domingo, 2 de novembro de 2025

Lula e o comércio internacional - Rolf Kuntz (Estadão)

ESTADÃO
Opinião

Lula entre Jacarta e a luta pelo voto
Num quadro de polarização política, a disputa eleitoral do próximo ano poderá ser mais dura e mais custosa, do que talvez se calcule neste momento

Por Rolf Kuntz
O Estado de S. Paulo, 26/10/2025 | 03h00

O mundo terá de recuar milênios, voltando talvez à fase inicial do comércio entre gregos e fenícios, para ficar ao gosto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Guiado em assuntos internacionais por ideias singularíssimas, ele consegue misturar no mesmo discurso a defesa do multilateralismo e a pregação do comércio com moedas emitidas pelos parceiros — ou até sem moedas, como se fazia na aurora da civilização mediterrânea. Essa arenga foi retomada em Jacarta, em cerimônia com o presidente indonésio Prabowo Subianto, na reunião de líderes da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean).

Com o fortalecimento da União Europeia e com a crescente importância comercial da China, talvez o sistema de pagamentos evolua para novas formas de operação e para a consolidação de novas moedas de uso global. Mas essas transformações, normalmente complexas, podem ser lentas, envolvem a combinação de interesses variados e muito dificilmente — talvez nunca — se resolverão no interior de grupos como o Brics.

Diverso e formado por países com interesses nem sempre convergentes, o Brics, inicialmente Bric, nasceu como sigla inventada em 2001 pelo economista britânico Jim O’Neill, do Goldman Sachs, para indicar quatro países com grande potencial de crescimento – Brasil, Rússia, Índia e China. O ministro brasileiro Guido Mantega decidiu levar a sério a ideia de um grupo. Os governos dos três outros países simplesmente aceitaram a iniciativa e também concordaram, mais tarde, com a admissão de um quinto participante, a África do Sul. Do nome inglês South Africa veio a letra “s” no final da sigla.

O grupo cresceu, com a adesão de vários países convidados, incluídas nações árabes produtoras de petróleo, e seu associado mais influente é obviamente a China, embora o mais barulhento seja o Brasil. O conjunto pouco tem feito para tornar a ordem global mais cooperativa e mais equitativa. Tem servido principalmente como palanque antiamericano e como afirmação de um poder paralelo ao do capitalismo tradicional, aquele representado principalmente por Estados Unidos, Europa Ocidental e, de modo mais discreto, pelo Japão. O velho capitalismo continua poderoso, seus padrões comerciais se mantêm predominantes e acumular dólares é ainda um objetivo normal na maior parte do mundo avançado, emergente e em desenvolvimento.

Qualquer viajante pode, é claro, desembarcar na Europa com reais, pesos argentinos ou rúpias indonésias, mas só poderá circular, consumir ou investir depois de converter seu dinheiro na moeda local, aceitando uma taxa de câmbio talvez pouco atraente. A mesma limitação ocorrerá se for utilizado um cartão de crédito. Essa restrição dificilmente será eliminada por meio de protestos contra os padrões monetários dominantes.

Além do mais, nem no Brasil a oposição do presidente Lula ao predomínio da moeda americana tem produzido efeitos. Com resultados positivos no intercâmbio internacional, o País detinha no início de outubro reservas avaliadas em US$ 357 bilhões. No mês anterior, correspondiam a US$ 350,8 bilhões. Neste século, o País tem mantido um razoável padrão de segurança cambial, com benefícios dificilmente avaliáveis por quem nunca viveu tempos de crise nas contas externas. Crises desse tipo ainda têm ocorrido, de forma recorrente, na economia argentina, embora o país seja importante exportador de matérias-primas e ocupe uma posição destacada no mercado internacional da carne.

O presidente Lula enfrentou a fase final de uma crise desse tipo em seu primeiro mandato. Conseguiu superá-la sem dificuldades muito grandes porque havia herdado uma situação fiscal e monetária razoável, muito diferente das condições vividas no Brasil nos anos 1980 e em parte da década seguinte.

Na primeira metade do atual mandato, foi mantido um quadro fiscal favorável, graças à gestão prudente das finanças públicas. As contas do poder federal pioraram recentemente, mas o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem procurado evitar uma evolução desastrosa nos próximos anos. O interesse do presidente Lula nas eleições programadas para 2026 tem complicado a ação preventiva do ministro.

A tentação da gastança e das bondades fiscais tende a crescer quando se aproximam eleições. Como o presidente Lula anunciou a intenção de concorrer mais uma vez no próximo ano, parece razoável — sem antecipar um julgamento — dar atenção especial, a partir de agora, ao tratamento das contas públicas. A prudência do ministro Haddad pode ser insuficiente para os cuidados fiscais, se a competição eleitoral afetar a condução do governo e prejudicar a gestão financeira. Vale a pena, também, dar atenção às possíveis tentativas partidárias de influenciar as ações do poder federal.

Num quadro de polarização política, a disputa eleitoral do próximo ano poderá ser mais dura e mais custosa, do que talvez se calcule neste momento. Quem já está no poder, no entanto, parte normalmente de uma situação vantajosa. Isso pode tornar menos necessária uma gastança especial.

O que é uma tirania? Não é difícil entender... - Paulo Roberto de Almeida

O que é uma tirania? Não é difícil entender... 

