no contexto dos terríveis conflitos que ensanguentaram a Europa durante a segunda “guerra de trinta anos” entre 1914 e 1945 ¾, seu aspecto funcional no quadro da Guerra Fria e da sustentação americana à união e integração europeia, assim como as especificidades econômicas e políticas que presidiram à construção progressiva do belo edifício “gótico” ¾ pela sua complexidade, mais do que pela sua arquitetura ¾ que hoje constitui a União Europeia. Em alguns momentos desse processo, pode-se até dizer que os meios passaram a justificar os fins, tal o crescimento da “razão burocrática” no âmbito da Comissão e órgãos associados e as aventuras e tribulações da “loucura agrícola comum”, para ficar apenas nos dois exemplos mais conhecidos do gigantismo europeu.

Frente a esse quadro de “overload” institucional deveria o Mercosul tomar a atual EU como modelo e pretender que, segundo a frase latina bem conhecida, de te fabula narratur? Pessoalmente acredito que assim como, no passado, os juristas e estadistas latino-americanos já deram mais de uma prova de sua inventividade conceitual e institucional ¾ como evidenciado, entre outros exemplos, pelas doutrinas Calvo e Drago, pelos diversos instrumentos e instituições políticas pan-americanas ¾, poder-se-ía igualmente conceber alguma construção relativamente inédita nos anais das experiências integracionistas conhecidas.

Aliás, o Mercosul é certamente híbrido do ponto de vista institucional e não há por que pensar que o modelo comunitário europeu constitui o nec plus ultra dos padrões aceitáveis de construção de um mercado comum. A lógica do Mercosul, à diferença provavelmente da experiência europeia, é a do menor custo possível, político ou social, para não dizer econômico, daí a própria economia feita pelos países membros em número de “mercocratas” e outros gêneros de tecnocratas. A própria rationale para a existência de uma entidade integracionista no Cone Sul latino-americano é, deve-se reconhecer, de menor apelo político e de menor justificativa econômica, comparativamente, por exemplo, à justificativa de segurança nacional e de détente militar embutida no Memorandum Monet sobre a integração ¾ de fato fusão ¾ dos complexos carvão e aço de França e Alemanha.

No que se refere à possibilidade de formação de uma ordem jurídica comunitária no Mercosul, não se deve tomar como óbvio o conceito oriundo do direito comunitário europeu, isto é, de uma ordem autônoma e hierarquizada, implicando uma cessão de soberania por parte dos Estados-Membros. Visto de uma perspectiva propriamente latino-americana, o edifício europeu comporta virtudes e deformações, não porque seu modelo institucional seja politicamente inexequível, de maneira absoluta, ao sul do Equador, mas porque ele pode ser, tão simplesmente, na atual conjuntura econômica e geopolítica do cenário mercosuliano, historicamente desnecessário. Assim como não se pode exportar democracias ¾ pois elas dependem mais de uma cultura política e de um ethos social e mesmo “societal, do que de simples instituições políticas ¾, tampouco se poderia conceber uma exportação de modelos integracionistas. Os juristas podem até recusar esse tipo de argumento, passando a responder que uma ordem legal garantidora de normas e de procedimentos ritualizados é absolutamente indispensável ao bom funcionamento de todo e qualquer empreendimento integracionista. Talvez eles até tenham razão, mas então o Mercosul se faz pelo método do ensaio e erro, da empiria consagrada em norma, o que pode não ser uma má ideia em vista de sua ainda baixa densidade intrínseca em termos de conteúdo econômico integracionista.

 

A agenda do Mercosul: back to the future ou a Europa dos “golden sixties”

Qual seria, portanto, uma agenda realista para o Mercosul na presente fase do processo de integração? Comecemos agora por examinar a “hipótese” em função da qual foi elaborado o próprio projeto do Mercosul, ou seja, a realização do mercado comum sub-regional. A terem sido cumpridos os objetivos fixados no Artigo 1º do Tratado de Assunção, o mercado comum previsto deveria ter entrado em funcionamento no dia 1º de janeiro de 1995, o que obviamente não foi o caso. Segundo uma leitura otimista desse instrumento diplomático e do próprio processo de integração, esses objetivos serão cumpridos nesta etapa complementar, que poderíamos denominar de “segunda transição”, observados os prazos fixados no regime de convergência estabelecido para os diferentes setores definidos como “sensíveis” e cumpridos os requisitos mínimos desse mercado comum. Isto significaria, entre outros efeitos, a implementação efetiva da Tarifa Externa Comum e a conformação eventual, se necessário, de exceções verdadeiramente “comuns” a essa pauta aduaneira, e não listas nacionais de exceções como hoje se contempla. Idealmente, todas as barreiras não-tarifárias e medidas de efeito equivalente deveriam ter sido suprimidas. A coordenação de políticas macroeconômicas, nessa perspectiva, supõe igualmente que os países membros deveriam ter delimitado todas as áreas cruciais de cooperação em vista da necessária abertura recíproca de seus mercados a todos os bens e serviços dos países membros, inclusive no que se refere à oferta transfronteiriça de serviços e ao mútuo reconhecimento de normas e regulamentos técnicos específicos. 

Na ausência de progressos mais evidentes nessas áreas, se esperava que os países pudessem ter definido, pelo menos, um sistema de paridades cambiais com faixas mínimas de variação, se alguma, entre as moedas respectivas, bem como a harmonização dos aspectos mais relevantes de suas legislações nacionais relativas a acesso a mercados. Estes são os requisitos mínimos para a conformação de um amplo espaço econômico conjunto no território comum aos países do Mercosul, a partir do qual se poderia caminhar para a consolidação progressiva e o aprofundamento do processo de integração, em direção de fases mais avançadas do relacionamento recíproco nos campos econômico, político e social. 

Ainda que esse cenário razoável não se concretize, como parece previsível, nos primeiros anos do próximo século, seu desdobramento faz parte da lógica interna do Mercosul. Em todo caso, ele resultaria num Mercosul muito próximo do padrão de integração apresentado pelo mercado comum europeu em finais dos anos 60. Operando um “retorno ao passado” da integração europeia, o Mercosul se encontraria na situação do velho Mercado Comum Europeu, dos “golden sixties” e começo dos “seventies”, isto é, após terem os signatários originais do Tratado de Roma completado sua união aduaneira e definido uma espécie de “coexistência pacífica” entre uma pretendida vocação comunitária — encarnada na Comissão, mas freada pelos representantes dos países-membros nos conselhos ministeriais — e um monitoramento de tipo intergovernamental, consubstanciado no papel político atribuído ao COREPER, o Comitê de Representantes Permanentes, não previsto no primeiro esquema institucional. Em outros termos, mesmo a mais “comunitária” das experiências integracionistas, sempre foi temperada por um necessário controle intergovernamental ou, melhor dizendo, nacional.

