O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Rupturas e continuidades na política externa brasileira, 1985-2023 - Paulo Roberto de Almeida (Revista do CEBRI)

Meu mais recente artigo publicado, na revista do CEBRI:

4215. “Rupturas e continuidades na política externa brasileira, 1985-2023”, Brasília, 7 agosto 2022, 9 p. Nota sobre as grandes linhas da política externa na Nova República e suas “rupturas”. Encaminhada a Feliciano Guimarães, editor da Revista CEBRI. Publicado no site da revista do CEBRI (29/09/2022, link: https://cebri.org/revista/br/artigo/54/rupturas-e-continuidades-na-politica-externa-brasileira-1985-2023) e disponível  na plataforma Academia.edu (link:  https://www.academia.edu/87577999/4215_Rupturas_e_continuidades_na_pol%C3%ADtica_externa_brasileira_1985_2023_Vicissitudes_da_diplomacia_no_Brasil_2022_). Relação de Publicados n. 1470.


Sumário: 

A longa e lenta construção de uma política externa autônoma sob o regime militar

Poucas descontinuidades na política externa e na diplomacia da Nova República

A pequena ruptura da era Lula: o engajamento no combate à fome e à pobreza

A caminho da grande ruptura: a desafeição ao PT e a ascensão de uma direita extrema

Uma nova “ruptura diplomática” em 2023? 

Referência Bibliográfica


Rupturas e continuidades na política externa brasileira, 1985-2023

 

 

Paulo Roberto de Almeida *

Publicado no site da revista do CEBRI (29/09/2022, link: https://cebri.org/revista/br/artigo/54/rupturas-e-continuidades-na-politica-externa-brasileira-1985-2023). Relação de Originais n. 4215.

 

A longa e lenta construção de uma política externa autônoma sob o regime militar

De todas as políticas públicas definidas e implementadas durante o regime militar de 1964 a 1985, a política externa foi, possivelmente, a que menos rupturas sofreu na transição da ditadura para a democracia naquele último ano. Tal se deveu por uma série de razões, não todas de ordem política, ou ideológica, uma vez que já havia uma longa tradição de trabalho conjunto entre o ministério das Relações Exteriores e as Forças Armadas desde o período da guerra do Paraguai, cooperação bastante reforçada durante a era do Barão e em períodos especiais, como nos dois conflitos globais da primeira metade do século XX e durante a bipolaridade do pós-Segunda Guerra. A diplomacia profissional incorporou naturalmente a visão tecnocrática e nacionalista do estamento militar, e até reforçou os fundamentos de uma diplomacia do desenvolvimento que foi quase a “ideologia oficial” do Itamaraty a partir do Estado Novo até praticamente a atualidade.

Não obstante a paranoia anticomunista e as obsessões típicas da Guerra Fria, nos anos 1950 e início dos 1960, os diplomatas se tornaram bem mais progressistas e alternativos do que os militares, ao flertar com o não-alinhamento e ao receberem entusiasticamente os conceitos introduzidos pela Política Externa Independente (PEI), ainda antes que ela fosse conhecida sob essa designação, já na proposta da Operação Pan-Americana feita na segunda metade do governo Juscelino Kubitschek. A descolonização, as promessas da détente e até a defesa de uma posição juridicamente sólida por ocasião da conferência de Punta del Este (1962; quando os americanos pressionaram pela expulsão de Cuba da OEA - Organização dos Estados Americanos) foram muito bem acolhidas pelos jovens diplomatas, que logo se viram frustrados com o golpe e o início de um regime que declarou pertencer à “civilização ocidental e cristã”, como mote para alinhar o Brasil às posições americanas durante uma primeira (e curta) fase. 

A primeira grande ruptura com os padrões normalmente pouco ideológicos, e basicamente desenvolvimentistas, da política externa dos anos 1951-1964 foi justamente a “diplomacia dos círculos concêntricos” anunciada pelo general Castelo Branco, o primeiro presidente da ditadura, aos formandos do Instituto Rio Branco em 1964. Pouco a pouco, porém, esse “desvio” de posturas mais independentes foi sendo corrigido e restaurado já no segundo general-presidente, quando voltam, praticamente, os fundamentos básicos da PEI, ainda que obviamente sem o nome: não aceitação do Tratado de Não Proliferação Nuclear, postura reivindicatória nas conferências da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) e em outras reuniões negociadoras da ONU, quanto começou o alegado (pelos americanos) “terceiro-mundismo” do Itamaraty na defesa de teses que não coincidiam em quase nada com a visão do mundo de Washington. 

Já no quarto presidente do ciclo ditatorial – não obstante uma espécie de “diplomacia blindada” em direção de regimes esquerdistas na América do Sul, a exemplo do apoio dado em 1973 ao golpe do general Pinochet no Chile e os entendimentos com militares linha dura na Argentina, Uruguai e Bolívia –, a “continuidade” com a linha de autonomia na política externa se completa, com o estabelecimento de relações diplomáticas com a China comunista e o reconhecimento do novos regimes saídos das independências das ex-colônias lusófonas africanas. A convergência de militares e diplomatas se fundava na confiança mútua, tanto que três diplomatas se sucederam à frente do Itamaraty, a partir do terceiro presidente militar, sem mencionar algumas “missões” menos prestigiosas, como a vigilância dos militantes exilados de esquerda no exterior. Para o resto, a política externa era praticamente aquela determinada pelo Itamaraty, com as poucas exceções dos temas-tabu da era militar (Cuba, ameaças de cooperação externa com as guerrilhas no país, enfim, o comunismo mundial).

Assim que, ao ter início a “Nova República” não se pode falar propriamente em ruptura de padrões diplomáticos, ou sequer de política externa, que continuou a seguir os cânones daquele momento: multilateralismo, desenvolvimentismo, unctadianismo, defesa do acesso às tecnologias e aos mercados dos países do Norte, adesão à Nova Ordem Econômica Internacional, enfim, todos os temas reivindicatórios do G77 e do Grupo Latino-Americano (como as teses do Consenso de Cartagena sobre a renegociação da dívida externa da região).

