terça-feira, 18 de março de 2025

Sobre um ajuntamento de argumentos pró-russos de um antiamericano acadêmico - José Luís Fiori, Paulo Roberto de Almeida

Sobre um ajuntamento de argumentos pró-russos de um antiamericano acadêmico  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Comentários tópicos oferecidos a Maurício David a propósito de um artigo do acadêmico José Luís Fiori, sobre a suposta “vitória russa” na Ucrânia e contra os EUA e a OTAN. Enviado por e-mail. 

 

Sobre o artigo “A estratégia norte-americana de “destruição inovadora”

José Luis Fiori

A Terra é Redonda, 8/03/2025

https://aterraeredonda.com.br/a-estrategia-norte-americana-de-destruicao-inovadora/ 


(Transcrito ao final de meus comentários, PRA) 


Comentários tópicos sobre argumentos do artigo (Paulo Roberto de Almeida): 

 

1) “... já é possível reconstruir os caminhos e principais passos que levaram a essa guerra [Ucrânia]. Uma história que começou em 1941, com a assinatura da Carta do Atlântico, pelo presidente americano, Franklin Delano Roosevelt, e pelo primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, em Newfoundland, nas cercanias do Canadá. Carta Atlântica que se transformou na “pedra fundamental” da “aliança estratégica” entre EUA e Grã-Bretanha (GB), que foi vitoriosa na Segunda Guerra Mundial, e que foi em seguida sacramentada pelo bombardeio atômico norte-americano das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki.”

         PRA: A aliança EUA-Reino Unido, representado pela Carta do Atlântico, não tem absolutamente nada a ver com o bombardeio atômico sobre Hiroshima e Nagasaki, pois ela tinha a ver apenas com o desenho inicial dos princípios que presidiriam ao estabelecimento da nova ordem política do pós-guerra. Bombardeio atômico não foi “em seguida” e não sacramentou essa aliança. O autor confunde discussão de princípios gerais com fatos militares distantes quatro anos da Carta do Atlântico, e que com ela não guardam nenhuma conexão.

 

2) “Esse projeto anglo-saxônico mudou de rumo, entretanto, depois do discurso de Winston Churchill, em Fulton, Missouri, EUA, em março de 1946, quando o ex-primeiro-ministro britânico propôs aos seus aliados norte-americanos a construção de uma barreira de contenção militar – que ele chamou de “cortina de ferro” – separando o “mundo ocidental” da zona de influência comunista da União Soviética.”

         PRA: O autor mais uma vez confunde uma palestra simplesmente descritiva sobre a realidade “imperial” da Europa centra e oriental, sob tutela soviética, no pós-guerra, com a aliança fundamental EU-GB, que tinha outros objetivos e característicos que a contenção da URSS. Churchill falava do império soviético, não da aliança anglo-saxã. 

 

3) “Uma política inglesa, de demonização e confronto permanente com a Rússia, que foi formulada pela primeira vez logo após o Congresso de Viena, em 1815, um século antes da Revolução Soviética.”

         PRA: Novo equívoco. Fiori deveria ler a tese de doutorado de Kissinger sobre o Congresso de Viena. Tem a ver com a divisão das potências europeias, não apenas com o poderio do czarismo.

 

3) “Quarenta anos depois, no momento da queda do Muro de Berlim, em 1989, e da dissolução da União Soviética, em 1993, as duas grandes potências anglo-saxãs voltaram ao seu projeto de 1941. Foi quando se falou em “fim da história” e da vitória definitiva da democracia e do capitalismo liberal e anglo-saxônico, sobretudo depois da arrasadora vitória militar dos EUA na Guerra do Golfo, de 1991/2, quando os americanos expuseram ao mundo sua nova tecnologia de guerra teledirigida, equivalente às bombas de Hiroshima e Nagasaki, do ponto de vista do impacto sobre o sistema mundial.”

         PRA: O autor mistura eventos, processos e coalizões que não possuem coerência intrínseca entre eles, como se fossem um continuum de 1941, o que é absolutamente equivocado. Frase delirante.

 

4) “E o mesmo aconteceu na Europa, onde a OTAN se expandiu de forma contínua, multiplicando suas bases militares na direção da Europa do Leste da fronteira ocidental da Rússia. Apesar da promessa do secretário de Estado norte-americano James Baker ao primeiro-ministro russo Mikhail Gorbachev, feita em 1991, logo após o fim da Guerra Fria, de que a OTAN não avançaria na direção da Europa do Leste, em 1994, o presidente Bill Clinton autorizou sua primeira expansão, e em 1999 a Otan começou sua “marcha para o Leste”, com a incorporação de Hungria, Polônia e República Tcheca.

E em 2004, a OTAN incorporou Estônia, Lituânia, Letônia, Bulgária, Eslovênia e Eslováquia, enquanto experimentava suas novas formas de intervenção através das chamadas “revoluções coloridas” contra governos desfavoráveis aos interesses americanos – como foi o caso da “revolução das rosas”, na Geórgia, em 2003; da “revolução laranja” na Ucrânia em 2004; da “revolução das tulipas” no Quirguistão, em 2005.’

         PRA: Mais uma vez o autor realiza não só uma assemblagem de eventos ocorridos nos anos 1990 e 2000, relativamente à aceitação pela OTAN de novos membros, mas uma interpretação especiosa, que IGNORA totalmente as decisões soberanos de todos esses povos, dominados e oprimidos pela Rússia e pela URSS, durante décadas, senão séculos, e que DECIDIRAM SOLICITAR ADESÃO à OTAN para se PROTEGEREM do urso russo.

 

5) “Brzezinski chegou a propor que a Ucrânia fosse conquistada pelos EUA e pela OTAN, até no máximo 20151 – o que acabou acontecendo depois do golpe de Estado de 2014, que derrubou o governo eleito de Viktor Yanukovych, considerado hostil pelos EUA e pela OTAN.”

         PRA: Fiori ignora totalmente a dinâmica política da sociedade ucraniana, que estava consolidando sua identidade nacional nos anos 2000, e a população ucraniana, em sua VASTA MAIORIA, tinha o projeto de adesão a União Europeia, e foi esse o motivo da revolução Maidan, que levou à queda de Yanukovych e a decisão de solicitarem adesão à OTAN. Tudo parece ser um complô americano contra a Rússia na visão de Fiori.

 

6) “discurso de Putin, “em 2007, na Conferência de Segurança de Munique”

         PRA: Fiori considera que a postura de Putin, no discurso de Munique, possui legitimidade intrínseca, e prefere ignorar a vontade dos países vizinhos, ex-repúblicas federadas da URSS, e seu temor de novas investidas russas, o que possui muito mais legitimidade no plano do Direito Internacional. Fiori ignora completamente o imperialismo russo.

 

7) “Por fim, em 15 de dezembro de 2021, a Rússia entregou um memorando às autoridades americanas e da OTAN, e aos governantes da União Europeia, propondo a interrupção da expansão da OTAN, o afastamento de suas tropas das fronteiras russas e a desmilitarização da Ucrânia.”

         PRA: Fiori acha que a vontade russa TEM de prevalecer sobre a vontade de povos soberanos. A OTAN não estava se expandindo nesse momento, e depois dos problemas da Georgia não havia nenhum planbo de incorporação da Ucrânia. 

 

8) “Três anos depois do início da guerra, já não cabe dúvida de que a Rússia venceu no campo de batalha, mas também no campo da competição tecnológico-militar com relação aos equipamentos fornecidos aos ucranianos pelos EUA e pelos países da OTAN. Além disso, a Rússia também venceu a guerra econômica contra as sanções que lhe foram impostas pelas potências ocidentais, e sua economia vem crescendo sistematicamente à frente dos demais países europeus.”

         PRA: Fiori fica muito contente ao escrever isso, e só lhe falta cumprimentar Putin pelas “vitórias” na Ucrânia, denegando a Carta da ONU e os acordos feitos anteriormente, inclusive no plano da CSCE. Para ele, só as preocupações russas de segurança são válidas, e os países não teriam nenhum direito em face de um vizinho imperialista e agressor.

 

9) “Não há dúvida de que a vitória russa se acelerou e consolidou nos dois últimos meses: (i) com a saída dos EUA da guerra e a ruptura do seu “casamento estratégico” com a Grã-Bretanha; (ii) com a divisão interna da OTAN e a ameaça de saída dos EUA; (iii) com a fragilização da União Europeia, depois do seu afastamento dos EUA; (iv) e finalmente, com o desmonte do “bloco ocidental” e de sua hegemonia mundial exercida nos últimos 200 anos. Como consequência, o mais provável é que as negociações post-bellum entre Rússia e EUA se transformem no primeiro passo de uma nova “ordem mundial multipolar” e “pós-europeia”, a mais importante de todas as reivindicações e vitórias russas.”