No caso específico do Mercosul, as dúvidas ou obstáculos levantados em relação ao aprofundamento do processo de integração não parecem derivar de reações epidermicamente “soberanistas” ou mesquinhamente nacionalistas — ou até mesmo “chauvinistas”, como parecem acreditar alguns — mas de determinadas forças políticas ou de correntes de pensamento, para não falar de interesses setoriais “ameaçados”, que logram “congelar” o inevitável avanço para a liberalização comercial ampliada entre os membros. Tais tendências não são necessariamente nacionalmente definidas, mas existem ao interior de cada um dos países envolvidos no processo.

Não se poderia, por exemplo, excluir a hipótese de também o Mercosul  vir a instituir, em Montevidéu, uma espécie de COREPER, mas parece evidente que esse eventual “órgão” informal teria mais a função de assessorar o trâmite de matérias administrativas junto à Secretaria Administrativa ou de facilitar o contato “diário” entre os quatro países do que, como no exemplo original europeu, os objetivos de “controlar” um órgão legitimamente comunitário — a Comissão —, estabelecer-lhe limites no processamento das atividades de “rotina” (definidas em função dos “interesses nacionais”) e, também, de acelerar o trâmite de matérias julgadas relevantes pelas capitais. Sua institucionalização requereria uma mera “emenda”, por via de decisão ministerial, ao Protocolo de Ouro Preto, mas também parece evidente que seu significado político transcenderia o simples aspecto de um “acabamento” na incipiente estrutura organizacional da união aduaneira.

Quais seriam, em consequência, as opções razoáveis, ou as mais prováveis, que se apresentam para compor uma agenda em torno do desenvolvimento futuro do Mercosul? Elas se situam, claramente, no campo de seu aprofundamento interno, em primeiro lugar nos terrenos econômico e comercial, no âmbito de sua extensão regional, no reforço das ligações extra-regionais (em primeiro lugar com a União Europeia) e, finalmente, mas não menos importante, no apoio que o Mercosul pode e deve buscar no multilateralismo comercial como condição de seu sucesso regional e internacional enquanto exercício de diplomacia geoeconômica. 

Parece evidente que, a despeito de dificuldades pontuais e de obstáculos setoriais, a marcha da integração econômica não poderá ser detida pelas lideranças políticas que, nos próximos cinco ou dez anos, se sucederão ou se alternarão nos quatro países membros e nos demais associados. Tendo resultado de uma decisão essencialmente política, de “diplomacia presidencial” como já se afirmou, o Mercosul econômico não poderá ser freado senão por uma decisão igualmente política. Ora, afigura-se patente que o processo de integração possui um valor simbólico ao qual nenhuma força política nacional tem a pretensão de opor-se. Daí se conclui que os impasses comerciais, mesmo os mais difíceis, tenderão a ser equacionados ou contornados politicamente e levados a uma “solução” de mútua e recíproca conveniência num espaço de tempo algo mais delongado do que poderiam supor os adeptos de rígidos cronogramas econômicos. Nesse sentido, o Mercosul não é obra de doutrinários ortodoxos, mas de líderes pragmáticos.

Assim, sem entrar na questão do cumprimento estrito do programa de convergência ou no problema da compatibilização de medidas setoriais nacionais, tudo leva a crer que a futura arquitetura do Mercosul econômico não seguirá processos rigorosamente definidos de “aprofundamento” inter e intra-setoriais, dotados de uma racionalidade econômica supostamente superior, mas tenderá a seguir esquemas “adaptativos” e instrumentos ad hoc essencialmente criativos, seguindo linhas de menor resistência já identificadas pragmaticamente. Se o edifício parecer singularmente “heteróclito” aos olhos dos cultores dos esquemas integracionistas pode-se argumentar, em linha de princípio, que o itinerário do Mercosul econômico não precisa seguir, aprioristicamente, nenhum padrão de “beleza estética” ou de “pureza teórica” no campo da integração. Em qualquer hipótese, o Mercosul não está sendo construído para conformar-se a padrões organizacionais previamente definidos em manuais universitários de direito comunitário, mas para atender a requisitos econômicos e políticos de natureza objetiva, que escapam — e assim deve ser — a qualquer definição teórica ou pretensa coerência metodológica.

No que se refere à questão do aprofundamento interno, político e institucional do Mercosul , eventualmente inclusive no terreno militar, não se pode deixar de sublinhar, uma vez mais, as dificuldades inerentes — e as demandas inevitáveis, pelos protagonistas já identificados — vinculadas ao problema da supranacionalidade, constantemente agitado, como uma espécie de “espantalho acadêmico”, sobre a mesa de trabalho de “mercocratas insensíveis”. Não se poderia excluir, a esse respeito, a evolução progressiva do atual principal opositor a qualquer “renúncia de soberania” no âmbito do Mercosul , o Brasil, em direção de uma posição mais próxima, intelectualmente falando, dos demais países-membros — seja os declaradamente “supranacionais”, como Uruguai e Paraguai, seja a Argentina moderada, isto é, em favor de uma combinação de instituições intergovernamentais e comunitárias —, muito embora tal questão esteja em conexão direta com a definição de um outro tipo, ponderado, de sistema decisório interno à união aduaneira. 

 

Um Mercosul minimalista ou maximalista? O papel da moeda e do câmbio

Muitos dos cenários otimistas ou “razoáveis” que se traçam para o futuro do Mercosul têm, como no caso da ALCA por exemplo, a data fatídica de 2005 como fator político de mutação estratégica. Na verdade, os cenários aqui visualizados se situam mais no terreno da continuidade do que no da ruptura, ainda que alguns “choques” internos tenham de ocorrer para tornar verdadeiramente possíveis, ou prováveis, alguns dos desenvolvimentos aqui considerados. É bem verdade que, no caso dos prazos finais de convergência intra-Mercosul , o ano de 2005 — e, antes dele, o ano 2000 para a liberalização completa da maior parte das exceções tarifárias — aparece como uma espécie de “ponto-de-não-retorno” no cenário da integração sub-regional, mas ele também pode ser visto como um “ponto de fuga”, após o qual os países membros, ainda a braços com processos delongados de estabilização macroeconômica e confrontados a difíceis escolhas no terreno de suas políticas econômicas nacionais, continuariam afastando diante de si ou — para usar um verbo dotado de conotação positiva — buscando ativamente a “implementação” da união aduaneira projetada.

