sábado, 15 de março de 2025

O declinio autoinfligido dos EUA sob Trump - Fareed Zakaria (WP)

 Deve ser duro a um jornalista consagrado, reputado e respeitado como o americano imigrado Fareed Zakaria, icone da abertura fenomenal dos EUA ao mundo, ter de escrever um artigo sobre o declínio do país que julgava ser a garantia de um mundo mais civilizado do que o das ditaduras e ter de afirmar wue não se trata de um declínio natural, esperado, inevitável, mas sim derivado de uma retração maldosa, ou desejada por um desequilibrado que assumiu a presidência. Tudo leva a crer que Trump está a serviço não da Rússia exatamente, mas de Putin pessoalmente, o genio do mal que tem um projeto de afundamento do mundo democrático.

Trump está fazendo tudo aquilo que os promotores das ditaduras personalísticas sempre desejarem obter: espaço livre e até colaboração voluntária para tornar o mundo o reduto da opressão que mentes doentias, narcisistas e megalomaníacas nunca tinham conseguido fazer, justamente pela presença de uma nação forte, comprometida com o bem comum e a dedesa de princípios e valores civilizatórios e humanistas. Esse mundo agora acabou, pelo menos enquanto Putin estiver na presidência dos EUA, e o temor é que ele tente, e consiga, mais um mandato, que será utilizado para completar a sua obra nefasta a serviço de uma cópia de Hitler no século XXI. 

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 15/03/2025


AMERICANOS PAGARÃO POR ATAQUE À ORDEM GLOBAL

Trump vem desfazendo o sistema internacional; posição privilegiada americana também declinará.

Fareed Zakaria - Washington Post / O Estado de S. Paulo - 15.03.2025

Trump vem desfazendo o sistema internacional; posição privilegiada americana também declinará.

Cingapura joga suas cartas geopolíticas com cuidado, ao tentar manter boas relações com os EUA em uma região dominada pela China. Então, vale a pena prestar atenção quando seu ministro da Defesa diz que a imagem de Washington “mudou de libertador para grande desestabilizador, para um senhorio buscando aluguéis”. Seu premiê, Lee Hsien Loong, resumiu o desafio que o mundo enfrenta: “Os EUA não estão mais dispostos a garantir a ordem global”.

Em poucas semanas, o governo Trump pôs em prática uma revolução na política externa americana, abandonando um antigo aliado democrático, a Ucrânia, cuja segurança os EUA prometeram defender desde a assinatura do Memorando de Budapeste, há 30 anos. Agora, Trump pede uma parte da riqueza mineral da Ucrânia, que seu governo descreve como “retribuição”, em troca de apoio.

Enquanto isso, Washington declarou uma guerra comercial contra seus vizinhos e parceiros de negócios mais próximos, Canadá e México, e exigiu que a Dinamarca venda a Groenlândia e o Panamá entregue o Canal do Panamá. Os EUA se movimentaram para deixar a Organização Mundial da Saúde (OMS), que o país ajudou a fundar, tentaram encerrar a maioria de seus programas de ajuda externa, revertendo uma tradição de generosidade que remonta à 1.ª Guerra, e suas tarifas são violações claras das regras comerciais que Washington criou e defendeu por décadas.

DESCONFIANÇAS. Essas reviravoltas estão sendo notadas e resultarão em uma revolução na política externa em todo o mundo. Friedrich Merz, homem que provavelmente será o próximo chanceler da Alemanha, disse recentemente: “Nunca pensei que teria de dizer algo assim. Mas, depois das declarações de Donald Trump, está claro que os americanos – pelo menos esta parte dos americanos, este governo – são indiferentes em relação ao destino da Europa”.

A Alemanha estava no centro do sistema de segurança que os EUA construíram após a 2.ª Guerra. Para esse país começar a tremer, é porque a mudança é sísmica. Merz até aventou a ideia de a França e o Reino Unido estenderem seu guarda-chuva nuclear sobre a Alemanha, porque não está mais convencido de que os americanos defenderiam o país. Essa promessa dos EUA era a essência da Otan, mas ninguém na Europa está certo de que Trump a honrará.

Os habitantes de Taiwan assistiram nervosamente Trump voltar as costas à Ucrânia. Em vez de oferecer apoio contra as intenções predatórias do vizinho intimidador de Taiwan,

Trump repreendeu o governo taiwanês por não gastar o suficiente em sua própria defesa. Muitos na ilha agora temem que Trump possa fazer um acordo com Pequim que os deixe abandonados da mesma forma que a Ucrânia.

REAÇÃO. Todos esses movimentos dos EUA surtirão um efeito: começarão a engendrar um novo mundo multipolar. Inevitavelmente, grandes países, como Alemanha e Japão, cuidarão de sua própria segurança. Isso pode significar que, para o Japão, assim como para a Coreia do Sul, armas nucleares se tornarão uma opção atraente – uma apólice de seguro contra agressões.

Sob o guarda-chuva de segurança dos EUA, o mundo testemunhou uma proliferação nuclear notavelmente baixa. Isso pode mudar drasticamente. Cada país ponderará a respeito de maneiras de se livrar da dependência dos EUA.

À medida que buscarem independência em relação aos americanos, os países também poderão procurar alternativas ao domínio do dólar. Os europeus, que são na realidade os únicos capazes de montar uma alternativa, podem começar a emitir títulos da União Europeia, que seriam os concorrentes mais eficazes dos títulos do Tesouro dos EUA.

O “privilégio exorbitante” de os EUA serem donos da moeda em que as reservas mundiais estão depositadas – o que lhes permitiu acumular déficits enormes a baixo custo – pode se desgastar mais rapidamente do que poderíamos imaginar.

Todas essas mudanças são um presente para a Rússia e a China, cujo objetivo tem sido enfraquecer o poder e a presença dos EUA no mundo. Conforme um analista russo afirmou recentemente sobre a política de Trump para a Ucrânia: é como se fosse Natal, Chanuká, Páscoa e o aniversário de Putin – tudo no mesmo dia.

Para quem acha que já passou da hora de mudarmos um sistema internacional tão dependente dos EUA, você já pesou os custos e os benefícios? Os EUA passaram oito décadas construindo um sistema internacional com regras, normas e valores que produziram o período de paz e prosperidade global mais longo na história da humanidade.

Suas alianças são os maiores multiplicadores de força para sua influência no mundo. Os EUA têm sido os maiores beneficiários desse sistema, mesmo agora, décadas depois, ainda definindo agendas e dominando o mundo economicamente, tecnologicamente e militarmente.

À medida que essa ordem se desfaz, a posição privilegiada dos EUA também declinará, criando um mundo mais perigoso e empobrecido – e os EUA mais isolados, desconfiados e inseguros. O mundo pós-americano está agora à vista de todos. •

Fareed Zakaria - Colunista do Washington Post 

Tradução Guilherme Russo.

À sombra dos tiranos - Paulo Roberto Almeida

 À sombra dos tiranos

Paulo Roberto Almeida

Nota sobre os gurus dos autocratas vilãos.

Atrás, ou ao lado de algum dirigente insano, perverso ou tresloucado, que exibe poder absoluto sobre seus comandados, sobre incontáveis seguidores, geralmente fanatizados por alguma indução doentia ou tão tresloucados quanto ele, que controla um país inteiro ou quase todo ele (os opositores se calam ou se omitem por temor da repressão), costuma haver um guru, um conselheiro, um assessor do tirano ainda mais louco e desequilibrado que o próprio e que o induz a recrudescer nas apostas perversas e nas iniciativas mais delirantes.

No caso de Putin, o legítimo sucessor de Hitler 90 anos depois, encontra-se um outro psicopata, Alexander Dugin, capaz de sugerir ao tirano de Moscou até um ataque nuclear devastador  contra a Europa ocidental e os EUA.