         PRA: Fiori assume ares de profeta satisfeito com sua antecipação de uma “nova ordem mundial multipolar” comandada pela Rússia, no que aliás já recebeu a adesão implícita de Lula, que repete o mesmo bordão de Putin. A História não terminou, mas ele já decretou o quadro futuro. 

Considero o artigo de Fiori um amontoado de parti-pris em favor da Rússia, CONTRA a Carta da ONU e os princípios mais elementares do Direito Internacional e do multilateralismo contemporâneo. Tornou-se um arauto do imperialismo russo, renegando inclusive a doutrina diplomática brasileira, a de Rio Branco, Rui Barbosa, Oswaldo Aranha e San Tiago Dantas. 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4874, 18 março 2025, 3 p.


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Artigo de José Luiz Fiori: 

 

A estratégia norte-americana de “destruição inovadora”

Por JOSÉ LUÍS FIORI*

A Terra é Redonda, 8/03/2025

https://aterraeredonda.com.br/a-estrategia-norte-americana-de-destruicao-inovadora/ 

 

 

Do ponto de vista geopolítico o projeto Trump pode estar apontando na direção de um grande acordo “imperial” tripartite, entre EUA, Rússia e China

 

Ao se completarem dois meses da nova administração perplexidade dos europeus criam uma impressão americana, o histrionismo de Donald Trump e a duplamente falsa com relação à Guerra da Ucrânia. Por um lado, o presidente americano se comporta como se os EUA fossem o “país ganhador”, exigindo uma “reparação de guerra” do país derrotado, a Ucrânia, que foi seu grande aliado até anteontem.

Por outro, os europeus, em estado de pânico, atribuem à traição de Trump e à sua decisão de acabar com a guerra, a responsabilidade por sua divisão e derrota eminente. Como se fosse possível fazer, desfazer e refazer a história real através apenas da manipulação de “narrativas” que são inventadas e repetidas incansavelmente pelas potências que se acostumaram a controlar o “imaginário coletivo” do sistema mundial.

Na verdade, o que estamos assistindo é o reconhecimento norte-americano de um fato consumado: a vitória da Rússia no campo de batalha contra as tropas da Ucrânia, e contra os armamentos da OTAN, mesmo que durem ainda a resistência e os ataques pontuais dos ucranianos. Neste momento, os EUA estão exigindo que seus vassalos se rendam, na forma inicial de um “cessar-fogo”, mas na verdade se trata de uma vitória russa sobre os próprios EUA, que forneceram a maior parte do equipamento bélico, base logística, apoio de inteligência, e financiamento, que permitiram aos ucranianos resistirem durante três anos, promovendo uma escalada militar que chegou às portas de uma guerra atômica, no final do governo de Joe Biden.

Neste momento, a situação ainda está muito confusa, mas mesmo assim já é possível reconstruir os caminhos e principais passos que levaram a essa guerra. Uma história que começou em 1941, com a assinatura da Carta do Atlântico, pelo presidente americano, Franklin Delano Roosevelt, e pelo primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, em Newfoundland, nas cercanias do Canadá. Carta Atlântica que se transformou na “pedra fundamental” da “aliança estratégica” entre EUA e Grã-Bretanha (GB), que foi vitoriosa na Segunda Guerra Mundial, e que foi em seguida sacramentada pelo bombardeio atômico norte-americano das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. Uma aliança inquebrantável que durou 80 anos e que esteve na origem do projeto globalista de construção de um mundo unificado e tutelado pelos anglo-saxões, seguindo as regras e valores da “civilização ocidental”.

Esse projeto anglo-saxônico mudou de rumo, entretanto, depois do discurso de Winston Churchill, em Fulton, Missouri, EUA, em março de 1946, quando o ex-primeiro-ministro britânico propôs aos seus aliados norte-americanos a construção de uma barreira de contenção militar – que ele chamou de “cortina de ferro” – separando o “mundo ocidental” da zona de influência comunista da União Soviética. (!!!! – (MD) Uma política inglesa, de demonização e confronto permanente com a Rússia, que foi formulada pela primeira vez logo após o Congresso de Viena, em 1815, um século antes da Revolução Soviética.

A grande novidade desta proposta, portanto, foi o convencimento e mobilização do governo norteamericano de Harry Truman a favor dessa estratégia que deu início à Guerra Fria, em 1947, seguida pela formação de um bloco dos países do Atlântico Norte, consagrado pela criação da OTAN, em 1949, e pela inauguração da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, em 1951, embrião da União Europeia, que viria a ser formalizada em 1993.

Quarenta anos depois, no momento da queda do Muro de Berlim, em 1989, e da dissolução da União Soviética, em 1993, as duas grandes potências anglo-saxãs voltaram ao seu projeto de 1941. Foi quando se falou em “fim da história” e da vitória definitiva da democracia e do capitalismo liberal e anglo-saxônico, sobretudo depois da arrasadora vitória militar dos EUA na Guerra do Golfo, de 1991/2, quando os americanos expuseram ao mundo sua nova tecnologia de guerra teledirigida, equivalente às bombas de Hiroshima e Nagasaki, do ponto de vista do impacto sobre o sistema mundial.

A partir de então, os EUA se desfizeram do seu compromisso com as Nações Unidas, e com as regras de funcionamento do seu Conselho de Segurança, e transformaram a OTAN – progressivamente – no seu braço armado de intervenção nos Balcãs, no Oriente Médio, na Ásia Central e Europa do Leste”[i]. Primeiro foi a Bósnia, em 1995, e depois a Iugoslávia, em 1999, que foi bombardeada pela OTAN sem a aprovação do Conselho de Segurança da ONU. E o mesmo voltou a acontecer em 2003, quando EUA e GB invadiram e destruíram o Iraque, apesar do veto da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e da oposição de Alemanha, França e de vários outros aliados tradicionais dos anglo-saxões. Começaram ali as “guerras sem fim” dos EUA, da GB e da OTAN no Grande Oriente Médio, e se estenderam até sua e “retirada” do Afeganistão, em 30 de agosto de 2021.

E o mesmo aconteceu na Europa, onde a OTAN se expandiu de forma contínua, multiplicando suas bases militares na direção da Europa do Leste da fronteira ocidental da Rússia. Apesar da promessa do secretário de Estado norte-americano James Baker ao primeiro-ministro russo Mikhail Gorbachev, feita em 1991, logo após o fim da Guerra Fria, de que a OTAN não avançaria na direção da Europa do Leste, em 1994, o presidente Bill Clinton autorizou sua primeira expansão, e em 1999 a Otan começou sua “marcha para o Leste”, com a incorporação de Hungria, Polônia e República Tcheca.

E em 2004, a OTAN incorporou Estônia, Lituânia, Letônia, Bulgária, Eslovênia e Eslováquia, enquanto experimentava suas novas formas de intervenção através das chamadas “revoluções coloridas” contra governos desfavoráveis aos interesses americanos – como foi o caso da “revolução das rosas”, na Geórgia, em 2003; da “revolução laranja” na Ucrânia em 2004; da “revolução das tulipas” no Quirguistão, em 2005.

Por fim, em abril de 2008, na cidade de Bucareste, a OTAN anunciou seu xeque-mate, com a incorporação da Geórgia, e sobretudo da Ucrânia, que Zbigniew Brzezinski[ii] (o grande geopolítico do Partido Democrata norte-americano), considerava ser uma peça central da disputa dos EUA com a Rússia, pelo controle da Europa do Leste e de todo o continente eurasiano. Tão importante que Brzezinski chegou a propor que a Ucrânia fosse conquistada pelos EUA e pela OTAN, até no máximo 20151 – o que acabou acontecendo depois do golpe de Estado de 2014, que derrubou o governo eleito de Viktor Yanukovych, considerado hostil pelos EUA e pela OTAN.

A Rússia protestou inutilmente contra esses sucessivos avanços da OTAN sobre sua fronteira ocidental. E, em 2007, na Conferência de Segurança de Munique, o presidente russo, Vladimir Putin, advertiu pessoalmente as potências ocidentais de que a Rússia não toleraria os avanços da OTAN na Geórgia e na Ucrânia. Sua advertência foi ignorada uma vez mais e, no ano seguinte, a Rússia foi obrigada a fazer uma primeira intervenção militar direta na República Autônoma da Ossétia do Sul, para impedir sua incorporação à OTAN. E mais à frente, em 2015, a Rússia voltou a intervir diretamente contra o golpe de Estado apoiado pelos EUA e pela OTAN, ocupando e incorporando a Crimeia ao território russo.