Aceitando-se que tanto a ALCA como uma hipotética “Rodada do Milênio” na OMC, ambos sob o signo de um “GATT-plus”, poderão servir de aguilhões para a implementação efetiva dessa união aduaneira, tem-se que antes ou a partir de 2005 os países-membros estarão avançando desta vez no caminho do mercado comum. As dificuldades derivadas da abertura comercial brasileira efetuada em princípios dos anos 90 e das turbulências financeiras num fin-de-siècle pouco glorioso para a maioria das economias planetárias já terão sido provavelmente absorvidas e restaria apenas consolidar as bases de um novo modelo de crescimento econômico e de integração à economia mundial.

Nessa fase, com toda probabilidade, estaremos assistindo à consolidação de novas configurações industriais na sub-região e no Brasil em particular, com um crescimento extraordinário do comércio intra-industrial e intra-firmas. Tem-se como certa, igualmente, a continuidade do processo de internacionalização da economia brasileira, em ambos os sentidos, ou seja, não apenas a recepção de um volume cada vez maior de capitais estrangeiros nos diversos setores da economia, com destaque para o terciário, mas igualmente a exportação ampliada de capitais brasileiros para dentro e fora da região. Com efeito, o Brasil é também, crescentemente, um país “exportador” de capitais, mesmo se os estados federados ainda lutam desesperadamente, inclusive por mecanismos espúrios de incentivos e de “guerra fiscal”, para atrair investimentos diretos estrangeiros. Nesse sentido, o Mercosul se consolidará como “plataforma” industrial de uma vasta região geoeconômica, mas se converterá igualmente em grande exportador mundial de commodities e sobretudo de bens industriais, o que ele hoje faz em escala muito modesta.

Seria ainda prematuro, nesse contexto, debater a questão da “moeda comum”, mas não se poderia excluir tampouco essa hipótese, via adoção prévia de um sistema qualquer de paridades correlacionadas entre suas principais moedas. Este cenário pareceria estar vinculado ao abandono, pela Argentina, do sistema de paridade fixa, assim como à aceitação, pelo Brasil de um mecanismo compartilhado de gestão cambial, mas afigura-se ainda precoce especular sobre os caminhos certamente originais que podem, também neste caso, conduzir a um padrão monetário unificado — que pode até mesmo significar preservação das moedas nacionais — no futuro mercado comum. A própria adoção efetiva da moeda única europeia, entre 1999 e 2002, que poderá “sugerir” o afastamento da referência exclusiva ao dólar, ainda hoje básico, nas operações de comércio exterior e de finanças internacionais dos países-membros, contribuirá certamente para alimentar o debate interno em torno da questão. Não se vislumbra, entretanto, além de exercícios acadêmicos obviamente inevitáveis e alguns debates preliminares de certa forma bem-vindos, qualquer definição de calendário e de compromissos nesta área antes de uma “terceira fase de transição”, a partir de 2006. 

Alguns economistas argumentam que mesmo um Mercosul minimalista não poderia eludir o problema da coordenação cambial como condição essencial de avanços ulteriores nos demais terrenos da construção do mercado comum. Provavelmente eles estão certos, mas não há contradição de princípio entre um processo de integração regional e regimes flutuantes de câmbio. Tal se deu, na prática, em diversas etapas do processo de integração europeia, inclusive numa fase ainda bem recente, quando da última crise, em 1992, do Sistema Monetário Europeu, quando o aumento da taxa de variação entre as moedas significou uma flutuação de fato para a maioria dentre elas. O NAFTA, por outro lado, funciona de forma razoavelmente bem na ausência total de qualquer coordenação cambial, e os recentes déboires do peso mexicano e mesmo do dólar canadense, para não falar do comportamento algo errático do dólar, não parecem afetar o intercâmbio intra-zona. Ou, alternativamente, se há um impacto sobre o comércio, as empresas incorporam tal variável como se se tratasse de um fluxo de comércio com qualquer país extra-zona, isto é, a grande maioria da comunidade internacional e a maior fração do comércio.

O critério básico nesse particular seria o seguinte: se o Mercosul pretende consolidar, numa primeira etapa, sua união aduaneira em formato simplificado, ele não tem por que avançar na direção da unificação monetária. Se, ao contrário, a intenção é aprofundar a integração e caminhar decisivamente no sentido do mercado comum pleno, então a questão da moeda e das taxas cambiais deve figurar necessariamente no menu de seus negociadores. Observe-se que se está falando de moeda e de paridade, não necessariamente de moeda única, pois um mercado comum pode muito bem ostentar um regime cambial unificado sem necessariamente dispor de moeda comum ou única. A primeira formulação de uma união monetária na Europa previa justamente, se não há engano, um regime de paridades fixas, mas com a preservação, numa primeira etapa, das moedas nacionais.

 

Uma agenda de Realpolitik para objetivos de Idealpolitik: o Mercosul em ação

Quaisquer que sejam as dificuldades eventuais, o Mercosul terá de avançar no terreno econômico-comercial como condição prévia à preservação de sua identidade política, regional e internacional, em face dos desafios hemisférico e multilateral que se apresentarão nos primeiros anos do século XXI. As demandas não são apenas externas, na medida em que se conhece o apetite — e mesmo a necessidade — argentina pela coordenação de políticas macroeconômicas, bem como a reiterada insistência do Uruguai, e com menor ênfase do Paraguai, por instituições supranacionais. Este aspecto é, porém, mais retórico do que efetivo, sendo bem mais importantes, no caso argentino, o problema da descoordenação cambial — de fato a ameaça de desvalorização por parte do Brasil — e, para todos os demais países, a questão do acesso continuado e desimpedido ao mercado interno da principal economia sul-americana.