 

Poucas descontinuidades na política externa e na diplomacia da Nova República

Os princípios básicos e as grandes diretrizes de política externa estabelecidos no governo Sarney, com grande continuidade com o que já vinha sendo feito na última década do regime anterior, permaneceram praticamente intactos nas décadas seguintes, a não ser pelo aprofundamento de tendências já presentes anteriormente – como a integração regional e a prioridade nas relações com os países vizinhos –, a “ideologia desenvolvimentista”, a ativa participação nos foros econômicos negociadores – sobretudo em comércio e finanças internacionais –, a insistência no desarmamento, mas com novas posturas em relação a temas que possuíam “peculiaridades” sob os governos militares: direitos humanos e meio ambiente, sobretudo. O segundo governo da era democrática, o de Fernando Collor, inova em diversos terrenos de importância substantiva, como o grande impulso dado à integração no Cone Sul – com uma visão bem mais aberta do que o tradicional dirigismo econômico seguido até então – e, sobretudo, a atualização da “diplomacia ambiental” brasileira, com o acolhimento da segunda Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro em 1992. A questão nuclear também avança, tanto na frente interna – inclusive por dispositivos inscritos na Constituição de 1988 –, quanto na externa, na construção de confiança com os argentinos, na plena entrada em vigor do Tratado de Tlatelolco (de não introdução de armas nucleares na América Latina), na constituição da Abacc (a agência binacional argentino-brasileira de contabilidade e controle de material nuclear) e no tratado quadripartite entre essa agência, os dois países e a Agência Internacional de Energia Atômica

Em direitos humanos e em temas sociais, livres dos constrangimentos existentes no período ditatorial, os diplomatas puderam expressar plenamente, nos foros multilaterais e nas grandes conferências diplomáticas internacionais, a nova postura de uma política externa totalmente engajada no avanço de problemas e propostas compatíveis com essa visão progressista: racismo e discriminação, direitos das mulheres e das minorias, tortura, direito humanitário, habitação, saúde, etc. Pode-se dizer que há uma continuidade ascendente na participação engajada do Brasil em todas as áreas pertinentes aos objetivos de crescimento econômico e desenvolvimento social em debate nos foros internacionais, o que torna o Brasil um grande protagonista em todas essas discussões, sobretudo comércio internacional, saúde e desarmamento; nas rodadas do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) e nas reuniões da Organização Mundial do Comércio, o Brasil se tornou incontornável.

O processo de estabilização macroeconômica obtido, após sucessivos planos frustrados, sob o ministro da Fazenda, depois presidente por dois mandatos, Fernando Henrique Cardoso, projetou uma nova imagem do Brasil, não só na interlocução com os países desenvolvidos, mas também com grandes países emergentes do Sul, sobretudo em direção da América do Sul, que passa a ser o conceito básico da nova diplomacia regional, em substituição ao anterior termo relativamente vago de América Latina. Uma de suas iniciativas, a adesão ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, consagrará a adesão do Brasil a um dos cânones centrais do sistema de segurança internacional, mas em ruptura com a postura anterior da diplomacia – e das Forças Armadas – de não aceitação de tratados discriminatórios, em contradição com uma das bases doutrinais da diplomacia brasileira, a igualdade soberana dos Estados. Na prática, o tema já estava coberto por dispositivo constitucional, e representou uma concessão em troca de maior acesso desimpedido a tecnologias de ponta e cooperação em áreas sensíveis. 

 

A pequena ruptura da era Lula: o engajamento no combate à fome e à pobreza

Os três governos e meio do Partido dos Trabalhadores, em especial os dois mandatos do presidente Lula, representaram uma “ruptura” mais conceitual do que efetiva, pelo menos em relação à quase totalidade dos temas e métodos de trabalho mobilizados pela diplomacia profissional na defesa dos temas quase permanentes da agenda brasileira em política externa: políticas nacionais de desenvolvimento, combate às desigualdades entre os países, forte apoio ao multilateralismo e à integração regional, diálogo construtivo entre países avançados e em desenvolvimento, políticas sociais progressistas e novo ativismo em direitos humanos e em meio ambiente. Novidades se manifestaram na criação de foros regionais e plurilaterais de interesse desse ativismo diplomático, na busca de parcerias estratégicas para a consecução de um objetivo mais enfatizado nesse período – a “democratização das relações internacionais”, por meio da reforma da Carta da ONU e a ampliação do seu Conselho de Segurança, inclusive na aliança do G4, com Índia, Japão e Alemanha –, na reafirmação prioritária do combate à pobreza e a fome no mundo, o que valeu a conquista da direção da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura.

As parcerias estratégicas se desenvolveram tanto em direção dos países do Norte – em especial com os europeus –, como no estabelecimento de vínculos e novos grupos de consulta e coordenação na direção do chamado Sul Global: Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul (IBAS)União de Nações Sul-Americanas (Unasul), BRIC-BRICS, Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), foros organizados pelo Brasil reunindo presidentes da América do Sul e seus contrapartes africanos (Afras) e árabes (Aspa), assim como maior engajamento na cooperação internacional para o desenvolvimento e em missões de paz da ONU (entre elas, enfaticamente, a Minustah, para a estabilização do Haiti). A participação do Brasil aumentou qualitativamente e em volume em todos os foros abertos ao engenho e arte de uma diplomacia de grande sofisticação técnica e de excelente preparação intelectual, mesmo se alguns temas passaram mais pela “diplomacia partidária” do PT – como reconhecido pelo próprio presidente – do que pelos canais oficiais da diplomacia profissional (em especial as relações com Cuba e os países “bolivarianos”).

Uma frente que cresceu enormemente nas duas décadas deste século foi a assistência aos brasileiros no exterior, o que representou um grande esforço da diplomacia profissional no trabalho consular, geralmente menos prestigiado em épocas anteriores, mas que passou a absorver atenção especial do Itamaraty, pois que o Brasil deixou de ser um país de imigração para se tornar um “exportador” de sua própria mão-de-obra, primeiro pouco qualificada, no período recente até envolvendo quadros especializados e pessoal de excelente formação. No conjunto, a chamada diplomacia lulopetista preservou as linhas básicas da política externa tradicional – sobretudo quanto aos métodos centrais do multilateralismo –, mas inovou bastante no estilo da diplomacia, como manifestado no slogan triunfalista da “diplomacia Sul-Sul”. Nessa vertente, as relações com países sul-americanos, africanos, do Oriente Médio e os grandes emergentes integrantes do IBAS e logo em seguida do BRIC-BRICS foram as que receberam as maiores atenções dos governos do PT, o que não pode ser visto exatamente como uma ruptura de padrões anteriores, mas como ênfases reforçadas do antigo “terceiro-mundismo” tantas vezes criticado pelos parceiros americanos. Aliás, os dirigentes à frente da diplomacia lulopetista faziam questão de vincular a política externa do PT à Política Externa Independente do início dos anos 1960.

