Arrumando estes dias meus livros e papeis, para ver se consigo, finalmente, colocar em ordem minha caótica biblioteca, descobri, dentro de uma pasta não identificada, o Caderno Pensar do Correio Braziliense de 13/01/2020, contendo uma entrevista minha ao então jovem jornalista Marcos Savini, hoje Conselheiro na carreira diplomática, servindo na nossa delegação junto à OMC, em Genebra.
Creio que nunca tinha feito um scan da entrevista publicada, mas sim, registrei em meus arquivos implacáveis tanto a versão original de minhas respostas ao Marcos Savini, um texto de 6 p., quanto a versão publicada, obviamente reduzida. A entrevista se deu porque eu estava publicando dois livros, mas me encontrava em Washington (aliás viajando na Flórida, pois o texto é datado de Orlando):
Os primeiros Anos do Século 21: o Brasil nas relações internacionais (Paz e Terra, 2002)
Formação da Diplomacia Econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império (Senac-Funag, 2001)
Eis a ficha do trabalho:
846. “Bibliografia brasileira sobre relações internacionais: Respostas a questões colocadas pelo Correio Braziliense”, Orlando, 9 janeiro 2002, 6 p. Entrevista sobre a produção brasileira em relações internacionais concedida por meio de correspondência eletrônica ao jornalista Marcos Savini. Publicada parcialmente no Correio Braziliense, caderno “Pensar”, domingo, 13 de janeiro de 2002, p. 5. Relação de Publicados n. 307.
Eis a versão original, completa, do trabalho:
Bibliografia brasileira sobre relações internacionais
Respostas a questões colocadas pelo Correio Braziliense
Paulo Roberto de Almeida
pramre@earthlink.net
www.pralmeida.org
Jornalista: Marcos Savini, Caderno Pensar, Correio Braziliense
Data: Wed, 09 Jan 2002 13:09:22
Assunto: formação diplomática
Questões MS e respostas PRA:
1 - Acredita que já exista hoje uma bibliografia brasileira sólida sobre diplomacia e relações internacionais? O que há de notável e o que falta fazer?
PRA: O campo ainda apresenta lacunas importantes, mas nos últimos dez anos foram publicadas obras que já podem ser consideradas como relevantes, com destaque para pesquisadores acadêmicos (historiadores e cientistas políticos) e os próprios diplomatas. Em ambos os grupos existe uma saudável orientação em fugir aos cânones da história diplomática tradicional, aquela preocupada apenas em relatar os eventos e fatos políticos, com base unicamente em documentos de chancelaria, e buscar uma abordagem analítica e interpretativa sobre os fatores econômicos e políticos explicativos do tipo de inserção internacional e regional praticada pelo Brasil.
2 - Existe uma visão brasileira das relações internacionais ou continuamos a depender de versões européias e americanas?
PRA: Não se pode propriamente falar de um escola ou de teorias brasileiras de relações internacionais, mas tampouco ocorre uma cópia indiscriminada da produção estrangeira. Se bem seja certo que muitos cientistas políticos sigam padrões norte-americanos de metodologia e abordagem, e que historiadores (é o caso da própria UnB, por exemplo) tendam a seguir uma visao francesa das relações internacionais (como patente nos livros de Renouvin ou Duroselle), também é verdade que os pesquisadores brasileiros têm procurado seguir um enfoque original das relações internacionais do Brasil.
3 - Caso a resposta seja positiva, em que nos diferenciamos?
PRA: Vários pesquisadores acadêmicos, mas também os próprios diplomatas têm colocado o país no centro de um sistema próprio de relações exteriores, nos planos regional ou internacional, com grande ênfase nos seus problemas de desenvolvimento econômico. Esta é marca, por exemplo, de alguns economistas-historiadores, como Marcelo de Paiva Abreu, Winston Fritsch, ou o próprio ministro da Fazenda, Pedro Malan, que já produziu alguns textos importantes sobre o contexto internacional do desenvolvimento econômico brasileiro. Este é também o meu caso, pois tenho diversos trabalhos nessa vertente, como dois livros sobre o Mercosul, um sobre o Brasil e o multilateralismo econômico e agora este denso trabalho sobre a Formação da Diplomacia Econômica no Brasil na época imperial (que deve ter continuidade em mais dois volumes tratando da fase republicana).