Um dos grandes problemas da evolução política futura do Mercosul é, precisamente, o “salto” para a adoção integral de instituições comunitárias de tipo supranacional, transição que ocorrerá mais cedo ou mais tarde nos países-membros, considerando-se que o Mercosul constitui, efetivamente, o embrião de etapas superiores de integração. Este setor é, obviamente, o de maiores dificuldades intrínsecas, uma vez que combina, como seria de se esperar, preocupações relativas à soberania estatal e ao assim chamado “interesse nacional”. A questão principal neste campo refere-se à possibilidade de formação de uma ordem jurídica comunitária no Mercosul , que muitos autores consideram automaticamente a partir do conceito similar oriundo do direito comunitário construído a partir da experiência europeia de integração econômica e política. 

Em outros termos, o Mercosul deveria ou precisaria aproximar-se do modelo europeu para receber uma espécie de rótulo comunitário, uma certificação de boa qualidade de origem supranacional? Contra essa perspectiva “europeia” são levantados, e não apenas pelos “mercocratas”, vários óbices estruturais e sobretudo políticos nos países membros. A despeito de uma aceitação de princípio por parte das elites desses países dos pressupostos da construção comunitária — ou seja, a cessão de soberania, a delegação ou transferência de poderes, a limitação da vontade soberana do Estado — a internacionalização efetiva de suas economias respectivas ou uma ativa e assumida interdependência entre os países membros do Mercosul parece ainda distante. O problema aqui parece ser mais de ordem prática do que teórica: os economistas, que são os que de fato comandam o processo de integração, pelo menos em seus aspectos práticos, não têm o mesmo culto à noção de soberania — seja contra ou a favor — em que parecem deleitar-se os juristas e os acadêmicos em geral. 

Ainda que todos possam concordar em que a soberania nacional pode e deve recuar à medida em que se avança num projeto de mercado comum, não se trata de uma questão em relação à qual os atores relevantes possam ou devam se posicionar simplesmente contra ou a favor, ou, ainda, de uma noção que deva ser encaminhada ou resolvida por um tratado jurídico de qualquer tipo. A soberania, qualquer que seja o seu significado jurídico, não costuma integrar os cálculos de PIB ou as estimativas de (des)equilíbrios de balança comercial. Da mesma forma, ela não se sujeita facilmente à coordenação de políticas macroeconômicas, daí sua irrelevância prática para a condução efetiva do processo integracionista. Ela é, sim, exercida diariamente, na fixação da taxa de câmbio — que pode até ser declarada estável — ou na determinação do nível de proteção efetiva em situações de baixa intensidade integracionista, que é justamente aquela na qual vivem os países do Mercosul (ou, pelo menos, o maior deles, que é também o menos livre-cambista dos quatro). Em outros termos, a “soberania” não é um conceito operacional, a mesmo título que a harmonização de leis ou a padronização de normas técnicas, mas tão simplesmente um “estado de espírito”, uma percepção dos resultados prováveis de ações políticas adotadas — conscientemente ou não — pelos protagonistas de um processo de integração: é algo que se constata ex post, mais do que o resultado de uma planificação ideal do futuro.

Diversos juristas e estudiosos do Mercosul têm avançado a ideia de que caberia impulsionar, através da “vontade política”, a implementação gradual de um modelo supranacional, indicando o Brasil como o grande responsável pela preservação do caráter intergovernamental da estrutura orgânica mercosuliana pós-Ouro Preto. É verdade, mas neste caso se tratou de obra meritória, na medida em que tal atitude salvou o próprio Mercosul de um provável desastre político e de possíveis dificuldades econômicas e sociais. A Realpolitik é sempre a linha de maior racionalidade nas situações de forte incerteza quanto aos resultados de qualquer empreendimento inovador, seja uma batalha militar, seja um salto para a frente nesse modesto Zollverein do Cone Sul.

Dito isto, este articulista pretende deixar claro que não defende uma posição “soberanista” estrita no processo de construção, necessariamente progressivo e gradual, do Mercosul. A soberania, como no velho mote sobre o patriotismo, costuma ser o apanágio dos que se atêm à forma em detrimento do conteúdo, à letra em lugar do espírito da lei. Sua afirmação, em caráter peremptório ou irredentista, é geralmente conservadora, podendo mesmo sua defesa exclusivista e principista ser francamente reacionária no confronto com as necessidades inadiáveis de promoção do desenvolvimento econômico e social e do bem-estar dos povos da região. O que, sim, deve ser considerado na aferição qualitativa de um empreendimento tendencialmente supranacional como é o caso do Mercosul é em que medida uma renúncia parcial e crescente à soberania por parte dos Estados Partes acrescentaria “valor” ao edifício integracionista e, por via dele, ao bem-estar dos povos integrantes do processo, isto é, como e sob quais condições especificamente uma cessão consentida de soberania contribuiria substantivamente para lograr índices mais elevados de desenvolvimento econômico e social. 

O assim chamado interesse nacional — tão difícil de ser definido como de ser defendido na prática — passa antes pela promoção de ativas políticas desenvolvimentistas do que pela defesa arraigada de uma noção abstrata de soberania. Deve-se colocar o jurisdicismo a serviço da realidade econômica — e não o contrário — e ter presente que cabe ao Estado colocar-se na dependência dos interesses maiores da comunidade de cidadãos e não servir objetivos imediatos e corporatistas de grupos setoriais ou fechar-se no casulo aparentemente imutável de disposições constitucionais soberanistas. Em certas circunstâncias, pode-se admitir que uma defesa bem orientada do interesse nacional — que é a defesa dos interesses gerais dos cidadãos brasileiros e não os particulares do Estado, a defesa dos interesses da Nação, não os do governo — passe por um processo de crescente internacionalização, ou de “mercosulização”, da economia brasileira. Quando se ouve impunemente dizer que a “defesa do interesse nacional” significa a proteção do “produtor” ou do “produto nacional” poder-se-ía solicitar ao mercocrata de plantão que saque, não o seu revólver, mas a planilha de custos sociais da proteção efetiva à produção nacional (o que envolve também, é claro, os cálculos dos efeitos renda e emprego gerados no País).