O conceito de tirania pode causar medo em certas pessoas. No entanto, a compreensão do que seja uma tirania é relativamente simples, para os que desejam apreender a raíz do fenômeno. Por isso mesmo, permito-me repostar uma antiga reflexão a esse respeito, aqui mesmo colocanda, em intenção daqueles mais dubitativos:

quarta-feira, 28 de junho de 2023

Definições simples: a de uma tirania, por exemplo

Paulo Roberto de Almeida


A diferença entre um governo normal e uma tirania é quando o chefe de governo ignora completamente os órgãos de Estado para mandar e desmandar a seu bel prazer, ou quando decide, por exemplo, massacrar o seu próprio povo, ou outros povos, sem nenhum objetivo concreto, a não ser por puro terror e desejo de vingança pessoal.
Putin é exatamente isso e só isso.
Lula ainda não percebeu?
O que mais seria preciso ocorrer, nessas categorias indignas de qualquer postura civilizada, para que ele e o seu assessor para assuntos internacionais se convençam de que eles estão justamente apoiando um criminoso de guerra, um violador do Direito Internacional, um monstro depravado e sedento de sangue?
O BRICS e o tal de Sul Global ainda não estão convencidos disso?
Onde está a consciência moral, ou simplesmente ética, desses mandatários?

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 28/06/2023
Postagem original:
https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/06/definicoes-simples-de-uma-tirania-por.html


Diplomatas Escritores Imortais, João Almino (organizador); lançamento dia 18/11, na ABL

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL) - FUNDAÇÃO ALEXANDRE DE GUSMÃO (FUNAG) apresentam o livro que será lançado na ABL, dia 18 de novembro de 2025:

Diplomatas Escritores Imortais
João Almino (organizador)

Apresentação:
Embaixador Raphael Azeredo, Presidente da Fundação Alexandre de Gusmão
Merval Pereira, Presidente da Academia Brasileira de Letras

1. Introdução: O Itamaraty e a Academia Brasileira de Letras
João Almino

2. Barão do Rio Branco (20/04/1845, Rio de Janeiro; 10/12/1912, Rio de Janeiro)
Luís Claudio Villafañe Gomes Santos

3.Rui Barbosa (5/11/1849, Salvador; 1/03/1923, Petrópolis)
Arno Wehling

4. Joaquim Nabuco (Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo) (19/08/1849, Recife; 17/01/1910, Washington)
Leslie Bethell

5.Aluísio Azevedo (14/04/1857, São Luís; 21/01/1913, Buenos Aires)
Orna Levin

6.Domício da Gama (23/10/1862, Maricá, RJ; 8/11/1925, Rio de Janeiro)
Tereza Cristina França

7. Manuel de Oliveira Lima (25/12/1867, Recife; 24/03/1928, Washington)
Paulo Roberto de Almeida

8. José Pereira da Graça Aranha (21/06/1868, São Luís; 26/01/1931, Rio de Janeiro)
Leonêncio Nossa

9. Carlos Magalhães de Azeredo (7/09/1872, Rio de Janeiro; 4/11/1963, Roma)
Gilberto Araújo

10. João Neves da Fontoura (16/11/1887, Cachoeira do Sul; 31/03/1963, Rio de Janeiro)
Alexandre Morelli

11. Rui Esteves Ribeiro de Almeida Couto (12/03/1898, Santos, SP; 30/05/1963, Paris)
Elvia Bezerra

12. Afonso Arinos de Melo Franco (27/11/1905, Belo Horizonte; 27/08/1990, Rio de Janeiro
Rubens Ricupero

13. João Guimarães Rosa (27/06/1908, Cordisburgo, MG; 19/11/1967, Rio de Janeiro)
Heloisa Vilhena

14. Antonio Houaiss (15/10/1915, Rio de Janeiro; 7/03/1999, Rio de Janeiro)
José Carlos Azeredo

15. Sergio Corrêa da Costa (19/02/1919, Rio de Janeiro; 29/09/2005, Rio de Janeiro)
Rogério Farias

16. João Cabral de Melo Neto (9/01/1920, Recife; 9/10/1999, Rio de Janeiro)
Antonio Carlos Secchin

17. Alberto da Costa e Silva (12/05/1931, São Paulo; 26/11/2023, Rio de Janeiro)
Lilia Schwarcz

18. Sergio Paulo Rouanet (23/02/1934, Rio de Janeiro; 3/07/2022, Rio de Janeiro)
João Almino

19. José Guilherme Merquior (22/04/1941, Rio de Janeiro; 7/01/1991)
João Cezar de Castro Rocha

Brasília: Funag; Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2025.

 


Convite: dossiê “Política Externa, Crise do Multilateralismo e Novos Desafios da Ordem Global” - Revista Neiba

Transmito informação recebida de organizadores de um número especial da revista Neiba:

“É com enorme alegria que compartilho que está aberta a chamada de artigos para o dossiê “Política Externa, Crise do Multilateralismo e Novos Desafios da Ordem Global”, a ser publicado em 2026 na Revista Neiba, Cadernos Argentina-Brasil. 📢 
Tenho o privilégio de coordenar essa edição ao lado de Larissa Rosevics (IRID/UFRJ) e Patricia Nasser de Carvalho (UFMG), colegas que admiro profundamente e com quem compartilho o interesse por compreender as transformações em curso na política internacional e seus impactos sobre a política externa dos Estados.
Vivemos um momento de fragmentação crescente da ordem global, em que o protecionismo, as tensões geopolíticas e a crise de legitimidade das instituições multilaterais desafiam as estratégias tradicionais de inserção internacional. Nesse contexto, o dossiê busca reunir contribuições originais, teóricas e empíricas, que analisem como países e coalizões, especialmente do Sul Global, têm respondido a esses novos desafios.