Atrás de Trump, talvez até na frente, está o fascista megalomaníaco do Musk, um delirante apoiador da extrema-direita mais burra que existe no planeta. 

Ambos são ainda funcionais e atuantes, para desgraça dos próprios países e de meia humanidade.

No caso do psicopata perverso que desgovernou o Brasil entre 2019 e 2022 (e o infelicitou durante a pandemia da Covid-19 por ser um negacionista antivacinal e opositor até de medidas profiláticas, causando milhares de mortes excedentárias) havia um soi-disant “filósofo” que já havia sido de tudo um pouco — marxista, astrólogo, islamista, jornalista, professor frustrado nos meios acadêmicos — mas que enveredou na “profissão” de anticomunista fanático, capaz de detectar os comunistas brasileiros até nas creches e jardins da infância. Enquanto foi jornalista crítico da esquerda intelectualoide até chegou a produzir alguns bons artigos e até livros hilariantes sobre o besteirol universitario. Adotou as teorias conspiratórias da extrema-direita americana e as disseminou no Brasil com fervor típico de um Torquemada querendo levar ao fogo todo aquele povinho daquela outra alucinação coletiva chamada Foro de São Paulo, o Cominform cubano organizado pelo PT para tentar salvar Cuba da miséria do socialismo stalinista.

O guru em questão fez algumas das piores recomendações de ministros ao capitão desmiolado, entre elas a do patético chanceler acidental, que quase destruiu o Itamaraty com suas loucuras antiglobalistas. 

Já morreu — depois de tentar provar que fumar era saudável — mas se vivo fosse estaria dando conselhos tão lunáticos ao capitão demencial quanto as sugestões psicografadas do cachorro do atual desequilibrado presidente argentino. 

Gurus costumam ser mais loucos que os príncipes autocráticos aos quais dão conselhos. 

Portanto, cabe esperar o pior desses seres caricatos, saidos de algum roteiro de filme de terror série C.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 15/03/2025

A história recente das relações internacionais do Brasil pelo jornalismo - Resenha do livro de M. H. Tachinardi - Paulo Roberto de Almeida (Revista CEBRI)

A história recente das relações internacionais do Brasil pelo jornalismo

Resenha do livro de Maria Helena Tachinardi "Política externa e jornalismo" (Contexto 2024)

Paulo Roberto ee Almeida 

Revista do CEBRI


ANO 3 / EDIÇÃO Nº 12
OUTUBRO - DEZEMBRO 2024
ISSN 2764-7897 (online) e 2764-7889 (impressa)

https://cebri.org/revista/br/artigo/182/a-historia-recente-das-relacoes-internacionais-do-brasil-pelo-jornalismo

O livro em questão possui méritos inegáveis, sobre os quais me estenderei em seguida, mas devo começar por protestar contra o seu título, não sei se por sugestão do editor ou se proposto pela própria autora. A obra é muito mais do que simples “política externa” e bem mais do que apenas “jornalismo”. Trata-se de um volume que, embora comportando a reprodução de matérias de jornais diários, não deixa nada a desejar a obras analíticas de autores acadêmicos sobre a vasta área de estudos por ele cobertos. O seu objeto vai muito além da política externa, no caso, basicamente brasileira, e abrange a de outros importantes países também, já que aborda a política mundial, o contexto regional do Brasil, as relações econômicas internacionais, os problemas de segurança e, bem mais importante, a transição do mundo da guerra fria, até os anos 1980, para a globalização triunfante e, logo em seguida, fraturada e retrocedida. Feito o registro, vamos à estrutura da obra e, na sequência, ao seu conteúdo, de inegável valor para jornalistas, diplomatas e para o público em geral.

A obra é muito mais do que simples “política externa” e bem mais do que apenas “jornalismo”. Trata-se de um volume que, embora comportando a reprodução de matérias de jornais diários, não deixa nada a desejar a obras analíticas de autores acadêmicos sobre a vasta área de estudos por ele cobertos.

O livro está dividido em quatro partes, grosso modo as décadas de 1970, 1980, 1990 e 2000. É precedido por um prefácio elogioso do embaixador Rubens Barbosa – frequente interlocutor da repórter e jornalista Maria Helena Tachinardi ao longo de seus diversos cargos na Secretaria de Estado e também no exterior – e, sobretudo, por três seções preliminares: um prólogo, uma importante introdução metodológica e uma seção sobre “princípios de política externa em reportagens”. São mais de duas dúzias de páginas sobre as ênfases e as definições da política externa brasileira nos anos cobertos pelos artigos, com ênfase em um período paradigmático do regime militar: a chancelaria de Gibson Barbosa, a mais atribulada das fases da política externa durante a ditadura (sequestros de embaixadores, golpes na América Latina, pretensões do Brasil a ser uma “grande potência”). As quatro partes não representam uma mera recompilação cronológica das matérias de jornal em cada uma das quatro décadas, pois que precedidas, em cada fase, por introduções sintéticas, que colocam em um contexto adequado os traços dominantes de cada uma das décadas, depois seguidas pelas reportagens cuidadosamente revistas, de molde a oferecer uma abordagem abrangente e um panorama bastante rico das principais questões mobilizando o engenho e a arte da diplomacia brasileira, assim como as atenções dos líderes das grandes potências envolvidas em cada uma delas.

Embora 90% do conteúdo do livro sejam compostos pela reprodução dos artigos escritos e publicados na imprensa diária – essencialmente a Gazeta Mercantil –, essa recompilação não é uma simples assemblagem de material recuperado nos arquivos da autora. Como Maria Helena Tachinardi não se formou apenas em uma faculdade de Jornalismo, mas estudou o espírito de sua profissão – uma verdadeira vocação – na Espanha e na França, seguiu um curso de Relações Internacionais na Sorbonne, na Universidade de Brasília (UnB) e na Universidade de Maryland (processo decisório na política externa americana), ela foi capaz de, em cada reportagem, por ela iniciada ou solicitada pelo jornal, situar as questões abordadas em um contexto histórico e geopolítico preciso, assim como de posicionar os problemas em função dos interesses brasileiros em cada uma delas. Assim, por exemplo, a primeira década, anos 1970, tem início pelos problemas dos nacionalismos provinciais e do separatismo na Espanha, o que correspondeu ao seu estágio na Universidade de Navarra, em Pamplona; veio depois nova bolsa de estudos na França, quando não apenas seguiu um curso de formação e aperfeiçoamento em um centro criado pelo fundador do Le Monde, como estendeu seu séjour para fazer um “diploma de estudos superiores” em Relações Internacionais na Universidade de Paris-I. 

Esse tipo de busca pelo aperfeiçoamento intelectual em temas de política internacional explica por que suas matérias, mesmo lidas a uma distância de quatro décadas, sejam excepcionalmente ricas de informação e de análise sobre cada uma das questões tratadas. As duas seções sobre descolonização africana dessa década recuam aos anos 1960 – a política africanista de Jânio Quadros, por exemplo – e avançam até os anos 2000, e mesmo 2020, com a continuidade dessa política nos anos Lula: nada menos do que nove artigos, que não são simples reportagens, mas verdadeiras aulas sobre a lenta construção da política africana em diferentes governos brasileiros. Essa década também trata da censura à imprensa e à imprensa alternativa no final dos anos 1970, assim como discorre sobre como o jornal libertário francês Libération passou de maoísta a capitalista.