A opção continuada dos países membros do Mercosul por estruturas de tipo intergovernamental, submetidas a regras de unanimidade, pode portanto ser considerada como a mais adequada na etapa atual do processo integracionista em escala sub-regional, na qual nem a abolição dos entraves à livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, nem a instituição efetiva da tarifa externa comum, nem a integração progressiva das economias nacionais parecem ainda requerer mecanismos e procedimentos supranacionais suscetíveis de engajar a soberania dos Estados. Esses objetivos podem, nesta fase, ser alcançados através da coordenação de medidas administrativas nacionais e da harmonização das legislações individuais. Ainda que os objetivos do Mercosul sejam similares aos do Mercado Comum Europeu e, eventualmente, em última instância, aos da União Europeia, não há necessidade, para o atingimento dos objetivos que são os seus atualmente, de que o seu sistema jurídico copie, neste momento, o modelo instituído no Tratado de Roma e, numa fase ulterior, o Tratado de Maastricht. Basta atribuir-lhe personalidade de direito internacional e implantar um marco de disciplina coletiva no exercício das respectivas soberanias nacionais.

Um outro campo de avanços “virtuais” seria o da cooperação política entre os países membros. É teoricamente possível pensar, no Mercosul, em etapas mais caracterizadas de integração política, a exemplo da Europa de Maastricht. Não há contudo, neste momento, a exemplo dos conhecidos mecanismos europeus, uma instância formal de cooperação política e de coordenação entre as chancelarias respectivas para uma atuação conjunta nos foros internacionais, assim como não há uma instância específica do Mercosul para assuntos militares e estratégicos (a despeito mesmo da realização, tanto a nível bilateral Brasil-Argentina, como a nível quadrilateral, de diversas reuniões — de caráter meramente informativo e com características quase acadêmicas — entre representantes militares dos quatro países membros). A prática diplomática, contudo, tem levado a consultas políticas constantes entre os quatro países, sobretudo Brasil e Argentina, tanto a nível presidencial como por meio das chancelarias respectivas. Esses contatos passaram, cada vez mais, a envolver os setores militares respectivos dos países membros. Já, previsivelmente, os Estados Maiores conjuntos das forças armadas nacionais, no Brasil e na Argentina, reduziram ao mínimo, ou pelo menos a proporções insignificantes, os riscos de uma instabilidade político-militar nas relações recíprocas. Isto significa, tão simplesmente que a hipótese de guerra, sempre traçada nas planilhas de planejamento estratégico dos militares, é cada vez mais remota, senão impossível. 

No terreno mais concreto dos conflitos comerciais, parece por outro lado evidente que, assim como na experiência europeia a existência e o ativismo jurídico da Corte de Luxemburgo permitiu desmantelar de fato muitas barreiras não-tarifárias erigidas depois da consecução da união aduaneira, a eventual introdução de uma corte arbitral permanente no Mercosul poderia desarmar a maior parte dos impedimentos colocados pelos lobbies setoriais nacionais à abertura efetiva dos mercados internos à competição dos agentes econômicos dos demais parceiros. Talvez este seja o “primeiro grão” de supranacionalidade e de direito comunitário que caberia, por simples questão de racionalidade econômica, impulsionar no processo de integração.

 

O futuro do Mercosul : a work in progress

As fases mais avançadas do processo integracionista no Cone Sul poderão, a exemplo da experiência europeia, permitir o estabelecimento de uma cooperação e coordenação política propriamente institucionalizada e poderão até mesmo desembocar, a longo prazo, num processo ao estilo da Europa-92 e envolver as diversas dimensões discutidas e aprovadas por Maastricht, ou seja, união econômica ampliada (moeda e banco central), coordenação da segurança comum e ampliação do capítulo social em matéria de direitos individuais e coletivos. Nesse particular, as centrais sindicais do Mercosul vêm demandando, com uma certa insistência, a adoção de uma “Carta Social”, com direitos sociais e trabalhistas mínimos a serem respeitados pelos “capitalistas selvagens” do Cone Sul. Ainda que se possa conceber novos avanços no capítulo social do Mercosul , é previsível que a orientação econômica predominante neste terreno — isto é, tanto empresarial como governamental — continuará privilegiando mais a “flexibilidade” dos mercados laborais, ao estilo anglo-saxão, do que uma estrita regulação dos direitos segundo padrões europeus.

No que se refere, finalmente, ao relacionamento externo do Mercosul, caberia enfatizar primeiramente o aprofundamento das relações com outros esquemas de integração, a começar obviamente pela União Europeia. O Mercosul se constituiu no bojo de uma revitalização dos esquemas de regionalização, sobretudo os de base sub-regional. Sua primeira fase de transição coincidiu com a constituição de uma área de livre comércio na América do Norte (NAFTA), entre o México, os EUA e o Canadá, logo seguida pelo próprio desenvolvimento da ideia da “Iniciativa para as Américas” sob a forma de uma zona de livre-comércio hemisférica, a ALCA. Ao mesmo tempo, outros esquemas eram lançados ou se desenvolviam em outros quadrantes do planeta: todos eles obedecem, em princípio, à mesma rationaleeconômica e comercial, qual seja, o da constituição de blocos comerciais relativamente abertos e interdependentes, integrados aos esquemas multilaterais em vigor.

A União Europeia, que levou mais longe esse tipo de experiência, talvez seja o bloco menos aberto de todos, mas é também aquele que apresenta o maior coeficiente de abertura externa e de participação no comércio internacional de todos os demais, sendo ademais o principal parceiro externo do Mercosul. A atribuição pelo Conselho Europeu de um mandato negociador à Comissão de Bruxelas, no sentido de ser implementado o programa definido no acordo interregional assinado em dezembro de 1995 em Madri, parece ainda carente de maior definição quanto a seu conteúdo efetivo, em primeiro lugar no que se refere ao problema da liberalização do comércio recíproco de produtos agrícolas, uma das bases inquestionáveis do protecionismo europeu, francês sobretudo.

O Mercosul deve relacionar-se amplamente com os diversos esquemas sub-regionais, mas, ao mesmo tempo, preservar seu capital de conquistas no Cone Sul. Em outros termos, a associação, via acordos de livre-comércio, de parceiros individuais (foi o caso do Chile e da Bolívia, a partir de 1996) ou de grupos de países (os da Comunidade Andina, por exemplo), deve obedecer única e exclusivamente aos interesses dos próprios países membros do Mercosul , para que os efeitos benéficos do processo de integração sub-regional não sejam diluídos num movimento livre-cambista que apenas desviaria comércio para fora da região. Tal seria o caso, por exemplo, de uma negociação precipitada em prol da ALCA, sem que antes fossem garantidas condições mínimas de consolidação da complementaridade intra-industrial entre Brasil e Argentina e de expansão do comércio em geral no próprio Mercosul e no espaço econômico sul-americano em construção. 