4 - Seu livro supre uma lacuna importante sobre a história da diplomacia econômica no Brasil. Que outras lacunas existem?
PRA: Meu livro Formação da Diplomacia Econômica no Brasil é original no sentido em que não existia, até aqui, nenhuma história abrangente da diplomacia econômica no Brasil, o que agora passa a existir, pelo menos para o período imperial. Faltaria agora cobrir a fase republicana (o que estou empenhado em fazer, com dois novos volumes que deverão seguir a este), mas também faltam estudos pormenorizados sobre a história financeira internacional do Brasil, por exemplo, ou a de suas relações com os organismos finaneiros internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, algo que tentei suprir num dos capítulos de meu livro O Brasil e o multilateralismo econômico (Editora Livraria do Advogado, 1999). Marcelo de Paiva Abreu já escreveu algo sobre o Brasil e o GATT (hoje OMC), mas ainda falta uma história de nossa participação nesse importante foro do sistema multilateral de comércio.
5 - Que conseqüências a ausência destes estudos traz para a formação de diplomatas e especialistas em relações internacionais no país?
PRA: Os diplomatas estão certamente mais afeitos à leitura tradicional de história diplomática, do que aos problemas de nossa inserção econômica internacional, sobretudo nos planos comercial e financeiro. Essas lacunas começam recém a serem supridas, mas ainda falta muito para considerarmos a literatura satisfatória ou abundante. Os efeitos podem ser considerados como preocupantes pois as novas gerações de diplomatas entram na carreira sem uma visão dos grandes debates internacionais sobre desenvolvimento, comércio, finanças, propriedade intelectual, entre outros temas, que moldaram a ação de uma geração anterior de diplomatas. Uma boa contribuição nesse sentido foram as memórias do Roberto Campos, mas esses temas estão dispersos no livro e não recebem o tratamento sistemático que deveriam receber numa análise de cunho classicamente acadêmico.
6 - Em seu livro o sr. relata como a diplomacia econômica foi tradicionalmente conduzida por funcionários consulares, enquanto os diplomatas preocupavam-se com questões políticas. Hoje o cenário parece inverter-se e a diplomacia brasileira está cada vez mais voltada para temas econômicos. Essa tendência é irreversível, apesar dos atentados de 11de setembro terem demonstrado que a ordem político-estratégica não é tão secundária como poderíamos imaginar?
PRA: Meu livro relata que os funcionários consulares se ocupavam de questões comerciais, mas não esconde o fato de que eram diplomatas (em muitos casos não necessariamente da carreira) os que de verdade negociavam os tratados econômicos mais importantes. Mas, é também verdade que a visão tradicional da diplomacia, até pelo menos a belle époque (antes da Primeira Guerra Mundial), recusava em grande medida os temas econômicos, considerados como de low politics, preferindo se ocupar das chamadas questões de high politics, que seriam as de política bilateral e de questões de equilíbrio militar. A tendência para a multilateralização e a ênfase nas questões econômicas, que caracterizam nossa época, devem continuar a pautar as relações internacionais contemporâneas, mesmo a despeito de questões importantes como as do desarmamento ou do terrorismo internacional, como ilustrado tragicamente em setembro de 2001. Não se pode, porém, descurar a importância de problemas políticos relevantes, como os que estão vinculados à ausência de democracia, de desenvolvimento e de respeito aos direitos humanos, que explicam em parte o surgimento de movimentos terroristas, de conflitos étnicos e do nacionalismo exacerbado de cunho por vezes tribal. Nesses campos, ao lado da ação tradicional dos Estados, os atores ainda insubstituíveis das relações internacionais, começa a despontar o trabalho das organizações não-governamentais, interlocutores relevantes em diversos foros de grande impacto social e humanitário, como nas questões de meio ambiente por exemplo.