São bem-vindos artigos que abordem temas como:
 🌍 A guerra comercial e suas repercussões sobre a política externa e o comércio internacional;
 🏛️ As crises e reformas do sistema multilateral;
 🤝 As estratégias de países emergentes e as relações Sul-Sul;
 📈 As respostas institucionais e comparativas às novas dinâmicas globais.
O objetivo é ampliar o debate sobre os desafios e as oportunidades da atuação internacional dos Estados em um cenário de reconfiguração das regras do jogo global.
🗓️ O prazo para submissões vai até 23 de março de 2026, diretamente pelo portal da revista

 As diretrizes completas estão disponíveis neste link: https://lnkd.in/dYXhU2Ye

Será um prazer receber trabalhos que dialoguem com essas questões e contribuam para esse debate tão urgente sobre a política externa e o futuro da ordem internacional. 🌐💬
Fernanda Nucci”

sábado, 1 de novembro de 2025

Um retorno (forçado) aos anos 1990? - Paulo Roberto de Almeida

Um retorno (forçado) aos anos 1990?

Lembro perfeitamente da queda do muro de Berlim (outubro de 1989), do golpe contra Gorbachev em Moscou (agosto de 1990) e do fim da União Soviética (em dezembro do mesmo ano). 1991 foi a implosão final no que restava de socialismo no mundo (o que sobrou, Cuba e Coreia do Norte, não tinha a menor importância). 

Estávamos entre Genebra e Montevidéu, mas seguíamos tudo pela CNN internacional, pela qual também seguimos a Operação Tempestade no Deserto e a primeira guerra do Golfo, no início de 1991 (estávamos então viajando entre a Argentina e o Chile). Foi quando constatei o imenso atraso da Argentina nas suas províncias do interior (o que lembrava o Brasil dos anos 1960, ou a Iugoslávia ainda do início dos anos 1980, quando se tinha de pedir a uma telefonista para fazer uma simples ligação internacional, e esperar por algum tempo).

Acompanhei a longa agonia da Rússia nos anos 1990, com imagens de aposentados buscando algo de valor nos lixos de Moscou, se não era uma simplesmente comida. A outrora poderosa Rússia tinha um PIB inferior ao Brasil, e o Ocidente tinha de vir em ajuda para amenizar a transição do socialismo ao capitalismo, que foi feita com muita corrupção e preservação dos oligarcas do velho regime.

Pano sobre as duas décadas seguintes, de lenta e deformada reconstrução, e chegamos à terceira década do século XXI, quando um neoczar empreende a reconquista dos antigos impérios czarista e soviético, tentando “fazer girar para trás a roda da História”, como diria Marx.

Convencido de que força é poder, ele avança sobre os vizinhos, como faziam os déspotas dos anos 1930. Nunca se conformou com a “maior tragédia do século XX”, que tinha sido, para ele, a “dissolução da URSS”.

Ele não aprendeu as lições da História.

A dissolução do império soviético não se deu por nenhuma ofensiva da Otan ou dos paises ocidentais, ao contrário: estes estavam até ajudando os países socialistas, concedendo empréstimos (que nunca foram pagos) e faciltando à cooperação no âmbito da CSCE, a Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa (que virou uma organização, com sede em Viena), da OCDE, da UE e da própria Otan. A UE criou o BERD, que passou a financiar a transição. A maior parte dos antigos satélites e “incorporados” ao império (como os balticos) aproveitou o maná e transitou com êxito para a UE e sistemas democráticos de mercado.

Ficaram de fora a Bielorrussia, a Ucrânia e a própria Rússia (não contando as satrapias soviéticas da Ásia central).

Putin, a partir de 2000, tratou de retomar ao sistema conhecido e repressivo da cleptocracia guiada e comandada por ex-kgbistas, como ele, e novos plutocratas bilionários saídos do Ancien Régime soviético.

Parecia que funcionaria, mas a ambição expansionista fez o que se observa agora: Putin conduz seu regime opressivo de volta aos anos 1990. A ironia é que os motivos são os mesmos: economia de guerra.

Nos anos 1980, a URSS fez tilt, deu dois suspiros e depois morreu, em parte devido ao keynesianismo militar produzido por Reagan com seu programa de Guerra nas Estrelas, que a economia soviética não conseguiu acompanhar.

Agora é a economia de guerra a que o Putin obrigou o país com sua guerra de agressão à Ucrânia, que ele esperava “liquidar” em poucas semanas (com base nas informações equivocadas dos novos kgbistas, seus comparsas do FSB e dos generais corruptos). Ele conseguiu liquidar alguns bilionários dissidentes, mas não com a vontade indômita do povo ucraniano e a de seu líder.

Já levou a Rússia aos anos 1990, mas vai conseguir afundá-la ainda mais, pois não sabe mais o que fazer.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 1/11/2025


Semana Universitária da Universidade de Brasília de 2025 - Centro de Estudos Globais (UnB)

 A Escola de Relações Internacionais integra a programação da Semana Universitária da Universidade de Brasília de 2025, que ocorre entre 3 e 7 de novembro. A iniciativa é promovida pelo Centro de Estudos Globais, em parceria com a Editora Contexto, e tem como objetivo promover formação e atualização em temas centrais da política internacional contemporânea.