 

A caminho da grande ruptura: a desafeição ao PT e a ascensão de uma direita extrema

O terceiro governo do lulopetismo foi um desastre, sobretudo no campo econômico, mas também um retrocesso operacional em relação ao grande protagonismo internacional exercido pela diplomacia presidencial de Lula. Dilma Rousseff não escondia sua desafeição ao Itamaraty, como tampouco seu enfado no diálogo com parceiros estrangeiros, ainda que a diplomacia profissional e a paralela – “partidária” – tenham continuado a defender os grandes temas da política externa do PT: protagonismo sul-americano – uma liderança contestada e, em parte, desafiada por outras lideranças regionais, entre eles Chávez e Néstor Kirchner –, a projeção plurilateral por meio do BRICS – que se dotou de um “banco de desenvolvimento” e de um mecanismo de reservas contingentes, na cúpula de Fortaleza, em 2014 – e uma grande liderança em temas sociais e ambientais. Mas, a grande corrupção revelada pela Operação Lava Jato, a partir de 2014, assim como a maior crise econômica e recessão da história do Brasil em 2015-2016, precipitaram a desafeição popular e o desentendimento entre a presidente e sua base congressual, redundando no impeachment em meados desteano. 

O novo governo liderado pelo até então vice-presidente Michel Temer representou uma pequena ruptura com a política externa imediatamente anterior, mas simplesmente por um retorno a padrões mais tradicionais seguidos pela diplomacia profissional dos anos anteriores ao lulopetismo, sem os apelos ribombantes a um pouco definido “Sul Global”, e em especial no terreno da política externa regional, na qual desapareceu a diplomacia paralela de alianças com os países “bolivarianos” e com Cuba. A Venezuela chavista, que tinha sido incorporada de maneira oportunista ao Mercosul (e até de forma ilegal, uma vez que ela não cumpria nenhum dos requisitos formais do bloco, entre elas a adesão à Tarifa Externa Comum) acabou sendo suspensa do esquema de integração, assim como o Brasil de Temer e a Argentina de Macri decidiram se afastar da Unasul, que tinha sido praticamente controlada pelos “bolivarianos”.

A “grande ruptura” ocorreu mesmo na campanha presidencial de 2018, quando, pela primeira vez na história republicana, um governo declaradamente alinhado com uma extrema direita que já fazia progressos no plano internacional conseguiu capturar apoios suficientes no eleitorado para dar início a um governo e uma política externa jamais vistos nos anais do Estado independente. Pela primeira vez em quase duzentos anos de história, um governo rompia com padrões normalmente aceitos por todas as administrações anteriores, no sentido de atuar pragmaticamente com vizinhos e com a comunidade internacional, a despeito de qualquer orientação política que pudessem ter países com os quais se mantinham relações diplomáticas formais. O programa de governo do candidato Bolsonaro já anunciava, de maneira oficial, em agosto de 2018, que ele faria uma pequena revolução na política externa e na diplomacia, ainda que o seu enunciado fosse o mais esquizofrênico possível. A anunciada ruptura com todos os padrões e diretrizes das políticas externas e das diplomacias anteriores foi tão explícita que suas linhas básicas contidas no documento entregue ao Tribunal Superior Eleitoral (2018, 79) – feitas provavelmente por completos amadores em temas internacionais – merecem ser transcritas na íntegra (e isso foi tudo):      

 

1.   Deixaremos de louvar ditaduras assassinas e desprezar ou mesmo atacar democracias importantes como EUA, Israel e Itália. Não mais faremos acordos comerciais espúrios ou entregaremos o patrimônio do Povo brasileiro para ditadores internacionais. 

2.   Além de aprofundar nossa integração com todos os irmãos latino-americanos que estejam livres de ditaduras, precisamos redirecionar nosso eixo de parcerias. 

3.   Países, que buscaram se aproximar, mas foram preteridos por razões ideológicas, têm muito a oferecer ao Brasil, em termos de comércio, ciência, tecnologia, inovação, educação e cultura. 

4.   Ênfase nas relações e acordos bilaterais.      

 

O “programa” de política externa para o “novo Itamaraty” pode parecer bizarro, e até mesmo ridículo, mas por incrível que pareça ele foi seguido na íntegra, senão na letra, pelo menos no espírito de suas recomendações estapafúrdias, pelo primeiro chanceler designado pelo governo que tomou posse em 1º de janeiro de 2019, já tendo anunciado nas semanas seguintes à vitória de outubro de 2018 que afastaria o Brasil do Acordo de Paris de 2015, sobre mudanças climáticas, que desassociaria o país do Pacto Global sobre as Migrações, que mudaria a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv a Jerusalém, que promoveria uma revisão nas relações bilaterais com a China – denunciada por querer “comprar o Brasil”, pelo próprio candidato, depois de visitar Taiwan – e, sobretudo e especialmente, que comporia uma estreita aliança com o governo americano (na verdade uma política de quase submissão a tudo que desejasse o presidente Trump, com ênfase na derrubada do governo chavista da Venezuela). De fato, a política externa ordenada pelo presidente – assistido por um bando de amadores e por um chanceler visivelmente submisso a essa “franja lunática” – foi muito pior do que a que figurava no “programa” registrado no Tribunal Superior Eleitoral, feita de hostilidade com governos progressistas da América Latina e até de desavenças pessoais com líderes europeus cuja única postura tinha sido a de manifestar uma legítima preocupação com a antipolítica ambiental verdadeiramente desastrosa que passou a ser a marca internacional negativa do Brasil desde os primeiros dias do novo governo. 

A sucessão de enfrentamentos, na região e no mundo todo, protagonizados pelo próprio presidente, assim como pelos integrantes da “franja lunática”, foi construindo um isolamento internacional do Brasil nunca antes visto nos anais da nossa diplomacia, sequer durante a ditadura militar, quando notícias sobre a repressão política, a censura, a eliminação ou “desaparecimento” de opositores políticos frequentavam as páginas dos principais jornais internacionais. Alguns episódios realmente constrangedores, até surrealistas, do ponto de vista da diplomacia profissional, se tornaram frequentes no noticiário brasileiro e do exterior, como as diatribes do presidente e do chanceler acidental contra a ditadura chavista, contra o novo presidente peronista da Argentina, contra líderes europeus e contra a “ditadura comunista” da China, como feito em diversas ocasiões pelo próprio filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro, chefe virtual (e real) do chanceler apenas formal. Ao lado e em oposição a esses enfrentamentos, as únicas relações desejadas e buscadas pelo governo assumidamente de direita no Brasil eram aquelas com dirigentes dos países do pequeno arco iliberal e antimultilateralista, nomeadamente o presidente Trump (objeto de uma declaração virtualmente servil: “I love you Trump), o líder de extrema direita da Itália Mateo Salvini (depois retirado de um novo governo de coalização), o primeiro ministro da Hungria Viktor Orban e poucos outros representantes dessa direita orgulhosa de sê-lo. 

