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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quarta-feira, 2 de março de 2022

O Brasil de Bozo e do ex-chanceler acidental e a guerra na Ucrânia - entrevista de Paulo Roberto de Almeida ao Correio Braziliense

 O que segue na matéria abaixo parece uma entrevista, mas não era para ser e foi tudo meio improvisado. Aliás eu não tinha sequer consciência de que seria uma entrevista; pensei que estava apenas dando subsidios para uma matéria mais ampla, então falei livremente, sem sequer cuidar da correção gramatical do que expressava. 

Se soubesse que seria uma entrevista, teria mais cuidado com as frases. Por outro lado, eu jamais daria uma entrevista para falar do patético ex-chanceler acidental, pois o considero muito medíocre para merecer tanta atenção. 

A reporter deveria ter me avisado. Na verdade, creio que ela é muito jovem para compor uma grande matéria e apenas pegou minhas declarações esparsas e as transformou em “entrevista”, quando eu não tinha tal intenção. Deve ser a tal lei das consequências involuntárias.

Transcrevo, ao final, o teor da entrevista.

Paulo Roberto de Almeida


Três perguntas para Paulo Roberto de Almeida: Correio Braziliense

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

  

O ex-ministro afirma que nossa política exterior tem o lema do "não é conosco", colocando-se num eixo em que não dialoga nem com o bloco ocidental, capitalista e cristão, nem com o bloco comunista. A posição de "neutralidade" buscada por Bolsonaro diante da invasão da Ucrânia reforça a política externa do "não é conosco"?

Ernesto Araújo sempre teve essa postura vinculada a Olavo de Carvalho, uma postura da ultradireita ou da direita extrema americana, a franja lunática dos conservadores antiglobalistas. As democracias ocidentais, os membros da Otan, têm uma postura clara de defesa da democracia, das liberdades que estão em causa hoje pelo regime de direita e imperialista da Rússia. Essa análise é totalmente lunática. Ernesto Araújo, era um diplomata normal, um conservador, um religioso de direita, mas esteve no armário, porque o Itamaraty era progressista sob Fernando Henrique Cardoso, sob Lula. Ele se revelou quando ascendeu essa nova direita no Brasil. Para mim, ele revela o seu desequilíbrio político, emocional, ideológico.

Ernesto Araújo defende que, na prática, a posição do Brasil frente à guerra na Ucrânia não tem sido de neutralidade, e sim pró-Rússia, por conta das demonstrações de simpatia a Putin, e de indiferença à Ucrânia. Podemos interpretar desta maneira?

Depois de ter falado em solidariedade à Rússia, Bolsonaro falou em neutralidade. Ele teve que se retratar porque o Brasil ficou isolado, do lado oposto ao das democracias, da maior parte dos países da comunidade internacional que condenam a invasão e a agressão russa. O Itamaraty teria uma posição muito concreta, condenaria a violação do direito internacional e a invasão russa, que é uma agressão não provocada. Não é o que fez Bolsonaro, que até agora impediu que o Itamaraty expressasse uma posição correta. Então ficamos naquela posição em cima do muro: "Queremos a cessação das hostilidades", como se as hostilidades fossem recíprocas. Não são, elas são provocadas por uma potência agressora. O Putin é um é um déspota agressor. Houve um rompimento de valores e princípios que estão com a diplomacia brasileira desde 1907. Rui Barbosa ensinava que não pode haver neutralidade entre o crime e o direito internacional. Ser imparcial significa que você considera que ambas as partes podem ter razão, que são equivalentes, que é o que estava nas notas do Itamaraty.

O que tais posições do ex-ministro têm como pano de fundo?

A posição do Ernesto Araújo é totalmente inconsequente, porque não expressa a realidade do sistema internacional, assim como a postura do Bolsonaro é absolutamente ignorante e não tem a ver com a realidade das coisas. Eu simplesmente classifico Ernesto Araújo como desequilibrado, e não me interessa qual posição ele adote. A atitude dele é uma postura contra a Rússia porque ele acha que a Rússia não corresponde ao espírito da direita verdadeira. O que o Ernesto queria era uma aliança mundial das grandes potências cristãs — o Brasil católico, os Estados Unidos protestantes e a Rússia ortodoxa —contra o comunismo da China, como se a China fosse comunista hoje. O Ernesto já provou que é um desequilibrado e, portanto, não tem nenhuma importância.

 Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4092: 2 março 2022, 2 p.

  

Texto da matéria do Correio Braziliense: 

 

Ex-chanceler Ernesto Araújo critica Jair Bolsonaro em canal no YouTube

Ernesto Araújo provoca polêmica ao criticar o posicionamento do governo brasileiro diante da invasão da Ucrânia

Taísa Medeiros

Correio Braziliense, 02/03/2022

 

Criador de um recente canal no YouTube, intitulado "Logopolítica", o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, adotou uma posição crítica às atitudes do governo de Jair Bolsonaro (PL) diante do conflito na Ucrânia. Em um de seus artigos recentes, o diplomata afirmou que, "por mais de seis décadas, o princípio 'não é conosco' da nossa diplomacia serviu para distanciar o Brasil do Ocidente democrático, favorecer totalitarismos e agradar a oligarquia nacional", e alegou que o padrão se repete com o ataque russo à Ucrânia.

Araújo defende que o país adote posições pró-Ocidente e, antes mesmo do início do conflito, já tecia críticas à visita de Bolsonaro a Vladimir Putin. "O Brasil está mostrando uma preferência pela Rússia. Neutralidade é você visitar ou os dois que estão em conflito ou nenhum", declarou em uma entrevista em 15 de fevereiro.

"A diplomacia não tem ideologia", ressalta a professora de direito internacional da Universidade de São Paulo Maristela Basso. "A política externa brasileira nunca foi do 'não é conosco'. Pelo contrário, sempre primou pelas posições firmes e equilibradas de respeito ao direito internacional", afirmou a professora. "O ex-ministro não representa nem fala em nome do Itamaraty. Nem mesmo quando ocupava o cargo de chanceler. Frequentou uma escola filosófica e ideológica obscura e de fundamentos frágeis. O que diz hoje é fruto do ressentimento e da falta de respeito à política externa conduzida pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE)", observou.