Os anos 1980 começam, evidentemente, pela “década perdida” da América Latina, mas também pelo fim das ditaduras, e seguem os dois governos do período – Figueiredo, o último dos generais-presidentes, e Sarney, o presidente “acidental”. Tachinardi selecionou 68 artigos-reportagens cobrindo praticamente todos os problemas de política externa do Brasil, de evolução da política e da economia mundial (ascensão da Ásia, por exemplo), o reatamento do Brasil com Cuba, o início da Rodada Uruguai de negociações comerciais multilaterais (que só se concluiria em 1994), assim como os primeiros passos do processo de integração Brasil-Argentina (completado na década seguinte pela assinatura do Tratado de Assunção, criando o Mercosul). Uma das reportagens mais ilustrativas do estilo da autora é aquela sobre o “embaixador da dívida”, na verdade o chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro, um dos profissionais mais discretos e dos mais eficientes no trato dos grandes problemas da redemocratização, entre eles a guerra das Malvinas: o “Soneca”, como era conhecido na Casa de Rio Branco, articulou a ida de Figueiredo à ONU – o primeiro presidente a abrir os debates na Assembleia Geral das Nações Unidas – e praticou o “universalismo” na política externa brasileira, “relações com todos os países independentemente de ideologias” (p. 182).

A década de 1990 tem três presidentes: Collor, o breve, cujo vice-presidente, Itamar Franco, assume na segunda metade do mandato, pelo impeachment do “caçador de marajás” (por corrupção comprovada em CPI); e Fernando Henrique Cardoso, que emendou a Constituição para introduzir a reeleição. São mais 88 artigos-reportagens, algumas coberturas completas da política externa brasileira, começando pela integração competitiva do governo Collor e seu abandono da noção obsoleta de Terceiro Mundo, indo até o fracasso da Organização Mundial do Comércio (OMC) em lançar uma nova rodada de negociações comerciais, depois do sucesso (diferido) da Rodada Uruguai, que reformou o Gatt e criou a OMC, o “terceiro pé” de Bretton Woods, atrasado em 50 anos. 

Estão ali as fricções comerciais e diplomáticas com os Estados Unidos, a mudança crucial na política ambiental do Brasil – com a conferência Rio-92 –, o início das negociações em torno do projeto americano de um acordo hemisférico de livre comércio (a Alca, implodida depois pela aliança opositora de Lula-Chávez-Kirchner) e, sobretudo e de fundamental importância, o Plano Real, o mais exitoso plano de estabilização econômica da história do Brasil, depois do Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), no início da ditadura, base dos progressos realizados na primeira década do regime militar, antes da derrocada que nos levou da década perdida dos anos 1980 até os anos de aceleração inflacionária da primeira metade dos anos 90. O Itamaraty esteve na crista da onda em todos esses anos, e Maria Helena contava com bons informantes na carreira, entre eles o embaixador Rubens Barbosa (que assina o elogioso prefácio) e o então ministro Fernando de Mello Barreto, que contribuiu com uma orelha igualmente reveladora:

Seus textos, precisos e fiéis às declarações das fontes entrevistadas, narram passo a passo o desenrolar da atuação diplomática e empresarial, em especial na área econômico-comercial. Historiadores e estudiosos de relações internacionais passam agora a ter acesso a um material de qualidade, revelador de nuances do posicionamento brasileiro no plano mundial.

Essa é, precisamente, uma das melhores qualidades dessa obra, uma vez que ela contém não apenas um relato minucioso da política externa e da diplomacia brasileira de cada um dos grandes eventos negociadores bilaterais, regionais e multilaterais do Brasil, mas também um enquadramento de cada processo no seu contexto histórico e geopolítico preciso. De fato, o conjunto das mais de 300 reportagens compiladas – mais os textos analíticos que precedem e se inserem na série cronológica – representam a mais abrangente exposição da atuação da diplomacia brasileira, e a das elites empresariais, sobre praticamente todos os grandes lances da política externa nacional e da política internacional, desde a Guerra Fria até os atentados terroristas que alteraram os rumos da globalização, inaugurando a era da luta contra o terrorismo mundial.

[O] conjunto das mais de 300 reportagens compiladas – mais os textos analíticos que precedem e se inserem na série cronológica – representam a mais abrangente exposição da atuação da diplomacia brasileira…

Dando sequência, e encerrando a assemblagem de matérias deste livro indispensável aos jovens diplomatas, aos jornalistas correntes e aos futuros historiadores, a década de 2000 é talvez a mais rica de todas, ainda que dominada quase que totalmente pela figura de Lula, que ganhou dois mandatos graças à inovação constitucional de FHC – o primeiro premiado pelo continuísmo. A mudança de ênfase na política externa é perfeitamente capturada em mais de 50 reportagens sobre os seus anos, depois de quase 30 no período precedente. Foi a passagem da diplomacia presidencial itamaratiana de FHC para a diplomacia personalista de Lula, secundada por um trio de assessores muito ativos: o próprio chanceler dos dois mandatos, Celso Amorim; seu secretário-geral nacionalista Samuel Pinheiro Guimarães; e o assessor presidencial partidário, o aparatchik pró-cubano Marco Aurélio Garcia (que continuaria sob Dilma Rousseff) chamado depreciativamente pelos “itamaratecas” de “chanceler para a América do Sul” (dadas as suas afinidades bolivarianas e cubanas, como coordenador do Foro de São Paulo). Foi também a conversão da política externa do universalismo globalista de FHC para a diplomacia Sul-Sul, motivada a mudar as “relações de força no mundo”, no sentido de privilegiar os grandes atores do Sul, mas que acabou se alinhando a dois impérios do Norte, a Rússia e a China. 

Independentemente do valor individual das mais de três centenas de reportagens – entre 1974 e 2015 – para uma reconstituição de episódios significativos da vida internacional do Brasil e do próprio mundo nessas quatro décadas, vale destacar o valor do “terceiro capítulo” da Introdução geral, 22 páginas de discussão dos “Princípios da política externa em reportagens”, quiçá o mais instrutivo material de análise e reflexão para os novos jornalistas e para os próprios diplomatas, jovens ou maduros. Maria Helena destaca, em primeiro lugar, com base nas declarações oficiais, os princípios de política externa do Brasil que atravessaram praticamente todos os governos do país: soberania, autodeterminação, realismo, pragmatismo, autonomia, não intervenção (p. 33). 

A continuidade desses fundamentos da diplomacia brasileira, ao longo do tempo, é realmente admirável, o que é possível de ser seguido, por exemplo, pelos discursos anuais de abertura dos debates na Assembleia Geral da ONU, objeto de três edições da coletânea cuidadosamente comentada dessas exposições por gerações de diplomatas brasileiros desde 1946, organizada pelo embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa e publicada pela FUNAG. Maria Helena seleciona as declarações mais exemplares de presidentes e chanceleres a respeito daqueles princípios, também refletidos nas reações de estadistas estrangeiros em relação à diplomacia do Itamaraty, não só nos debates gerais, mas também na atuação brasileira no Conselho de Segurança, uma das mais constantes presenças (com o Japão) naquele foro decisório da ONU.

A autora reproduz, na seção “Definições da política externa brasileira”, o histórico que fez, em 14 de setembro de 1990, sobre as mudanças introduzidas nessa política desde o início do século XX até o governo Collor, confirmando a vocação integracionista do Brasil na região, mas recusando o papel de líder, posição em que parceiros estrangeiros gostariam de vê-lo. Desafios não faltaram ao longo de todas essas décadas, e eles estão ressaltados, examinados, esmiuçados nas três centenas de reportagens-analíticas, uma leitura indispensável, ao lado das declarações oficiais, a todos aqueles que pretenderem, doravante, sintetizar historicamente os principais lances da diplomacia brasileira na caminhada para a projeção internacional do país no século XXI. As conclusões, datadas de janeiro de 2024, retomam, em estilo ainda mais analítico, os grandes eixos da política externa brasileira, desde o conflito ideológico da Guerra Fria, nos anos 1970, até os tropeços da globalização na terceira década do novo século. Maria Helena destaca, em especial, um argumento do ex-chanceler Celso Lafer, para quem o desafio nas negociações internacionais conduzidas pela diplomacia profissional é o de “criar e manter um espaço para nossa autonomia, o que requer participar da elaboração de normas internacionais” (p. 486). 