7 - Muito se tem falado na falta de quadros no Brasil para enfrentar as negociações multilaterais que se desenham para o futuro próximo - OMC, Alca, União Européia, etc. O que pode ser feito, em sua opinião, para suprir essa lacuna?
PRA: Sem falar da própria expansão dos servidores diplomáticos e de outros órgãos públicos (como os analistas de comércio exterior, do MDIC, por exemplo), as insuficiências existem igualmente no seio das empresas brasileiras, que não estão ainda suficientemente “globalizadas” para contratar especialistas em relações internacionais, que possam colocá-las no novo ambiente competitivo do comércio internacional, tanto no plano regional (do Mercosul por exemplo), como no âmbito multilateral (regido pelas normas da OMC). Trata-se de lacunas que tendem a ser supridas gradualmente, à medida em que o próprio Brasil se insere mais ativamente no cenário internacional e globaliza sua economia.
8 - No complicado tabuleiro das relações econômicas atuais, basta especializar diplomatas para defender os interesses brasileiros? Ou é preciso se preocupar com o preparo de outros setores do governo e da sociedade?
PRA: Os diplomatas são importantes mas não podem substituir-se à própria sociedade, que através da academia ou dos centros de formação de outras agências públicas ou privadas devem continuar a atividade de constante formação de quadros especializados nas complexas questões da agenda econômica internacional contemporânea. Penso por exemplo nos conflitos comerciais, que exigem advogados comerciais com conhecimento das regras da OMC ou do Mercosul, para atuar nos órgãos de solução de controvérsias, terreno no qual o Brasil é notoriamente carente de um número razoável de quadros. Em outros campos do direito internacional igualmente, muitas vezes nossos interesses são defendidos por escritórios estrangeiros de advogados, à falta de especialistas em número suficiente, ou de escritórios brasileiros possuindo representações no exterior.
9 - Há carência de especialistas em outras áreas do conhecimento para conduzir tais negociações?
PRA: Os diplomatas são plenamente capazes de conduzir essas negociações, mas muitas vezes falta o trabalho preparatório, ou de acompanhamento, no campo do apoio técnico especializado, como suporte conceitual e mesmo instrumental nos debates que ocorrem nos foros internacionais. Uma certa responsabilidade incumbe aqui à academia, isto é, aos muitos cursos de relações internacionais já existentes no Brasil. Muitas vezes os professores se preocupam em demasia, ou de modo excessivamente acadêmico, com questões conceituais ou teóricas de relações internacionais, quando o que precisamos, na maior parte dos casos, não é necessariamente de grandes conhecedores da “teoria neorealista” em relações internacionais, mas sim de peritos em comércio internacional, ou de especialistas práticos em integração regional e nas questões do Mercosul.
10 - A política externa do Brasil já deixou de ser assunto apenas de diplomatas e o país está deixando de ser uma sociedade voltada para dentro e com pouco interesse em questões internacionais? Que sinais relevantes apontaria em tal mudança?