Estruturada em 13 masterclasses e 2 seminários científicos, a Escola oferece um percurso formativo que combina rigor conceitual, clareza didática e orientação prática. As atividades são organizadas a partir dos livros da Coleção Relações Internacionais da Editora Contexto, voltada ao ensino e à difusão de fundamentos e debates atuais da disciplina.

Entre os ministrantes estão docentes e pesquisadores reconhecidos na área, como Antonio Carlos Lessa, Júlia Gonçalves, Alcides Costa Vaz, Isabela Garbin, Francisco Doratioto, Danielly Ramos, Iara Costa Leite, Niels Soendergaard, Angélica Szucko e Matilde Souza. Os temas abrangem desde Direitos Humanos, Economia Política Global e Segurança Internacional, até Política Externa Brasileira, Integração Europeia, Política Ambiental Global e Inteligência Artificial na pesquisa científica.

Os eventos serão realizados on-line, com transmissão pelo Canal do Centro de Estudos Globais no YouTube. A participação é gratuita e aberta ao público universitário e à comunidade interessada. Para consultar toda a programação e se inscrever acesse:

🔗 Informações e inscrições: https://public.amplenote.com/Da3jfj3ic4fbVbZBxb8SctfL 
🎓Aos participantes inscritos, será emitido Certificado de Extensão da Universidade de Brasília.
📧 Dúvidas e informações: estudosglobais@unb.br
📺 Transmissão: Canal do Centro de Estudos Globais – https://youtube.com/@estudosglobais

Dúvidas a serem esclarecidas - Paulo Roberto de Almeida

Algumas dúvidas pessoais a serem confirmadas pelos entendidos:

1) A Rússia de Putin já é um Estado terrorista?

2) Os EUA de Trump já são um Estado autoritário?

3) A Argentina de Milei já conseguiu salvar seus cidadãos da prisão mental do peronismo?

4) O Brasil das últimas décadas já tem suas instituições contaminadas pela criminalidade organizada?

5) O futebol-industrial já se tornou uma nova religião?

6) Israel de Netanyahu já se converteu num Estado mais ou menos similar aos Estados que anteriormente perseguiram o povo judeu?

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 1/11/2025


Post Scriptum: as dúvidas provocadoras foram esclarecidas pela Inteligência Artificial; vejam no link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2025/11/duvidas-provocadoras-respondidas-pela.html?m=1 

Trump deveria ter cuidado ao apoiar uma mudança de regime na Venezuela - Daniel McCarthy (The Spectator)

 Grato a Carlos U. Pozzobon pela transcrição e comentário final:

Trump deveria ter cuidado ao apoiar uma mudança de regime na Venezuela.

Daniel McCarthy - The Spectator

Poucos americanos encontraram motivos para comemorar na Guerra do Iraque ou na intervenção na Líbia. Regimes foram mudados com sucesso, mas o que se seguiu a Saddam Hussein e Muammar Gaddafi foi guerra civil, instabilidade regional e migração em massa que exportou muitos dos problemas dessas nações para seus vizinhos. Agora, o governo de Donald Trump quer fazer com o déspota venezuelano, Nicolás Maduro, o que George W. Bush fez com Saddam e Barack Obama com Gaddafi. Mas isso também fará com as Américas, incluindo os Estados Unidos, o que a guerra contra o terror fez com o Oriente Médio, o Norte da África e a Europa.

Os erros de política externa de Bush e Obama deram a Trump um de seus temas de campanha mais fortes em 2016. Seu primeiro mandato se destacou pelo sucesso em manter os Estados Unidos fora de novas guerras. Ele nunca foi avesso ao uso da força – como atesta o fantasma do comandante iraniano Qasem Soleimani – mas mesmo quando envolveu os EUA em um novo conflito no Oriente Médio durante seu segundo mandato, Trump evitou buscar uma mudança de regime. Ele atacou o programa nuclear do Irã e prontamente encerrou a guerra de Israel com a República Islâmica. Faz sentido abandonar o que funcionou para ele a fim de adotar objetivos que não funcionaram para Bush ou Obama?

Em seu primeiro mandato, Trump tentou uma espécie de mudança de regime de fachada na Venezuela. Um político da oposição, Juan Guaidó, declarou-se unilateralmente "presidente interino"; Trump reconheceu a reivindicação. Mike Pompeo, então secretário de Estado, deu sequência à ação nomeando um neoconservador convicto, Elliott Abrams, como representante especial dos EUA para a Venezuela. Abrams esteve profundamente envolvido no apoio, durante o governo Reagan, a paramilitares anticomunistas na América Latina, incluindo o escândalo Irã-Contras.

Embora Abrams não esteja mais no cargo, as medidas tomadas pelo governo este ano – como a destruição de barcos venezuelanos que, segundo a Casa Branca, transportam drogas para os EUA, a aprovação de operações da CIA no país e o envio de navios de guerra para uma zona de ataque – indicam que a mudança de regime ainda está na agenda.

Mas se as experiências de Bush e Obama não forem um alerta suficiente, Trump deveria considerar o que aconteceu quando Ronald Reagan, e Jimmy Carter antes dele, intervieram em El Salvador. Os resultados foram os mesmos que vimos no início deste século: a guerra civil enviou ondas de refugiados e imigrantes para o exterior, inclusive para os EUA, onde algumas das novas comunidades salvadorenhas formaram gangues, notadamente a MS-13, hoje uma das mais violentas da América.