Por fim, em 15 de dezembro de 2021, a Rússia entregou um memorando às autoridades americanas e da OTAN, e aos governantes da União Europeia, propondo a interrupção da expansão da OTAN, o afastamento de suas tropas das fronteiras russas e a desmilitarização da Ucrânia. Não houve resposta a esse memorando e o silêncio das “potências ocidentais” foi o estopim que deflagrou a invasão russa do território da Ucrânia, iniciando de fato uma “proxy-war” entre Rússia e EUA.[iii]

rês anos depois do início da guerra, já não cabe dúvida de que a Rússia venceu no campo de batalha, mas também no campo da competição tecnológico-militar com relação aos equipamentos fornecidos aos ucranianos pelos EUA e pelos países da OTAN. Além disso, a Rússia também venceu a guerra econômica contra as sanções que lhe foram impostas pelas potências ocidentais, e sua economia vem crescendo sistematicamente à frente dos demais países europeus.

Não há dúvida de que a vitória russa se acelerou e consolidou nos dois últimos meses: (i) com a saída dos EUA da guerra e a ruptura do seu “casamento estratégico” com a Grã-Bretanha; (ii) com a divisão interna da OTAN e a ameaça de saída dos EUA; (iii) com a fragilização da União Europeia, depois do seu afastamento dos EUA; (iv) e finalmente, com o desmonte do “bloco ocidental” e de sua hegemonia mundial exercida nos últimos 200 anos. Como consequência, o mais provável é que as negociações post-bellum entre Rússia e EUA se transformem no primeiro passo de uma nova “ordem mundial multipolar” e “pós-europeia”, a mais importante de todas as reivindicações e vitórias russas.


Notas

[i] Victoria Nuland, a diplomata americana que ficou famosa por sua participação direta pessoal a favor do golpe de Estado na Ucrânia, em 2014, e que foi também Representante Permanente dos EUA na OTAN, de 2005 a 2008, declarou numa entrevista ao jornal Financial Times, em 2006, que “os EUA querem ter uma força com projeção global, para operar em todo o mundo, da África ao Oriente Médio e bem mais além, o Japão, como a Austrália tem vocação, igual que as nações da OTAN, para fazer parte desta força” (in Chauprade, A., Chronicque du Choc des Civilizations, Chronique Editions, Paris, 2013, p. 69).

[ii] Brzzezinski, Z, The Grand Chessboard. American Primacy and its Geostrategica Imperatives, Basic Books, New York, 1997

[iii] O novo secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, reconheceu recentemente que a Guerra da Ucrânia foi na verdade uma “guerra por procuração” entre Rússia e EUA., in UOL Noticias, noticias.uol.com.br -6 de março de 2025. 


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Reagan e Trump e a “destruição inovadora”

“Toda situação hegemônica é transitória, e mais do que isto, é autodestrutiva, porque o próprio hegemon acaba se desfazendo das regras instituições que ajudou a criar para poder seguir se expandindo e acumulando mais poder do que seus liderados” (José Luís Fiori, O poder global e a nova geopolítica das nações)


Na década de 70 do século passado, os EUA sofreram uma série de reveses militares, econômicos e geopolíticos: foram derrotados na Guerra do Vietnã; uma série de reveses militares, econômicos e surpreendidos pela Guerra do Yom Kippur e pela criação da OPEP e a subida dos preços internacionais[iii] do petróleo; e foram surpreendidos uma vez mais pela Revolução do Aiatolá Khomeini, no Irã, em 1979; seguida pela “crise dos reféns” americanos que foram mantidos presos durante 444 dias na embaixada dos EUA em Teerã, culminando com a invasão soviética do Afeganistão, em dezembro de 1979.

Muitos analistas falaram naquele momento de uma “crise final da hegemonia americana”. Frente a essa situação de declínio relativo de poder, entretanto, os EUA destruíram a ordem mundial que haviam criado depois da Segunda Guerra Mundial e adotaram uma nova estratégia internacional, com o objetivo de manter sua primazia mundial. Primeiro, aceitaram a derrota, renderam-se e assinaram um acordo de paz com o Vietnã; ao mesmo tempo, abandonaram o padrão-dólar que haviam imposto ao mundo em Bretton Woods, em 1944; em seguida, pacificaram e reataram relações com a China; e enterraram definitivamente seu projeto econômico desenvolvimentista, impondo uma abertura e desregulação financeira da economia internacional, enquanto iniciavam uma nova corrida armamentista, conhecida como a 2ª. Guerra Fria, que culminou com a derrocada da União Soviética. Um verdadeiro tufão conservador e neoliberal, que começou no governo de Richard Nixon e alcançou sua plenitude durante o governo de Ronald Reagan, mudando radicalmente o mapa geopolítico do mundo e transformando de forma irreversível a face do capitalismo mundial.

Agora de novo, na segunda e terceira décadas do século XXI, os EUA vêm sofrendo novos e sucessivos reveses militares, econômicos e geopolíticos. Foram derrotados no Afeganistão e obrigados a uma retirada humilhante da cidade de Cabul, em agosto de 2021; estão sendo derrotados de forma inapelável na Ucrânia; sofreram uma perda significativa de credibilidade moral em todo mundo, depois do seu apoio ao massacre israelense dos palestinos da Faixa de Gaza; vêm sofrendo um processo acentuado de desindustrialização e sua moeda, o dólar vem sendo questionado por seu uso como arma de guerra contra países concorrentes ou considerados inimigos dos seus interesses; e por fim, os EUA têm perdido posições importantes na sua competição tecnológica-industrial e espacial com a China, e na sua disputa tecnológica-militar com a Rússia.

Neste momento, uma vez mais, o governo norte-americano de Donald Trump está se propondo refazer sua primazia através de uma nova mudança radical de sua estratégica internacional, combinando doses altíssimas de destruição, com algumas propostas disruptivas e inovadoras no campo geopolítico e econômico, partindo de uma posição de força e sem pretensões éticas ou missionárias, e orientando-se apenas pela bússola dos seus interesses nacionais.

A principal consigna de campanha de Donald Trump – “fazer a América grande de novo” – já é por si mesma, um reconhecimento tácito de que os EUA estão enfrentando uma situação de crise ou declínio que precisa ser revertida. E suas primeiras medidas são todas de natureza defensivas: seja no caso da sua política econômica mercantilista, seja no caso da “barreira balística” que ele está se propondo construir em torno do território americano. E o mesmo se pode dizer de suas agressões e ameaças verbais, que têm sido dirigidas contra seus vizinhos, aliados e vassalos mais próximos e incondicionais.

De qualquer maneira, o mais importante tem sido o ataque avassalador e destrutivo de Donald Trump e seus auxiliares mais próximos, contra as regras e instituições próprias da ordem internacional construída pelos EUA, como resposta à sua crise dos anos 70 do século passado. E contra os últimos vestígios da ordem mundial do pós-Segunda Guerra, como no caso das Nações Unidas e do seu Conselho de Segurança. Com ênfase particular no ataque e destruição americana do multilateralismo e do globalismo econômico que se transformaram na principal bandeira americana do pós-Guerra Fria. Neste capítulo das “destruições”, deve-se sublinhar também o ataque seletivo e estratégico do governo Donald Trump contra todas as peças de sustentação interna – dentro do próprio governo americano – do que eles chamam de deep state, a verdadeira base de sustentação e locus de planejamento das guerras norte-americanas.

No plano internacional, entretanto, a grande revolução – se prosperar – será efetivamente a mudança da relação entre os EUA e a Rússia, que vem sendo proposta pelo governo de Donald Trump. Uma inflexão muito profunda e radical, muito mais do que foi a reaproximação entre os EUA e a China, na primeira metade dos anos 1970. Porque, de fato, no século XX, os EUA herdaram uma inimizade, competição e polarização geopolítica construída pela Grã-Bretanha contra a Rússia, desde o momento em que se consagrou a vitória dos russos e dos ingleses contra a França de Napoleão Bonaparte, no Congresso de Viena, de 1815.

Desde então, os russos foram transformados pelos ingleses em seus “inimigos necessários”, e serviram como princípio organizador da estratégia imperial inglesa. Uma realidade histórica que foi depois consagrada pela teoria geopolítica do geógrafo inglês Halford Mackinder, segundo a qual o país que controlasse o coração da Eurásia, situado entre Moscou e Berlim, controlaria o poder mundial. Por isso, os ingleses lideraram a Guerra da Criméia, entre 1853 e 1856, contra os russos; e de novo lideraram a a invasão da Rússia depois do fim da Primeira Guerra Mundial; e cogitaram fazer o mesmo logo depois da Segunda Guerra. Uma obsessão de Winston Churchill que acabou cedendo lugar ao projeto de construção da “cortina de ferro” e da OTAN.

Essa obsessão inglesa foi repassada aos norte-americanos depois da Segunda Guerra Mundial e esteve na origem da Guerra Fria. A partir de então, os EUA e a GB (junto com seus aliados da OTAN), construíram uma gigantesca infraestrutura militar – material e humana – destinada a “conter os russos” e, se possível, derrotá-los estrategicamente. A última tentativa foi feita agora na Guerra da Ucrânia e fracassou uma vez mais. E se o projeto atual de Donald Trump de aproximação da Rússia prosperar, ele estará sucateando toda essa infraestrutura junto com todas as demais alianças americanas construídas a partir de 1947, com vistas a esta “guerra final” contra os russos. Não é pouca coisa, muito pelo contrário, e muitos líderes euro-atlânticos que tentaram romper essa barreira ficaram pelo caminho. Podendo-se prever, inclusive, a possibilidade de algum tipo de atentado ou auto-atentado, a partir do próprio mundo anglo-saxão, com o objetivo de barrar esta mudança de rumo norte-americana.