PRA: Os processos de globalização e de regionalização em curso na última década certamente contribuiram para abrir o Brasil ao cenário internacional, mas muito mais importantes foram questões concretas como o conflito Embraer-Bombardier, as restrições à carne brasileira em virtude de acusações indevidas e infundadas por causa da doença da “vaca louca”, as crises financeiras dos anos 90 (e ainda agora o problema da Argentina) ou o debate em torno da Alca em nosso hemisfério, que seguramente trouxeram importantes questões internacionais para o cotidiano de milhões de brasileiros. Mais e mais nosso país vai ter de conviver com (e compreender) esse tipo de problema de comércio internacional, o que é normal, se se admite que o país deve cada vez mais participar da globalização. Os diplomatas continuarão a ser os negociadores por excelência em quase todos esses temas (nas questões financeiras, os funcionários da Fazenda e do Banco Central têm o comando, por exemplo), mas cada vez mais, as empresas, os ONGs brasileiras e os próprios cidadãos serão chamados a opinar em torno desses problemas que finalmente afetam a todos nós. Estou certo, por exemplo, que nas próximas eleições presidencias os temas de comércio internacional, com as negociações da Alca e da OMC, assim como os problemas financeiros internacionais (câmbio, ajuda do FMI, capitais estrangeiros) estarão no centro dos debates entre os principais candidatos.
Paulo Roberto de Almeida, 846: Orlando, 9 de janeiro de 2002
Publicada parcialmente na edição dominical do Correio Braziliense,
caderno “Pensar”, 13 de janeiro de 2002, p. 5. Relação de publicados nº 298.
Eis a versão publicada no Correio Braziliense, em, versão abreviada:
Correio Braziliense, Brasília
Brasília, domingo,
13 de janeiro de 2002
Pensar
Entrevista / Paulo Roberto de Almeida
OS PRIMEIROS ANOS DO SÉCULO 21 — O BRASIL NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS CONTEMPORÂNEAS - De Paulo Roberto de Almeida. Editora Paz e Terra. Preço a ser definido. Mais informações no site www.pralmeida.org.
FORMAÇÃO DA DIPLOMACIA ECONÔMICA NO BRASIL — AS RELAÇÕES ECONÔMICAS INTERNACIONAIS NO IMPÉRIO - De Paulo Roberto de Almeida. Editora Senac São Paulo/ Fundação Alexandre Gusmão (Funag), 676 páginas. R$ 68,00.
Há pelo menos uma década os temas comerciais e econômicos tomaram boa parte do espaço reservado às questões políticas e aos (não) alinhamentos ideológicos nas mentes de diplomatas e especialistas em relações internacionais no Brasil. Mas a produção intelectual não tem acompanhado tal mudança de prioridades na velocidade necessária. Até hoje não existia, por exemplo, nenhuma história abrangente da diplomacia econômica no Brasil.
O sociólogo e diplomata Paulo Roberto de Almeida resolveu encarar a empreitada. Acaba de lançar Formação da Diplomacia Econômica no Brasil, cobrindo os anos do Império. Em outros dois volumes, pretende tratar o período republicano, do final do século 19 até os dias de hoje. Autor de vários livros nessa vertente, inclusive dois sobre o Mercosul, ele também lançará em fevereiro Os Primeiros Anos do Século 21 — O Brasil nas Relações Internacionais Contemporâneas.
CORREIO BRAZILIENSE — Existe hoje uma sólida bibliografia brasileira sobre diplomacia e relações internacionais?
PAULO ROBERTO DE ALMEIDA — O campo ainda apresenta lacunas importantes, mas nos últimos dez anos foram publicadas obras relevantes escritas por pesquisadores acadêmicos (historiadores e cientistas políticos) e pelos próprios diplomatas. Em ambos os grupos existe uma saudável orientação em fugir aos cânones da história diplomática tradicional, aquela preocupada apenas em relatar os eventos e fatos políticos, com base unicamente em documentos de chancelaria, e buscar uma abordagem analítica e interpretativa sobre os fatores econômicos e políticos explicativos do tipo de inserção internacional e regional praticada pelo Brasil.
CORREIO — Existe uma visão brasileira das relações internacionais ou continuamos a depender de versões européias e americanas?
ALMEIDA — Não se pode propriamente falar de uma escola ou de teorias brasileiras de relações internacionais, mas tampouco ocorre uma cópia indiscriminada da produção estrangeira. É certo que muitos cientistas políticos seguem padrões norte-americanos de metodologia e abordagem, e que historiadores tendem a seguir uma visão francesa das relações internacionais. Mas também é verdade que os pesquisadores brasileiros têm procurado seguir um enfoque original das relações internacionais do Brasil.