Um acordo precipitado no âmbito da ALCA introduziria certamente uma demanda excessiva por salvaguardas durante a fase de transição e, sabemos pela experiência do próprio Mercosul, que elas devem limitar-se aos ajustes temporários requeridos pelos processos de reconversão ligados à repartição intersetorial dos fluxos comerciais e, em nenhum caso, dificultar ou impedir a marcha da especialização e da interdependência intra-industrial. As regras de origem, por outro lado, que conformam um dos capítulos mais intrincados de qualquer processo de liberalização, poderiam ser indevidamente utilizadas para impedir fluxos de comércio com outras regiões ou investimentos de terceiros países, geralmente europeus ou mesmo asiáticos, reconhecidamente mais dinâmicos em determinados setores de exportação.

A “ameaça” da ALCA incitou presumivelmente os europeus a se decidir por avançar na implementação do acordo de cooperação interregional firmado em Madri. Como registrado nesse instrumento, a liberalização comercial “deverá levar em conta a sensibilidade de certos produtos”, o que constitui uma óbvia referência à Política Agrícola Comum, uma das áreas de maior resistência à abertura no ulterior processo de negociação. Não obstante, é de se esperar que por volta de 2005, e coincidindo com avanços similares nos planos hemisférico e multilateral, o Mercosul e a União Europeia tenham delineado de maneira mais efetiva as bases de um vasto esforço de cooperação e de liberalização recíproca. Uma etapa decisiva no esforço negociador bilateral deverá ser realizada por ocasião da Cimeira Europa-América Latina, a realizar-se no Rio de Janeiro no primeiro semestre de 1999, quando também deverão reunir-se representantes de cúpula do Mercosul e da União Europeia com vistas, possivelmente, ao anúncio do início das negociações tendentes a conformar, se não um novo esquema de integração, pelo menos um processo progressivo de liberalização do comércio recíproco dos dois espaços de integração regional. Também aqui, como no caso da ALCA, a possibilidade de resultados exitosos do ponto de vista do Mercosul depende em grande medida do grau de coesão interna do grupo, tanto no terreno econômico como político.

Mais importante do que qualquer esquema “privilegiado” de âmbito regional é, contudo, o reforço contínuo das instituições multilaterais de comércio, condição essencial para que o Mercosul não seja discriminado indevidamente em qualquer área de seu interesse específico, seja como ofertante competitivo de produtos diversos, seja como recipiendário de capitais e tecnologias necessárias. A OMC representa, nesse sentido, um foro primordial de negociações econômicas e, como tal, um terreno comum de entendimento com os diversos esquemas regionais de integração. Essa instituição não constitui, entretanto, um guarda-chuvas tranquilo e muito menos uma panaceia multilateralista suscetível de preservar os países-membros dos desafios da globalização já em curso: pelo contrário, ela tende a ser, cada vez mais, o próprio foro da globalização, ao lado de suas “irmãs” mais velhas de Bretton Woods, o FMI e o Banco Mundial. Atuando de forma coordenada na OMC, bem como em outros foros relevantes do multilateralismo econômico internacional — como a OCDE, a UNCTAD e as instituições de Bretton Woods —, os países-membros do Mercosul logram aumentar seu poder de barganha e ali exercer um talento negociador que os preparará para a fase da “pós-globalização” que já se anuncia.

Em síntese, tendo em vista que o processo de construção do Mercosul não obedece tão simplesmente a opções de política comercial ou de modernização econômica — ainda que tais objetivos sejam, por si sós, extremamente relevantes do ponto de vista econômico e social de seus países membros — ou a meras definições externas e internacionais de caráter “defensivo”, mas encontra-se no próprio âmago da estratégia político-diplomática dos respectivos Governos e de certa forma entranhado a suas políticas públicas de construção de um novo Estado-nação na presente conjuntura histórica sub-regional, parece cada vez mais claro que o Mercosul está aparentemente “condenado” a reforçar-se continuamente e a afirmar-se cada vez mais nos planos regional e internacional. Nesse sentido, ele deixa de ser um “simples” processo de integração econômica, ainda que dotado de razoável capacidade transformadora do ponto de vista estrutural e sistêmico — algo limitado, reconheça-se, para o Brasil enquanto “território ainda em formação”, por mais significativo que ele possa ser no quadro dos sistemas econômicos nacionais respectivos dos demais países membros —, para apresentar-se como uma das etapas historicamente paradigmáticas no itinerário já multissecular das nações platinas e sul-americanas, como uma das opções fundamentais que elas fizeram do ponto de vista de sua inserção econômica internacional e de sua afirmação política mundial na era da globalização. O Mercosul é, mais do que nunca, um work in progress.

Para retomar a tipologia inicial, pode-se argumentar que a unificação monetária pertence, ainda, ao terreno da Idealpolitik, e que sua preparação efetiva não pode prescindir de grandes doses de Realpolitik na condução cotidiana da união aduaneira em construção. Mas, assim como o processo de integração, em sua fase inicial, foi propriamente obra de visionários, atuando mais sob o impulso de ideais políticos do que por necessidades econômicas, a unificação monetária do Mercosul também pertence a esse gênero de iniciativas pioneiras que prometem inserir decisivamente o atual quadro integracionista numa projeção utópica do futuro. Essa projeção será tanto mais realista quanto sustentada por valores que visam aproximar o Mercosul real do Mercosul ideal.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 648: 25/11/1998

 

O futuro euro e o Brasil: efeitos esperados (1998) - Paulo Roberto de Almeida

Em 1998, às vésperas da fixação das taxas de câmbio dos países candidatos a ingressar na primeira leva do euro – que seria uma moeda fiduciária entre 1999 e 2001, quando seria finalmente introduzida a moeda comum, não única, entre os países habilitados –, eu elaborei um texto sobre o impacto do euro para a economia brasileira, com destaque para as áreas de comércio, investimentos, finanças, reservas e no sistema monetário internacional. Posso dizer que eu estava bastante otimista quanto às chances dessa moeda representar uma mini-revolução no sistema monetário internacional, algo que não se confirmou no seguimento.

Paulo Roberto de Almeida

 O futuro euro e o Brasil: efeitos esperados

 

Paulo Roberto de Almeida 

[nota de comentários pessoais; não reflete eventuais

opiniões ou posições da área financeira governamental]

Brasília, 5 março 1998

Publicado na Carta de Conjuntura do CORECON-DF (Brasília: ano 12, nº 56, março/abril de 1998, p. 18-19). Relação de Publicados nº 216.