Sim, porque está sendo rompida e enterrada a aliança estratégica anglo-saxônica, que foi fundamental para a dominação ocidental do mundo, desde a Segunda Guerra Mundial, desmontando-se ao mesmo tempo, como um castelo de cartas, o projeto da OTAN, o G7, e talvez a própria União Europeia. Mas nada disto encerra a competição interestatal pelo poder global. O projeto de Donald Trump diminui a importância da Europa e diminui a importância da fronteira europeia da Rússia, deslocando as linhas de fratura da geopolítica mundial para o Ártico e para o Sul do Pacífico.

Mas a própria cobiça de Trump com relação ao Canadá e à Groenlândia explicita seu projeto de construção de uma grande massa territorial equivalente à russa, justo em frente à fronteira norte e ártica da própria Rússia. E ao mesmo tempo, o projeto de negócios conjuntos entre russos e norte-americanos, que vem sendo insistentemente anunciado, sobretudo na região do Polo Norte, aponta para um possível distanciamento futuro e “pelo mercado” da Rússia com relação à China, para não permitir que se consolide uma aliança estratégica inquebrantável entre Rússia e China, ou mesmo entre Rússia e Alemanha. Porque a China seguirá sendo no Século XXI, o principal competidor e adversário dos EUA, neste planeta e no espaço sideral.

A estratégia americana de “destruição inovadora” terá – desta vez – o mesmo sucesso que teve no século passado, com Richard Nixon e Ronald Reagan? É difícil de saber, porque não se sabe quanto tempo durará o projeto de poder de Donald Trump e seus seguidores. E em segundo lugar não se conhece o impacto mundial de uma política econômica mercantilista e defensiva, praticada pela maior economia do mundo. O nacionalismo econômico foi sempre uma arma dos países que se propõem “subir” na hierarquia internacional, e não de um país que não quer “descer”.

De qualquer maneira, do ponto de vista geopolítico o projeto Trump pode estar apontando na direção de um grande acordo “imperial” tripartite, entre EUA, Rússia e China, como também pode estar apontando para o nascimento de uma nova ordem multipolar que lembra, de certa forma, a história europeia do século XVIII. Com a grande diferença que agora o “equilíbrio de forças” do sistema envolveria uma competição entre potências atômicas de grande dimensão, quase impérios, como é o caso dos EUA, da China, da Rússia, da Índia, e da própria União Europeia, caso ela consiga se reorganizar e rearmar sob a liderança da Inglaterra ou da Alemanha. E, em menor escala, da Turquia, do Brasil, da Indonésia, do Irã, da Arábia Saudita e da África do Sul. Um mundo difícil de ser administrado, e um futuro impossível de ser previsto.

 

*José Luís Fiori é professor emérito da UFRJ. Autor, entre outros livros, de Uma teoria do poder global (Vozes) [https://amzn.to/3YBLfHb]

Publicado originalmente no Boletim no. 10 do Observatório Internacional do Século XXI.

 

Livro: Hernán Ouviña: Rosa Luxemburgo e a reinvenção da política: uma leitura latino-americana - Marcio Sales Saraiva

Hernán Ouviña. 

Rosa Luxemburgo e a reinvenção da política: uma leitura latino-americana. 

Tradução: Igor Ojeda. São Paulo: Boitempo, 2021, 184 págs.

 [https://amzn.to/4kyIj8i]

 

 ... “A liberdade é sempre, e exclusivamente, liberdade para quem pensa diferente” (Luxemburgo, 1918)...

... “A liberdade só para os que apoiam o governo, só para os membros de um partido – por mais numerosos que sejam – não é liberdade alguma. Liberdade é sempre a liberdade dos que pensam de modo diferente. Não por fanatismo pela ‘justiça’, mas porque tudo o que é instrutivo, saudável e purificador na liberdade política depende desse caráter essencial, e sua eficácia desaparece quando a ‘liberdade’ se torna um privilégio” (Luxemburgo, 1918)...

 

Rosa Luxemburgo e a reinvenção da política

 

Por MARCIO SALES SARAIVA*

Comentário sobre o livro de Hernán Ouviña

 

Hernán Ouviña nos oferece uma leitura contemporânea da trajetória e do pensamento de Rosa Luxemburgo (1871-1919), destacando sua relevância para as lutas políticas do nosso século. Rosa Luxemburgo e a reinvenção da política não apenas revisita os escritos e a militância da revolucionária polonesa-alemã, mas também propõe um diálogo entre sua teoria e as lutas sociais do presente, especialmente em nossa América Latina.

“No Brasil, em particular, sabemos que as ideias de Rosa Luxemburgo começaram a ser divulgadas por Mário Pedrosa  fundador da oposição trotskista e nosso maior crítico de artes plásticas – nas páginas do semanário Vanguarda Socialista, editado por ele no Rio de Janeiro de fins de 1945 a meados de 1948. Aí foram publicados alguns dos artigos políticos mais importantes de Rosa Luxemburgo, com cuja obra Mário Pedrosa tivera um primeiro contato em Berlim e Paris no fim da década de 1920.

No cenário imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial, quando o pensamento de esquerda era dominado pelo stalinismo, a divulgação do ideário socialista democrático, popular e antiburocrático de Rosa Luxemburgo tinha o fito de criar uma nova esquerda, humanista e independente, tanto da social-democracia quanto do stalinismo.” (Ouviña, 2019, p. 13)

Desde o início do livro, Hernán Ouviña já estabelece seu compromisso em apresentar uma Rosa Luxemburgo para além dos clichês acadêmicos, enfatizando sua “radicalidade insurgente e sua aposta em um socialismo democrático e de massas” (Ouviña, 2019, p. 15). O autor argumenta que o pensamento de Rosa Luxemburgo se distingue tanto do marxismo ortodoxo – especialmente em sua versão dogmática, autointitulada “marxismo-leninismo” – quanto das vertentes reformistas, nacionalistas e eleitoreiras da social-democracia, sendo marcado por uma visão dialética da política, que valoriza a ação autônoma das massas.

Hernán Ouviña inicia sua análise situando Rosa Luxemburgo dentro do contexto do final do século XIX e início do século XX, momento em que a luta de classes tomava novas formas diante do avanço do capitalismo monopolista e da intensificação das disputas imperialistas. Rosa, nascida no seio de uma família judia na Polônia sob domínio do Império Russo, teve sua trajetória profundamente marcada pelo exílio, pela militância socialista e pela produção teórica inovadora.

Como destaca Hernán Ouviña: “Desde sua juventude, Rosa Luxemburgo mostrou um pensamento crítico afiado, recusando-se a aceitar dogmas e buscando sempre desafiar as estruturas de poder, inclusive dentro da própria esquerda” (p. 28).

O autor recupera momentos cruciais da vida de Rosa Luxemburgo, como sua participação na fundação do Partido Social-Democrata do Reino da Polônia e Lituânia (SDKPiL), seu exílio na Alemanha e seu papel na Liga Espartaquista, que culminaria na Revolução Alemã de 1918-1919. A recusa de Rosa Luxemburgo em ceder ao pragmatismo eleitoral da social-democracia alemã ou ao autoritarismo emergente no bolchevismo russo é um dos pontos centrais do livro.

A reinvenção da política – democracia, revolução e autonomia das massas

Um dos aspectos mais inovadores da obra de Hernán Ouviña é a maneira como ele articula o pensamento de Rosa Luxemburgo com a necessidade de reinventar a política no século XXI. Para o autor, a comunista não compreendia a revolução como um ato mecânico, conduzido por decretos ou estratégias rigidamente delineadas, mas como um processo vivo, dialético e aberto, em que a participação ativa e autônoma das massas era o elemento decisivo. Rosa rejeitava tanto o reformismo parlamentarista da social-democracia alemã quanto o centralismo autoritário que se consolidava na Rússia pós-1917, afirmando que o socialismo autêntico só poderia ser construído através da ação autônoma e criativa do proletariado em luta.

Citando Rosa Luxemburgo, Hernán Ouviña destaca a importância da liberdade de crítica e do debate político como fundamentos indispensáveis de qualquer processo revolucionário: “A liberdade reservada apenas aos partidários do governo, apenas aos membros de um partido – por mais numerosos que sejam – não é liberdade. A liberdade é sempre, e exclusivamente, liberdade para quem pensa diferente” (Luxemburgo, 1918, apud Ouviña, 2019, p. 73).

