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domingo, 25 de fevereiro de 2024

O erro estratégico da diplomacia petista: entrevista de Paulo Roberto de Almeida ao programa Latitudes n. 66

 Uma entrevista mais recente: 

https://www.youtube.com/watch?v=LHexhfkVk5k


1548. “O erro estratégico da diplomacia petista”, Brasília, 23 fevereiro 2024, 52 mns. Entrevista com o jornalista Duda Teixeira e o correspondente Caio Mattos (Buenos Aires), sobre diferentes aspectos da política externa e da diplomacia brasileira, no quadro do programa Latitudes (n. 66, emissão transmitida em 24/02, link: https://www.youtube.com/watch?v=LHexhfkVk5k). Sem trabalho na relação de Originais.


sexta-feira, 14 de outubro de 2022

O futuro da diplomacia brasileira e mundial, nos próximos anos - Entrevista de Paulo Roberto de Almeida ao jornalista Bruno Cirillo

 Uma entrevista que deveria ter sido editada para publicação na mídia, e que acabou não saindo, por ter sido atropelada pela campanha eleitoral: 

4225. “O futuro da diplomacia brasileira e mundial, nos próximos anos”, Brasília, 29 agosto 2022, 6 p. Comentários em torno de questões colocadas pelo jornalista Bruno Cirillo. Feita gravação via Google Meet (link: https://1drv.ms/u/s!AmN_flw6aTBIjBgh0y_VC6Jw_iwH).

Como sempre faço antes de uma entrevista ou palestra, formulo comentários escritos para meu próprio esclarecimento, como transcrevo abaixo, o que não se reflete necessariamente na entrevista realizada, que permaneceu como arquivo gravado apenas, sem transcrição para texto escrito.

A entrevista está aqui

Segue a entrevista completa:
Um abraço,
Bruno C.
_repórter

PS.: Na entrevista cometo vários erros, de troca de nomes e de datas, pois tudo foi muito improvisado, bem diferente do texto preparado, como abaixo.

O futuro da diplomacia brasileira e mundial, nos próximos anos

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Nota sobre temas do cenário internacional e o papel da ONU.

 

 

1. O passado recente e o futuro imediato da diplomacia brasileira

Depois de treze anos e meio de lulopetismo diplomático, entre 2003 e meados de 2016, e após dois anos e meio de quase normalidade institucional, no período 2016-2018, a diplomacia brasileira passou a defrontar-se, desde 2019, com o maior desafio político e moral em toda a sua história, ao ter sido submetida a diretrizes de política externa inéditas, tanto no plano propriamente substantivo, quanto no da sua administração. Foi o que se convencionou chamar de bolsolavismo diplomático, ainda que atenuado numa segunda fase, a partir de abril de 2021, com a demissão do primeiro chanceler, em março de 2021, seguida da morte, em janeiro de 2022, do suposto inspirador da exótica política externa, o polemista escritor Olavo de Carvalho, animar de correntes de extrema direita e partidárias de teses conspiratórias contra o chamado globalismo na política mundial.

Na verdade, não existe qualquer equivalência entre essas duas deformações da diplomacia brasileira, pois que o lulopetismo correspondia a um conjunto de teses e posturas bem conhecidas da esquerda latino-americana, animadas por um partido político consolidado e por um líder político dotado de bastante experiência nos cenários doméstico e internacional. O bolsolavismo diplomático, do seu lado, não correspondia a nada estruturado, sendo antes uma espécie de amálgama artificial entre dois fenômenos totalmente distintos entre si: teses requentadas da nova direita americana e de velhos doutrinários da extrema-direita europeia – diversos muito próximos do fascismo –, oferecidas pelo finado polemista da direita brasileira, de um lado, e, de outro, posturas confusas, contraditórias, várias irracionais, de um político do baixo clero militar reciclado numa medíocre carreira parlamentar, totalmente desprovido de qualquer ideia organizada sobre a agenda mundial ou sobre a política externa brasileira. 