O isolamento internacional do Brasil foi sendo construído pelo próprio presidente e por seu governo, inclusive pelo chanceler, que chegou a reconhecer que o país tinha virado um “pária” na comunidade mundial, num dos episódios mais constrangedores para os diplomatas do corpo profissional, pois que feito num “Dia do Diplomata”, em 2020. Os crescentes desentendimentos do chanceler com líderes congressuais acabaram causando sua demissão, em março de 2021, o que se trouxe algum alívio do ponto de vista dos diplomatas não mudou grande coisa na postura e nas declarações do presidente, que continuou a provocar desavenças no plano interno e no cenário externo por uma postura completamente anti diplomática e por uma política externa que seguiu na mesma linha ideológica anterior, ainda que mitigada por um virtual afastamento do chefe de Estado de reuniões internacionais, a não ser para discursos formais preparados pelo Itamaraty e sua assessoria mais responsável. 

Nas primeiras semanas de 2022 – já em meio ao acirramento de desavenças com ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, a propósito do sistema de votação eletrônico, provavelmente motivado pela intenção de conflagrar o processo eleitoral –, instalou-se uma outra desavença entre o Itamaraty, secundado por assessores presidenciais, e o próprio presidente, com respeito a uma planejada visita ao presidente russo Vladimir Putin, comprovadamente preparando uma invasão militar à Ucrânia vizinha, que Bolsonaro insistiu em fazer, mesmo depois de diversos alertas emitidos por dirigentes americanos. A viagem consagrou mais uma das desastradas iniciativas do presidente, pois suscitou uma declaração de “solidariedade” com os russos que causou outros constrangimentos à diplomacia profissional, pouco tempo antes da guerra de agressão deslanchada pelo dirigente russo contra a Ucrânia. Tratou-se de outra ruptura com a prudente e pragmática diplomacia do Itamaraty, feita tradicionalmente de estrito respeito pelo Direito Internacional e à Carta da ONU, flagrantemente violada pela Rússia, ainda que essa mesma postura indiferente a princípios e valores consagrados da lei internacional já tinha sido registrado na invasão, pela mesma Rússia, da península ucraniana da Crimeia, ato de agressão ignorado na ocasião, em 2014, pela presidente Dilma Rousseff.

 

Uma nova “ruptura diplomática” em 2023? 

No início de agosto de 2022, pesquisas eleitorais apontam uma provável vitória, no primeiro ou no segundo turno do pleito presidencial de outubro, do ex-presidente Lula, com declarações “diplomáticas” já registradas pelo próprio e pelo seu ex-chanceler, e possível futuro conselheiro presidencial, Celso Amorim. A ruptura, obviamente, é em primeiro lugar com a diplomacia bolsonarista, um acidente exótico e desastroso em duzentos anos de política externa caracterizada por certos traços básicos que nem as ditaduras ou episódios de exceção ousaram contestar, mas que foram terrivelmente deformados durante quatro anos de amadorismo ignaro e de instintos primitivos próximos a uma extrema direita muito rústica. Mas também poderá representar uma nova ruptura com padrões consagrados de política externa e de diplomacia que foram seguidos invariavelmente durante quase toda a trajetória do Estado independente: o pragmatismo, o equilíbrio nas relações bilaterais, o respeito pelo Direito Internacional, o afastamento de considerações ideológicas ou partidárias na condução da atuação externa do Estado, a ênfase no multilateralismo e o universalismo das relações diplomáticas. Não que um futuro governo petista venha a romper com tais padrões e métodos de trabalho, mas, com base no registro da experiência anterior, é possível um retorno a certo determinismo geográfico – representado por essa miopia do Sul Global – e uma preferência pelo aprofundamento do relacionamento plurilateral no âmbito do BRICS, atualmente um grupo crescentemente manipulado pela China, e agora pela Rússia, para atender seus objetivos e interesses estritamente nacionais, e antiocidentais. 

Tanto o ex-presidente Lula quanto seu principal conselheiro em assuntos internacionais já declararam que os Estados Unidos e a Organização do Tratado do Atlântico Norte, senão o próprio presidente ucraniano, possuem alguma responsabilidade na crise que resultou no que se chama de “conflito” entre a Rússia e a Ucrânia, mas que na verdade é pura e simplesmente uma guerra de agressão do vizinho militarmente poderoso contra um país mais fraco, como tal sancionada pela Carta da ONU e pelos princípios mais elementares do Direito Internacional. Este, aliás, é um ponto de aproximação – prática, não doutrinal – com a diplomacia de Bolsonaro, que também tem manifestado claramente a postura de não censurar a Rússia, de não seguir de nenhuma maneira as sanções introduzidas contra ela por países do “Ocidente”, assim como de opor-se resolutamente ao fornecimento de armas e equipamentos militares para a defesa da Ucrânia contra seu agressor. 

Na ausência de perspectivas definidas para a diplomacia regional de um provável governo petista – uma vez que a fragmentação política e ideológica é uma realidade na América do Sul –, assim como para o fantasmagórico “Sul Global”, dilacerado pela pandemia e pela guerra na Ucrânia, a postura da futura diplomacia do Brasil em relação ao mais grave conflito inopinadamente surgido na agenda internacional deve ser o principal desafio desse governo, ademais da própria política em relação a um BRICS bastante diferente do formato e dos objetivos iniciais. A ruptura, neste caso, não seria nem em relação ao governo Bolsonaro ou aos padrões tradicionais do Itamaraty, mas com respeito aos próprios princípios do Direito Internacional, gravemente comprometidos pela atual guerra de agressão de um “sócio” do Brasil num dos grupos privilegiados pelo lulopetismo diplomático, em contradição com posturas que sequer o Estado Novo ousou transgredir (ao recusar reconhecer a legitimidade da invasão violenta da Polônia pelas forças nazistas e da invasão e incorporação dos três países bálticos pela União Soviética). Uma ruptura a mais na longa história da diplomacia brasileira...

 

Referência Bibliográfica

     

Tribunal Superior Eleitoral. 2018. O CAMINHO DA PROSPERIDADE - Proposta de Plano de Governo. TSE - Tribunal Superior Eleitoral. https://divulgacandcontas.tse.jus.br/candidaturas/oficial/2018/BR/BR/2022802018/280000614517/proposta_1534284632231.pdf

 

 

[Minibio do autor:]

 

* Diplomata de carreira de 1977 a 2021. Foi professor no Instituto Rio Branco, na UnB e diretor do IPRI-MRE (2016-2018). Entre os muitos livros publicados estão: Apogeu e Demolição da Política Externa (2021) e Construtores da Nação: projetos para o Brasil, de Cairu a Merquior (2022).