A tensão no governo Trump não se resume à divisão entre falcões e pombas na política externa – ela se dá entre os falcões e os defensores de restrições à imigração. A estratégia de intervenção também não faz sentido como tática para impedir que drogas ilegais, especialmente o fentanil, cheguem aos Estados Unidos. O caos e os fluxos populacionais desencadeados pela mudança de regime são uma dádiva para as redes de narcotráfico e para os traficantes de pessoas. É verdade que Maduro e seu antecessor, Hugo Chávez, causaram alguma migração ao permanecerem no poder, mas as pessoas que fogem por causa do socialismo geralmente são de classe média e amantes da liberdade. A guerra desenraíza a todos, especialmente os pobres.

Apesar de ter afirmado durante a campanha eleitoral de 2016 que George W. Bush deveria ter tomado o petróleo do Iraque, Trump provavelmente não está cogitando uma invasão para se apoderar dos consideráveis ​​recursos petrolíferos da Venezuela. Ele está conduzindo uma campanha de "pressão máxima" para dar um exemplo com Maduro. Trump quer mostrar que há recompensas para os amigos dos Estados Unidos e punições severas para seus inimigos. O destino de Maduro servirá de lição para qualquer outro país da América Latina que pense em se tornar inimigo de Washington. Pelo menos, essa é a teoria – mas os EUA têm um longo histórico de usar sua força na América Latina e, com isso, criar mais inimigos.

O modelo que Trump deveria adotar não é a estratégia de Reagan na América Latina, mas sim aquela que venceu a Guerra Fria na Europa: estabilizar os amigos e aliados dos Estados Unidos e ajudá-los a prosperar, acentuando assim o contraste entre a vida sob a liberdade e sob o socialismo. A percepção desse contraste inspirou os europeus a se libertarem.

Se os latino-americanos desejam a liberdade, como os argentinos exigiram nas eleições que levaram Javier Milei ao poder e fortaleceram seu partido no legislativo, eles podem conquistá-la, assim como os europeus orientais fizeram. Por outro lado, os exemplos dos lugares onde os EUA mais recorreram à força durante a Guerra Fria são esmagadoramente negativos. Mesmo o grande triunfo da guerra política da era Reagan no Afeganistão, que derrotou um fantoche soviético, criou as condições que levariam o Talibã ao poder e dariam à Al-Qaeda um refúgio para atacar os EUA. Uma vitória de Pirro, sem dúvida.

O interesse do governo Trump em derrubar Maduro antecedeu o mandato de Marco Rubio como secretário de Estado, e fontes afirmam ser injusto culpar Rubio pela inclinação neoconservadora da política para a Venezuela. Mas, se houver uma guerra, ela será de sua responsabilidade tanto quanto de Trump, e se der errado, ele será responsabilizado – principalmente pelo presidente. Rubio conquistou o respeito de muitos no movimento MAGA que antes o consideravam um republicano à la Bush: fraco em imigração, neoconservador em política externa. Ele corre o risco de dar razão aos seus detratores se adotar um programa de mudança de regime remanescente da época de Pompeo.

Quanto a Trump, ele vê a força como mais uma forma de pressão nas negociações. Ele não bombardeará aliados em negociações comerciais, mas usará o poderio militar americano para mudar a forma como os adversários pensam. E se ele não está prestes a iniciar uma guerra com a China, está totalmente preparado para demonstrar o que pode fazer com Maduro. Fazer uma declaração educativa, em vez de mudar o regime, pode ser seu objetivo. Mas há uma ala do Partido Republicano que quer mais do que isso, e Trump gosta de dar a todos em sua coalizão algo que desejam muito. Nesse caso, porém, ele não pode agradar aos falcões sem desagradar também aos defensores de restrições à imigração, assim como aos pacifistas.

Obama, Bush II e Reagan demonstraram que, quando os Estados Unidos tentam derrubar outros regimes, o resultado é a migração em massa, que afeta consideravelmente a Europa e os próprios EUA. Mudanças de regime no exterior também costumam levar a mudanças de regime no país.

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Minha opinião: não é possível comparar países da América Latina com muçulmanos. O Iraque desejava uma democracia ao ser invadido por Bush? O Afeganistão também? Qual a eficácia de uma paz duradoura no Oriente Médio se a política de Trump de bombardear as instalações nucleares iranianas terminaram endurecendo ainda mais o regime? O autor da matéria de The Spectator tem meia razão: regimes sem uma oposição organizada (caso de El Salvador) não se transformam em democracia com a simples derrubada de seus ditadores. Porém, a Venezuela tem uma oposição organizada, ainda que a maioria exilada, com capacidade de assumir o poder e resgatar os refugiados espalhados de norte a sul. É preciso lembrar o velho ditado: "pior do que está não fica". Toda revolução é um fenômeno de alto risco. Assistir a Venezuela transformar-se numa Cuba não pode ser pior do que a mudança pela força do regime.”


sexta-feira, 31 de outubro de 2025

O Mundo Segundo Trump e o Ocaso da Ordem Liberal Internacional - Seminário 7/11/2025, 15hs

 🦅 Seminário |

O Mundo Segundo Trump e o Ocaso da Ordem Liberal Internacional

O CEG/UnB realiza o seminário “O Mundo Segundo Trump e o Ocaso da Ordem Liberal Internacional: Nacionalismo, Transacionalismo e o Futuro do Multilateralismo”, com Carlos Pio, Erica Resende, Paulo Roberto de Almeida e Antonio Carlos Lessa.
Impactos sobre a ordem internacional e a política externa brasileira.
📅 7 de novembro | 🕓 Horário: 15h
📺 Transmissão: https://youtube.com/@estudosglobais
🔗 Informações e inscrição (certificado para inscritos): https://public.amplenote.com/C2a8E77LdNzcw8xnKJg3oxbP



Trump, ou a diplomacia pelo método confuso - Paulo Roberto de Almeida (Revista Será?)