Independentemente da completa falta de fundamentação do chamado bolsolavismo diplomático no campo doutrinal e das amplas evidências quanto à sua inconsistência prática, para fins da defesa dos interesses nacionais e para a atuação do Brasil no plano internacional, o fato é que a junção dessas duas nulidades conceituais – o olavismo doutrinário e o bolsonarismo prático – representaram a quase demolição do Itamaraty enquanto instituição empenhada na ação externa do Brasil, pelo menos enquanto duraram os dois fenômenos nas suas fases respectivas de maior ativismo concreto, de outubro de 2018 até março de 2021. Nesse período, o Brasil se isolou completamente, tanto no plano regional quanto no internacional, ao defender um absurdo antimultilateralismo, uma política externa orientada ideologicamente apenas para parceiros da extrema direita e ao tornar a política externa brasileira caudatária dos interesses pessoais do então presidente americano Donald Trump. 

As posturas bizarras dessa primeira fase foram parcialmente corrigidas quando da substituição do desequilibrado primeiro chanceler por um profissional mais conforme aos padrões tradicionais dos funcionários da carreira diplomática, mas apenas no plano da gestão do Itamaraty, uma vez que determinadas opções de política externa continuaram a ser defendidas pelo próprio chefe de governo. A diplomacia profissional respirou aliviada com a saída do chanceler olavista, mas continuou a ser confrontada com a reafirmação teimosa das preferências bolsonaristas em matéria de prioridades diplomáticas, que representam, na verdade, uma negação completa dos valores e princípios tradicionais da diplomacia brasileira. 

Tais manifestações se tornaram flagrantes com a continuada divisão entre direita e esquerda no relacionamento regional e mundial, assim como com a insistência do chefe de Estado em desafiar a comunidade internacional nos terrenos da política ambiental, do respeito ao próprio processo eleitoral brasileiro ou, de forma ainda mais eloquente, pelo inédito distanciamento da diplomacia brasileira dos padrões tradicionais seguidos pelo Itamaraty no campo do Direito Internacional a propósito da cruel guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia. A despeito do fato de que a delegação do Brasil na ONU – Conselho de Segurança, Assembleia Geral e Conselho de Direitos Humanos – acompanhou o consenso geral no sentido de se condenar a invasão da Rússia de um país soberano, o Brasil, na prática, se mostrou objetivamente favorável ao agressor, ao rejeitar as sanções que as principais democracias estavam impondo ao violador da Carta da ONU e do Direito Internacional, assim como se manifestou contrariamente até ao fornecimento de meios de defesa ao país agredido, como se dissesse à Ucrânia que toda resistência era inútil e sem sentido. 

Antes, porém, dos malabarismos verbais quando da apreciação da guerra de agressão pelos órgãos da ONU, Bolsonaro insistiu em fazer uma visita de trabalho a Putin, quando já eram notórias as preparações para a invasão, e a despeito de fortes recomendações do próprio Itamaraty e do governo americano para que ela não fosse realizada. Na ocasião, Bolsonaro ousou revelar sua “solidariedade” a Putin, e com isso induziu ou mesmo forçou a diplomacia brasileira a se mostrar muito mais tortuosa do que normalmente seria, em face de uma série inteira de flagrantes transgressões da Carta da ONU e dos princípios mais elementares do Direito Internacional. Nesse particular, uma provável sucessão do bolsonarismo diplomático pelo lulopetismo diplomático, a partir de 2023, talvez não represente uma alteração visível da postura do governo brasileiro no tocante ao tratamento do agressor, uma vez que persiste, no campo do lulismo, uma notória ojeriza à “arrogância unilateral do imperialismo americano”, assim como uma utópica preferência por uma “ordem mundial alternativa”, aspiração que parece representada, no momento, por uma coalizão de países mais ou menos alinhados às teses do BRICS, foro de consulta e coordenação notoriamente dominado pela China. Ao fim e ao cabo, os estragos já provocados pelo bolsolavismo diplomático à política externa do Brasil talvez não sejam todos sanados por uma volta ao lulopetismo diplomático.

 

2. O Brasil e a ONU no atual momento

O Brasil foi um dos países fundadores do multilateralismo contemporâneo, tendo estado presente na criação das principais organizações da ordem econômica e política do mundo atual, partindo de Bretton Woods (FMI e Banco Mundial, 1944), passando por San Francisco (ONU, 1945), por Genebra (Gatt, 1947) e continuando por todas as demais instituições relevantes das relações internacionais contemporâneas. Ainda antes, na segunda conferência internacional da paz da Haia (1907), ele já tinha defendido, pela voz de Rui Barbosa, o eixo central e a coluna vertebral do multilateralismo, que é a igualdade soberana dos Estados, princípio totalmente confrontado, junto com os artigos mais relevantes da Carta da ONU, pela guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia. Trata-se do maior desafio à comunidade internacional em toda a história da ONU, que tinha sido criada justamente para se revelar mais ativa do que a antiga Liga das Nações na defesa da paz e da segurança internacionais.