 

[Info pessoal: Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4215: 7 agosto 2022, 9 p.; Revisão: 28/09/2022]

 


O voto presidencial e a escolha do menos ruim - Marcelo Sarsur (Twitter)

 Uma linha interessante no Twitter: 

Marcelo Sarsur 

@msarsur

 

O VOTO PRESIDENCIAL E A ESCOLHA DO MENOS RUIM 

Nassim Taleb, um dos maiores pensadores da atualidade, demonstra como os intolerantes, e não os tolerantes, tendem a vencer as disputas em que participam. Ele ilustra esse fato com uma alegoria instrutiva. 1/

Translate Tweet

12:04 PM · Sep 28, 2022·Twitter for Android

 

Se 4 pessoas querem sair para jantar, mas uma delas é alérgica a camarões e outra é vegetariana, pode saber que o restaurante escolhido será vegetariano - e que os pratos não terão frutos do mar. Os que têm gostos mais restritivos, de fato, impõem sua escolha aos demais. 2/


Isso explica muito da escolha dos candidatos presidenciais, e de como chegamos na situação dessa semana. 2 grupos de eleitores são intolerantes: um quer o seu painho, e nele não veem defeitos; o outro quer o seu Mito, e também fazem força para ignorar o que ele tem de errado. 3/


Só que, aqui, os seguidores de São Luís Inácio saem em vantagem, porque pelo menos 52% dos brasileiros já não aguentam mais Bolsonaro e sua combinação tóxica de machismo, homofobia, incompetência, corrupção, apadrinhamento, apropriação sobre a coisa pública e covardia. 4/


A matemática é implacável. Se 52% rejeitam Bolsonaro e nesses 30 a 33% só aceitam Lula, isso quer dizer que os 20% que rejeitam Bolsonaro só chegam a uma maioria se estiverem com os fanáticos da seita petista. Além disso, os 20% não chegam a um nome único para representá-los. 5/


A seita bolsonarista também tem 33% do eleitorado. O suficiente para rivalizar com os petistas e interditar outro nome contra o PT, mas muito longe do suficiente para ganhar a eleição. Podem tumultuar, podem tentar uma ruptura institucional, mas não irão longe com isso. 6/


Se os bolsonaristas querem achar culpado para sua situação, podem procurar o espelho mais próximo. Ou olhar para o falso messias que cultuam. Em situações normais, um Presidente que triplicasse a renda mínima ou que tivesse uma política sã durante a pandemia seria aclamado. 7/


Bolsonaro, no entanto, é Bolsonaro. E por sua personalidade tóxica, pela corrupção de baixo clero dele e dos filhos, pelas crenças delirantes e pelos apoiadores violentos, vai conseguir tripla façanha: ser o primeiro Presidente a não se reeleger; perder ainda no 1º turno; e 8/


Ressuscitar a carreira política do Lula, que já havia sido encerrada com a prisão. Será o segundo militar mais importante para a trajetória política do Lula, perdendo só para o Golbery, que inventou de elevar o sindicalista de São Bernardo a figura nacional, contra o Brizola. 9/


Tamanha é a nossa desgraça, causada pela eleição desse miserável em 2018 e por nossa falha coletiva em tirá-lo do cargo em 2020 ou 2021, que teremos que suportar a volta do petismo ao poder, mesmo sem saber o que isso implica de fato. E de modo desonesto. 10/


A campanha petista promete não um candidato, mas uma volta da prosperidade e da bonança. Algo que eles não podem prometer, mas apenas esperar. Um voto em Lula não é um voto no boom das commodities de 2003-2008. É um voto em outro alguém que não seja o Bolsonaro. 11/

 

La guerre de Poutine contre l’Ukraine est entrée dans une nouvelle phase, encore plus dangereuse - Tatiana Kastouéva-Jean (Le Monde)

La guerre de Poutine contre l’Ukraine est entrée dans une nouvelle phase, encore plus dangereuse

Tatiana Kastouéva-Jean

Directrice du Centre Russie-Nouveaux Etats indépendants à l’IFRI

Le Monde, 29/09/2022


Avec l’organisation, par Moscou, de référendums locaux et de la mobilisation partielle, assortie de menaces nucléaires, Vladimir Poutine poursuit sa fuite en avant en Ukraine, écrit Tatiana Kastouéva-Jean, chercheuse spécialiste de la Russie.


« Poutine ne commencera pas la guerre contre l’Ukraine : les risques sont trop élevés et il y a plus à y perdre qu’à gagner », entendait-on en Europe avant le conflit. Il l’a pourtant fait. « Poutine ne lancera pas la mobilisation, l’idée n’est pas populaire dans la société russe et provoquera un fort mécontentement social. » Il l’a pourtant fait. « Poutine n’appuiera pas sur le bouton pour déclencher une guerre nucléaire, car cela n’aura pas d’effet significatif contre l’armée ukrainienne, permettra aux alliés de l’Ukraine de lui fournir des armes de longue portée et lui aliénera les soutiens des pays comme la Chine et l’Inde »

 

L’avenir n’est pas écrit à l’avance et le pire n’est jamais certain. Cependant, depuis le début de la guerre, force est de constater que le président russe n’est pas guidé par le calcul rationnel et froid des coûts et des bénéfices, mais par une haine viscérale de l’Ukraine, devenue son obsession, et de l’Occident, qui se renforce au fil du temps. 

Ni l’échec de l’offensive sur Kiev et les difficultés de contrôler la totalité du Donbass au bout de sept mois de guerre, ni les morts des soldats russes (les autorités russes en reconnaissent environ 6 000, tandis que les Ukrainiens les estiment à 55 000), ni les sanctions qui pèsent lourdement sur l’économie russe ne semblent entamer la volonté de Poutine de gagner cette guerre quoi qu’il en coûte en imposant une capitulation à l’Ukraine et en infligeant indirectement une défaite à l’Occident.

Trois raisons au moins le poussent à la fuite en avant. Tout d’abord, la conviction que le véritable enjeu de cette confrontation contre l’Occident, dont l’Ukraine ne serait qu’un pion, réside dans sa propre survie, qu’il lie intimement au destin de la Russie. Les vingt-deux ans d’un règne sans partage ont persuadé Poutine de sa mission dans l’histoire russe : rétablir la grandeur du pays, renforcer ses positions dans le monde face à la domination hostile américaine, et même renverser cette domination.


Lutte civilisationnelle

Les pontes du Kremlin décrivent depuis longtemps la confrontation entre la Russie et l’Occident en termes de lutte civilisationnelle. Dans plusieurs de ses discours, Poutine évoque l’Occident collectif qui cherche à achever la tâche commencée par la chute de l’URSS, à savoir affaiblir durablement la Russie, voire la démembrer. Dans la vision de Poutine, les dégâts actuels se justifient à l’échelle historique, telles les conquêtes impériales sanglantes des tsars russes. Dans sa vision du monde, cette guerre était inévitable, et Poutine a préféré frapper le premier, comme son enfance dans les rues de Leningrad le lui a appris.


(...)

 

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Brasil precisa de nova política externa para deixar de ser pária no mundo - Hussein Kalout (FSP)

Brasil precisa de nova política externa para deixar de ser pária no mundo

Em 2023, relações internacionais deveriam priorizar os interesses reais do país, não buscar fantasmas para combater

Hussein Kalout

Folha de S. Paulo, 28.set.2022


O Brasil fechará o ano de 2022 no ponto mais baixo de credibilidade internacional que se tem notícia em nossa história recente. Um país que se isolou e optou por ser um pária, por obra e força de uma política externa destrutiva, guiada por visão conspiratória do mundo.