CORREIO — Quando fomos originais?
ALMEIDA — Vários pesquisadores acadêmicos, mas também os próprios diplomatas têm colocado o país no centro de um sistema próprio de relações exteriores, nos planos regional ou internacional, com grande ênfase nos problemas do desenvolvimento econômico. Esta é marca, por exemplo, de alguns economistas-historiadores, como Marcelo de Paiva Abreu, Winston Fritsch, ou o próprio ministro da Fazenda, Pedro Malan, que já produziu alguns textos importantes sobre o contexto internacional do desenvolvimento econômico brasileiro.
CORREIO — Seu livro supre uma lacuna importante sobre a história da diplomacia econômica no Brasil Império. Que outras lacunas existem?
ALMEIDA — Faltaria agora cobrir a fase republicana, o que estou empenhado em fazer, com dois novos volumes. Mas também faltam estudos minuciosos sobre a história financeira internacional do Brasil, por exemplo, ou a de suas relações com os organismos financeiros internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, algo que tentei suprir num dos capítulos de meu livro O Brasil e o Multilateralismo Econômico (Editora Livraria do Advogado, 1999). Marcelo de Paiva Abreu já escreveu algo sobre o Brasil e o GATT (hoje OMC), mas ainda falta uma história de nossa participação nesse importante foro do sistema multilateral de comércio.
CORREIO — Que conseqüências a ausência destes estudos traz para a formação de diplomatas e especialistas em relações internacionais?
ALMEIDA — Os diplomatas são certamente mais afeitos à leitura tradicional de história diplomática do que aos problemas de nossa inserção econômica internacional, sobretudo comercial e financeira. Os efeitos são preocupantes pois as novas gerações entram na carreira sem uma visão dos grandes debates internacionais sobre desenvolvimento, comércio, finanças, propriedade intelectual, entre outros temas, que moldaram a ação de uma geração anterior de diplomatas. Uma boa contribuição nesse sentido foram as memórias do Roberto Campos, mas esses temas estão dispersos no livro e não recebem o tratamento sistemático que deveriam receber numa análise de cunho classicamente acadêmico.
CORREIO — Muito se tem falado na falta de quadros no Brasil para enfrentar as negociações multilaterais que se desenham para o futuro próximo — OMC, Alca, União Européia etc. O que pode ser feito, em sua opinião, para suprir essa lacuna?
ALMEIDA — Sem falar da própria expansão dos servidores diplomáticos e de outros órgãos públicos, como os analistas de comércio exterior, do MDIC, por exemplo. As insuficiências existem também no seio das empresas brasileiras, que não estão ainda suficientemente ‘‘globalizadas’’ para contratar especialistas em relações internacionais, que possam colocá-las no novo ambiente competitivo do comércio internacional. Penso por exemplo nos conflitos comerciais, que exigem advogados comerciais com conhecimento das regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) ou do Mercosul, para atuar nos órgãos de solução de controvérsias, terreno no qual o Brasil é notoriamente carente de um número razoável de quadros. Em outros campos do direito internacional igualmente, muitas vezes nossos interesses são defendidos por escritórios estrangeiros de advogados, à falta de especialistas em número suficiente, ou de escritórios brasileiros possuindo representações no exterior.
CORREIO — Por que existem tais carências?
ALMEIDA — Uma certa responsabilidade incumbe aqui à academia, isto é, aos muitos cursos de relações internacionais já existentes no Brasil. Muitas vezes os professores se preocupam em demasia, ou de modo excessivamente acadêmico, com questões conceituais ou teóricas de relações internacionais, quando o que precisamos, na maior parte dos casos, são de peritos em comércio internacional, ou de especialistas práticos em integração regional e nas questões do Mercosul.