Essa guerra de agressão representa, igualmente, um desafio jurídico e prático aos princípios e valores defendidos pela diplomacia brasileira em toda a sua história, mesmo durante a ditadura do Estado Novo, quando o Itamaraty do governo Vargas continuou mantendo relações diplomáticas com o governo no exílio da Polônia duplamente invadida pelos seus dois vizinhos totalitários, assim como não reconheceu a usurpação, pela União Soviética, dos três estados bálticos invadidos pelo império comunista, continuando a acolher as representações diplomáticas e consulares dos três países até os anos 1960. No entanto, em 2014, o governo petista de Dilma Rousseff mostrou-se completamente indiferente e alheio à crise criada pela mesma Rússia quando ela invadiu e anexou a península da Coreia, num ato já flagrantemente contrário não só à Carta da ONU, assim como a vários outros instrumentos acatados solenemente pela maior parte da comunidade internacional. Na ocasião, tendo vários países democráticos imposto sanções econômicas e políticas contra a Rússia de Putin, a presidente Rousseff afirmou que “não se meteria em assuntos internos [sic!!!] de outros países” e que, portanto, sequer se pronunciaria sobre a “questão” (invasão seria o termo).

Bolsonaro, completamente alheio à dimensão da questão, e absolutamente inepto para exercer uma legítima condução de uma política externa condizente com os interesses do Brasil e compatível com os grandes princípios da diplomacia nacional, agiu simplesmente tangido por seus instintos e aconselhado pelos poucos assessores dotados de alguma capacidade de formulação de políticas: ao visitar Putin, e ao obrigar o Itamaraty a adotar uma postura conciliatória em relação à Rússia, ele estava pensando primariamente no seu próprio interesse eleitoral, buscando garantir o fornecimento de fertilizantes russos para a sua base política no agronegócio, assim como uma eventual compra de combustíveis russos (gasolina e, sobretudo, diesel), numa fase de alta dos preços internacionais. Essa postura, combinando uma aparente censura à Rússia nos foros da ONU, mas atuando objetivamente em favor de Putin em todos os demais aspectos das reações dos países democráticos, ficou sendo a resposta padrão do Brasil ao mais dramático desafio à ordem global desde a Segunda Guerra.

A política externa brasileira deve mudar radicalmente caso Bolsonaro seja derrotado nas eleições de outubro de 2022, e o principal candidato de oposição, Lula, assuma o poder em janeiro de 2023, mas não tanto no caso da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia. Em qualquer hipótese, um novo Brasil, pós-Bolsonaro, estará mais propenso a dialogar com todos os parceiros tradicionais do Brasil e atuar de forma independente e ativa, nos quadros da ONU, no plano regional, bilateralmente no contexto mundial, retomando, assim, parte da credibilidade perdida nos últimos quatro anos no domínio da sua diplomacia. Os próximos meses, talvez bem mais, serão ainda dominados pela guerra na Ucrânia, sem que a ONU tenha condições de intervir no sentido de algum armistício, cessar-fogo, ou qualquer outro tipo de mediação. A aparente liberação negociada com a intervenção do SG-ONU, Antonio Guterres, e do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, das exportações de cereais de portos da Ucrânia pode ser interrompida ou dificultada pelas ações sempre imprevisíveis do líder russo Vladimir Putin, assim como a guerra pode entrar em novas fases, sem que a ONU ou uma coalizão suficientemente relevante de países consigam colocar um termo ao conflito.