Para o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Goulart Menezes, caso estivesse à frente do Itamaraty, Araújo faria declarações "desconexas". "Ele demonstrava uma alienação acerca do mundo contemporâneo, e sua subserviência não o faria elaborar algo relevante sobre o conflito e suas consequências. Para quem votou contra os palestinos, pela primeira vez em décadas, ao arrepio do direito internacional, ele tentaria, creio, imprimir uma conotação religiosa ao conflito", projetou o docente.

Neutralidade

Segundo Maristela Basso, não se pode confundir a posição do MRE com frases soltas do Presidente da República. "Estas não contam, porque são feitas fora de contexto e lugar próprios. Faz tempo que o presidente diz e o Itamaraty conserta", analisou. Na avaliação de Roberto Menezes, a tentativa de "neutralidade" de Bolsonaro é um apoio explícito a Putin. "Bolsonaro deu de ombros para a Ucrânia. Optou pelo mais forte."

Para o general Santos Cruz, que ocupou a Secretaria de Governo até junho de 2019, há falta de clareza no discurso do presidente e, por isso, críticas aos seus posicionamentos. O general ressalta que neutralidade não significa falta de opinião. "Posicionar-se contra por uma questão de direito internacional não é quebra de neutralidade. Também não precisa tirar a responsabilidade de todos os atores que levaram a essa situação difícil, inclusive de políticos da própria Ucrânia. Mas não se pode validar a invasão e o sofrimento", pontuou.

 

terça-feira, 1 de março de 2022

Apesar de Bolsonaro, Brasil está cumprindo seu papel no Conselho de Segurança, apontam diplomatas - Janaína Figueiredo (O Globo)

Apesar de Bolsonaro, Brasil está cumprindo seu papel no Conselho de Segurança, apontam diplomatas

Ouvidos pelo GLOBO, embaixadores destacaram a preservação de pilares essenciais do Itamaraty nas posições expressadas pelo Brasil na ONU

BUENOS AIRES — Diante da dissonância entre declarações do presidente Jair Bolsonaro e as posições expostas pelo Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia, diplomatas ouvidos pelo GLOBO destacaram o que consideram, de forma unânime, uma “atuação correta e apegada a nossas tradições e valores expressados na Constituição” do Ministério das Relações Exteriores comandado por Carlos França, no posto há quase um ano.

As falas do chefe de Estado — solidariedade à Rússia e “neutralidade” diante da invasão entre outras — são consideradas por alguns parte de uma narrativa para um público interno que, inevitavelmente, causa dano à imagem do país no exterior. Mas hoje, segundo Roberto Abdenur, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, China e Alemanha, “a voz de Bolsonaro não é levada a sério mundo afora. Trata-se de uma pessoa desmoralizada”.

— O que conta perante a comunidade internacional são os pronunciamentos oficiais do Brasil nos principais foros globais, no Conselho de Segurança e na Assembleia Geral das Nações Unidas. Bolsonaro joga para a extrema direita radical — enfatizou o embaixador. 

Os discursos do embaixador Ronaldo Costa Filho, representante do Brasil na ONU, deixam algumas posições do Brasil muito claras: a defesa de princípios básicos do direito internacional como a soberania dos países e a integridade territorial; condenação ao ataque da Rússia e apelo para que as hostilidades cessem; questionamento à aplicação unilateral de sanções contra a Rússia por parte dos EUA e UE, pelos riscos que este tipo de medidas coercitivas implicam para muitos países, não apenas os envolvidos na guerra; e a crítica, também, a iniciativas como o fornecimento de armas para a Ucrânia, que possam arrastar o mundo para uma guerra descontrolada. O Brasil teme, afirmaram fontes diplomáticas, que a ameaça de utilização de armas nucleares, lançada pelo presidente Vladimir Putin, possa se tornar realidade.

O Itamaraty, ressaltaram as fontes, deve encontrar um difícil equilíbrio entre preservar sua relação com uma potência como a Rússia (sócia nos Brics, junto com China, Índia e África do Sul), considerada um aliado estratégico e comercial importante, e, ao mesmo tempo, manter-se apegado aos pilares mais fundamentais da tradição diplomática brasileira.

No Conselho de Segurança, os representantes do Brasil, segundo O GLOBO apurou, conversam com todos os demais membros, de Rússia, China, Índia e Emirados Árabes aos EUA e Noruega. O governo brasileiro não faz, porém, como o México (também membro rotativo que acaba de iniciar um período de dois anos), articulações sobre temas específicos. O governo do presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador se articulou com a França e a Noruega para promover uma resolução sobre a entrada de ajuda humanitária ao território ucraniano. 

Na visão do embaixador Marcos Azambuja, que representou o país na França e Argentina, “o Brasil está desconfortável numa situação na qual deve defender princípios, mas, ao mesmo tempo, interesses que não pode abandonar”.

— O Brasil, na votação de sexta-feira no Conselho de Segurança, tinha de prestar tributo à tradição diplomática. Mas a Rússia é um parceiro importante, e o Brasil tem de se cuidar muito para não cair no automatismo de uma nova Guerra Fria — avaliou Azambuja.

ApeloNo 5º dia, ataques russos se aproximam de Kiev e ouço: 'vamos embora enquanto temos chance', relata Yan Boechat

Quando você tem uma guerra, aponta o embaixador Everton Vieira Vargas, ex-representante do Brasil na União Europeia, Alemanha e Argentina, “deve ficar do lado do agredido, sobretudo num caso tão transparente como este. Isso foi dito por nosso embaixador na ONU”.

— O Brasil fez o que tinha de fazer. Por outro lado, temos uma parceria importante com a Rússia, e é preciso pensar nos interesses brasileiros. O Itamaraty está adotando uma posição que busca preservar esses interesses — apontou Vieira Vargas.

Na mesma linha, o embaixador Rubens Barbosa, que já chefiou as embaixadas brasileiras em Washington e Londres, e atualmente preside o Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), opinou que “o Itamaraty está fazendo prevalecer a linha tradicional da Chancelaria”.

— Estamos conversando com todos e acho que deveríamos, também, conversar com os latino-americanos. O Itamaraty está atuando dentro de suas linhas, com uma posição muito clara sobre questões essenciais como soberania e integridade territorial — ampliou Barbosa.

O Brasil, concordou o embaixador Gelson Fonseca, diretor do Centro de História e Documentação Diplomática da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações  Internacionais (Cebri), “está fazendo o jogo certo”.

— Quando houve de condenar, o Brasil condenou, não tem outro caminho. Nosso comportamento no Conselho de Segurança é correto, estamos seguindo a melhor doutrina multilateral de nossas tradições —  afirmou Fonseca.