 

 

A introdução do euro como meio circulante, a partir de 2001, representará, para a Europa continental, a conformação definitiva do mercado unificado prometido pelo Ato Único de 1986 e pelos acordos de Maastricht sobre a união monetária. A nova moeda terá efeitos diversos, de grande amplitude econômica, nas áreas de comércio de bens e serviços, de fluxos de investimentos (de risco e de portfólio), dos mercados financeiros (isto é, empréstimos e créditos), das reservas em divisas dos países extra-europeus e, também, no âmbito do sistema monetário internacional, o que está evidentemente vinculado ao poder econômico da União Européia.

Um rápido sumário sobre seus reflexos para o Brasil evidencia um conjunto de efeitos progressivos, todos eminentemente positivos para o País enquanto: (a) global trader, (b) captador de investimentos, (c) receptor de créditos, (d) detentor de reservas e (e) país interessado numa reforma realista do atual sistema financeiro internacional, mas dispondo de reduzido poder de influência sobre seus mecanismos de funcionamento ou de mudança.

Do ponto de vista do intercâmbio, nas duas direções, o euro vai significar uma redução substancial dos custos em transações correntes, pois que a unificação efetiva do mercado representará maior fluidez das correntes existentes e potenciais de comércio, facilitando o rápido transbordo de mercadorias brasileiras em todos os países aderentes ao euro e nos que o utilizarem como moeda de referência (toda a mittelEuropa, as zonas bálticas e mediterrâneas e mesmo escandinavas e britânicas). O comércio será apenas e simplesmente comércio, e não mais custosas operações de câmbio e perdas significativas em comissões para exchange-dealers (mon taux de chômage!).

No que se refere aos fluxos de investimento direto, os efeitos serão ainda mais impressionantes, pois que não apenas as empresas e os bancos europeus se fortalecerão nos mercados globais, como disporão de maior volume de recursos — aritmética da soma das poupanças nacionais e das pequenas sobras marginais, antes atomizadas em mercados segmentados — para aplicações de risco nas economias intra- e extra-européias. A Europa liberará enormes somas de dinheiro, numa única denominação, retomando a posição privilegiada que ela tinha no século XIX como principal exportador líquido de capitais para os países emergentes (vivent les rentiers!).

Do ponto de vista dos mercados financeiros, os mesmos efeitos acima descritos potencializarão o papel histórico que ela tinha no século XIX como world’s banker, pois que uma fonte uniforme de créditos produzirá muito maior volume de recursos do que a soma dos mercados financeiros nacionais. Os custos de captação serão sensivelmente reduzidos, bem como, no caso dos empréstimos syndicated, os encargos adicionais derivados da mobilização de diferentes denominações, que simplesmente desaparecerão. Será como se abastecer num grande shopping center, em lugar de percorrer sucessivas quitandas ou empórios “financeiros”. A concorrência da oferta atuará também para reduzir taxas de juros e eventualmente até os prêmios de risco. As autoridades brasileiras fizeram bem, aliás, em lançar desde já bonus governamentais denominados em euro: é a moeda do futuro.

O Brasil também encontrará vantagens financeiras e de simples contabilidade em converter, desde o início, uma parte de suas reservas — digamos de 25 a 30% — em euro, uma moeda mais estável que o dólar e supostamente menos suscetível de sofrer ataques especulativos, pois que sustentada por um banco central autônomo e independente, comprometido unicamente com sua estabilidade e seu poder de compra, sem a obrigação de responder a autoridades monetárias nacionais, mais sensíveis às questões sociais ou dotadas de maior permissividade orçamentária. A contrapartida é a menor rentabilidade ou a própria heterogeneidade contábil — algo como sair do padrão-ouro da belle époque para o bimetalismo pré-1871 —, mas esse tipo de desconforto é menos nocivo do que a instabilidade cambial. A chancelaria brasileira trabalhou em libras de 1822 a 1931, adotando então o dólar; talvez ela passe a trabalhar em euro a partir de 2010, o mais tardar.

Finalmente, e aqui entra um elemento de diplomacia financeira, o euro será talvez a grande chance de realizar, no século XXI, a grande reforma do sistema financeiro internacional que se requer desde o desmantelamento dos esquemas de Bretton Woods em 1971. Com efeito, não apenas se terá de rever a composição do SDR/DES — hoje baseado num coquetel das cinco principais moedas, das quais duas, e talvez três, desaparecerão —, como as novas paridades implicarão igualmente numa redefinição política do poder intrínseco a elas associado no board das “sisters in the woods”, em especial no FMI. A Itália tem uma certa razão ao pedir uma “representação européia” no CSNU, mas o que não se prevê é que essa unificação do poder político — e liberação de “vagas” adicionais para “emergentes” — talvez se dê antes no terreno econômico, com a assunção, pelo IME/BCE, de um mandato amplo de representação européia nas IFIs. É um admirável mundo novo!

 

[Brasília, PRA/606: 04/03/1998]

O abuso, o escândalo, a indecência dos cartões corporativos vão finalmente terminar?

 Reconheço os esforços dos bolsonaristas em tentarem provar que o governo não é “um museu de grandes novidades” (Ricardo Bergamini).

 

O STF acabou com a excrescência e a imoralidade do sigilo nos gastos do cartão corporativo do presidente da república. O ideal seria que o próprio presidente Bolsonaro (guardião da moral e da ética, além de ser enviado por Deus) tivesse tomado essa atitude. 

 

O STF levou 11 anos para reconhecer o óbvio e o ululante, qual seja: “todos são iguais perante a lei”.

 

Se for autorizado abrir o passado, o Brasil vai ficar estarrecido. Estou correndo atrás para levantar a informação. Aguardem-me!   

 

07 de Novembro de 2019 às 16:42  Por: Marcos Santos/USP Imagens  Por: Redação BNews  0comentários

 

Em 05/11/19, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou lei de 1967 que permitia a instalação de sigilo nos gastos presidenciais, o que bloqueava acesso a informações como uso do cartão corporativo. A decisão foi tomada pelo plenário virtual da Corte na última terça-feira (5).

 

De acordo com o blog Radar, da revista Veja, a ação foi protocolada no STF em 2008 pelo presidente do então PPS, hoje Cidadania, Roberto Freire. 