Essa defesa intransigente da democracia proletária, entendida não como uma formalidade institucional, mas como o exercício real do poder pelas massas trabalhadoras, levou Rosa Luxemburgo a criticar as medidas autoritárias do bolchevismo, como a dissolução da Assembleia Constituinte em 1918 e a repressão a correntes opositoras dentro do movimento socialista. Segundo Hernán Ouviña, essa divergência não decorre de um mero desacordo tático, mas de uma concepção mais profunda: para Rosa Luxemburgo, a revolução não poderia ser imposta de cima para baixo por uma vanguarda dirigente, mas deveria emergir do aprendizado coletivo e da auto-organização popular.

Hernán Ouviña sintetiza essa perspectiva ao afirmar: “Ela nos ensina que a política emancipatória não pode se reduzir a uma estratégia desenhada por uma elite esclarecida, mas deve emergir da prática concreta das massas em luta” (Ouviña, 2019, p. 91).

Rosa Luxemburgo acreditava que os erros e as contradições do movimento operário eram parte inseparável do próprio processo revolucionário e que a consciência de classe só poderia se formar através da experiência direta de combate ao capital. Por isso, ela rejeitava a ideia de uma direção onipotente que guiaria as massas de forma paternalista. Em suas palavras: “Sem eleições gerais, sem liberdade irrestrita de imprensa e de reunião, sem uma luta de opinião livre, a vida em qualquer instituição pública definha e se torna uma caricatura da própria vida, na qual apenas a burocracia sobrevive como elemento ativo” (Luxemburgo, 1918, apud Ouviña, 2019, p. 78).

Essa visão permanece atual diante dos desafios contemporâneos, em que o avanço do capitalismo financeiro globalizado e a crise da democracia representativa geram apatia, desmobilização e a ascensão de políticas autoritárias. Ao recuperar a centralidade da auto-organização e da liberdade política na obra de Rosa Luxemburgo, Hernán Ouviña propõe que as lutas do século XXI devem recusar tanto a tutela de elites burocráticas quanto as ilusões de uma democracia eleitoral de baixa intensidade que não transforma as condições materiais de exploração e opressão.

Nesse sentido, a reflexão de Rosa Luxemburgo – articulando liberdade, participação popular e crítica ao autoritarismo – oferece ferramentas conceituais para pensar novas formas de ação coletiva e democracia radical, que, longe de serem modelos fixos, devem se reinventar continuamente em resposta às lutas concretas e aos desafios do presente.

Críticas ao reformismo e ao autoritarismo

Outro eixo fundamental do livro é a crítica de Rosa Luxemburgo tanto ao reformismo da social-democracia alemã quanto ao autoritarismo bolchevique. Hernán Ouviña destaca como a revolucionária polonesa-alemã se opôs firmemente a qualquer tentativa de limitar a luta socialista aos marcos institucionais do Estado burguês, compreendendo que a transformação radical da sociedade exigia a ruptura revolucionária com as estruturas de poder existentes.

No caso do reformismo, Hernán Ouviña resgata sua célebre polêmica com Eduard Bernstein, teórico da social-democracia alemã, que defendia a possibilidade de uma transição gradual ao socialismo por meio de reformas progressivas no Parlamento e na ampliação de direitos dentro da ordem capitalista. Rosa Luxemburgo criticava essa perspectiva por considerá-la uma capitulação teórica e prática, que abandonava o horizonte revolucionário em troca da adaptação ao sistema vigente.

Em seu clássico Reforma ou revolução? (1899), ela afirma: “A reforma legal e a revolução não são métodos distintos de desenvolvimento histórico que se podem escolher à vontade, mas diferentes momentos no desenvolvimento da sociedade de classes” (Luxemburgo, 1899, apud Ouviña, 2019, p. 112).

Para Rosa Luxemburgo, o reformismo não era apenas uma estratégia equivocada, mas um caminho que, ao invés de superar o capitalismo, acabava por reforçá-lo ao limitar as lutas a conquistas parciais e paliativas. Ela argumentava que, sem uma ruptura revolucionária, as reformas tenderiam a ser absorvidas e neutralizadas pelas próprias contradições do sistema capitalista. Como afirma em outro trecho: “Aqueles que se pronunciam a favor da via reformista em oposição à tomada do poder e à revolução social, na verdade, não escolhem um caminho mais calmo, mais tranquilo, para o mesmo objetivo, mas sim um objetivo diferente” (Luxemburgo, 1899, apud Ouviña, 2019, p. 115).

Para Hernán Ouviña, essa crítica permanece atual, especialmente diante das experiências recentes da social-democracia europeia e do progressismo latino-americano. Em ambos os casos, observa-se a tentativa de conciliar um discurso com tons à esquerda com a aplicação de políticas econômicas neoliberais, o que, segundo o autor, resulta em desmobilização popular e na preservação das estruturas fundamentais de exploração.

Em suas palavras: “A lição que Rosa nos deixa é que sem a participação ativa e a auto-organização popular, qualquer projeto progressista corre o risco de se acomodar às engrenagens do poder burguês e acabar se convertendo em seu gestor” (Ouviña, 2019, p. 118).

Ao mesmo tempo, Hernán Ouviña ressalta que a crítica de Rosa Luxemburgo ao reformismo não implicava a rejeição das lutas por melhorias concretas na vida das massas. Pelo contrário, Rosa Luxemburgo defendia que as reformas eram importantes como momentos do processo revolucionário, desde que estivessem articuladas a uma estratégia que visasse a superação do capitalismo em sua totalidade. Para ela, as conquistas parciais deveriam servir como campo de aprendizado e como impulso para a consciência de classe e para a ação autônoma dos trabalhadores.

“Toda tentativa de melhorar as condições de vida sob o capitalismo é útil apenas na medida em que fortalece a capacidade das massas para destruir o próprio capitalismo” (Luxemburgo, 1910, apud Ouviña, 2019, p. 122).

Em contraposição ao modelo reformista de transformação por dentro do sistema, Rosa Luxemburgo apostava na auto-organização e na mobilização das massas como motor da história. Sua concepção de luta revolucionária, longe de ser um plano técnico elaborado por intelectuais ou dirigentes do partido operário, era concebida como um processo dinâmico, em que os próprios trabalhadores, em sua experiência concreta de luta, desenvolveriam a consciência política e a capacidade de autogoverno. Assim, para Rosa Luxemburgo, a revolução não poderia ser substituída por negociações parlamentares nem conduzida por uma vanguarda iluminada.

Nesse sentido, Hernán Ouviña argumenta que a crítica luxemburguista ao reformismo permanece fundamental para compreender os limites das estratégias políticas que, ainda hoje, buscam conciliar a manutenção da ordem capitalista com políticas sociais mitigadoras. Em vez de aceitar essas limitações, Rosa Luxemburgo propõe uma perspectiva que mantém viva a necessidade de uma ruptura radical e emancipatória, que só pode ser realizada a partir da ação direta e da participação autônoma do proletariado.

Internacionalismo e revolução mundial

Hernán Ouviña também sublinha a importância central do internacionalismo no pensamento de Rosa Luxemburgo. Diferente de visões que restringem a luta socialista ao espaço nacional, Rosa insistia que a revolução deveria ser global, pois o capitalismo operava em escala mundial e sua reprodução dependia da exploração contínua de novas regiões. Em suas palavras: “O socialismo não pode ser realizado dentro das fronteiras de um único país, pois a economia moderna está interconectada em uma rede global que não pode ser desfeita artificialmente” (Luxemburgo, 1916, apud Ouviña, 2019, p. 135).

Essa concepção rompe com as tendências do socialismo reformista e do nacionalismo burguês, que buscam adaptações locais dentro do sistema capitalista. Para Rosa Luxemburgo, a interdependência global do capital exige uma estratégia revolucionária internacionalista, que una a classe trabalhadora em diferentes países contra as estruturas do capitalismo global. Em seu clássico A acumulação do capital, ela já denunciava como a expansão colonial era vital para a sobrevivência do sistema capitalista, gerando uma integração econômica global que impedia soluções isoladas.

Hernán Ouviña destaca, ainda, como a abordagem luxemburguista articula sujeito e estrutura de forma dialética, evitando tanto um determinismo mecânico quanto um voluntarismo idealista. Em suas palavras: “Rosa tenta articular sujeito e estrutura, iniciativa e luta de classes, sem os desvincular dos contextos e determinações múltiplas que marcam seu devir. Para isso, retoma Marx e o interpreta em uma chave complexa, a partir dessa totalidade concreta e em função de uma dialética que evita qualquer determinismo e subjetividade caprichosa: ‘Os homens não fazem arbitrariamente a história, mas, apesar disso, fazem-na eles mesmos’. (…) E embora não possamos saltar por cima do desenvolvimento histórico, assim como um homem não pode saltar por cima da própria sombra, podemos, no entanto, acelerá-lo ou retardá-lo, diz Rosa Luxemburgo” (Ouviña, 2019, p. 66-67).