A condenação à invasão da Ucrânia por parte da Rússia era algo que, goste ou não Bolsonaro, a diplomacia tradicional que França tenta defender como chanceler devia fazer. Enquanto o presidente fala para sua base interna e para a rede de direita e extrema direita à qual continua pertencendo, ao lado de figuras como o ex-presidente americano Donald Trump, o Itamaraty está, na opinião de todos os entrevistados, cumprindo seu papel com dignidade.

Entre mortos e feridos, o Ministério das Relações Exteriores está, salientaram os diplomatas ouvidos, conseguindo preservar uma tradição histórica e respeitada no mundo. Muitos, pedindo para não serem identificados, asseguraram que as preocupações da Rússia sobre sua segurança também devem ser compreendidas, e lembraram que em 1962 os EUA cogitaram invadir Cuba quando a então União Soviética instalou mísseis balísticos na ilha. 

Exemplos de invasões ocorridas nas últimas décadas também surgiram nas conversas para mostrar que, em outros momentos, outros países atuaram sem o aval do Conselho de Segurança. A aplicação unilateral de sanções também foi questionada. Existe apreensão pelo impacto que possam ter no Brasil, sobretudo no setor de alimentos e, entre outros, nas importações de fertilizantes russos, importantes para o agronegócio brasileiro.

Wikileaks: sobre a adesão da Ucrânia à OTAN - embaixador Burns (2008)

 Telegrama de 2008 expedido pelo então embaixador em Moscou, William Burns. Hoje o diretor da CIA.

https://t.co/wAucIDgGTN

Wikileaks sobre a Ucrânia.


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B. MOSCOW 182 Classified By: Ambassador William J. Burns. Reasons 1.4 (b) and (d). 1. (C) Summary. Following a muted first reaction to Ukraine's intent to seek a NATO Membership Action Plan (MAP) at the Bucharest summit (ref A), Foreign Minister Lavrov and other senior officials have reiterated strong opposition, stressing that Russia would view further eastward expansion as a potential military threat. NATO enlargement, particularly to Ukraine, remains "an emotional and neuralgic" issue for Russia, but strategic policy considerations also underlie strong opposition to NATO membership for Ukraine and Georgia. In Ukraine, these include fears that the issue could potentially split the country in two, leading to violence or even, some claim, civil war, which would force Russia to decide whether to intervene. Additionally, the GOR and experts continue to claim that Ukrainian NATO membership would have a major impact on Russia's defense industry, Russian-Ukrainian family connections, and bilateral relations generally. In Georgia, the GOR fears continued instability and "provocative acts" in the separatist regions. End summary. MFA: NATO Enlargement "Potential Military Threat to Russia" --------------------------------------------- -------------- 2. (U) During his annual review of Russia's foreign policy January 22-23 (ref B), Foreign Minister Lavrov stressed that Russia had to view continued eastward expansion of NATO, particularly to Ukraine and Georgia, as a potential military threat. While Russia might believe statements from the West that NATO was not directed against Russia, when one looked at recent military activities in NATO countries (establishment of U.S. forward operating locations, etc. they had to be evaluated not by stated intentions but by potential. Lavrov stressed that maintaining Russia's "sphere of influence" in the neighborhood was anachronistic, and acknowledged that the U.S. and Europe had "legitimate interests" in the region. But, he argued, while countries were free to make their own decisions about their security and which political-military structures to join, they needed to keep in mind the impact on their neighbors. 3. (U) Lavrov emphasized that Russia was convinced that enlargement was not based on security reasons, but was a legacy of the Cold War. He disputed arguments that NATO was an appropriate mechanism for helping to strengthen democratic governments. He said that Russia understood that NATO was in search of a new mission, but there was a growing tendency for new members to do and say whatever they wanted simply because they were under the NATO umbrella (e.g. attempts of some new member countries to "rewrite history and glorify fascists"). 4. (U) During a press briefing January 22 in response to a question about Ukraine's request for a MAP, the MFA said "a radical new expansion of NATO may bring about a serious political-military shift that will inevitably affect the security interests of Russia." The spokesman went on to stress that Russia was bound with Ukraine by bilateral obligations set forth in the 1997 Treaty on Friendship, Cooperation and Partnership in which both parties undertook to "refrain from participation in or support of any actions capable of prejudicing the security of the other Side." The spokesman noted that Ukraine's "likely integration into NATO would seriously complicate the many-sided Russian-Ukrainian relations," and that Russia would "have to take appropriate measures." The spokesman added that "one has the impression that the present Ukrainian leadership regards rapprochement with NATO largely as an alternative to good-neighborly ties with the Russian Federation." Russian Opposition Neuralgic and Concrete ----------------------------------------- 5. (C) Ukraine and Georgia's NATO aspirations not only touch a raw nerve in Russia, they engender serious concerns about the consequences for stability in the region. Not only does Russia perceive encirclement, and efforts to undermine Russia's influence in the region, but it also fears unpredictable and uncontrolled consequences which would seriously affect Russian security interests. Experts tell us that Russia is particularly worried that the strong divisions in Ukraine over NATO membership, with much of the ethnic-Russian community against membership, could lead to a major split, involving violence or at worst, civil war. In that eventuality, Russia would have to decide whether to intervene; a decision Russia does not want to have to face. 6. (C) Dmitriy Trenin, Deputy Director of the Carnegie Moscow Center, expressed concern that Ukraine was, in the long-term, the most potentially destabilizing factor in U.S.-Russian relations, given the level of emotion and neuralgia triggered by its quest for NATO membership. The letter requesting MAP consideration had come as a "bad surprise" to Russian officials, who calculated that Ukraine's NATO aspirations were safely on the backburner. With its public letter, the issue had been "sharpened." Because membership remained divisive in Ukrainian domestic politics, it created an opening for Russian intervention. Trenin expressed concern that elements within the Russian establishment would be encouraged to meddle, stimulating U.S. overt encouragement of opposing political forces, and leaving the U.S. and Russia in a classic confrontational posture. The irony, Trenin professed, was that Ukraine's membership would defang NATO, but neither the Russian public nor elite opinion was ready for that argument. Ukraine's gradual shift towards the West was one thing, its preemptive status as a de jure U.S. military ally another. Trenin cautioned strongly against letting an internal Ukrainian fight for power, where MAP was merely a lever in domestic politics, further complicate U.S.-Russian relations now. 7. (C) Another issue driving Russian opposition to Ukrainian membership is the significant defense industry cooperation the two countries share, including a number of plants where Russian weapons are made. While efforts are underway to shut down or move most of these plants to Russia, and to move the Black Sea fleet from Sevastopol to Novorossiysk earlier than the 2017 deadline, the GOR has made clear that Ukraine's joining NATO would require Russia to make major (costly) changes to its defense industrial cooperation. 8. (C) Similarly, the GOR and experts note that there would also be a significant impact on Russian-Ukrainian economic and labor relations, including the effect on thousands of Ukrainians living and working in Russia and vice versa, due to the necessity of imposing a new visa regime. This, Aleksandr Konovalov, Director of the Institute for Strategic Assessment, argued, would become a boiling cauldron of anger and resentment among the local population. 9. (C) With respect to Georgia, most experts said that while not as neuralgic to Russia as Ukraine, the GOR viewed the situation there as too unstable to withstand the divisiveness NATO membership could cause. Aleksey Arbatov, Deputy Director of the Carnegie Moscow Center, argued that Georgia's NATO aspirations were simply a way to solve its problems in Abkhazia and South Ossetia, and warned that Russia would be put in a difficult situation were that to ensue. Russia's Response ----------------- 10. (C) The GOR has made it clear that it would have to "seriously review" its entire relationship with Ukraine and Georgia in the event of NATO inviting them to join. This could include major impacts on energy, economic, and political-military engagement, with possible repercussions throughout the region and into Central and Western Europe. Russia would also likely revisit its own relationship with the Alliance and activities in the NATO-Russia Council, and consider further actions in the arms control arena, including the possibility of complete withdrawal from the CFE and INF Treaties, and more direct threats against U.S. missile defense plans. 11. (C) Isabelle Francois, Director of the NATO Information Office in Moscow (protect), said she believed that Russia had accepted that Ukraine and Georgia would eventually join NATO and was engaged in long-term planning to reconfigure its relations with both countries, and with the Alliance. However, Russia was not yet ready to deal with the consequences of further NATO enlargement to its south. She added that while Russia liked the cooperation with NATO in the NATO-Russia Council, Russia would feel it necessary to insist on recasting the NATO-Russia relationship, if not withdraw completely from the NRC, in the event of Ukraine and Georgia joining NATO. Comment ------- 12. (C) Russia's opposition to NATO membership for Ukraine and Georgia is both emotional and based on perceived strategic concerns about the impact on Russia's interests in the region. It is also politically popular to paint the U.S. and NATO as Russia's adversaries and to use NATO's outreach to Ukraine and Georgia as a means of generating support from Russian nationalists. While Russian opposition to the first round of NATO enlargement in the mid-1990's was strong, Russia now feels itself able to respond more forcefully to what it perceives as actions contrary to its national interests. BURNS