Um Brasil diferente do atual nas suas principais orientações de política externa, poderia, teoricamente, liderar uma coalizão diplomática de países aparentemente “neutros” para impulsionar, na ONU, pressão política suficiente para levar, não a uma simples “cessação de hostilidades” – como já evidenciado em declarações de voto da delegação do Brasil no CSNU, na AGNU e no Conselho de Direitos Humanos –, mas numa condenação formal das ações claramente violadoras das normas básicas da Carta da ONU praticadas pela Rússia e num comando firme para que a invasão e as ações militares da potência agressora sejam imediatamente interrompidas. Tal determinação já foi feita em “Ordem” da Corte Internacional de Justiça, com base na Convenção sobre o Genocídio, aprovada por consenso por todos os juízes – à exceção, justamente, dos juízes russo e chinês –, mas não implementada porque a CIJ carece de poderes e meios para fazê-lo, dependendo para isso de uma decisão do Conselho de Segurança. Seria, porém, duvidoso que o Brasil atual, do presidente Bolsonaro, ou um futuro governo Lula, adotassem tal postura, tendo em vista cálculos oportunistas no primeiro caso, e uma predisposição, no segundo, a se colocar do lado da Rússia pelo seu pertencimento ao BRICS (criado por Lula) e por um evidente antagonismo ao “imperialismo americano” e seu esquema da OTAN.

 

3. A ONU está habilitada para os desafios da presente fase?

Tanto no antigo Gatt, quanto na atual OMC, o sistema de solução de controvérsias funciona com base na adoção de decisões emitidas por um painel de árbitros especialistas nas leis e normas de política comercial adotadas mediante tratados internacionais ou seguindo regras costumeiras do comércio internacional. A grande diferença é que, no regime exclusivo do Gatt, nenhuma adoção de um painel de julgamento era adotada sem um consenso positivo, ou seja, sem a oposição de qualquer parte contratante ao Gatt, para o começo dos trabalhos. No sistema da OMC, mesmo o “veto” da parte apelada não impede a formação do painel e o começo dos trabalhos. No sistema da ONU algo semelhante deveria ocorrer, mas isso não se dá pelo fato do abusivo direito de veto decidido entre as grandes potências lá atrás, quando se decidia sobre o funcionamento da futura ONU, e se impôs essa salvaguarda que pode ser usada de forma absolutamente irregular, quando o que está em causa é justamente uma violação das normas da Carta da ONU por um dos próprios detentores do privilégio indevido.

Além de confrontar o princípio básico do multilateralismo contemporâneo, que é a igualdade soberana de todos os membros da ONU, essa norma confronta a regra elementar prevalecente na quase totalidade dos países segundo a qual um juiz não pode ser chamado a decidir sobre um caso no qual possa haver conflito de interesses, ou seja, alguma conexão familiar, envolvimento corporativo, negócios de qualquer tipo. No caso da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, a primeira está usando o seu abusivo direito de veto para bloquear qualquer decisão mais incisiva numa ocorrência que se choca frontalmente com os principais artigos da Carta da ONU, os que justamente proíbem guerras de conquista e de agressão unilateral. Registre-se que no antigo regime da Liga das Nações, foram adotadas sanções contra a Itália quando de sua agressão contra a Etiópia, o único membro africano da Liga, ainda que essas sanções não fossem tão decisivas ao ponto de interromper os ataques da Itália fascista contra o reino da antiga Abissínia. 

No atual regime onusiano, algo semelhante deveria ocorrer, ou seja, o direito de veto não poderia ser exercido por qualquer membro permanente do Conselho de Segurança caso este esteja implicado numa violação primária dos principais dispositivos da Carta que tratam da paz e segurança internacionais. Esta parece ser uma das mais importantes reformas da Carta e de melhoria do seu processo decisório numa eventual discussão ampla sobre a evolução dos dispositivos aplicáveis nesse terreno. Observando-se, contudo, o atual cenário de divisão internacional entre as grandes potências, não parece haver qualquer chance de que um debate desse tipo ocorra num horizonte previsível, sobretudo quando parece se consolidar a emergência de dois “blocos ideológicos”, antagônicos, quanto à conformação de alguma “ordem internacional alternativa” àquela multilateral desenhada e implementada no imediato pós-Segunda Guerra pelas principais potências ocidentais, e que acabou prevalecendo em todo o mundo com a implosão do socialismo, o desaparecimento da União Soviética e a transição para o sistema de Bretton Woods de todos os antigos países comunistas.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4225: 29 agosto 2022, 6 p.

 

Perguntas Bruno Cirillo:

1) Por que o senhor considera o bolsolavismo como o fim da diplomacia brasileira?

2) No âmbito da ONU, como está posicionado o país? 

3) E quanto às Nações Unidas, de modo geral, também passa por mudanças? Com efeitos positivos ou negativos?