Uma política externa que está amparada em uma regressão executada desde 2019 em uma ampla gama de políticas públicas; regressão que se fez acompanhar do ataque sistemático do governo aos órgãos de Estado encarregados da execução dessas políticas.

A estratégia de terra arrasada foi implementada com graus variados de sucesso na área ambiental, na saúde, na economia, nos direitos das mulheres, no combate à discriminação racial, na gestão orçamentária, segurança, cultura, ciência, entre outras.

A política externa foi a cereja desse bolo podre, dando contribuição própria para que a perda de respeito internacional decorrente do descalabro interno ganhasse impulso adicional com decisões estapafúrdias implementadas pela chancelaria: do alinhamento rastejante a Donald Trump à antagonização gratuita com a China, de votos solitários e contrários à tradição brasileira na ONU ao abandono da integração regional, da priorização de países de importância relativa apenas por terem governos de extrema direita à ofensa infantil a parceiros fundamentais e grandes investidores no Brasil, como a França e a Alemanha.

Na América do Sul, a política externa bolsonarista cometeu o pecado capital de impulsionar a formação de coalizões antibrasileiras, transformando em inimigos do Brasil governos de países estratégicos, como Argentina, Bolívia ou Chile, simplesmente porque são governados por líderes de ideologia diversa. O pragmatismo morreu com o radicalismo dos incautos.

Impossível ser exaustivo nessa lista de despautérios no espaço de um artigo. Essa amostra serve, contudo, para ilustrar o argumento central: a necessidade de colocar em marcha, assim que possível, uma estratégia de retomada do lugar do Brasil no mundo.

Para isso, será necessário reconstruir a política externa, resgatando as linhas mestras que emanam da Constituição Federal e atualizando antigos paradigmas com vistas a responder a uma realidade internacional cada vez mais competitiva, complexa e desafiadora.

A reconstrução demanda uma política externa que não corra atrás de fantasmas a combater, mas seja pautada pelos interesses reais do país e por uma leitura objetiva da realidade regional e global. Mais do que prender-se a qualquer anacronismo de tempos que não voltam, o país precisa enfrentar as urgências do presente com um olhar posto na construção do futuro que almejamos.

Uma nova política exterior é necessária —realista, pragmática, integrada e coesa—, que não perca de vista o seu viés universalista e solidário.

A política externa de um país não se faz, obviamente, no vácuo ou desconsiderando as demandas mais urgentes da sociedade, especialmente na redução das violentas desigualdades. O Brasil precisa de uma política externa que efetivamente trabalhe para resolver problemas históricos e inaceitáveis do nosso povo, como a fome, o racismo e a desigualdade de gênero.

Precisamos de uma política externa que equilibre as demandas domésticas com as oportunidades internacionais. Não podemos nos ausentar das relações internacionais, lutar contra moinhos imaginados ou dar passos maiores que a perna. A política externa deve refletir um projeto nacional pautado a partir de uma análise dos interesses concretos em jogo na ordem internacional, em consonância com nossas mazelas domésticas.

Os exemplos do passado não devem ser desprezados, desde que não signifiquem uma camisa de força; precisam ser pensados como fonte de inspiração para inovar. Afinal, não se implementa uma estratégia eficaz de inserção internacional olhando apenas pelo retrovisor ou pensando em cenários futuros nunca alcançáveis ou irreais.

A atenção deve estar voltada prioritariamente para o que encontramos na nossa frente nessa longa estrada na busca do desenvolvimento e da influência internacional do país.

O Brasil de 2023 terá de encarar pelo menos cinco grandes urgências: a emergência climática, a ausência brasileira na sua própria região, tensões entre grandes potências com impacto sobre a economia e a paz mundiais, a necessidade de conferir eficácia ao multilateralismo diante de problemas globais e e a importância da aposta na África e na Ásia.

Cada um desses tópicos demandará muito diálogo entre governo e sociedade. As respostas podem variar, mas é fundamental formular as perguntas certas.

Partindo do pressuposto de que a política ambiental brasileira será reconstruída, é preciso perguntar como tirar vantagem do patrimônio representado pela Amazônia para gerar desenvolvimento sustentável, reclamando a nossa liderança natural na agenda da mudança do clima e da transição energética.

Na região, devemos indagar como promover arranjos de integração inclusivos, sem seletividade, para enfrentar desafios comuns (segurança, pandemias, desenvolvimento sustentável, integração física, resposta a catástrofes etc.), independentemente da cor ideológica dos governos envolvidos.

Como devemos nos posicionar diante das tensões entre EUA e China ou entre Otan e Rússia, de modo a preservar nossos interesses bilaterais sem renunciar a princípios caros à política externa brasileira?

Quais seriam as prioridades de reforma de organismos internacionais para fazer face não somente às ameaças à paz, mas também a problemas reais como pandemias, crise de refugiados, guerras comerciais, segurança cibernética, fome e insegurança alimentar?

Quais caminhos tomar e quais estratégias implementar para nos posicionarmos diante do deslocamento do centro de gravidade econômico para a Ásia e da emergência inelutável da África, regiões totalmente negligenciadas pela política externa nos últimos anos?

A resposta a essas perguntas não pode ignorar os ativos brasileiros, tanto seu patrimônio diplomático, que deve ser resgatado, quanto seus recursos humanos, econômicos e naturais, que conferem peso específico ao país na região e no mundo.

A consciência desses ativos poderá ajudar a definir áreas e nichos em que o país poderá ser mais relevante e influente, de modo a priorizar as ações que tendem a gerar mais ganhos e privilegiar iniciativas que visariam minimizar eventuais danos, em um contexto de competição geoeconômica e geopolítica acirrada.

Depois de tanto tempo como pária, será preciso recuperar a credibilidade sem se exceder, evitando qualquer exagero em relação às nossas capacidades, mas sem deixar de ousar, propor e inovar nas áreas e tabuleiros em que podemos ter mais sucesso.

Não há respostas fáceis e nem óbvias às questões aqui levantadas. O único ponto óbvio é que o mundo sente a falta do Brasil e irá celebrar nosso retorno. Virar a página da política externa destrutiva dos últimos anos é a condição indispensável da nossa volta ao mundo.

A reconstrução dessa presença, no entanto, demandará mais que repetir as fórmulas que podem não se adequar à realidade do presente: vai requerer enfrentar as urgências do momento com visão de futuro, exigindo, portanto, uma política externa que reflita não apenas o país que temos, mas também o país que queremos.