Minha política de sanções, em favor da Ucrânia - Paulo Roberto de Almeida

 Minha política de sanções, em favor da Ucrânia

Vou ser bastante claro, como sempre sou: quem ainda ousar, em meus espaços, defender a postura do tirano criminoso Putin, em sua ação contra o povo da Ucrânia, pode me excluir de suas relações, imediatamente; se não o fizer, eu mesmo o farei, ostensivamente, pois considero INDIGNA qualquer justificativa nesse sentido. 

Isso vale para os bozófilos, que ainda sustentam o psicopata “solidário” ou “neutro”, e vale também para os petistas ordinários, que ficam repetindo que toda a culpa é da OTAN e dos imperialistas americanos, que estariam “ameaçando a Rússia”. 

Acho que fui bastante claro!

Paulo Roberto de Almeida


segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Declaração do Brasil na sessão extraordinária da AGNU sobre o caso da agressão russa na Ucrânia - Ainda em cima do muro: Paulo Roberto de Almeida

 Mais uma vez, a diplomacia brasileira, não por culpa dela, mas por culpa do psicopata no poder, e dos generais eunucos do Planalto, ficou em cima do muro, e não disse o que seria preciso dizer: HOUVE UMA AGRESSÃO INJUSTIFICADA de uma nação pacífica, POR UM CRIMINOSO DE GUERRA, houve uma clara VIOLAÇÃO FLAGRANTE DO DIREITO INTERNACIONAL, uma ruptura nítida da CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS, e, pior do que tudo, ocorreram ATROCIDADES perpetradas pelas tropas russas contra a população ucraniana. 

Não esperava que a diplomacia brasileira dissesse tudo isso, mas ela se recusa, POR CAUSA DO ALOPRADO NO PLANALTO, e dos seus generais amestrados, a chamar as coisas pelo nome. Quando se fala algo deste gênero: 

"to stop and reverse the belligerent actions before it is too late"

isso representa uma COVARDIA, pois só existem ações beligerantes de uma parte. Quando o Brasil repete que quer uma "cessação de hostilidades, precisaria ficar claro que essas hostilidades NÃO SÃO DAS DUAS PARTES, e que a parte mais fraca está apenas se defendendo de uma AGRESSÃO. Isso é hipocrisia, certamente motivada pelo generalecos amestrados pelo psicopata no poder.

O chanceler Carlos França, numa entrevista concedida à GloboNews, no final do dia 28/02/2022, disse que "nossa posição [do Brasil] é de equilíbrio e não de neutralidade [ou seja DESMENTIU o presidente]; O que o presidente pensou, interpretou ele, seria imparcialidade, uma "posição balanceada".  Mais ainda, disse que o Brasil não quer apontar um culpado [??!!!, SIC três vezes]; Disse ainda que a fortaleza do Brasil é de construção de consenso, busca do diálogo e da conciliação, e que "as sanções não resolvem o problema" [SIC quatro vezes!]

Pergunto (PRA), como ser equilibrado NUMA HORA DESSAS? Quando existe um agressor que se recusa a "cessar hostilidades", como recomenda o Brasil? E quando não se diz claramente QUEM ESTÁ AGREDINDO QUEM?

Finalmente, também corrigiu o presidente, que teria dito a seus "admiradores" na praia que "falei há pouco com o Putin por duas horas", esclarecendo que não houve essa conversa. O presidente é um MENTIROSO, portanto.

Continuo dizendo que a posição diplomática do Brasil continua VERGONHOSA, mas a culpa NÃO É do Itamaraty, e sim dos aloprados que mandam na diplomacia.