 Trump, ou a diplomacia pelo método confuso

Por Paulo Roberto de Almeida
Revista Será?, out 31, 2025.



Os Embaixadores (1533) de Hans Holbein

    Em virtude de certo ceticismo sadio, que cultivo amplamente em relação às ideias de senso comum, sempre apreciei livros, ensaios e artigos nessa vertente contrarianista, isto é, obras ligeiramente desconfiadas das verdades reveladas que, bem pesquisadas, podem não confirmar pressupostos de argumentos geralmente admitidos como válidos no entendimento comum dos simples mortais. Desde jovem, já grande leitor de história do Brasil e também da história do mundo – aqui estimulado pelas leituras infantis de Monteiro Lobato, neste caso o História do Mundo para as Crianças, uma tradução-adaptação do criador do Jeca Tatu com base num famoso livro americano dedicado ao público infantil, mas contado por Dona Benta – apreciei imensamente quando o inesquecível Stanislaw Ponte Preta (o humorista Sérgio Porto) compôs o “Samba do Crioulo Doido”, um título que é hoje, integral e totalmente, politicamente incorreto, mas ainda admissível naqueles primeiros tempos da ditadura militar. Anos depois vim a tomar conhecimento do livro do médico e jornalista José Madeira, ou “Mendes Fradique”, autor do livro História do Brasil pelo método confuso, publicado pela primeira vez em folhetins a partir de 1917, e que vim a ler numa edição ilustrada de 2004.
        Esse gosto pelas versões sarcásticas, até mesmo caóticas, da história nacional, me acompanhou quando ingressei na diplomacia, em 1977, depois de sete anos de um autoexílio na Europa, para escapar de uma possível prisão nos anos de chumbo da ditadura militar. O fato é que, ao lado das leituras sérias sobre a política mundial e as relações internacionais, continuei a correr atrás do inusitado na minha própria profissão, sempre atraído pelo lado contestador de sua pompa aparente, do seu jeito chic, até emplumado, que é a imagem que os paisanos costumam ter de nós, diplomatas, como sempre finos e sofisticados. Nas pesquisas sobre o lado bizarro da profissão, acabei encontrando algumas definições pouco elogiosas sobre nossas supostas características comportamentais, as quais me permito reproduzir aqui, antes de tratar do tema-título.
Como passei quase sete anos estudando em francês – retomada integral da graduação em Ciências Sociais, abandonada depois que o AI-5 aposentou compulsoriamente meus professores, entre eles Florestan Fernandes, FHC e Octavio Ianni, seguida de um mestrado e um início de doutoramento – fui buscar, naturalmente, na literatura francesa, alguns apodos sarcásticos sobre meus colegas de profissão, e comecei logo por um dos mais famosos escritores franceses, Gustave Flaubert. Além dos romances mais conhecidos, Madame Bovary e Salambo, Flaubert também compôs, uma obra talvez não terminada, apresentada em 1850 como sendo Le Dictionnaire des Idées Reçues. Num dos volumes de suas Oeuvres Complètes, publicada pelas Editions du Seuil, em 1964, encontrei o que procurava (no tomo 2, p. 307), a definição de “diplomacia”. O criador de Bouvard e Pécuchet, dois copistas dedicados à composição de uma enciclopédia sobre os ofícios mais conhecidos, chegam à ocupação dos diplomatas:
Belle carrière (mais hérissée de difficultés, pleine de mystères). – Ne convient qu’aux gens nobles. – Métier d’une vague signification, mais au-dessus du commun. – Un diplomate est toujours fin et pénétrant.
Continuando em minhas investigações, e induzido por comentários de colegas mais velhos, que reproduziam uma famosa frase supostamente dita por um embaixador britânico sobre o caráter pérfido dos representantes da espécie, fui buscar a origem dessa designação depreciativa, e encontrei-a num outro dicionário, de autoria de um escritor e crítico satírico americano, Ambrose Bierce: The devil’s dictionary foi originalmente publicado em 1911, mas o consultei na edição de 1999 da Oxford University Press, onde assim se define a profissão: Diplomacy. The art of lying on behalf of his country. O introdutor dessa edição, Roy Morris Jr., discorre sobre a razão de Bierce ter chamado a sua obra de Dicionário do Diabo, mas não estabelece nenhuma conexão direta com eventuais qualidades próprias a essa espécie.
Ainda prosseguindo em minhas investigações vocabulares, já a caminho de assumir o segundo cargo na embaixada em Washington, o de ministro conselheiro, mas querendo, na verdade, servir novamente na Europa, deparei-me com um legítimo sucessor de Gustave Flaubert, Alain Schifres, que, no seu Le nouveau dictionnaire des idées reçues, des propos convenus et des tics de langage ou Le dîner sans peine (Paris: Jean-Claude Lattès, 1998), assim se referiu, desdenhosamente, à nossa tão distinguida ocupação: Diplomates. Un bon diplomate à l’ancienne : cynique, tortueux, lâche, hypocrite mais exquis (p. 87). Malvado!