No conjunto, o livro oferece um dos melhores guias atualmente disponíveis sobre como trabalham os diplomatas na manutenção dos altos padrões pelos quais o Itamaraty e o próprio Brasil são reconhecidos pelas outras diplomacias, em especial pelos vizinhos, pois que as reportagens também contam com depoimentos de interlocutores externos. Eu já havia resenhado um livro de Maria Helena Tachinardi, sobre a “guerra das patentes”, isto é, o conflito Brasil vs. EUA em propriedade intelectual, no início da agora distante década de 1990. Espero resenhar ainda a continuidade de seus trabalhos nessa interação entre jornalismo e política externa no futuro previsível. Quem mostra o seu valor tem o dever de continuar na faina já trilhada anteriormente.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4837, 28 de janeiro de 2025

Referências Bibliográficas

de Almeida, Paulo Roberto. 1993. “Um conflito conceitual”. Caderno Idéias/Livros. Jornal do Brasil, 26 de junho de 1993. Resenha de livro de Maria Helena Tachinardi, A guerra das patentes: o conflito Brasil x EUA em propriedade intelectual. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1993.

de Almeida, Paulo Roberto. 2024. “Como explicar nossa diplomacia?” Estadão, 12 de novembro de 2024. https://www.estadao.com.br/opiniao/espaco-aberto/como-explicar-nossa-diplomacia/.

Tachinardi, Maria Helena. 1993. A guerra das patentes: o conflito Brasil x EUA sobre propriedade intelectual. Brasil: Paz e Terra.

Tachinardi, Maria Helena. 2024. Política externa e jornalismo. São Paulo: Contexto.

Recebido: 28 de janeiro de 2025

Aceito para publicação: 28 de janeiro de 2025

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sexta-feira, 14 de março de 2025

Calçando as meias: A tragédia da educação no Brasil - Simon Schwartzman (O Estado de S. Paulo)

 sexta-feira, 14 de março de 2025

Calçando as meias - Simon Schwartzman

O Estado de S. Paulo

No médio e longo prazos, para atrair talentos para o ensino, será necessário oferecer melhores salários e mais oportunidades de progressão

 

Além da meia-entrada, somos também o País das bolsas e, agora, do Pé-de-Meia. 54 milhões recebem o Bolsa Família, o programa Pé-deMeia para o ensino médio distribuiu, em 2024, cerca de 4 milhões de benefícios, a um custo aproximado de R$ 12 bilhões, e, recentemente, o Ministério da Educação lançou programa similar para alunos dos cursos de licenciatura, de formação de professores. A novidade é que parte do dinheiro fica acumulada para só ser entregue a quem termina o curso. Postas as duas meias, quem sabe a educação brasileira agora andará melhor?

Nada contra dar algum dinheiro a quem tem pouco, sobretudo quando se gasta tanto com coisas inúteis. Mas, além do impacto fiscal, é preciso também ver se os programas cumprem seus objetivos. Num artigo anterior, eu disse duvidar de que o Pé-de-Meia para o ensino médio teria o efeito esperado de reduzir a evasão escolar e melhorar o desempenho estudantil. A evasão se dá, sobretudo, quando jovens mais pobres, da rede pública, chegam aos 18 anos e já ficaram para trás, sem entender nem se motivar pelo que é ensinado, e não veem perspectiva na corrida de obstáculos que é concluir o ensino médio tradicional, fazer o Enem e tentar entrar numa faculdade. Não me parecia, e continuo duvidando, que R$ 200 por mês e um bônus ao fim do curso vão alterar muito essa realidade. O que precisaria ser feito, e ficou pelo caminho, seria uma reforma aprofundada no ensino médio, criando alternativas efetivas de formação geral e profissional.

O novo Pé-de-Meia parte da constatação de que, nos países em que a educação é de qualidade, os professores são recrutados no terço superior dos que passam pelos diferentes sistemas de avaliação. No Brasil, seriam os que conseguem 700 pontos ou mais na média do Enem e optam por cursos em universidades públicas que, além de gratuitos, garantem uma boa renda – entre R$ 5 mil e R$ 10 mil por mês para engenheiros, R$ 13 mil e R$ 18 mil para médicos, R$ 8 mil para advogados. Para os que não conseguem, sobretudo mulheres mais pobres vindas de escolas públicas, uma opção são os cursos de licenciatura para ensinar na educação básica, em que o rendimento varia de R$ 4 mil a R$ 5 mil mensais.

O programa pretende lidar com isso oferecendo uma bolsa de R$ 1 mil por mês para quem consegue mais de 650 pontos no Enem, opta por um curso de licenciatura presencial e se compromete a trabalhar por cinco anos na rede pública. Candidatos que conseguem atingir essa nota – menos de 5% dos milhões que fazem o Enem a cada ano – tendem a vir de famílias de renda mais alta, os pais têm diplomas universitários, e estudaram em escolas particulares. Uma dúvida é se este estímulo seria suficiente para convencer essas pessoas a optar por uma carreira cujo rendimento é, ao longo da vida, metade ou menos do que outras que também estão a seu alcance. Outra dúvida é se o número de pessoas optando por essa bolsa faria alguma diferença. Segundo o Ministério da Educação (MEC), as universidades públicas estão oferecendo, este ano, 69 mil vagas para licenciaturas, com 310 mil inscritos, dos quais 19.339 tinham nota igual ou superior a 650 pontos no Enem (lembrando que cada candidato pode se candidatar a dois cursos diferentes). Uma gota d’água, comparado com 2,2 milhões de professores de educação básica no País, e 1,2 milhão de estudantes matriculados em licenciaturas no setor privado sem precisar passar pelo Enem.

Não há solução fácil para o problema da má qualificação dos professores, que não tem a ver somente com a má qualidade dos cursos de licenciatura, se são presenciais ou à distância, mas sobretudo com a bagagem precária com que a grande maioria chega ao ensino superior. Por muitos anos mais, estes serão os professores que teremos. Além de melhorar a qualidade dos cursos de formação, é preciso reforçar os processos de seleção e mentoria de novos contratados e apoiar a todos com supervisão apropriada, materiais didáticos e protocolos de ensino que garantam que seus estudantes terão interesse e aprenderão o que precisam. São práticas conhecidas que só dependem de determinação para ser adotadas.

No médio e longo prazos, para atrair talentos para o ensino, será necessário oferecer melhores salários e mais oportunidades de progressão. Com menos crianças nascendo, já é possível reduzir o número de turmas e pagar mais a menos professores. Será necessário também abrir a carreira, criando diferentes portas de entrada e saída, e não somente as licenciaturas tradicionais, sobretudo para professores de matérias específicas no fundamental II e no ensino médio, e de cursos de formação profissional. Com processos mais rápidos e práticos de qualificação e supervisão pedagógica, é possível atrair pessoas que dificilmente escolheriam passar a vida como professores da educação básica, mas que teriam interesse em ensinar como parte ou etapa de uma vida profissional mais ampla, e seriam exemplos e modelos para seus alunos. Médicos ensinando biologia, engenheiros ensinando computação, economistas ensinando estatística, técnicos ensinando a lidar com equipamentos.

Tudo isso, no entanto, é muito mais difícil e complicado do que, simplesmente, botar mais um dinheiro no pé-de-meia, que pode não dar certo, mas muita gente gosta.

 

Dom Casmurro:125 anos de um romance polêmico - Hélio de Seixas Guimarães

 ... Com o livro, o narrador procura atar as pontas da velhice às da adolescência e da vida conjugal, vividas entre as décadas de 1850 e 1870...