Paulo Roberto de Almeida

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NOTA À IMPRENSA Nº 34

Declaração do Representante Permanente do Brasil junto às Nações Unidas, Embaixador Ronaldo Costa Filho, em sessão especial de emergência da Assembleia Geral da ONU sobre a situação na Ucrânia - 28 de fevereiro de 2022 (texto em inglês)

Statement by the Permanent Representative Ambassador Ronaldo Costa Filho in the Emergency Special Session of the General Assembly on Ukraine

28 February 2022

Mr. President,

Mr. Secretary-General,

This is a defining moment for our organization and for the world. When the drafters of the Charter envisaged our current collective security system back in 1945, they probably thought that they had seen the worst in terms of tragedy and human suffering. If they were here today, they would doubt that assessment. We are under a swift escalation of tensions that could put all of humanity in risk. But we still have time to stop it. 

Brazil voted in favor of the draft resolution before the Security Council on the situation in Ukraine. We regret that the draft was not adopted, but we firmly believe that the Security Council has not yet exhausted the instruments at its disposal to contribute to a negotiated and diplomatic solution towards peace. 

The urgency of the situation convinced us of the need to add the voice of the General Assembly to that of the Security Council in seeking solutions to the crisis in and around Ukraine.  No one can deny the primary responsibility of the Security Council for the maintenance of international peace and security, nor the complementary role that this Assembly can play to that end. 

Brazil welcomes the engagement of the UN Secretary-General in attempting to deescalate the growing tensions. It also notes that Ukraine has initiated a case in the International Court of Justice based on the Genocide Convention. This is the moment for the principal organs of the United Nations to work together in pursuing one of the Organizations’ main objectives: to save us from the scourge of war.  

For that, we need to be exceedingly cautious in moving forward, both in the General Assembly and elsewhere. We are currently witnessing a succession of events that, if not contained soon, would lead to a much broader confrontation. Everyone will suffer, not just those who are fighting. Those who have repeatedly pleaded for de-escalation will also bear the costs of the power play between NATO and Russia that we are currently witnessing.

Over the last years, we have seen the progressive deterioration of the security situation and balance of power in Eastern Europe. The undermining of the Minsk agreements by all parties and the discrediting of the security concerns voiced by Russia prepared the ground for the crisis we are all witnessing.

Let me be clear, however: this situation in no way justifies the use of force against the territorial integrity and sovereignty of any member state. It is against the most basic norms and principles we all abide for and a clear breach of the UN Charter.

 

Mr. President,

It is of our collective interest to jointly do all we can to stop and reverse the belligerent actions before it is too late. Brazil reiterates its calls for an immediate ceasefire in Ukraine, as well as for full respect for international humanitarian law.

Equally important, we call all actors involved to reassess their decisions concerning the supply of weapons, the recourse to cyberattacks and the application of selective sanctions, particularly those which could affect the global economy, including the critical area of food security. At this moment, we need constructive solutions; not actions that will only prolong hostilities and spread the conflict, with rippling effects to the world’s economy and security.

As we speak, hundreds of thousands of civilians have already fled Ukraine. Many more will certainly follow – millions perhaps. The destruction of infrastructure has left people without electricity and water. 

Damage to essential infrastructure, interruption of basic services, including transportation and access to basic supplies, the danger to persons with disabilities, the elderly and children are causes of grave concern. There are pressing humanitarian needs for medical services, medicines, health equipment, shelter and protection. The prospect of hostilities conducted in populated areas, compounded by the possible use of explosive weapons and direct participation of civilians is also extremely worrisome. We urge all parties to avoid this scenario at all costs, bearing in mind the grave risks it poses to the civilian population.

We call on all parties to adopt measures to ensure the protection of civilians and of critical civilian infrastructure, as well as to ensure unhindered humanitarian access to all those in need and the protection of refugees and displaced persons. We also reiterate our appeal to Ukraine and Russia to facilitate the withdrawal of all persons who want to leave the Ukrainian territory. Brazil expresses its gratitude to Poland, Slovakia, Hungary, Moldova, Romania and others who are facilitating the exit of people fleeing the conflict, including Brazilians and Latin Americans. 

Let me also take this opportunity to express our solidarity to all families who have lost someone in this war; to all people left without home, water and electricity; to those who are fleeing in fear, sometimes with nowhere to go; and to everyone who is now trapped in a conflict zone, desperately attempting to find refuge. I wish to commend all personnel that are now in Ukraine trying to alleviate the suffering of the population. We know that you are doing your best in very challenging circumstances, and we know that more could be done to assist you in your efforts. 

Mr. President,

Few times has the General Assembly been convened under the Uniting for Peace Resolution. By meeting today, the international community shows its unwavering determination to reach a diplomatic solution to the ongoing conflict in Ukraine. 

A peaceful settlement of the crisis is not only the cessation of hostilities. It is about creating the conditions for a greater sense of security among all involved. It is about rebuilding bridges and regaining trust. And it is about respect: respect for each other’s legitimate security concern, for civilian lives, for all countries that do not want a war, for international law, and for the most basic principles that have guided this Organization since its inception.

 

Thank you. 


A esfinge Vladimir Putin - Pedro Doria

 Faltou um livro ESSENCIAL neste relato de Pedro Doria: Putin’s kleptocracy: who owns Russia, de Karen Dawisha, que relata como Putin desviou dinheiro para construir sua carreira de ditador. 

Paulo Roberto de Almeida


A Esfinge Putin

Por Pedro Doria 

(28/02/2022)

É um truque antigo de marketing. Quando preparou uma pesquisa informal para entender as aflições políticas da população russa, Gleb Pavlovsky não perguntou aos leitores do diário Kommersant quem gostariam de ver no comando do Kremlin. O experiente cientista político perguntou sobre personagens de ficção. Qual seria o presidente dos sonhos. O jornal, que Pavlovsky havia dirigido nos tempos da queda da União Soviética, tinha por dono seu chefe, o oligarca Boris Berezovsky. E Berezovsky estava aflito por respostas. Ele e todos da Família.