4) Há duas semanas, o presidente da entidade, Antonio Guterrez lançou uma chamada pública divulgada pelo Avaaz.org questionando qual deve ser o papel da entidade e o nível de participação popular nas deliberações e decisões do órgão – iniciativa que motivou esta pauta. O senhor vê insegurança nessa pesquisa? O órgão está em busca de novos caminhos?

5) O que mais provocou mudanças na ONU? E o que mudou em termos práticos, seja no trabalho interno dos funcionários, diplomatas e adidos, seja nas relações entre países-membros e com outras instituições?

6) Qual é a expectativa do senhor para os próximos anos, em termos de mudanças, considerando o pós-pandemia, a guerra na Ucrânia e outras questões, como o desenvolvimento da China, a paridade entre o euro e o dólar e o enfraquecimento da economia alemã?

7) Como tem agido a ONU em relação à guerra, se por um lado não defendeu a Ucrânia como se poderia pretender e de outro precisa viabilizar acordos para manter as exportações russas, e como o senhor enxerga o papel da entidade no conflito?

 

quarta-feira, 2 de março de 2022

O Brasil de Bozo e do ex-chanceler acidental e a guerra na Ucrânia - entrevista de Paulo Roberto de Almeida ao Correio Braziliense

 O que segue na matéria abaixo parece uma entrevista, mas não era para ser e foi tudo meio improvisado. Aliás eu não tinha sequer consciência de que seria uma entrevista; pensei que estava apenas dando subsidios para uma matéria mais ampla, então falei livremente, sem sequer cuidar da correção gramatical do que expressava. 

Se soubesse que seria uma entrevista, teria mais cuidado com as frases. Por outro lado, eu jamais daria uma entrevista para falar do patético ex-chanceler acidental, pois o considero muito medíocre para merecer tanta atenção. 

A reporter deveria ter me avisado. Na verdade, creio que ela é muito jovem para compor uma grande matéria e apenas pegou minhas declarações esparsas e as transformou em “entrevista”, quando eu não tinha tal intenção. Deve ser a tal lei das consequências involuntárias.

Transcrevo, ao final, o teor da entrevista.

Paulo Roberto de Almeida


Três perguntas para Paulo Roberto de Almeida: Correio Braziliense

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

  

O ex-ministro afirma que nossa política exterior tem o lema do "não é conosco", colocando-se num eixo em que não dialoga nem com o bloco ocidental, capitalista e cristão, nem com o bloco comunista. A posição de "neutralidade" buscada por Bolsonaro diante da invasão da Ucrânia reforça a política externa do "não é conosco"?

Ernesto Araújo sempre teve essa postura vinculada a Olavo de Carvalho, uma postura da ultradireita ou da direita extrema americana, a franja lunática dos conservadores antiglobalistas. As democracias ocidentais, os membros da Otan, têm uma postura clara de defesa da democracia, das liberdades que estão em causa hoje pelo regime de direita e imperialista da Rússia. Essa análise é totalmente lunática. Ernesto Araújo, era um diplomata normal, um conservador, um religioso de direita, mas esteve no armário, porque o Itamaraty era progressista sob Fernando Henrique Cardoso, sob Lula. Ele se revelou quando ascendeu essa nova direita no Brasil. Para mim, ele revela o seu desequilíbrio político, emocional, ideológico.

Ernesto Araújo defende que, na prática, a posição do Brasil frente à guerra na Ucrânia não tem sido de neutralidade, e sim pró-Rússia, por conta das demonstrações de simpatia a Putin, e de indiferença à Ucrânia. Podemos interpretar desta maneira?

Depois de ter falado em solidariedade à Rússia, Bolsonaro falou em neutralidade. Ele teve que se retratar porque o Brasil ficou isolado, do lado oposto ao das democracias, da maior parte dos países da comunidade internacional que condenam a invasão e a agressão russa. O Itamaraty teria uma posição muito concreta, condenaria a violação do direito internacional e a invasão russa, que é uma agressão não provocada. Não é o que fez Bolsonaro, que até agora impediu que o Itamaraty expressasse uma posição correta. Então ficamos naquela posição em cima do muro: "Queremos a cessação das hostilidades", como se as hostilidades fossem recíprocas. Não são, elas são provocadas por uma potência agressora. O Putin é um é um déspota agressor. Houve um rompimento de valores e princípios que estão com a diplomacia brasileira desde 1907. Rui Barbosa ensinava que não pode haver neutralidade entre o crime e o direito internacional. Ser imparcial significa que você considera que ambas as partes podem ter razão, que são equivalentes, que é o que estava nas notas do Itamaraty.