Em Washington, provavelmente a capital de um império com o maior número de representações diplomáticas, continuei em minhas duvidosas pesquisas, frequentando intensamente várias universidades (George Washington, Georgetown, American) e todos os think tanks (Carnegie, Brookings, Cato, CSIS etc.), para doutos seminários e debates úteis sobre as singularidades de nossa profissão tão pouco apreciada pelo público em geral. Foi instrutivo, pois aproveitei as horas de lazer para compor o meu próprio dicionário, tão provocador quanto os precedentes, e até o conservei (sob o número 873, Washington, 26 de fevereiro a 3 março de 2002), em minha lista de trabalhos mas nunca o terminei, embora o tenha registrado sob um título quase interminável: “Dicionário de disparates diplomáticos (ou dicionário politicamente incorreto de meias-verdades diplomáticas, constando de um repertório de ambiguidades, equívocos e paradoxos da vida internacional)”. Encaminhei o rascunho a alguns colegas de ofício, mas não devo ter recolhido opiniões abonadoras, razão pela qual deixei interrompida a minha coletânea, prometendo terminá-la numa futura ocasião (quem sabe agora, já na aposentadoria, sem o risco de retaliações maciças, como parece ser o hábito entre nossos colegas militares).
Eram os tempos de Bush filho, que todos considerávamos uma aberração diplomática, decidido a terminar, sem o aval da ONU, o trabalho iniciado em 1991 pelo pai, na primeira guerra do Golfo, devidamente autorizada pelo Conselho de Segurança. Lula, logo ao início de seu primeiro mandato, até tentou dissuadir o Bushinho dessa loucura, mas a “diplomacia” do filho menos bem dotado da família fez ameaças a Brasília, através da embaixada na capital americana, como eu próprio testemunhei em conversa com o embaixador Rubens Barbosa no exato momento em que o império começava seu trabalho de desmantelamento do Oriente Médio (que aliás resultou no Estado Islâmico). Mal sabíamos nós, naquele momento, que o futuro nos reservava coisa bem pior, e aqui chego, finalmente, ao objeto deste artigo: a “diplomacia” de Mister Trump, se é que o conceito pode ser aplicado a tão abominável modo de lidar com o ROW, o Resto do Mundo (que resume a geografia simplória do personagem).
Assim como o atual Brics+ não tem mais nada a ver com o BRIC original, ou com o Brics que lhe veio na sequência, Trump 2 não tem quase nada a ver com Trump 1, a não ser a mesma indômita ignorância sobre os assuntos do mundo (além da especulação imobiliária), em especial sobre os assuntos do sistema multilateral de comércio, que ele se empenha em destruir, como não conseguiu fazer em seu primeiro mandato. Entre 2017 e 2020, Trump 1 conseguiu, se tanto, substituir o Nafta por um acordo tripartite com o Canadá e o México, já tentando “reindustrializar” a Trumplândia, como se protecionismo comercial fosse um substitutivo a uma política industrial em tempos de quinta revolução industrial (a qual os chineses já lideram, depois de terem falhado nas duas primeiras revoluções industriais e de terem ainda afundado um pouco mais na terceira, sob as “trumpices” econômicas do maoísmo demencial). Trump é uma espécie de Rei Midas ao contrário, pois tudo em que toca vira o contrário da “relíquia bárbara” desprezada por Keynes, um ouro de cor marrom, se vocês percebem a qualidade do material produzido.
Trump não tem predecessores nos anais da diplomacia mundial desde a guerra do Peloponeso – perdida mais por erros diplomáticos de Atenas, nas relações com os membros da Liga Ateniense, do que propriamente pela força dos exércitos espartanos – e não sei se haverá algum Tucídides para relatar a miséria que o promotor do MAGA está fazendo contra aliados e adversários, que ele trata com a mesma truculência usual nas artes marciais do kickboxing americano, tão apreciado pelas massas ignaras que o seguem devotamente. O “tarifaço”, aplicado contra gregos e troianos ao redor do mundo, é uma guerra comercial tão destruidora dos fundamentos do sistema multilateral de comércio, em especial a secular cláusula de nação mais favorecida multilateralizada no Gatt, quanto o é a guerra de agressão deslanchada por Putin contra a Ucrânia, do ponto de vista das regras mais elementares do Direito Internacional, em especial no tocante aos primeiros artigos da Carta da ONU.
Putin e Trump são os dois principais destruidores da ordem política e econômica do mundo contemporâneo, concebida precariamente em Yalta e formalizada em San Francisco num estilo propriamente orwelliano, o do Animal Farm: “todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais do que outros”. Trump adoraria repetir a famosa foto de Yalta, com os atuais três imperadores do mundo, ele mesmo, Putin e Xi Jinping, no lugar de Roosevelt, Churchill e Stalin. Não conseguirá obter essa foto de uma nova divisão do mundo, uma vez que o novo imperador do renascido Império do Meio não exibe as pretensões hegemônicas de alguns predecessores e, também, porque a “diplomacia” de Trump se faz, como já alertado, pelo “método confuso”, tanto o de Mendes Fradique quanto o de Stanislaw Ponte Preta. Como já disse alguém, a história não se repete, nem como drama, nem como farsa, como aliás pretendia Marx no 18 Brumário de Luís Bonaparte.
A História de fato não se repete, embora, segundo um outro escritor humorista, Mark Twain, ela possa rimar, como nas melhores tragédias de Shakespeare, com múltiplas traições e assassinatos em sequência. Por enquanto, o imperador americano está assassinando apenas pescadores nas águas do Caribe e do Pacífico oriental…
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5098, 25 outubro 2025, 4 p.