Àquela altura, em princípios de 1999, quase todo mundo já havia abandonado Boris Yeltsin, o presidente da Rússia. Ele, o único líder eleito democraticamente na história para o comando do país, havia desapontado seus eleitores. Em parte, havia injustiça na baixa popularidade. A classe média havia se expandido imensamente nos anos anteriores e os confortos da sociedade de consumo se espalharam rapidamente — telefonia, televisões, geladeiras, automóveis. Mas também havia hiperinflação e uma sensação generalizada de desordem e decadência. A Rússia pós-URSS havia desmoronado. E Yeltsin parecia simbolizar aquilo. Com cada vez mais frequência era visto cambaleante, falando com dificuldade, às vezes também incoerente. Saíra de uma operação cardíaca invasiva e delicada fazia pouco. Sua filha dizia que o pai estava doente e tomando muitos remédios. O povo achava que seu presidente era, como tantos russos, alcoólatra. Certo é que não tinha condições de saúde para terminar o mandato. Havia sido abandonado por quase todos que apenas uns anos antes o bajulavam. Talvez por isso o pequeno grupo de parentes, assessores e amigos que continuaram ao seu lado tenham ganhado o apelido de ‘a Família’. Precisavam de um sucessor. Precisavam, principalmente, de um sucessor que idealmente pudesse ser controlado e que não mandasse prender Yeltsin e os seus por corrupção, após sua renúncia.


Não foi o primeiro nome listado na pesquisa que chamou atenção do marqueteiro. Foi o segundo: Stierlitz. Chamou atenção porque, no Kremlin de 1999, todos sabiam muito bem quem lembrava de muitas maneiras Max Otto von Stierlitz, o codinome alemão utilizado pelo agente secreto Maxim Maximovich Isaev das histórias de espionagem. Era o jovem diretor-geral do Serviço Federal de Segurança, a FSB. Desconhecido, um burocrata pouco ambicioso, alguém que sempre que testado havia demonstrado lealdade.


Lembrava Stierlitz até no jeito de sorrir. No detalhe dos maneirismos. Todos sabiam. Todos sempre percebiam.


O que ninguém no Kremlin havia entendido é que Vladimir Vladimirovitch Putin tinha um talento raro, uma habilidade construída pelos melhores agentes da antiga KGB. Ele vivia num mundo de espelhos. “Sou um especialista em comportamento humano”, havia explicado mais de década antes para um amigo de faculdade que lhe perguntara o que um agente fazia bem. Putin era capaz de refletir de volta a expectativa que criavam a seu respeito. Sempre parecia ser quem queriam que fosse.


Há 22 anos no poder, o presidente russo segue sendo a mesma esfinge num labirinto de espelhos. Vive entre a costura de realidade e ficção, num ambiente em que a verdade nunca é clara e os fatos parecem sempre manipulados. A história de como chegou onde está ajuda muito a entender por que uma guerra inacreditável acaba de estourar dentro do continente europeu.


Leningrado


Putin nasceu o filho caçula e tardio de uma típica família de Leningrado, em 1952. Nunca conheceu os irmãos. O primeiro morreu logo após ter nascido. O segundo morreu aos 8, de disenteria e fome, no cerco de dois anos e meio que os nazistas impuseram à cidade durante a Grande Guerra. Seu pai lutou e foi herói, mas a frente de batalha o deixou com as pernas doloridas, marcadas e pouco funcionais pelo resto da vida. A mãe trabalhava numa fábrica. O menino Vladimir passou a infância e parte da adolescência num apartamento dos tempos pré-revolucionários que havia sido dividido com outras três famílias, cada uma em seu quarto, a cozinha no meio com um fogão, uma pia, e só. No inverno, se aqueciam com lenha queimada em fornos de ferro fundido, um por cômodo.


Mas os Putin tinham confortos atípicos — o quarto da família era bem maior do que os outros. Tinham também um carro, já em finais dos anos 1950. Um aparelho telefônico. E até uma dacha, um casebre fora da cidade onde podiam passar o verão. Mais de um biógrafo desconfia que ali estão indícios de que o severo e silencioso pai do futuro presidente não era apenas um reservista por invalidez do Exército Vermelho. Ele próprio, filho de um dos cozinheiros de Lênin e Stálin, talvez tivesse se mantido como um agente de baixa patente da polícia secreta, um informante a respeito do que se passava no bairro.


Como era mirrado e briguento, desde cedo o jovem Vladimir, ou Volodya como os mais próximos ainda o chamam, se dedicou a aprender a lutar. Primeiro boxe, mas quebrou o nariz. Depois sambo, uma arte marcial russa, que logo migrou para judô. Ele era adolescente quando saiu publicado o romance 17 Instantes numa Primavera, um thriller de espionagem encomendado pela KGB para melhorar sua imagem. É a história de um James Bond russo, um espião frio, discreto e hábil, inteiramente dedicado à Rússia, que se insere jovem na Alemanha nazista, ascende a oficial da SS sob a identidade de Max Otto von Stierlitz, manipula as rivalidades alemãs, neutraliza a diplomacia americana e facilita a entrada do Exército Vermelho em Berlim.


O livro mexeu com a imaginação de toda uma geração de soviéticos, mas em particular com a de Putin que, na virada para a adolescência, de mau aluno tornou-se bom, e se dedicou a estudar alemão. Seus colegas sonhavam ser cosmonautas. Ele, agente da KGB. Outro indício de que seu pai tinha mais contatos do que alguém como ele teria é que o menino, embora não tivesse as melhores notas, conseguiu matrícula na Universidade Estadual de Leningrado, o curso superior de excelência dali. E que, formado, foi imediatamente convidado a se juntar ao serviço secreto.


O agente na Alemanha


Em 1992, quando Vladimir Putin era assessor do prefeito de São Petersburgo e já demonstrava ambições políticas, encomendou um documentário (trecho) a seu respeito. A história que contava era a do trabalho daquele jovem burocrata para conseguir importar comida para uma cidade faminta tentando se erguer dos destroços da URSS. Mas seu objetivo com o filme era outro — queria vazar logo que havia sido agente da KGB. A informação, se tornada pública depois, poderia prejudicar sua carreira. Queria controlar o dano. Pelo jeito do jovem político, o cineasta Igor Shadkhan não resistiu. Usou no fundo, durante a confissão, o tema composto por Mikael Tariverdiev e que qualquer russo conhecia — a trilha da minissérie televisava em 12 episódios dos anos 1970 recontando a história de Stierlitz. (Trecho.) Para Putin, era a melhor ótica possível. Não era a KGB opressora, era a KGB que havia vencido a Guerra que emanava.