Todo brasileiro quer ver seu país ser respeitado nas relações internacionais. O respeito começa pela admiração. A política externa brasileira pode ser um importante instrumento para que povos do mundo inteiro voltem a admirar o Brasil.

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/09/brasil-precisa-de-nova-politica-externa-para-deixar-de-ser-paria-no-mundo.shtml

A próxima recessão europeia será russo-energética - Robert Romano (Limited Government Foundation)

 Os conservadores americanos aproveitam a crise energética na Europa para atacar as políticas setoriais do governo Biden.

Mas a matéria contém elementos informativos quantitativos, úteis para avaliar a dimensão do desafio energético europeu, sobretudo para a Alemanha.

Nord Stream natural gas pipeline sabotage brings Europe to point of no return 

 

6

By Robert Romano

Americans for Limited Government Foundation, September 27, 2022


The Nord Stream natural gas pipelines, which until the war in Ukraine had supplied 1.9 trillion cubic feet a year to Europe, and 55 percent of Germany’s gas alone, appears to have been sabotaged after two recorded blasts resulted in massive gas leaks into the Baltic sea.

Owned and operated by Nord Stream AG, a subsidiary of Russia state-owned energy giant Gazprom, in 2005, former German Chancellor Gerhard Schroder approved construction of the Nord Stream 1 pipeline, which was finished and went online in 2012. Nord Stream 2 was built from 2018 and finished construction in Sept. 2021 at a cost of $11 billion, and would have doubled the current pipelines’ distribution of 1.9 trillion cubic feet a year to 3.9 trillion cubic feet a year.

In Nov. 2021, Germany delayed final regulatory approval of the pipeline project to about March 2022, right as Russia began moving its forces to its border with Ukraine throughout 2021. After the war began in Feb. 2022, Germany cancelled Nord Stream 2 and by the end of 2022 Russia had completely shut off Nord Stream 1, restricting supplies to Europe as prices went to the moon.

When the wider war in Ukraine began in February, Title Transfer Facility (TTF) in the Netherlands were already up to $25.72 per 1,000 cubic feet, according to the U.S. Energy Information Administration. Prices had peaked in early September at $83.62 before beginning to settle back down as the U.S. and other nations sought to boost production as an offset, down to $56.63 per 1,000 cubic feet before the explosions on Nord Stream.

For comparison, the U.S.-based Henry Hub natural gas is currently trading at $6.79 per 1,000 cubic feet. Even with prices somewhat down, they're still almost 10 times as expensive in Europe compared to here. 

Now, prices are rising once again, as should be expected, as markets contemplate the new chessboard that just lost 3.9 trillion cubic feet a year of potential production from the equation, perhaps permanently. 

Russia has played a major role in supplying European energy for years. In 2020, the European Union imported 9.1 trillion cubic feet of natural gasaccording to Eurostat. And about 41 percent Europe’s imports come from Russia, or about 3.73 trillion cubic feet a year, 24 percent from Norway at 2.2 trillion cubic feet and 11 percent from Algeria at 1 trillion.

Thus, the loss of Nord Stream as a potential source of energy only appears to deepen Europe’s ongoing energy crisis that, combined with the war in Ukraine, grain shortages, and the post-Covid global supply crisis, is plunging the continent into recession.

A good question appears to be who blew up the pipelines. If Nord Stream is permanently damaged, that increases the importance of Russia’s pipelines that currently run through both Belarus and Ukraine, and then from there, through Slovakia and Poland.

Here, Russia seemingly lost a piece of leverage. If the Nord Stream pipelines were the carrot for Germany — i.e. “do what we want and we’ll turn on Nord Stream” — then the pipelines through Belarus and Ukraine are the stick — i.e. “do what we want or we’ll turn off the other pipelines, too”. Now, all Moscow has left is the stick.

The impact, therefore, is to close off Germany from Russian natural gas, perhaps for its own “good,” if, say, the West, or the U.S. or just Ukraine, or some other third party, were responsible for the attack. Germany’s stake in the conflict has dramatically changed without the possibility of further imports from Russia.

Bizarrely, if Russia blew up its own pipeline that it had already turned off, the message could be “the other pipelines are next” and are moving to cut off all European access before the winter.

Or, if it was not Russia, Moscow could still move to now shut off the other pipelines in response, thus further escalating the conflict.

Either way, the implication is that the war in Ukraine is now reaching the rest of Europe in a major escalation. It's the point of no return. Sadly, there are just about two things for nation-states to do with one another in the world: commerce or war. Unfortunately for Europe, as can be seen in the Baltic Sea with the gas rushing to the surface, they are mutually exclusive.

Robert Romano is the Vice President of Public Policy at Americans for Limited Government Foundation. 


terça-feira, 27 de setembro de 2022

Trigo é o fato novo na agricultura brasileira - Rubens Barbosa

Trigo é o fato novo na agricultura brasileira, diz representante do setor

Entrevista com Rubens Barbosa

Folha de S. Paulo, 27/09/2022

Desorganização do mercado de commodities deu novos preços ao cereal

Após a soja e o milho, o Brasil passará a ser um grande player internacional no setor de trigo. A Covid e a guerra entre Rússia e Ucrânia trouxeram novos desafios para o mercado internacional de commodities.

Um dos principais desafios ocorre na cadeia do trigo, produto que está entre os mais afetados pela guerra, devido à importante participação dos dois países envolvidos no conflito no fornecimento mundial desse cereal.

A desorganização do mercado de commodities, trazida por esses eventos, deu novos preços ao cereal. A alta e novas tecnologias da Embrapa vão permitir um impulso na produção de trigo em áreas tropicais do país.A avaliação é de Rubens Barbosa, presidente-executivo da Abitrigo (Associação Brasileira da Indústria do Trigo). Segundo ele, em busca de uma segurança alimentar, vários países devem procurar o Brasil para investimentos nesse setor.

Um dos interessados é a Arábia Saudita, cujo Salic (Sadi Agricultural and Livestock Investiment), que investe em projetos no exterior para garantir o abastecimento alimentar do país, já manifestou interesse em investir mais nos setores avícolas e de grãos do Brasil. O trigo está no radar desses investidores.

O mercado de trigo vai continuar com preços aquecidos. Mesmo com a liberação das exportações de cereais da Ucrânia, os preços não voltam imediatamente ao patamar anterior à guerra. E esse conflito não tem sinais de um processo de paz.

Internacionalmente, os preços continuam elevados porque os fretes e os seguros estão caros. Internamente, as commodities sofrem o efeito do dólar e do custo Brasil.

Haverá um período de ajustamento, mas isso não ocorrerá tão cedo, afirma Barbosa.

Além dos efeitos da guerra, o trigo está sendo afetado por circunstâncias específicas de cada país. Vários produtores mundiais sofrem o efeito da seca, e o principal fornecedor brasileiro, a Argentina, já não deverá produzir os 21 milhões de toneladas esperados, mas 18 milhões.