Pela preservação do sistema multilateral de comércio- Anne Krueger, Paulo Roberto de Almeida

Abaixo um apelo da respeitada economista Anne Krueger para que todos os paises vítimas da ofensiva unilateral dos EUA de Trump se unam para constituir uma nova entidade internacional disposta a preservar o sistema multilateral de comércio, que está sendo destruído pelas atitudes atrabiliárias do presidente americano. Na verdade, todos os afetados pelas suas medidas unilaterais continuam a preservar entre si o respeito à cláusula de nação mais favorecida, mas recuaram temporariamente dela em face da violência do ataque americano, como se fossem obrigados a se submeterem às imposições de um violador da lei internacional. O Brasil deveria aderir a esse apelo e contatar o Canadá, UE, Japão, Coreia e outros países para uma possível reunião de coordenação na própria sede da OMC e emitirem uma declaração de defesa e manutenção do sistema multilateral de comércio.

Paulo Roberto de Almeida. 


The case for a Multilateral Trade Organization without America

Anne O. Krueger

Project Syndicate, October 28, 2025

US President Donald Trump’s divide-and-rule tactics have shattered the postwar multilateral order. To preserve open, rules-based commerce, America’s major trading partners must form a new coalition capable of upholding the principles that the World Trade Organization can no longer guarantee.

WASHINGTON, DC – Since January, the world has watched in shock as US President Donald Trump’s administration has undermined every pillar of the economic order that the United States helped build and proudly championed for much of the past century.

The principles of the postwar international economic order – non-discrimination among trading partners, fair treatment of foreign businesses in domestic courts, and adherence to the rule of law as enshrined in the World Trade Organization’s Articles of Agreement – laid the groundwork for eight decades of unprecedented prosperity and poverty reduction. While economists still debate whether trade was the primary engine of global growth or merely a key facilitator, few would dispute that the liberalization of trade played a central role.

Given this history, it is hardly surprising that the Trump administration’s sweeping, country-specific tariff hikes, which violate the tariff ceilings negotiated under the WTO, have shocked America’s allies. Trump’s invitation to individual countries to “negotiate” tariff reductions represents yet another breach of the multilateral rules-based system, given that these negotiations have been strictly bilateral. These actions violate the WTO’s most-favored-nation principle, which prohibits member states from applying different trade barriers to different countries except under formal free-trade agreements. By raising tariffs above the limits set in WTO agreements, the administration has injected enormous uncertainty into the global trading system.

Talks with South Korea, for example, began only once negotiations with Japan had apparently concluded. While the US agreed to cut the tariff on Japanese automobile imports to 15%, the rate for South Korean cars remains at 25% pending a final agreement. Even the US-Mexico-Canada Agreement offered no shield, as America’s regional partners were forced into separate negotiations.

The distortions don’t stop there. Beyond tariffs, the Trump administration demanded that negotiating partners commit to fixed levels of foreign direct investment in the US. Likewise, as a condition for approving the sale of US Steel to Japan’s Nippon Steel, the administration secured a “golden share,” granting the federal government veto rights over corporate decisions.

At its core, Trump’s trade strategy rests on divide-and-rule tactics. Faced with the threat of severe economic disruption, most national leaders have felt they had no choice but to negotiate and accept terms that heavily favor American interests.

All of this underscores the urgent need for WTO members to mount a coordinated response. To that end, Canadian Prime Minister Mark Carney has proposed that the world’s largest trade blocs – most notably, the European Union and the Comprehensive and Progressive Agreement for Trans-Pacific Partnership (CPTPP) – join forces and form a new multilateral coalition. Acting collectively, such a group would command far greater bargaining power than any country could achieve on its own.

Carney’s proposal, however, would take time to implement, since the two major trading blocs operate under different rules and standards that would need to be reconciled. The CPTPP, formed by the original participants in the Trans-Pacific Partnership after Trump withdrew the US from it at the start of his first presidency, offers a useful model.

Alternatively, WTO members could create a new Global Trade Organization (GTO), adopting the WTO’s Articles of Agreement and incorporating existing mechanisms such as the Dispute Settlement Mechanism. Membership would be open to any country willing to abide by these rules. If EU and CPTPP countries signed on, others – including South Korea – would likely follow.

Critically, accession procedures should be kept simple, ensuring continuity of WTO rules. With most of the world’s trading countries banding together, much of the WTO’s practical value could be preserved until the US decides to change course.

There is already precedent for this kind of initiative. After the US blocked appointments to the WTO’s Appellate Body between 2017 and 2019, 47 members responded by forming the Multi-Party Interim Appeal Arbitration Arrangement, which allows participating members to resolve disputes without US involvement.

The US accounts for about 10-12% of global exports, while China’s share is roughly 15%. If the GTO represented even 60% of international trade, its collective bargaining power would far exceed that of the US, rendering Trump’s divide-and-rule tactics ineffective. More importantly, such unity might eventually persuade American policymakers to return to rules-based cooperation.

To be sure, the WTO must be modernized, especially when it comes to e-commerce, subsidies, and services trade. But restoring the integrity of the global trading system is urgent. By embracing Carney’s initiative and forming a GTO, major economies can reaffirm their commitment to cooperation, stability, and shared prosperity, thereby keeping the spirit of multilateralism alive while paving the way for necessary reforms.


Os Estados Unidos no seu momento unipolar: livro de um grande historiador: Paul W. Schroeder; book review by John A. Thompson

 

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