Anos depois, já próximo de se tornar presidente, deu uma longa entrevista que se tornou base para boa parte de suas biografias. Contou que, formado pela KGB, trabalhou em postos burocráticos de Leningrado — a passada e futura São Petersburgo — enquanto tentava conquistar o sonho de ser um agente no exterior. Quando enfim conseguiu, foi mandado para Dresden, na Alemanha Oriental. Putin fazia graça de si mesmo. Sonhava em ir para Berlim, onde estava a ação de contraespionagem pesada, foi para uma cidadezinha industrial desimportante em que boa parte do serviço era fazer clipping de jornais estrangeiros e tentar recrutar agentes entre os estudantes da universidade local.


Não há rastro documental sobre sua carreira além do fato de que ganhou uma medalha de bronze. “Até cozinheiras ganhavam essa medalha”, ele brincou na entrevista. Também não há rastro de sua carta de desligamento da KGB. E uma única informação salta aos olhos — quando se desligou da agência, estava a um ano de se aposentar. Raros agentes tinham direito de se aposentar cedo. Ele poderia antes dos 40. Algo fez para merecer. A explicação corrente é de que se desligou mesmo faltando pouco para a pensão porque a história andou, a União Soviética se desmanchou e ele queria mergulhar na vida democrática.


Dresden não era, de fato, Berlim. Mas tinha três características que faziam da cidade importante para o serviço secreto russo e para a Stasi, a polícia secreta da Alemanha comunista. A primeira é que, justamente, não era Berlim. Por isso, não havia ali tanta atividade de contraespionagem ocidental. Os agentes podiam trabalhar mais à vontade na sombra. Em segundo, era o centro do contrabando alemão. O mundo socialista havia se mostrado incapaz de avançar tecnologicamente na velocidade do mundo liberal. Mainframes e computadores pessoais eram contrabandeados para a Europa Oriental e União Soviética via Dresden, tanto as máquinas para uso pelo governo quanto os projetos furtados de como montá-las. Mas ali estava uma corrida infrutífera, mesmo copiando pareciam sempre anos atrás. Por fim, em Dresden funcionava boa parte da atividade de contrainformação. Propaganda para seduzir jovens de esquerda na Europa Ocidental que podiam se mostrar úteis, flagrantes de encontros sexuais para ser ser usados em chantagem de pessoas com alguma importância, e histórias falsificadas que poderiam ser distribuídas pela imprensa como verdadeiras, espalhando confusão nos países inimigos. A máquina de desinformação soviética voltada para a Europa funcionava em Dresden.


Putin se mudou para a cidade com sua mulher e as duas filhas muito pequenas pouco antes de Mikhail Gorbachev assumir o comando da nação. Voltou logo após a queda do Muro de Berlim, após ter supervisionado a queima de documentos. Os da Stasi sobreviveram. A KGB foi eficiente — não deixou nada relevante para ser encontrado. Àquela altura, estava em curso a Operação Luch — quer dizer ‘raio de luz’, ‘foco de luz’. Uma operação secreta da agência para garantir a continuidade de seus serviços após a dissolução, já prevista, da URSS.


É neste ambiente que voltou a São Petersburgo um jovem e idealista Vladimir Putin que, como conta, renunciou ao cargo na KGB e em semanas se achou emprego na universidade em que havia estudado. Lá, tornou-se próximo do carismático professor de Direito Anatoly Sobchak, que meses depois terminaria eleito o primeiro prefeito democrático da cidade. Putin se fez seu braço direito.


Dresden não era Berlim, São Petersburgo não era Moscou. Enquanto na capital oligarcas saíam comprando por quase nada os espólios da URSS e se tornando bilionários da noite para o dia, na segunda maior cidade do país o problema era mais comezinho e também mais evidente. Era a máfia, um novo e violento crime organizado que se formara rapidamente e controlava boa parte dos serviços públicos.


Sobchak sabia que Putin havia sido KGB. Possivelmente, muitos analistas acreditam nisso, quando ficou claro que ele seria eleito, o próprio serviço secreto ofereceu o tenente-coronel para ajuda-lo. Neste ambiente, dissimularam um desligamento da agência. O trabalho de Volodya, Vladimirzinho, seria negociar com o crime, tornar a governança possível. Na prática, entre 1992 e 96, foi Putin quem realmente governou São Petersburgo. Ao final do governo de Sobchak, a cidade não havia se tornado mais segura. Mas a máfia estava organizada, não criava confusão com a prefeitura, e ninguém tinha dúvida de quem mandava.


Sobchak não conseguiu ser reeleito — diferentemente do esperado, perdeu por 1,5% dos votos. Um escândalo de corrupção pessoal estourou dias antes do pleito, envolvendo a compra de um apartamento. Putin, conta a narrativa oficial, foi o único a nunca abandoná-lo. Não falta quem desconfie que, em verdade, ele tenha ajudado de algum jeito a promover a derrota.


Kremlin


A derrota interessava a Boris Yeltsin, que temia a rivalidade de Sobchak na eleição presidencial. Se nunca denunciou Sobchak em público, se anos depois estava presente em seu funeral, abraçado à família, também é verdade que após a derrota eleitoral Putin já tinha emprego novo. No Kremlin. Seu primeiro cargo foi como diretor do Departamento de Propriedades Estrangeiras — tudo aquilo fora da Rússia que a URSS havia deixado de legado. Dos palácios das embaixadas às bases militares ao que não estava registrado. Em sete meses tornou-se chefe de Controle. Era quem garantia que os governos provinciais seguissem as ordens do presidente. Em um ano, virou vice-chefe de gabinete. O número dois da estrutura administrativa do palácio presidencial.


Em 1997, agora claramente com a patente oficial de tenente-coronel da reserva, assumiu o comando da FSB, a sucessora da KGB. Nos dois meses seguintes, seu principal rival em São Petersburgo foi preso e a mais importante ativista democrata do país, Galina Starovoitova, foi assassinada em condições ainda hoje misteriosas.


Apesar do documentário, que teve alcance curto, Putin passou quase todo este período nas sombras. Quando 1999 entrou, ele não era um rosto conhecido dos russos. Domou, sim, a máfia de São Petersburgo — é a única ação que pode ser concretamente atribuída a ele. Mas não é claro o que mais fez para galgar tão rápido degraus dentro do Kremlin. E, como estava longe dos holofotes da imprensa, suas ações foram pouco registradas. Mais de um biógrafo entrevistou membros do grupo Família que cercava Yeltsin tentando compreender porque ele, dentre tantos, foi o escolhido.