Essa formulação aponta para uma tensão permanente entre as condições materiais objetivas e a ação política consciente. Para Rosa Luxemburgo, a transformação socialista não é um processo linear ou espontâneo, mas resulta do impulso organizado dos trabalhadores, que podem acelerar as contradições do capital e abrir brechas para a revolução. Por isso, a prática internacionalista é não apenas um imperativo moral, mas uma necessidade estratégica para romper com a lógica de exploração global.

A atualidade desse pensamento se destaca quando consideramos as dinâmicas do capitalismo financeiro globalizado, que impõe desafios cada vez mais complexos às lutas sociais e ecológicas. As políticas neoliberais, a financeirização da economia e a captura dos Estados nacionais pelo capital transnacional criam uma nova configuração de poder em que as decisões fundamentais são tomadas fora do alcance dos processos democráticos tradicionais e locais. Esse fenômeno gera, em muitos casos, apatia e desmobilização diante de estruturas que parecem esmagar o sujeito histórico e suas possibilidades de transformação.

Ao mesmo tempo, a crítica luxemburguista à fragmentação nacional permanece pertinente. A ascensão de movimentos reacionários de extrema direita e a rearticulação de formas contemporâneas de imperialismo reforçam a necessidade de uma perspectiva internacionalista que transcenda as fronteiras nacionais e promova solidariedade entre os explorados em escala global.

Como afirmou Rosa Luxemburgo em seu ensaio contra a Primeira Guerra Mundial: “A liberdade só para os que apoiam o governo, só para os membros de um partido – por mais numerosos que sejam – não é liberdade alguma. Liberdade é sempre a liberdade dos que pensam de modo diferente. Não por fanatismo pela ‘justiça’, mas porque tudo o que é instrutivo, saudável e purificador na liberdade política depende desse caráter essencial, e sua eficácia desaparece quando a ‘liberdade’ se torna um privilégio” (Luxemburgo, 1918, apud Ouviña, 2019, p. 73).

Portanto, recuperar o internacionalismo radical de Rosa Luxemburgo implica resistir às tentações do fechamento nacionalista e do reformismo burocrático, reafirmando a necessidade de uma transformação global que não se limite a adaptações superficiais ao sistema capitalista. Nesse sentido, sua obra permanece um farol para aqueles que, no século XXI, buscam alternativas emancipadoras diante de um capitalismo que se apresenta como único horizonte possível, mas que segue gerando desigualdade, destruição ambiental e precarização em escala planetária.

Ecologia e crítica à acumulação capitalista

Um aspecto frequentemente negligenciado em leituras tradicionais de Rosa Luxemburgo, mas que Hernán Ouviña resgata com profundidade, é sua preocupação com a devastação ambiental gerada pela lógica expansiva do capitalismo. Em sua obra “A acumulação do capital” (1913), Luxemburgo já identificava como o sistema capitalista dependia não apenas da exploração da força de trabalho assalariada, mas também da destruição dos modos de vida tradicionais e da apropriação violenta de territórios e recursos naturais. Este processo, que antecipa o que mais tarde David Harvey denominaria ‘acumulação por espoliação”, revela como o capital só pode sobreviver mediante a expansão contínua e a mercantilização de todas as esferas da vida.

Como sintetiza Hernán Ouviña: “Rosa Luxemburgo anteviu o que hoje chamamos de ‘acumulação por espoliação’, um mecanismo pelo qual o capitalismo precisa expandir-se continuamente, destruindo ecossistemas e culturas para manter sua lógica de acumulação” (Ouviña, 2019, p. 153).

A abordagem luxemburguista da acumulação revela como o capital não se sustenta apenas na exploração clássica do trabalho industrial, mas se nutre da pilhagem de recursos naturais, da expropriação de territórios indígenas e camponeses, e da destruição de ecossistemas inteiros. Para Hernán Ouviña, essa leitura ecológica de Rosa Luxemburgo antecipa debates fundamentais do ecossocialismo contemporâneo, articulando-se com as lutas antiextrativistas, indígenas, negras, camponesas e feministas que denunciam a mercantilização da vida e a devastação ambiental promovida por megacorporações em conluio com os Estados.

Ao trazer à tona essa dimensão, Hernán Ouviña estabelece um diálogo fecundo entre o pensamento de Rosa Luxemburgo e os desafios enfrentados pelos movimentos populares no Sul Global, especialmente na América Latina. Em países marcados pela dependência neocolonial e pela imposição de políticas neoliberais, o avanço de projetos extrativistas – frequentemente respaldados por governos autoritários – intensifica a espoliação de comunidades tradicionais e agrava a crise climática. Essa análise é crucial em um momento em que a financeirização da economia global transforma a natureza em ativo especulativo, aprofundando a desigualdade e a destruição ambiental.

A luta contra a extrema direita e o neoliberalismo financeirizado

Hernán Ouviña não se limita a uma leitura histórica ou abstrata de Rosa Luxemburgo. Ele insere suas reflexões em um diagnóstico agudo da conjuntura contemporânea, ressaltando a importância de qualificar a esquerda global na luta contra as novas formas de dominação capitalista e o avanço da extrema-direita. A ascensão de projetos neofascistas em diversas partes do mundo – apoiados por setores do capital financeiro e pelo complexo industrial-militar-extrativista – não pode ser enfrentada com fórmulas desgastadas de social-democracia ou por meio de concessões ao neoliberalismo.

Para Hernán Ouviña, uma lição essencial de Rosa é sua recusa tanto ao reformismo parlamentar, que dilui a luta anticapitalista em ajustes dentro do sistema, quanto ao autoritarismo burocrático, que sufoca a criatividade política das massas. Em vez de aceitar a falsa dicotomia entre neoliberalismo “progressista” e o autoritarismo de extrema-direita, o autor sugere que a esquerda precisa reconstruir um projeto radicalmente democrático, internacionalista e ecológico, ancorado na participação popular e na autonomia dos movimentos sociais.

A experiência histórica mostra que, sempre que a esquerda abandona suas bandeiras transformadoras para se acomodar ao jogo institucional ou para gerir a crise do capital, abre espaço para que a extrema-direita se apresente como alternativa “antissistema”. Hernán Ouviña, através de suas reflexões, indiretamente adverte que a ascensão de figuras autoritárias não pode ser combatida apenas com discursos moralistas ou apelos a uma racionalidade institucional, mas exige a construção de um bloco popular amplo e combativo, capaz de disputar tanto as estruturas políticas formais quanto os imaginários coletivos.

“Se há algo que podemos aprender com Rosa Luxemburgo é que a revolução não é um ato fechado, mas um processo sempre aberto, no qual a criatividade e a autodeterminação dos oprimidos são os motores centrais” (Ouviña, 2019, p. 198).

Rosa Luxemburgo como guia para a reinvenção de uma política de esquerda

Ao longo da obra, Hernán Ouviña demonstra que Rosa Luxemburgo não é apenas uma referência histórica ou uma relíquia de um passado revolucionário distante. Pelo contrário, suas reflexões continuam a oferecer ferramentas teóricas e políticas fundamentais para quem busca construir um socialismo do século XXI que esteja à altura dos desafios atuais.

A ênfase luxemburguista na autodeterminação popular, na democracia radical e na crítica implacável ao autoritarismo burocrático oferece um horizonte estratégico para as lutas que enfrentam a dupla ameaça do neoliberalismo financeirizado e da extrema direita.

Para Hernán Ouviña, retomar Rosa Luxemburgo hoje implica reafirmar que a emancipação não será obra de elites esclarecidas nem de programas tecnocráticos de vanguarda, mas de processos coletivos em que os sujeitos oprimidos protagonizam a transformação social. Em um cenário de crise ecológica, precarização do trabalho e avanço do neofascismo, a reinvenção da política exige, mais do que nunca, um compromisso com a radicalidade democrática e a construção de alternativas que rompam com a lógica do lucro e da mercantilização da vida.

Rosa Luxemburgo e a reinvenção da política não é apenas um resgate histórico, mas um convite à prática militante e à renovação do pensamento crítico. Em tempos de ofensiva capitalista e de crescente autoritarismo, a obra de Hernán Ouviña reforça a necessidade de uma esquerda global que combine a firmeza programática com a criatividade política, compreendendo que a luta pelo socialismo não se reduz a fórmulas do passado, mas é, como Rosa Luxemburgo afirmava, “um processo sempre aberto”, no qual a liberdade, a igualdade e a solidariedade, bases de uma democracia radical e, portanto, socialista, só podem ser construídas pela ação autônoma e coletiva das massas populares em luta.