...  “Como eu invejo os que não esqueceram a cor das primeiras calças que vestiram! Eu não atino com a das que enfiei ontem. Juro só que não eram amarelas porque execro essa cor; mas isso mesmo pode ser olvido e confusão”...

... A modificação na leitura desta história, de um romance sobre o adultério feminino para um romance sobre o ciúme masculino, teve início na década de 1960, com a publicação do estudo The Brazilian Othello of Machado de Assis, traduzido como O Otelo brasileiro de Machado de Assis, da crítica norte-americana Helen Caldwell...

 

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125 anos de um romance polêmico

Pesquisador das obras machadianas comenta as origens de Dom Casmurro e as leituras que o clássico recebeu desde sua publicação

Hélio de Seixas Guimarães


Rio de Janeiro, 1900. Foi no início deste ano que chegou às livrarias da então capital da jovem república a história completa do triângulo amoroso mais célebre da literatura nacional: Bentinho, Capitu e Escobar. Em pouco tempo, Dom Casmurro — que em março ganha nova edição pela Todavia, com este texto de apresentação — tornou-se o mais conhecido romance de Machado de Assis, que havia passado quase uma década sem publicar nada do gênero.


Dom Casmurro é o 21º livro e o sétimo romance de Machado de Assis. Decorridos quase 28 anos da sua estreia nesse gênero, com Ressurreição, ele voltava a publicar diretamente em volume, ou seja, sem passar antes pela imprensa. Embora traga a indicação de que foi impresso em Paris em dezembro de 1899, o livro começou a circular no Rio de Janeiro apenas no início de 1900, em edição da H. Garnier, Livreiro-Editor. Esse retorno ao romance, oito anos depois de Quincas Borba, surpreendeu até mesmo os mais próximos. Entretanto, o escritor dedicava-se à obra desde pelo menos maio de 1895, como se depreende da leitura de carta a um amigo:

Dom Casmurro

Machado de Assis

Org. e apres. Hélio de Seixas Guimarães Editora Todavia // 368 pp • R$ 84,90

 

Pelo que me toca, o livro em que trabalho é ainda um romance. Não estou certo do título que lhe darei; já lhe pus três, e eliminei-os. O que ora tem é provisório; ficará, se não achar melhor. […] Não trabalho continuadamente; tenho grandes intervalos de dias, e até de semanas.1 

Em novembro de 1896, outra notícia. A República publicou “Um agregado — Capítulo de um livro inédito”, com trechos que viriam a compor os capítulos 3, 4, 5 e 6 de Dom Casmurro, concentrados na figura do agregado José Dias. Os outros 144 foram apresentados aos leitores pela primeira vez já emvolume.

Dom Casmurro tornou-se um dos livros mais discutidos e polêmicos de toda a literatura brasileira

 

No momento da publicação, o escritor de sessenta anos ocupava “o primeiro lugar na literatura brasileira”, como escreveu um contemporâneo. Desde 1897, presidia a Academia Brasileira de Letras e fazia questão de que inscrevessem no frontispício dos seus livros o nome literário, “Machado de Assis”, seguido da indicação de seu pertencimento à instituição, “Da Academia Brasileira”. Mas nem tudo era glória. Os anos finais do século 19 também lhe trouxeram muitos dissabores. Em 1897, o crítico Sílvio Romero publicou Machado de Assis: Estudo comparativo de literatura brasileira, um volume de 350 páginas com uma série de ataques ao escritor, comparado com Tobias Barreto em chave sistematicamente negativa. Machado nunca respondeu a Romero, mas deixou registrado em sua correspondência o mal-estar que as críticas lhe causaram e o contentamento por ter sido defendido publicamente por Lafayette Rodrigues Pereira, também conhecido por conselheiro Lafayette ou Labieno.

Durante a escrita da obra, outro revés: a carreira no serviço público, ao qual se dedicava desde 1867, sofreu uma pausa forçada. De janeiro a novembro de 1898, foi posto na constrangedora condição de adido à Secretaria da Indústria, Viação e Obras Públicas, recebendo vencimentos sem cumprir o dever do trabalho diário. Nesse período, dedicou-se intensamente à literatura: ocupou-se da reedição de vários de seus romances e da recolha de sua produção poética, além de publicar dois livros inéditos. Iaiá GarciaMemórias póstumas de Brás CubasQuincas Borba e Contos fluminenses ganharam novas edições entre 1898 e 1899; as Poesias completas saíram em 1901; Páginas recolhidas e Dom Casmurro, os inéditos, ficaram prontos em 1899.

Homem calado

O título deste romance refere-se a um homem de seus sessenta anos, autor ficcional, narrador e protagonista da história. Dom Casmurro é o apelido dado a Bento Santiago pelos vizinhos, que, segundo ele, “não gostam dos meus hábitos reclusos e calados”. Entretanto, o sentido mais usual de “casmurro” — o de “indivíduo teimoso, obstinado, cabeçudo” — é distorcido pelo narrador, que já no início da história pede ao leitor que não consulte dicionários, induzindo-nos a ficar com o sentido que ele quer imprimir ao termo, o de “homem calado e metido consigo”. 

O livro tem no centro a família Santiago, em torno da qual gravitam as demais personagens. D. Glória, a matriarca, é uma viúva abastada, que vive numa casa na rua de Matacavalos na companhia do filho, Bento Santiago (na infância conhecido como Bentinho), da prima Justina, do tio Cosme e do agregado José Dias. Contígua à casa dos Santiago está a do Pádua, funcionário público, que vive ali modestamente com a mulher Fortunata e a filha, Capitu. Os conflitos têm início e se desenvolvem a partir do envolvimento de Bentinho e Capitu, que vai do namoro ao casamento e ao nascimento do filho, Ezequiel, até a separação. Esta é motivada principalmente pela desconfiança crescente do narrador de que Ezequiel não é seu filho, mas sim de Escobar, colega do tempo de seminário. Nenhum dos dois virou padre: Escobar casou-se com Sancha, e Bento com Capitu. E os dois casais tornaram-se amigos.

 

Capitu se constrói pelos juízos do narrador a respeito do comportamento dela, que vão ao encontro dos preconceitos milenares sobre as mulheres e as relações conjugais

Ao se pôr a escrever, tantos anos depois dos sucessos narrados e num momento em que quase todas as personagens estão mortas (ou, nos termos sarcásticos do narrador, “foram estudar a geologia dos campos-santos”), Dom Casmurro quer fazer com o livro algo difícil, se não impossível: reviver o vivido. O empreendimento da escrita torna-se, portanto, similar à tentativa de reconstituir na nova casa que construiu no Engenho Novo aquela em que cresceu na rua de Matacavalos: 

A casa em que moro é própria; fi-la construir de propósito, levado de um desejo tão particular que me vexa imprimi-lo, mas vá lá. Um dia, há bastantes anos, lembrou-me reproduzir no Engenho Novo a casa em que me criei na antiga rua de Matacavalos, dando-lhe o mesmo aspecto e economia daquela outra, que desapareceu. Construtor e pintor entenderam bem as indicações que lhes fiz: é o mesmo prédio assobradado, três janelas de frente, varanda ao fundo, as mesmas alcovas e salas. […] 

O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo.

Com o livro, o narrador procura atar as pontas da velhice às da adolescência e da vida conjugal, vividas entre as décadas de 1850 e 1870. 