Ele tinha exatamente o perfil que poderia inspirar confiança na população russa, uns disseram. Ele era de nossa confiança, disseram outros. Tinha pouca ambição. Seria fácil de controlar. Seria leal.


Presidente


Boris Berezovsky era um matemático, um acadêmico, quando a URSS acabou. Naquele caos, quando as máfias locais buscavam a única fábrica de automóveis do país para comprar carros baratos e revender, aproveitando-se de um gerente corrupto que embolsava o dinheiro, ele percebeu uma oportunidade. Chegou ao gerente e ofereceu para comprar a produção de mais de um ano, pagaria uma parte como adiantamento e o resto ao longo do tempo. O homem não havia percebido, mas Berezovsky sim — a inflação ia comer aquele valor nos anos seguintes. Com a fortuna que acumulou rápido, tornou-se sócio de uma das maiores companhias petroleiras do país e o principal dono do principal grupo de mídia que tinha no antigo canal de TV estatal sua estrela. Dos oligarcas que se tornaram bilionários após a implosão do mundo comunista, foi o único que se manteve fiel a Yeltsin até o fim.


Quando percebeu que as conversas no Kremlin indicavam mesmo a escolha de Putin como sucessor, tomou um avião para a França onde encontrou o diretor da FSB num modesto apartamento alugado para as férias de verão. Lá estava Volodya, apertado numa salinha com a mulher e duas filhas correndo para cá e para lá, um russo de classe média que se comportava como quem conta o dinheiro. Queria ser ele, Berezovsky, o primeiro a sondar a respeito da indicação do presidente para que virasse primeiro-ministro.


Berezovsky desejava fazer parecer a Putin que ele lhe devia esta. Saiu bem impressionado com a humildade do homem.


No Réveillon de 1999, Yeltsin surpreendeu a Rússia com um discurso (assista) em que, comovido, anunciava sua renúncia. A câmera cortou para o primeiro-ministro que assumiria como interino em seu lugar (assista). Para muitos, era a primeira vez que viam seu rosto. Um homem miúdo, ainda não totalmente confortável com a câmera, um presidente acidental.


Àquela altura, porém, Vladimir Vladimirovitch Putin havia deliberadamente construído a história pela qual seria conhecido. Na KGB, nunca teve as promoções que desejou, havia sido sempre um burocrata, um cortador de clippings. Cresceu humilde. Não desejava, nunca procurou, poder. Era só eficiente.


Mas Putin trabalhou no centro da máquina de desinformação da KGB. Não é possível afirmar que ele era um dos agentes que faziam parte da Operação Luch, mas recém-chegado da Alemanha quase instantaneamente já estava numa posição chave do segundo mais importante governo municipal do país. Sua função, na lida discreta com o problema da máfia, era tipicamente uma função de KGB. O fato de que todos no círculo de Yeltsin se mostrassem tocados pela humildade, pela falta de ambição do homem que governa a Rússia faz 22 anos, também diz muito.


Sua arte marcial é o judô. A luta do homem pequeno que usa a força do grande para derrotá-lo. Não é uma metáfora vazia — Putin pensa sobre isso. Escreveu livros sobre judô.


A visão


Em agosto de 2000, quando Putin estava recém-eleito presidente — agora não mais interino —, afundou no Mar de Barents um submarino nuclear russo. O Kursk. O governo britânico e o norueguês ofereceram ajuda para o resgate, o Kremlin recusou. O presidente estava de férias, enquanto atrapalhada a Marinha tentava descobrir como lidar com a crise. A imprensa, incluindo o Canal Um de Berezovsky, passou a fazer uma cobertura pesada do país em comoção. E o governo paralisado. Putin demorou cinco dias para voltar ao Kremlin e, enfim, visitar o porto onde estavam as famílias. Foi um desastre de relações públicas.


Após discursar para as famílias dos marinheiros desesperados, falando às câmeras e aparentando completa indiferença com quem sofria ali na sua frente, o presidente ficou furioso com a cobertura do canal de seu aliado. Sergei Dorenko, na época o mais popular âncora do país, conta ter recebido um telefone de Putin em ira. Ele o acusava, convicto, de que a TV havia contratado prostitutas para que se fizessem passar pelas viúvas dos homens mortos.


Para o presidente, Dorenko entendeu ali, é quase como se não houvesse realidade, como se tudo fosse um teatro que o mais competente construía para fisgar o público. Berezovsky achou que controlaria Putin. Terminou sem seu canal de TV e exilado em Londres.


Em 2003, outro oligarca, Mikhail Khodorkovsky, desafiou o presidente. Era o homem mais rico do país, dono da maior companhia petroleira. Foi preso em 2004 acusado de corrupção. Obrigado a vender sua empresa. Após anos na cadeia, partiu para o exílio em 2013.


Aquilo que Putin havia feito com a máfia de São Petersburgo, ele fez em maior escala com os homens que enriqueceram nos espólios da URSS. Hoje, os oligarcas sabem quem manda. A liberdade de imprensa que havia existido no país foi lentamente se desfazendo. O governo dita a maneira como as histórias são contadas.


Em finais dos anos 1980, quando ficou claro que a URSS iria se desmanchar, um grupo de agentes da KGB iniciou uma operação para se sustentar após o fim, penetrar na estrutura do novo regime e reconstruir o império.


Stierlitz, o agente da ficção que por anos fez-se passar por alemão e discreto ascendeu na hierarquia da SS para enfim permitir a tomada de Berlim pelo Exército Vermelho não é só um personagem fictício. É uma operação de propaganda, construída nos anos 1960 após a denúncia dos crimes de Josef Stálin, para recuperar a imagem da KGB. A série de TV foi filmada com agentes de inteligência nos sets acompanhando a construção das cenas para garantir que o livro iria para a tela com o mesmo objetivo. Foi uma operação de propaganda oficial que produziu o mais popular programa de televisão da história da URSS, uma minissérie retransmitida anualmente até o colapso do regime, ainda hoje referência pop para uma geração que chega aos 70.


O comunismo, em verdade, é irrelevante. O que importa é a visão da Rússia grande. Uma visão que é contada como uma história por quem sabe construir histórias no corredor de espelhos onde a realidade se perde. Stierlitz vive.


Este perfil teve por base três livros e uma série em podcast. São Putin’s People, de Catherine Belton; The Man Without a Face, The Unlikely Rise of Vladimir Putin, de Masha Gessen; Putin’s World, de Angela Stent; e o podcast "Putin, Prisoner of Power", de Misha Glenny.