 

*Marcio Sales Saraiva é sociólogo e doutor em psicossociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Referência


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Hernán Ouviña. Rosa Luxemburgo e a reinvenção da política: uma leitura latino-americana. Tradução: Igor Ojeda. São Paulo: Boitempo, 2021, 184 págs. [https://amzn.to/4kyIj8i]

 

O que nenhum ditador comunista conseguiu fazer, foi feito por Trump: silenciar a Voice of America - Dana Milbank The Washington Post

From the Washington Post, March 18, 2025 

Putin tem todos os motivos para estar EXTREMAMENTE satisfeito com Trump - Foreign Policy

 Very Good and Productive’

Russian President Vladimir Putin speaks in Moscow.

Russian President Vladimir Putin speaks during a meeting of the Russian Union of Industrialists and Entrepreneurs in Moscow on March 18.Maxim Shemetov/AFP via Getty Images

 Foreign Policy, March 18, 2025

A high-stakes phone call between U.S. President Donald Trump and Russian President Vladimir Putin on Tuesday produced modest progress toward reducing the fighting between Russia and Ukraine but failed to secure the full cease-fire that Trump had been seeking.

According to a Kremlin readout of the call, Putin agreed to pause strikes on Ukraine’s “energy and infrastructure” for 30 days and “immediately gave the Russian military the corresponding order.” Ukrainian authorities have repeatedly accused Moscow of “weaponizing winter” by targeting critical energy facilities in large-scale missile and drone attacks, and even after the call, the Ukrainian Air Force reported several Russian drones, ballistic missiles, and guided bombs in the air.

Washington and Moscow also agreed to immediately begin “technical negotiations on implementation of a maritime ceasefire in the Black Sea, full ceasefire and permanent peace,” according to the U.S. readout. The Kremlin’s readout added that the two parties agreed to organize hockey matches between Russian and U.S. players.

On Truth Social, Trump described the call, which lasted at least 90 minutes, as a “very good and productive one.” Yet he did not mention that Putin had rejected the full cease-fire that the United States was pushing for.

Earlier this month, Ukrainian President Volodymyr Zelensky proposed a limited air and sea truce, but the White House convincedKyiv to support a U.S.-proposed full cease-fire instead. That was what Trump was aiming to secure on Tuesday, only for Putin to ultimately agree to something closer to where Zelensky originally stood.

Even more concerning for the prospects for longer-term peace, the Kremlin laid out several terms for resolving the conflict that Ukraine and its European allies are likely to reject, including the “complete cessation of foreign military assistance and the provision of intelligence information to Kyiv.” Putin has previously argued that Ukraine cannot be allowed to rearm its military during any future cease-fire. But many of Ukraine’s European partners believe that protecting Kyiv militarily is vital not just for the country’s future but for the continent’s safety.

“European security starts in Ukraine,” British Defense Secretary John Healey said on Monday, ahead of talks with military chiefs in London later this week. More than 30 countries have already pledged to join a “coalition of the willing” that British Prime Minister Keir Starmer and French President Emmanuel Macron have spearheaded to enforce a peace deal in Ukraine, a spokesperson for Downing Street confirmed on Monday. This would include a “significant number” of countries that would provide troops on the ground alongside other logistics and background support. Russia has rejected such a proposal.

Meanwhile, Ukrainian officials outlined Kyiv’s own red lines on Tuesday, prior to the Trump-Putin phone call. “Ukraine will not discuss neutral status or a reduction in numbers of our armed forces,” Andriy Yermak, one of Zelensky’s advisors, wrote on Telegram. “We will never recognize any temporarily occupied territory as Russian.”


Trump está servilmente a serviço de Putin, não só na Ucrânia, mas principalmente na Ucrânia - Viktor Kravchuk

A Ceasefire of Shame

A deal written in cowardice, signed in blood

They talked about Ukraine, but Ukraine wasn’t at the table. They spoke of peace, but the bombs kept falling.

They called it a ceasefire, but it’s nothing more than a gift to a war criminal.

Donald Trump and Vladimir Putin had their little phone call, their moment of mutual admiration. Trump, a convicted felon. Putin, a wanted war criminal. And together, they came to an agreement: a ceasefire that Ukraine never asked for, that Ukraine was never even consulted on.

As they spoke, Ukraine was under massive missile attack. This is the "result" of their negotiations.

Trump calls it peace. But do you call it peace when entire families are buried under rubble? When stolen Ukrainian children are still trapped in Russia, renamed, brainwashed, erased? When the invader still occupies your home, your city, your country?

That is not peace. That is submission.

Zelensky accuses Russians of 'cowardly silence' over Dnipro attack

Trump says the war "should never have started", as if it was some tragic accident. As if Ukraine had a choice in whether its cities were bombed, its women raped, its people abducted. 

The war didn’t merely "start." Russia attacked. Putin attacked.

And now Trump wants to reward him with a deal. Not a deal for Ukraine. Not a deal for justice. A deal for Putin, so he can stabilize his economy, sell his gas, stockpile his weapons, and prepare for the next round of war.

Can you believe that?

A ceasefire doesn’t mean Russian troops leave. It doesn’t mean war criminals face trial. It doesn’t mean justice for Bucha, for Mariupol, for every city turned to rubble by Russian bombs.

It means Russia gets time. Time to regroup, time to rearm, time to prepare for another slaughter, another invasion, another genocide.

Because let’s take things clear: this is a war of extermination.

Russia doesn’t just want land. It wants Ukraine erased. Our culture, our people, our history. Russia wants Ukraine to stop existing.

And Trump, whether through cowardice or corruption, probably both, is handing Putin exactly what he wants.

Kyiv mourns as rescuers sift piles of rubble at a children's hospital hit  by a Russian missile - The Press Democrat

Trump’s plan is simple: protect Russian oil and gas so Putin can keep funding his war. 

Not a word about returning abducted Ukrainian children. Not a word about stopping Russian missile strikes on civilians. Not a word about justice for those tortured in the occupied territories.

Because this was never about peace. It was about business.

About "huge economic deals." About Trump’s personal interests.

About the wealthy few who stand to profit from Russian gas, from war, from suffering.

The mask is off. There is no diplomacy, no neutrality here. This is Trump openly doing Putin’s bidding, propping up a dictator who has spent the last 25 years waging war, silencing dissent, assassinating opponents, killing anyone who stands in his way.

What Happened on Day 13 of Russia's Invasion of Ukraine - The New York Times

We don’t need a ceasefire. We need Russian troops out of Ukraine.

We need war criminals on trial in The Hague. We need the return of every stolen Ukrainian child.

A ceasefire without withdrawal is surrender. Would you call it peace if an intruder broke into your home, killed your family, stole your belongings, then sat down at your table and told you to move on?

A ceasefire without justice tells every dictator that war crimes work. 

That genocide is just a phase of war, not a crime.

A ceasefire without Ukraine at the table is an insult. As if Ukraine is some distant land, not a country of millions of people fighting for their lives.

No, we will not accept a "peace" that lets Russia keep its stolen land, its mass graves, its war crimes. 

No, we will not pretend that Trump and Putin are negotiating peace when they are simply negotiating how best to carve up a nation that refuses to die.

They are making their choices. To accept occupation, to let war crimes go unpunished. But we also need to make our choice. 

We have already chosen to fight.

If this were your land, what choice would you make?


The Fragile Axis of Upheaval (China, Iran, North Korea, and Russia) - Christopher S. Chivvis (Foreign Affairs)

The Fragile Axis of Upheaval

Christopher S. Chivvis


Foreign Affairs, March 18, 2025

 

CHRISTOPHER S. CHIVVIS is Director of the American Statecraft Program and a Senior Fellow at the Carnegie Endowment for International Peace.

 

Even regional wars have geopolitical consequences, and when it comes to Russia’s war on Ukraine, the most important of these has been the formation of a loose entente among China, Iran, North Korea, and Russia. Some U.S. national security experts have taken to calling this group “the axis of upheaval” or “the axis of autocracy,” warning that the United States must center this entente in its foreign policy and focus on containing or defeating it. It is not only Washington policymakers who worry about a new, well-coordinated anti-American bloc: in a November 2024 U.S. public opinion poll by the Ronald Reagan Institute, 86 percent of respondents agreed that they were either “extremely” or “somewhat” concerned by the increased cooperation between these U.S. adversaries.

There is no question that these countries threaten U.S. interests, or that their cooperation has strengthened lately. But the axis framing overstates the depth and permanence of their alignment. The coalition has been strengthened by the Ukraine war, but its members’ interests are less well fitted than they appear on the surface. Washington should not lump these countries together. Historically, when countries roll separate threats into a monolithic one, it is a strategic mistake. U.S. leaders need to make a more nuanced and accurate analysis of the threats that they pose, or else the fear of an axis of autocracies could become a self-fulfilling prophecy. When the war ends, the United States and its allies should seize opportunities to loosen the coalition’s war-forged bonds.