 

A maioria dos ministros seguiu voto do relator do caso, ministro Edson Fachin. Ele avaliou que o decreto é inconstitucional.


O escândalo dos cartões corporativos é uma crise política no governo do Brasil iniciada em 2008 após denúncias sobre gastos irregulares no uso de cartões corporativos. Os cartões foram instituídos em 2001, mas só entraram em funcionamento no ano seguinte para uma maior transparência e rapidez em gastos emergenciais. O problema dos cartões corporativos é estrutural, pois o sistema que deveria ser usado para despesas pequenas e urgentes vem sendo usando para dispensar licitações e dar mimos aos governistas. Dos 150 cartões corporativos, o Portal Transparência, site oficial do Governo Federal, só divulgou os dados de 68 cartões.


Os gastos do governo com cartões corporativos


Em seis meses, as despesas sigilosas da Presidência da República somam R$ 5,8 milhões e são as maiores desde os tempos de Dilma Rousseff


SOB O MANTO DO SIGILO Governo Bolsonaro fez 2,7 mil compras secretas em 2019 

Wilson Lima/ISTOÉ

08/08/19 



Quando era deputado federal, o hoje presidente Jair Bolsonaro (PSL) era um dos maiores críticos da falta de transparência dos petistas. Gastos nababescos bancados com dinheiro público eram denunciados com a ferocidade que se espera de um real representante da sociedade. Um exemplo claro: em 2008, durante discurso na bancada, Jair Bolsonaro, na época do PP, desafiou o PT a abrir as despesas com cartão corporativo do governo federal. Na época, havia eclodido o escândalo dos gastos com essa modalidade de pagamento, desencadeada após a imprensa, tão criticada hoje por Bolsonaro, descobrir que o cartão corporativo foi utilizado para custear mesas de sinuca, festas com bailarinas e até uma mera tapioca na praia.

Ironia do destino ou não, agora é Bolsonaro quem precisa dar boas explicações sobre o que sua equipe vem fazendo com cartões corporativos. Somente no primeiro semestre desse ano, conforme dados do Portal da Transparência do Governo Federal, os gastos secretos da Presidência da República já chegaram a R$ 5,8 milhões com os cartões corporativos. O detalhamento destes gastos, como data em que ocorreram, quem recebeu e por qual serviço recebeu não é divulgado. Sabe-se, porém, que o valor desembolsado de forma secreta pela Presidência da República em 2019 já representa uma elevação de 15% em relação ao mesmo período do ano passado.

Por mais que o presidente não goste de comparações com a ex-presidente Dilma Rousseff, como ficou claro durante essa semana quando ele negou ser “a Dilma de calças”, o fato é que os desembolsos com cartões corporativos voltaram aos patamares da gestão da petista. Em 2016, quando ela ainda estava no governo, a Presidência da República gastou R$ 6 milhões. Bolsonaro foi mais econômico apenas em comparação com os anos de 2015, 2014 e 2013, período em que a economia brasileira ainda navegava em mares menos turbulentos e nem de longe se falava em ajuste fiscal.

Outro dado que chama a atenção nos gastos secretos da Presidência da República deste ano é que, em pelo menos 104 oportunidades, os responsáveis pelo cartão corporativo gastaram acima do limite determinado pela Secretaria de Administração da Presidência, de R$ 17,6 mil. Destes, 14 ocorreram acima do teto de R$ 33 mil para obras de manutenção física que podem ser autorizadas por meio do cartão de pagamento. Em uma única oportunidade, a Presidência da República gastou R$ 79.372,41. Estes gastos específicos seriam referentes a custos de operação de uma aeronave que transportou a comitiva presidencial para Davos, na Suíça, em fevereiro deste ano.

O pagamento com cartão corporativo do governo federal foi implementado em 2001, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. A solução é interessante para se equacionar pequenos gastos, sem precisar recorrer a procedimentos licitatórios, reconhecidamente lentos e pouco eficazes. O problema é quando os chamados dispêndios secretos viram regra. Por exemplo, somente em 2019, foram efetuadas 2,7 mil compras sigilosas por parte da Presidência da República – 15 gastos novos ao dia. Os parlamentares querem derrubar esse artifício. Existem hoje dois projetos em tramitação no Congresso. O mais adiantado é o de iniciativa do ex-senador e hoje governador Ronaldo Caiado (DEM-GO), relatada pelo senador Antônio Anastasia (PSDB-MG). Pelo texto, “as aquisições de objetos de uso pessoal realizados pelo ocupante da Presidência da República e por sua família às custas do erário, bem como as despesas de consumo relativas a empregados domésticos, alimentação, bebida, telefone, restaurante, presentes, viagem e hospedagem serão listados e publicados, com o máximo detalhamento, no Portal da Transparência do Governo Federal”. Aliado de Caiado, Bolsonaro bem que poderia se antecipar e expor os gastos à luz do Sol, “o melhor detergente”, como ensinou Louis Brandeis (1856-1941), juiz da Suprema Corte Americana. 

Os gastos que LULA quer esconder

Apesar da blindagem do Planalto, principalmente em torno da família do presidente, documentos obtidos por ISTOÉ mostram novas despesas suspeitas pagas pelo governo

 

20/02/08/ISTOÉ


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A Presidência da República gastou R$ 6,8 mil em julho de 2007 para contratar serviço de massagem expressa e reflexologia durante a “VII Semana Pensa Vida”. Codevasf e Serpro gastaram R$ 147 mil com empresa de massagem.


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https://istoe.com.br/1009_OS+GASTOS+QUE+LULA+QUER+ESCONDER/


Governo Dilma bate recorde em gastos com cartões corporativos em 2014

O volume de gastos secretos com cartões corporativos do governo federal executados pela Secretaria de Administração da Presidência da República aumentou 55,3% durante o ano de 2014 e chegou ao seu maior patamar desde a sua regulamentação, em 2001, ainda na era Fernando Henrique Cardoso (FHC). 

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Em três meses, governo Temer gasta R$ 24 milhões com cartões corporativos

 

Desde que Michel Temer assumiu a presidência da República, em agosto deste ano, os gastos do governo federal com cartão corporativo aumentaram. Até o dia 04 de novembro, o total gasto foi de R$ 24 milhões, ultrapassando o valor do primeiro semestre, quando se gastou R$ 22 milhões. Os dados foram divulgados nesta segunda-feira (7) pelo Ministério da Transparência. [Leia mais...]

 

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Ricardo Bergamini

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