"Apesar de tudo isso, não vejo nenhuma perspectiva dramática no fornecimento do cereal ao Brasil, à exceção dos efeitos de mercado, como frete e seguros. O trigo existe e não haverá problema de abastecimento para nós", diz Barbosa.

Alguns países da África e do Oriente Médio, antes dependentes da Ucrânia e da Rússia, tiveram de reorientar suas compras, inclusive buscando produto no mercado brasileiro, que deverá exportar mais de 3 milhões de toneladas neste ano.

O agronegócio vem sendo um dos principais setores da economia brasileira, mas o país precisa muito de um planejamento. Para o representante da Abitrigo, não é possível uma dependência tão grande de matérias-primas, como o fertilizante. A perspectiva de produção desse insumo é de longo prazo, e, mesmo assim, ainda com larga dependência.

O país precisa se cercar das novas tecnologias de produção. Além disso, tem de se conscientizar de que o protecionismo vai ser muito forte a partir de agora.

Para Barbosa, a União Europeia começa a propor uma legislação muito dura, e o Brasil precisa desenvolver uma rastreabilidade para mostrar que os produtos não vêm de áreas desmatadas.

A avaliação do futuro também é importante para esse setor. A China não quer ficar mais tão dependente do Brasil. Está indo para a África e elevando a produção interna.

Se os brasileiros tiveram uma grande facilidade no mercado externo até agora, vão necessitar de um bom planejamento para o futuro, inclusive buscando novos mercados.

O Brasil tem de levar a sério alguns fatos e tomar medidas em questões sensíveis, como a ambiental. "O país não pode permitir que o ilícito continue. Essa é uma questão fundamental e um dos principais problemas que temos." Para o representante da Abitrigo, o governo que assumir em janeiro vai ter de levar muito a sério esse assunto.

O trigo é o fato novo para a agricultura brasileira, e em cinco anos o Brasil será autossuficiente no cereal. O país deverá produzir próximo de 10 milhões de toneladas neste ano, chegando perto do consumo, que é de 12 milhões.

Para Barbosa, a evolução da produção brasileira de trigo é uma questão de segurança alimentar. Trigo e arroz são os cereais mais presentes na mesa do consumidor brasileiro, e a indústria se preocupa com essa vulnerabilidade atual do setor.

Na avaliação do representante da entidade, com a evolução dos preços, o trigo se torna mais atrativo do que o milho. Preço, novas variedades da Embrapa e diversificação regional do plantio vão auxiliar na expansão de que o país necessita.

Barbosa destaca, ainda, a evolução da qualidade do produto brasileiro, que ganha aceitação lá fora. O trigo nacional está indo para mercados da Ásia, do Oriente Médio e da África.

Estimativas de Jorge Lemainski, chefe-geral da Embrapa Trigo, indicam que o país deverá produzir 20 milhões de toneladas de trigo em 2030.

 Fonte: Folha de S. Paulo

Les Pays du Sud dans le multilatéralisme: un colloque à la Sorbonne, 6-7/10/2022

 Le laboratoire AGORA de CY Cergy Paris Université, le centre Roland Mousnier de Sorbonne Université, l’université de Marbourg et l’université de Montréal s’associent dans l’organisation d’un colloque intitulé :

 

 

Les Pays du Sud dans le multilatéralisme

Les 6-7 Octobre 2022

À l’Institut des études slaves (Sorbonne Université) au n°9, rue Michelet, Paris 75006

Organisateurs :

Régine Perron, MCF HDR Histoire des relations internationales, CY Cergy Paris Université

Samir Saul, Professeur Histoire des relations internationales, Université de Montréal

Hubert Zimmermann, Professeur Relations internationales, Université de Marbourg

Christophe Réveillard, Chercheur au Centre Roland Mousnier (UMR 8596 - IRCOM), Sorbonne Université.

 

Le jeudi 6 octobre :

Accueil : 9h30

Introduction : Régine Perron, CY Cergy Paris Université

 

10h : Présidence de séance: Jean-Pierre Dozon, Directeur d’études à l’EHESS

En Afrique du nord et subsaharienne

-Prof. Mohamed Lazar Gharbi, La Tunisie postcoloniale et l’option multilatéraliste (avec le FMI), Université La Manouba, Tunis

-Mariel Reiss, Multilateralism in Eastern and Southern Africa, Université de Marburg

-Komi Abalo et Dossou Ogouchina O'Lougbegnon, Les échanges intracommunautaires entre la zone CEDEAO et la zone CEMAC pour quel multilatéralisme avec la France ?, Université de Montréal (UDEM)

-Elhadji Saer Thiam, La CEDEAO comme exemple de construction du multilatéralisme en Afrique: Entre intégration économique et maintien de la paix et de la sécurité, CY Cergy Paris Université.

 

14h : Présidence de séance : Dominique Barjot, Professeur Histoire économique, Sorbonne Université

En Asie

-Prof. Lun Zhang, Dedans ou dehors: l'évolution de la stratégie de Pékin à l'encontre des organisations internationales, CY Cergy Paris Université

-Andi Akhmad Basith Dir, Expectation Goes South: the European Union’s Timber Regime in Indonesia, Philipps-Universite Marburg/Universitas Diponegoro Indonesia

 

En Amérique Latine

-Hildete de Moraes Vodopives, Centre Roland Mousnier Sorbonne Université, et Paulo Roberto de Almeida, Centro Universitário de Brasilia, Brazil and the challenges of multilateralism: high participation, low decision-making power.

-Getsiva Cayo, Centre Roland Mousnier Sorbonne Université, et Sebastian Adins, Pontifica Universidad Católica del Perú (PUCP), La participation du Pérou dans la formation du Pacte Andin (1968-1975).

 

16h 30: Clôture de la première journée.

  

Vendredi 7 octobre :

9h30 : Présidence de séance : Olivier Forcade, Professeur en histoire des relations internationales, Sorbonne Université

Dans le monde arabe

-Caroline Piquet, Les pays du Golfe dans le système international de 1945 à nos joursCentre Roland Mousnier Sorbonne Université

 

Les petits Etats insulaires et non-insulaires

-Carola Klöck, Climate change negotiations of Island and Non-Island States in International Institutions, Sciences Po Paris

 

Avec l’Union européenne

-Ngeti Zwane, African migration to the European Union, Université de Marburg

-Christophe Réveillard, Les PTOM de la CEE aux pays ACP de l'UE, Centre Roland Mousnier

 

Conclusion : Hubert Zimmermann, Université de Marbourg

 

12h30 : Clôture du colloque

 

Avec le soutien de CY Agora, CY Advanced Studies, du Centre Roland Mousnier, de la Faculté des Lettres de Sorbonne Université et de la Fondation Maison des Sciences de l'homme.