CORREIO — A política externa do Brasil já deixou de ser assunto apenas de diplomatas e o país está deixando de ser uma sociedade voltada para dentro e com pouco interesse em questões internacionais. Que sinais relevantes apontariam tal mudança?
ALMEIDA — Os processos de globalização e de regionalização em curso na última década certamente contribuíram para abrir o Brasil ao cenário internacional, mas muito mais importantes foram questões concretas como o conflito Embraer-Bombardier, as restrições à carne brasileira em virtude de acusações indevidas e infundadas por causa da doença da ‘‘vaca louca’’, as crises financeiras dos anos 90, incluindo o da Argentina, ou o debate em torno da Alca em nosso hemisfério, que seguramente trouxeram importantes questões internacionais para o cotidiano de milhões de brasileiros. Mais e mais nosso país vai ter de conviver com (e compreender) esse tipo de problema de comércio internacional. Estou certo, por exemplo, que nas próximas eleições presidenciais os temas de comércio internacional, com as negociações da Alca e da OMC, assim como os problemas financeiros internacionais — como câmbio, ajuda do FMI, capitais estrangeiros — estarão no centro dos debates entre os principais candidatos.( Marcos Savini)
Mensagem original do jornalista:
Caro Paulo,
Se conseguires, de algum modo, enviar-me até amanhã cedo a capa do novo livro pela Paz e Terra, posso incluir a imagem. Se for impossível, posso citá-lo sem problemas ao lado do "Formação da Diplomacia Econômica do Brasil". Bom, frente à esse texto que acabas de enviar, e que vem muito a calhar, e frente à nossa mútua escassez de tempo, envio abaixo as perguntas que gostaria de te colocar e podemos publicar como uma entrevista.
Desculpe não ter enviado ontem, mas saí muito tarde da redação.
1 - Acredita que já exista hoje uma bibliografia brasileira sólida sobre diplomacia e relações internacionais? O que há de notável e o que falta fazer?
2 - Existe uma visão brasileira das relações internacionais ou continuamos a depender de versões européias e americanas?
3 - Caso a resposta seja positiva, em que nos diferenciamos?
4 - Seu livro supre uma lacuna importante sobre a história da diplomacia econômica no Brasil. Que outras lacunas existem?
5 - Que conseqüências a ausência destes estudos traz para a formação de diplomatas e especialistas em relações internacionais no país?
6 - Em seu livro o sr. relata como a diplomacia econômica foi tradicionalmente conduzida por funcionários consulares, enquanto os diplomatas preocupavam-se com questões políticas. Hoje o cenário parece inverter-se e a diplomacia brasileira está cada vez mais voltada para temas econômicos. Essa tendência é irreversível, apesar dos atentados de 11 de setembro terem demonstrado que a ordem político-estratégica não é tão secundária como poderíamos imaginar?
7 - Muito se tem falado na falta de quadros no Brasil para enfrentar as negociações multilaterais que se desenham para o futuro próximo - OMC, Alca, União Européia, etc. O que pode ser feito, em sua opinião, para suprir essa lacuna?
8 - No complicado tabuleiro das relações econômicas atuais, basta especializar diplomatas para defender os interesses brasileiros? Ou é preciso se preocupar com o preparo de outros setores do governo e da sociedade?
9 - Há carência de especialistas em outras áreas do conhecimento para conduzir tais negociações?
10 - A política externa do Brasil já deixou de ser assunto apenas de diplomatas e o país está deixando de ser uma sociedade voltada para dentro e com pouco interesse em questões internacionais? Que sinais relevantes apontaria em tal mudança?
Bom, espero que ainda esteja em tempo. Não precisa ser exaustivo, até porque o espaço em jornal não é enorme. Se preferir enviar as respostas quando voltar dos passeios, para mim está bem. Posso ligar também mais tarde, se achar que escrevendo tomará muito seu tempo.
Abraço,
Marcos Savini