A denúncia

A cena inaugural do romance evoca uma tarde de novembro de 1857, que o narrador diz nunca ter saído da sua memória. Bentinho, escondido atrás da porta, ouve José Dias advertir d. Glória sobre o perigo de ele pegar de namoro com a filha do vizinho. Isso comprometeria a promessa da mãe, feita por ocasião do nascimento do filho, de que, se ele vingasse, ela o tornaria padre. É nesse momento, e pela fala do agregado, que o menino de quinze anos teria se dado conta dos seus sentimentos por Capitu. “A denúncia” — é esse o título do capítulo, e é assim que o narrador percebe a revelação para si mesmo do seu amor juvenil — feita por José Dias à mãe serve também de alerta para os dois namorados; juntos, põem-se a pensar em maneiras de dissuadir d. Glória da ideia do seminário, permitindo que namorem e se casem. Diante das dificuldades, Capitu pensa logo numa fuga para a Europa: “Como vês, Capitu, aos catorze anos, tinha já ideias atrevidas, muito menos que outras que lhe vieram depois; mas eram só atrevidas em si, na prática faziam-se hábeis, sinuosas, surdas, e alcançavam o fim proposto, não de salto, mas aos saltinhos”.

Ainda que Dom Casmurro esteja sempre com a palavra, a grande personagem do livro é Capitu, com seus olhos “de ressaca”, ou “de cigana oblíqua e dissimulada”, conforme a definição de José Dias. Tudo o que sabemos sobre ela nos chega pela visão do narrador, bastante econômico na descrição direta da personagem, mas insidioso nas sugestões que faz a respeito do seu caráter. Em grande medida, Capitu se constrói pelos juízos do narrador a respeito do comportamento dela, que vão ao encontro dos preconceitos milenares sobre as mulheres e as relações conjugais. No trecho reproduzido anteriormente, isso fica implícito no uso do adjetivo “sinuosas” para se referir ao comportamento da personagem feminina. 

Num determinado nível, Dom Casmurro conta a história de um amor que enfrenta os obstáculos impostos pela promessa da mãe e pelo muro social, e concreto, que separa a casa dos Santiago da dos Pádua. Mas, entre várias possibilidades de leitura, Dom Casmurro é também um romance sobre a tentativa de suprir as faltas, ausências, perdas, o que se manifesta nos objetivos declarados do narrador: “atar as duas pontas da vida”, “recompor o que foi [e] o que fui”, “viverei o que vivi”. Paradoxalmente, a tentativa desesperada de preenchimento das brechas vai evidenciando as lacunas sobre as quais se assenta a narrativa. 

O intervalo de décadas que separa o narrado do vivido torna a memória, com tudo o que há nela de seletividade, precariedade e engano, crucial para a composição da narrativa. Entretanto, o narrador volta e meia confessa suas deficiências como memorialista, pondo em questão a fidedignidade do que narra: “Como eu invejo os que não esqueceram a cor das primeiras calças que vestiram! Eu não atino com a das que enfiei ontem. Juro só que não eram amarelas porque execro essa cor; mas isso mesmo pode ser olvido e confusão”.

A estrutura lacunar do romance talvez ajude a compreender o porquê da variedade de leituras que suscitou ao longo de mais de cem anos, constituindo uma fortuna crítica numerosa, diversa e complexa

A disposição mesma das lembranças ao longo do livro pressupõe intervalos longos entre os momentos da vida privilegiados pelo protagonista. 

Nos cem capítulos iniciais predominam os episódios relacionados à infância, à adolescência e ao casamento de Bentinho e Capitu, estendendo-se desde a cena de 1857 em que ele se dá conta do seu envolvimento com Capitu até o seu matrimônio, em março de 1865. O capítulo 101, intitulado “No céu”, e os 45 seguintes concentram-se no período que vai de 1865 ao início da década de 1870. Eles tratam do casamento, que passa por um breve idílio, da apreensão pela demora da chegada do filho, do nascimento deste e de seu batizado como Ezequiel, do ciúme crescente de Bento, das desconfianças também crescentes em relação à paternidade, até a destruição de tudo o que havia sido construído. Os dois últimos capítulos coincidem com o tempo da narração, situado no final da década de 1890, em que Bento Santiago, já transformado em Dom Casmurro, se dedica à exposição retrospectiva dos desastres de sua vida amorosa e conjugal.

As reiteradas incertezas sobre a fidedignidade do narrado derivam também do ciúme, que começa a atormentar Bentinho na juventude e o acompanha por toda a vida, fazendo com que ele distorça o que viveu e o que relata (“Vão lá raciocinar com um coração de brasa, como era o meu!”; “Cheguei a ter ciúmes de tudo e de todos”), tornando-se por fim a força devastadora que sela o destino das personagens.

O narrador ao longo de todo o livro induz quem o lê a fazer ligações entre os comportamentos da Capitu adulta e os da menina, detalhadamente apresentada como atrevida, dissimulada e interesseira, o que a tornaria responsável pelo fracasso do casamento. Isso se dá ora por associações explícitas que o narrador faz entre uma e outra — “se te lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca” —, ora pela delegação ao leitor da tarefa de emendar reticências: “Vou esgarçando isto com reticências, para dar uma ideia das minhas ideias, que eram assim difusas e confusas; com certeza não dou nada”. E, ainda, pelo convite ao preenchimento das lacunas: “É que tudo se acha fora de um livro falho, leitor amigo. Assim preencho as lacunas alheias; assim podes também preencher as minhas”. 

Leituras

A estrutura lacunar do romance talvez ajude a compreender o porquê da variedade de leituras que suscitou ao longo de mais de cem anos, constituindo uma fortuna crítica numerosa, diversa e complexa. 

Quando de sua publicação, Dom Casmurro foi recebido com três resenhas mais alentadas e uma pequena nota, todas altamente elogiosas ao autor e à obra. “O primeiro dos nossos escritores mortos e vivos”, “um escritor completo”, mestre”, escreveram os primeiros leitores. Sobre o livro: “requinte de perfeição”, perfeito na ideia, no desenho dos personagens e, mais que tudo, na limpidez de um estilo puríssimo”, “um livro perfeitíssimo”.

O consenso sobre a excelência do romance, com as exceções de praxe, prevaleceria. As interpretações, no entanto, variariam imensamente. Dom Casmurro tornou-se um dos livros mais discutidos e polêmicos de toda a literatura brasileira. A tal ponto que hoje é difícil, se não impossível, separar o enredo da obra das leituras que ele propiciou. 

Dom Casmurro é também um romance sobre a tentativa de suprir as faltas, ausências, perdas

Os primeiros leitores tenderam a endossar a versão do narrador a respeito da sua vida conjugal. José Veríssimo nota que Dom Casmurro descreve Capitu com amor e com ódio, “o que pode torná-lo suspeito”, e fecha seu artigo dizendo que a conclusão que o narrador enuncia ao final do romance — a da malícia das mulheres e da má-fé dos homens — talvez não coincida com a conclusão íntima do personagem. Entretanto, o crítico não leva adiante suas hipóteses.

Durante décadas, levantaram-se suspeitas sobre o comportamento do narrador, mas ninguém de fato confrontou a versão que ele dá para sua história conjugal. A voz isolada de um leitor pouco conhecido, F. de Paula Azzi, em 1939, não foi suficiente para produzir um questionamento público e minimamente generalizado sobre o estatuto do narrador. Assim, durante sessenta anos prevaleceu a obediência à ordem dele de não consultar dicionário e a naturalização das acepções que ele queria dar à palavra “casmurro”, que até mesmo passaram a constar de vários dicionários!

A modificação na leitura desta história, de um romance sobre o adultério feminino para um romance sobre o ciúme masculino, teve início na década de 1960, com a publicação do estudo The Brazilian Othello of Machado de Assis, traduzido como O Otelo brasileiro de Machado de Assis, da crítica norte-americana Helen Caldwell. Ela, que também foi a primeira tradutora de Dom Casmurro para o inglês, desafiou a autoridade do narrador e confrontou a versão que ele dá para a história de sua relação com Capitu. Ao deslocar o foco da personagem feminina para o personagem-título, Caldwell produziu uma viravolta no entendimento do romance, encetando uma série de leituras baseadas na não confiabilidade desse e de outros narradores machadianos. 