O que tais posições do ex-ministro têm como pano de fundo?

A posição do Ernesto Araújo é totalmente inconsequente, porque não expressa a realidade do sistema internacional, assim como a postura do Bolsonaro é absolutamente ignorante e não tem a ver com a realidade das coisas. Eu simplesmente classifico Ernesto Araújo como desequilibrado, e não me interessa qual posição ele adote. A atitude dele é uma postura contra a Rússia porque ele acha que a Rússia não corresponde ao espírito da direita verdadeira. O que o Ernesto queria era uma aliança mundial das grandes potências cristãs — o Brasil católico, os Estados Unidos protestantes e a Rússia ortodoxa —contra o comunismo da China, como se a China fosse comunista hoje. O Ernesto já provou que é um desequilibrado e, portanto, não tem nenhuma importância.

 Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4092: 2 março 2022, 2 p.

  

Texto da matéria do Correio Braziliense: 

 

Ex-chanceler Ernesto Araújo critica Jair Bolsonaro em canal no YouTube

Ernesto Araújo provoca polêmica ao criticar o posicionamento do governo brasileiro diante da invasão da Ucrânia

Taísa Medeiros

Correio Braziliense, 02/03/2022

 

Criador de um recente canal no YouTube, intitulado "Logopolítica", o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, adotou uma posição crítica às atitudes do governo de Jair Bolsonaro (PL) diante do conflito na Ucrânia. Em um de seus artigos recentes, o diplomata afirmou que, "por mais de seis décadas, o princípio 'não é conosco' da nossa diplomacia serviu para distanciar o Brasil do Ocidente democrático, favorecer totalitarismos e agradar a oligarquia nacional", e alegou que o padrão se repete com o ataque russo à Ucrânia.

Araújo defende que o país adote posições pró-Ocidente e, antes mesmo do início do conflito, já tecia críticas à visita de Bolsonaro a Vladimir Putin. "O Brasil está mostrando uma preferência pela Rússia. Neutralidade é você visitar ou os dois que estão em conflito ou nenhum", declarou em uma entrevista em 15 de fevereiro.

"A diplomacia não tem ideologia", ressalta a professora de direito internacional da Universidade de São Paulo Maristela Basso. "A política externa brasileira nunca foi do 'não é conosco'. Pelo contrário, sempre primou pelas posições firmes e equilibradas de respeito ao direito internacional", afirmou a professora. "O ex-ministro não representa nem fala em nome do Itamaraty. Nem mesmo quando ocupava o cargo de chanceler. Frequentou uma escola filosófica e ideológica obscura e de fundamentos frágeis. O que diz hoje é fruto do ressentimento e da falta de respeito à política externa conduzida pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE)", observou.

Para o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Goulart Menezes, caso estivesse à frente do Itamaraty, Araújo faria declarações "desconexas". "Ele demonstrava uma alienação acerca do mundo contemporâneo, e sua subserviência não o faria elaborar algo relevante sobre o conflito e suas consequências. Para quem votou contra os palestinos, pela primeira vez em décadas, ao arrepio do direito internacional, ele tentaria, creio, imprimir uma conotação religiosa ao conflito", projetou o docente.

Neutralidade

Segundo Maristela Basso, não se pode confundir a posição do MRE com frases soltas do Presidente da República. "Estas não contam, porque são feitas fora de contexto e lugar próprios. Faz tempo que o presidente diz e o Itamaraty conserta", analisou. Na avaliação de Roberto Menezes, a tentativa de "neutralidade" de Bolsonaro é um apoio explícito a Putin. "Bolsonaro deu de ombros para a Ucrânia. Optou pelo mais forte."

Para o general Santos Cruz, que ocupou a Secretaria de Governo até junho de 2019, há falta de clareza no discurso do presidente e, por isso, críticas aos seus posicionamentos. O general ressalta que neutralidade não significa falta de opinião. "Posicionar-se contra por uma questão de direito internacional não é quebra de neutralidade. Também não precisa tirar a responsabilidade de todos os atores que levaram a essa situação difícil, inclusive de políticos da própria Ucrânia. Mas não se pode validar a invasão e o sofrimento", pontuou.