INTERIM ORDER

Cooperation among these four countries is not entirely new. North Korea has been dependent on China for almost 75 years. Moscow’s relationships with both Beijing and Tehran were often rocky during the Cold War, but the Soviet Union’s 1991 collapse opened the door to rapprochements. During Donald Trump’s first presidency, signs that China and Russia were deepening their partnership began emerging. Russia and Iran, meanwhile, found themselves on the same side of the Syrian civil war after Moscow intervened in 2015 to support Bashar al-Assad’s regime.

The war in Ukraine, however, has poured high-octane accelerant on these embers of cooperation, and the resulting collaborations have damaged Western interests. There is no question that Russia’s recent cooperation with China, Iran, and North Korea has helped the Kremlin resist the West’s military and economic pressures. Iran’s provision of drones and medium-range ballistic missiles in return for Russian intelligence and fighter aircraft allowed Russia to hammer Ukraine’s military and civilian infrastructure without depleting its stocks of other weapons and weakening its defenses against NATO. By contributing 11,000 troops as well as munitions, artillery, and missiles to Russia’s war effort, North Korea has helped Russia gradually push back the Ukrainian occupation of Kursk; Russia’s compensations of oil, fighter aircraft and potentially other weapons blunt the effect of international sanctions on North Korea and may embolden Pyongyang to further provoke Seoul. And Beijing’s decision to look the other way as Chinese firms supply Moscow with dual-use goods (in exchange for certain defense technologies and less expensive energy) has helped Russia produce advanced weaponry despite Western sanctions.

In June 2024, Russia and North Korea signed a mutual defense treaty. Iran and Russia have promised to strengthen their economic cooperation and, in January, signed their own defense agreement. China, Iran, and North Korea—like many other countries around the world—have also refused to join U.S.-led sanctions on Russia. Meanwhile, Russia has blocked UN sanctions monitors from continuing their work in North Korea.

These four countries will no doubt continue to parrot one another’s criticisms of the United States well after the war in Ukraine ends. For the most part, however, the forms of cooperation that have most worried Washington have directly involved that war, and its end will attenuate the coalition’s most important new bonds. It is not at all uncommon for wartime coalitions to fall apart once a war ends, and after the war, the Kremlin is likely to renege on some of its wartime promises. Russia will have less need to pay off Iran, for example. Likewise, as the pressure to refill its depleted supply of troops dissipates, the Kremlin will become less keen to get entangled in North Korea’s conflicts in East Asia.

Beijing’s wartime support for Moscow was already restrained and conditional: going too far to back Russia’s war would have damaged China’s relations with Europe and exposed it to secondary sanctions. China’s support has also been driven by fear that a Russian defeat could yield a Western-oriented Kremlin or chaos on the Chinese-Russian border. Once the war ends, however, that fear will recede, and with it, China’s enthusiasm for materially supporting Russia. If Russian energy begins to flow back toward Europe, that would also loosen the economic bond the war generated between these two powers.

REVERSE TIDES

When the wartime closeness of these countries is projected linearly into the future, their divergent national interests become obscured. China, for example, has long sought closer relations with the EU; deepening its partnership with Russia impedes this strategic objective. China and Ukraine once had a productive bilateral relationship, and both may wish to return to it once the war is over. Russia, meanwhile, is suspicious of China’s growing economic influence in Central Asia, which the Kremlin considers its own privileged sphere. These tensions are likely to resurface once the war is over. Notably, China almost certainly would prefer to be at the center of a reformed global order, not at the center of a coalition whose other three members are economic and political pariahs.

Some analysts claim that a common autocratic ideology will bind China, Iran, North Korea, and Russia together in the long term. But autocracy is not an ideology. During the Cold War, the Soviet Union and its Marxist-Leninist allies were bound by a real ideology that not only called for revolution across the liberal capitalist world but also offered a utopian vision for a new global order. No such common cause binds Iran’s religious theocracy, Russia’s neoimperialist nationalism, the hereditary despotism of North Korea’s regime, and the blend of nationalism, Confucianism, and Marxism-Leninism that animates the Chinese Communist Party. Instead, this coalition is bound by a fear of the United States and an objection to an international order that they believe reflects U.S. preferences. Although many other states share this critique of the international order, the varied ideologies of this coalition offer no positive vision that could replace the existing system.

Furthermore, although Washington has conceived of its autocratic adversaries as a cohesive unit, almost all their cooperation has been through bilateral channels. If the war in Ukraine continues, some military institutionalization might grow out of it, but right now, the institutional foundations of the autocracies’ relationships are very weak. What has been cast as an axis is actually six overlapping bilateral relationships. Since 2019, for example, China, Iran, and Russia have occasionally conducted joint military exercises in a trilateral format, but these exercises had little strategic relevance. These states have not congealed into anything remotely resembling the Warsaw Pact. In the absence of new institutions, coordinated action will be much more difficult.

DIVIDE AND NEUTRALIZE

Even though the bonds that unite China, Iran, North Korea, and Russia are currently weak, they could still strengthen with time. Western countries need to adopt a statecraft that reduces this risk. Their first step should be to focus on ending the war in Ukraine. Trump has initiated an ambitious and controversial opening to Moscow that may result in a cease-fire and a negotiated settlement. Trump has indulged in overly optimistic rhetoric about Moscow’s sincerity, and questions about his true aims linger. Nevertheless, a cease-fire would greatly reduce the pressures that bind the so-called axis of upheaval together. If U.S. leaders negotiate with Moscow, that would also signal to Beijing that they are willing to consider wider-ranging negotiations with it, and these could further disrupt the coalition.

Indeed, the second way to loosen the coalition’s bonds is for the United States to stabilize or improve its own relations with China, by far the most powerful member of the group. Steering the U.S.-Chinese relationship toward more stability will be hard, but—perhaps as part of a larger deal on trade and investment—Trump could reassure Beijing that the United States does not want outright economic decoupling or to change the status quo on Taiwan. China needs the other three coalition powers far less than they need China, which means it may be the most willing to make its own deal with the United States.

Stabilizing relations with Beijing is thus a more realistic near-term goal than trying to bring Russia swiftly back into the European fold. Too sudden and dramatic a U-turn in U.S.-Russian relations would alienate key U.S. allies in Europe and needlessly entrench a transatlantic rift. It would be similarly unwise for the United States to take the Kremlin’s assurances about Ukraine or Europe at face value, given Russia’s deep grievances toward the West and its leaders’ proclivity for deception. With a cease-fire in place, however, the United States and Europe could consider making limited improvements to their economic relations with Russia, which would help attenuate Russia’s ties with China. And just as an end to the war in Ukraine would almost certainly weaken the coalition’s bonds, so would a new nuclear agreement between the United States and Iran that reduces the need to launch military strikes against Tehran’s nuclear program and allows the country to find outlets for its oil other than China.

UNTIE THE KNOT

If, however, the United States insists on treating this new coalition’s emergence as if it were a revival of the Warsaw Pact, the putative axis of autocracies will probably coalesce and end up posing a much greater danger. Russia and China once supported international nonproliferation efforts, including attempts to prevent Iran and North Korea from acquiring nuclear weapons. China and Russia should not want a global nuclear cascade, but if the United States remains implacably hostile to them, that might lead Moscow to adopt an “if you can’t stop them, help them” approach and back Pyongyang’s and Tehran’s nuclear programs. Both Iran and North Korea could then use Russian nuclear and missile technology to develop advanced weapons that would hamper the U.S. military’s response options in East Asia and the Middle East—and even threaten the American homeland.

Of equal concern is the possibility that China, Iran, North Korea, and Russia will use their wartime cooperation as a model for opportunistic coordination in the future. In general, autocratic countries struggle to make the kind of credible commitments that joint military planning requires, but a coordinated attack on U.S. interests in multiple regions might still emerge through improvisation. For example, if China attacks Taiwan, and the United States comes to the island’s defense, Russia could take advantage of Washington’s distraction to seize a slice of the Baltic states, and Iran could see an opportunity to attack Israel. Such a multifront assault on U.S. allies would stretch American resources to the maximum or beyond it.

These possibilities make it important for the United States to get its strategy right today. Bundling the threats the four so-called axis states pose is politically convenient in Washington, because it placates interest groups in the U.S. national security ecosphere that would otherwise compete for resources. But the hidden costs will be high.

Fear generates an impulse to fight back against U.S. adversaries on all possible fronts. But if a country gives in to the impulse to fight everywhere all at once it sows the seeds of its own decline. Before World War I, for example, Germany tried to challenge the United Kingdom at sea while also dominating France and Russia on the European continent. It ended up fatally overstretched. Likewise, when Japan in the 1930s attempted to meet both its army’s aspirations for an Asian empire and its navy’s demands for a Pacific fleet, it ended up bogged down in China and at war with the world’s foremost industrial power, the United States. Instead of treating China, Iran, North Korea, and Russia as an inexorable bloc, the United States and its allies should work to loosen their ties by exploiting the fissures that the war in Ukraine has concealed.


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