Os imbróglios produzidos pelo romance fazem pensar nos possíveis efeitos pretendidos pelo escritor quando, ao compor este livro, hesitava entre vários títulos, conforme deixou registrado na carta de 1895.

 

*Nota do editor: Professor da USP e pesquisador da obra de Machado de Assis, Hélio de Seixas Guimarães escreveu este texto de apresentação para a nova edição de Dom Casmurro, que a editora Todavia lança em março de 2025. O volume é parte da coleção “Machado fora da caixa: todos os livros de Machado de Assis”, com 26 títulos, prefaciados pelo autor do texto reproduzido aqui.

 

Quem escreveu esse texto: 


Hélio de Seixas Guimarães

É professor livre-docente na Universidade de São Paulo e pesquisador do CNPq.

 

The Return of Spheres of Influence - Monica Duffy Toft Foreign Affairs

 The Return of Spheres of Influence

Will Negotiations Over Ukraine Be a New Yalta Conference That Carves Up the World?

Monica Duffy Toft

Foreign Affairs, March 13, 2025

 

U.S. Secretary of State Marco Rubio and National Security Adviser Mike Waltz speaking about negotiations to end the war in Ukraine, Jeddah, Saudi Arabia, March 2025 Saul Loeb / Reuters

 

MONICA DUFFY TOFT is Academic Dean, Professor of International Politics, and Director of the Center for Strategic Studies at Tuft University’s Fletcher School of Law and Diplomacy.

 

Russian President Vladimir Putin’s 2022 invasion of Ukraine was never simply a regional conflict. His illegal annexation of Crimea in 2014 was the proof of concept for a broader Russian test of the so-called rules-based international order, probing how far the West would go to defend that order. The ensuing war forced Europe to consider its dependence on the United States and required U.S. leaders to reassess their appetite for foreign commitments. It ushered China into a new role as Russia’s backer and made countries thousands of miles away grapple with essential questions about their futures: How should they balance partnerships with large, warring powers? What material and moral stances taken now will seem prudent decades down the line?

During the two decades that followed the Cold War, many of these questions seemed less central. The collapse of the Soviet Union greatly reduced the West’s fear of another world war—a fear that had led Western leaders to tolerate Soviet spheres of influence in central and eastern Europe. Many political leaders and analysts hoped that multilateralism and new efforts toward collective security would diminish the relevance of zero-sum geopolitical rivalries for good. But after the 2008–9 global financial crisis took a toll on Western economies, Putin consolidated power in Russia, and China’s global influence rapidly expanded, geopolitics swiftly began to revert to a more ancient, hard power–based dynamic. Larger countries are again using their advantages in military force, economic leverage, and diplomacy to secure spheres of influence—that is, geographic areas over which a state exerts economic, military, and political control without necessarily exercising formal sovereignty.

Even though another world war is not yet on the horizon, today’s geopolitical landscape particularly resembles the close of World War II, when U.S. President Franklin Roosevelt, British Prime Minister Winston Churchill, and Soviet leader Joseph Stalin sought to divide Europe into spheres of influence. Today’s major powers are seeking to negotiate a new global order primarily with each other, much as Allied leaders did when they redrew the world map at the Yalta negotiations in 1945. Such negotiations need not take place at a formal conference. If Putin, U.S. President Donald Trump, and Chinese President Xi Jinping were to reach an informal consensus that power matters more than ideological differences, they would be echoing Yalta by determining the sovereignty and future of nearby neighbors. 

Unlike at Yalta, where two democracies bargained with one autocracy, regime type no longer appears to hinder a sense of shared interests. It is hard power only—and a return to the ancient principle that “the strong do what they can and the weak suffer what they must.” In such a world, multilateral institutions such as NATO and the EU would be sidelined and the autonomy of smaller nations threatened.

It is no accident that over the past two decades, the nations now driving the return of power politics—China, Russia, and the United States—have all been led by figures who embrace a “make our country great again” narrative. Such leaders dwell on a resentful comparison between what they perceive to be their country’s current, restricted position—a constrained status imposed by both foreign and domestic adversaries—and an imaginary past that was freer and more glorious. The sense of humiliation such a comparison generates fuels the belief that their country’s redemption can come only by exercising hard power. Commanding and extending spheres of influence appears to restore a fading sense of grandeur. For China, Taiwan alone will not suffice. For Russia, Ukraine can never be adequate to fulfill Putin’s vision of Russia’s rightful place in the world. The United States begins to look toward annexing Canada.

Another trajectory remains possible, one in which the EU and NATO adapt rather than wither. In such a scenario, they could continue to serve as counterbalances to U.S., Russian, and Chinese efforts to use hard power to achieve narrow state interests, threatening the world’s peace, security, and prosperity in the process. But those potential counterbalancing forces will have to fight for such an alternative—and take advantage of the obstacles that a more globalized world poses to great powers’ wish to carve it into pieces.

VICIOUS CIRCLES

The term “sphere of influence” first cropped up at the 1884–85 Berlin Conference, during which European colonial empires formalized rules to carve up Africa. But the concept had shaped international strategy long before that. During the 1803–15 Napoleonic Wars, France attempted to expand its influence by conquering nearby territories and installing loyal puppet regimes, only to be countered by coalitions led by the United Kingdom and Austria. The British and Russian Empires engaged in protracted struggles for dominance over Central Asia, particularly Afghanistan. The Monroe Doctrine, adopted in 1823 by the United States, asserted that European powers would not be allowed to interfere in the Western Hemisphere, effectively establishing Latin America as a U.S. sphere of influence.

It is worth noting that the Monroe Doctrine was, in part, inspired by Russian Emperor Alexander I’s efforts to counter British and American influence in the Pacific Northwest by expanding its settlements and asserting its control over trade. In an 1824 accord, however, Russia agreed to limit its southward expansion and acknowledge American dominance over the Western Hemisphere. Alexander I recognized that encouraging further European colonization of the Americas risked sparking more instability and war.

Great powers’ drive to establish spheres of influence persisted through the late nineteenth and early twentieth centuries, shaping new alliances and ultimately triggering World War I. In his wartime effort to delegitimize the Austro-Hungarian, German, and Ottoman Empires, however, U.S. President Woodrow Wilson pointed out that colonialism amounted to an oppressive boot on the neck of nations’ self-determination. In the process, U.S. allies—in particular, France and the United Kingdom—suffered collateral damage and struggled to maintain their colonies in the face of a rising tide of nationalist sentiment. Given the close connection between “spheres of influence” and colonialism, by the end of World War II, both concepts came to be seen as backward and a likely catalyst for conflict.

After the Cold War, spheres of influence appeared to lose relevance.

Yalta marked a decisive return of politics based on spheres of influence, but only because the participating democracies tolerated it as a necessary but hopefully short-lived evil, the best available means to prevent another catastrophic world war. The United Kingdom and the United States had each become war-weary. By August 1945, no democratic politician could reasonably oppose demobilization. Stalin did not suffer from this problem. But if deterrence could not be supplied, the only other way to prevent Stalin from ordering the Red Army westward was to engage his demands.

In the nineteenth century, power politics had hinged on military and economic might. In the second half of the twentieth century, the ability to shape global narratives through soft power became almost as vital: the United States exerted influence through its dominance in popular culture, provision of foreign aid, higher education, and investments in overseas initiatives such as the Peace Corps and democratization efforts. The Soviet Union, for its part, actively promoted communist ideology by mounting propaganda and ideological-outreach campaigns that attempted to shape public opinion in far-flung countries. Moscow even pioneered a new kind of attack on democratic states under the broader banner of “active measures”: a long-game strategy aimed at polarizing democratic publics by propagating disinformation.

But after 1991, as ideological battles gave way to market liberalization, democratization, and globalization, spheres of influence appeared to lose relevance. Without the stark ideological divide of the Cold War, many political scientists assumed that world politics would shift toward economic interdependence, demonstrating through action the benefits of working in teams to solve hard problems. The global spread of democratic norms and the swift integration of former Soviet and Eastern bloc states into international institutions reinforced the belief that power could—and should—be diffused through collective frameworks; the Cold War’s geopolitical fault lines seemed to vanish. The 1997 NATO-Russia Founding Act, a pivotal agreement intended to define NATO’s relationship with Russia after the Cold War, was seen as a case in point. And the act explicitly committed its signatories to avoid establishing spheres of influence, directing NATO and Russia to aim to create “in Europe a common space of security and stability, without dividing lines or spheres of influence limiting the sovereignty of any state.”

HARD RETURN

But in truth, power politics had begun to resurface well before Russia invaded Ukraine. NATO’s U.S.-led intervention in Kosovo in 1999 (which particularly incensed Putin) and the United States’ 2003 invasion of Iraq (over the objections of close U.S. allies) both suggested that the leaders of the supposed new era of collective security still believed that when a strong state does not get its way, it is acceptable to escalate militarily. More recently, the United States and China have been locked in a struggle for global technological and economic dominance, with Washington imposing sanctions on Chinese tech giants while Beijing invests heavily in alternative supply chains and its massive Belt and Road Initiative. China has also militarized the South China Sea and has pursued expansive and legally disputed territorial claims. The United States and its allies, meanwhile, have increasingly used financial sanctions as tools to constrain adversaries.

Russia, for its part, has continued to innovate brilliantly from a position of material weakness. It has effectively deployed hybrid warfare to weaken the West, including with cyberattacks and disinformation campaigns to, for example, affect the 2016 Brexit referendum and the U.S. presidential election that same year. It is clear from Putin’s many recent speeches that he had never really abandoned an understanding of geopolitics that rested on spheres of influence and always struggled to understand why NATO should continue to exist, much less to expand. If the alliance’s purpose had been to defend the West against the Soviets, after the Soviet Union collapsed, NATO’s expansion effectively made the entirety of Europe—and particularly the former Warsaw Pact states—an American sphere of influence. For Putin, this was an unacceptable outcome. Beginning with its assault on Georgia in 2008, Russia has relied on hybrid warfare and the use of proxy armed forces—efforts that escalated with the illegal 2014 annexation of Crimea and culminated in the full-scale invasion of Ukraine.

The Ukraine war—and the settlement terms that now appear to be emerging—mark an even more pronounced return to nineteenth century–style geopolitics in which great powers dictate terms to weaker states. Russia, along with the U.S. Secretary of State Marco Rubio, has demanded that Ukraine accept territorial losses and remain outside Western military alliances, an outcome that would render the country a satellite of Russia. If these pressures succeed, the final outcome will normalize the use of military force to advance national interests—and, more dangerously, reward its use. That distinction is crucial and new. Although major powers have attempted to use force to get their way throughout the past few decades, their attempts have consistently backfired and failed to prove that force is an effective tool for advancing national interests. The U.S. military’s interventions in Afghanistan, Iraq, and Libya were all costly failures. Russia’s military efforts on behalf of Syrian dictator Bashar al-Assad failed, and its incursion into Ukraine was faltering. The greatest shift in U.S. foreign policy since the end of World War II has now gifted it victory.

An older style of power politics is fast becoming entrenched in other ways, too. Establishing spheres of influence involves a dominant power abridging the sovereignty of geographically proximate states—as Trump is seeking to do with Canada, Greenland, and Mexico and as China is attempting with Taiwan. A political order based on spheres of influence also relies on other great powers’ tacit agreement not to interfere in each other’s spheres.

OPEN CIRCUIT

Measured by its economic and military might, Russia is no longer a great power. But the way today’s Russia is often conflated with the Soviet Union gives it perceived power beyond its actual means—it remains a potent nuclear power. In a scenario in which the United States, China, and Russia all agree that they have a vital interest in avoiding a nuclear war, acknowledging each other’s spheres of influence can serve as a mechanism to deter escalation. Negotiations to end the war in Ukraine could resemble a new Yalta, with China playing a role akin to the one the United Kingdom played in 1945. At Yalta, Britain—weakened by World War II but still considered a great power thanks to its legacy of empire—balanced U.S. and Soviet interests while securing its own geopolitical concerns.

Neatly carving up spheres of influence, however, has become a much trickier project than it was at Yalta. It was easier to delineate—and to respect—geographically coherent spheres of influence in a less globalized world dependent on steel and oil; today, the critical resources that large powers need are spread out across the globe. Taiwan is a particular flash point because the chips it produces are critical to countries’ growth and national security; the United States cannot afford to let China dominate access to those chips. Neither does the United States want to permit Russia sole access to Ukraine’s rare-earth minerals. A country’s maritime strength has become much more important: it is more possible than ever to imagine Japan and Taiwan within a U.S. sphere of influence, even though they neighbor China. This is why China is seeking to become a maritime power and working tirelessly to disrupt U.S. maritime influence.

Even if Trump and Putin move toward a more cooperative relationship with Xi, that could leave European states to fend for themselves. Countries such as Germany and France may be forced to develop independent security strategies. Eastern European states, particularly Poland and the Baltics, would likely push for greater defense commitments that their fellow European states may be unable or unwilling to provide. That outcome would also undermine the strategic importance of U.S. allies in Asia, forcing them to seek alternative defense arrangements—or even nuclearization. The European Union could be moved to evolve into a sovereign federal state more closely resembling the United States. France, Germany, and the United Kingdom each remain capable middle powers, and France and the United Kingdom have their own nuclear deterrent, but together—and perhaps only together—a united Europe would have significantly less to fear from China, Russia, and the United States both militarily and economically.

The rules-based international order might still reassert itself.

If, instead, the United States and Russia align against China, then Japan and South Korea in particular may find themselves trying to balance between Washington and Beijing, yielding more independent foreign policies, increased military self-reliance, and efforts to diversify their security and economic agreements. Japan might accelerate its military buildup and seek closer ties to regional partners such as Australia and India, while South Korea could attempt to hedge its position by deepening its relationship with China.

If Russia aligns more closely with China—and Europe remains firmly aligned with the United States—that would reinforce a Cold War–style two-bloc system. If Russia (wary of giving the impression that it is subordinate to China) and European states pursue a more independent path, however, that could contribute to a more multipolar world in which they act as swing powers, leveraging their influence between China and the United States. In this case, global geopolitics would resemble a hybrid of nineteenth-century great-power maneuvering with twenty-first-century strategic blocs. Australia would face difficult choices regarding its economic and security alignments. It could strengthen its defense cooperation with the United States, deepen its engagement with India and Japan, and increase military spending to bolster its deterrence. But if China were to secure its desired sphere of influence in Asia, Australia might seek to emerge as a regional stabilizer, asserting greater autonomy instead of remaining a junior partner in a U.S.-led bloc.

Spheres of influence are rarely static; they are constantly contested. The reemergence of spheres of influence signals that the nature of the global order is being tested. This shift could lead to a transition back to the power politics of earlier eras. But there is an alternative: after experiencing a few cycles of destabilizing crises, the international system might reassert itself, reverting to a rules-based order centered on multilateral cooperation, economic globalization, and U.S.-led or collective security arrangements that discourage expansionist ambitions.

For the time being, however, the United States is no longer serving as a reliable stabilizer. Where Washington, until recently, was considered the primary check on regionally expansionist regimes, it now appears to be encouraging those same regimes, and even imitating them. Whether this transition ultimately returns to a predictable balance of power or inaugurates a prolonged period of instability and war will depend on how effectively spheres of influence are contested—and how far countries such as China, India, Iran, Russia, and the United States are willing to go to secure them.

 

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