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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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quarta-feira, 18 de setembro de 2024

A ordem mundial existente e os projetos para uma nova ordem global - Paulo Roberto Almeida

A ordem mundial existente e os projetos para uma nova ordem global


Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre os fundamentos da atual ordem internacional e os desafios colocados pelos projetos de uma nova ordem global multipolar.

Quais são os grandes princípios da ordem internacional liberal estabelecida ao final da Segunda Guerra Mundial, uma ordem especificamente ocidental?

São basicamente estes: a economia de mercado e o livre comércio; uma aliança militar permanente para garantir paz e segurança aos países que se integraram plenamente a essa ordem (desde o Plano Marshall e a OTAN); a democracia liberal e os direitos humanos; o multilateralismo e uma ordem mundial baseada em regras.

Lula tem dito e repetido que favorece o estabelecimento de um “nova ordem global multipolar”; as palavras são essas, e ele sugere que a ordem atual não é multipolar e que ela é “hegemônica” (eu deduzo que ele não está nada contente com o predomínio dos EUA e da UE nessa ordem).

Pois bem, como diplomata, na verdade como simples cidadão brasileiro, interessado na posição do Brasil na ordem internacional, qualquer que seja ela, eu me permito agora cobrar do presidente, e de seus assessores, diplomatas ou não, uma exposição clara, transparente, sobre QUAIS SÃO OS GRANDES PRINCÍPIOS SOBRE OS QUAIS DEVERIA FUNCIONAR A NOVA ORDEM GLOBAL MULTIPOLAR (mil desculpas pelas maiúsculas, mas é para chamar a atenção para minha cobrança).

Como chefe de Estado e de governo, Lula tem o DEVER de expor claramente o que é que lhe incomoda na atual ordem global existente e como ele pretende fazer para estabelecer a que lhe apeteceria e sob quais princípios ela deveria funcionar.

Multipolar eu entendo que ela já é, e isso parece evidente pelos desentendimentos e fricções que se manifestam todos os dias, mais especialmente desde o desafio russo à Carta da ONU e a vários de seus artigos fundamentais, como já expresso pela própria diplomacia brasileira em seus votos no CSNU, na AGNU e no CDH, desde 2022, quando a Rússia ordenou a invasão da Ucrânia pelas suas forças militares.

Acredito que Lula possa expressar mais claramente a sua visão do mundo e dessa “nova ordem global” que diz favorecer nos pronunciamentos que fará em NY na próxima semana, na própria abertura dos debates na AGNU, ou na Cúpula do Futuro que ele próprio está promovendo antes.

Todos nós brasileiros, diplomatas ou não, temos o direito de saber o que, exatamente, o chefe de Estado, de governo e da diplomacia, tem em mente quando ele propõe uma outra ordem global, supostamente diferente, ou melhor, do que a existente, e quais seriam os grandes princípios sobre os quais ela deve se assentar. É o mínimo que se espera!

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4737, 18 setembro 2024, 2 p.

 

 

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Uma nota sobre as ameaças correntes à paz e à segurança internacionais (vindas exclusivamente de ditaduras) - Paulo Roberto Almeida

Uma nota sobre as ameaças correntes à paz e à segurança internacionais (vindas exclusivamente de ditaduras)


Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre a natureza dos conflitos atuais, sobre os contendores e sobre o papel do Brasil.

Vamos ser realistas: com toda a violência da brutal agressão da Rússia contra a Ucrânia, Putin não mais possui NENHUMA CONDIÇÃO de ameaçar a segurança da Europa, muito menos do mundo, tanto quanto representou a URSS na primeira Guerra Fria; na segunda Guerra Fria, agora em curso, a Rússia é uma ameaça menor, e não é pareo para a OTAN, se e quando alguma ameaça real se manifestar.

A Rússia é um poder em declínio e sairá ainda mais diminuída da guerra insana que Putin começou e NÃO CONSEGUE terminar. A única coisa que ele vai conseguir é destruir terrivelmente a Ucrânia — cuja reconstrução vai demorar décadas, financiada pelo Ocidente —, a ser seguida da revitalização da indústria de defesa na Europa, nos EUA e em outros países (Japão, Índia, etc.).

A China tampouco representa uma ameaça à segurança do mundo, sequer na Ásia, fora dos dois focos de tensão existentes desde muito tempo: disputa por algumas ilhas com o Japão no Mar Amarelo e, aqui mais preocupante, o desejo do novo imperador Xi Jinping de incorporar Taiwan à RPC (ele pretenderia fazer isso até 2027, término presumido de seu inédito terceiro mandato no modelo deixado pelo grande pequeno Deng Xiaoping).

Registre-se, de imediato, que Taiwan, de fato, NUNCA pertenceu à RPC, mas fazia parte, nominalmente, das possessões do Império do Meio até 1870, quando foi conquistada pelo Japão e assim permaneceu até 1945. Depois “voltou” à soberania da República da China, mas apenas formalmente, e só passou a ter importância a partir de 1949, quando abrigou o que restou do Exército do Kuomintang, derrotado pelo EPL de Mao Tsetung, e foi a “sede” do país membro permanente do CSNU e representante teórico de “todo” o povo chinês na ONU. 

Mas Taiwan é uma espécie de “ouriço militar” e qualquer tentativa de Xi Jinping de conquistá-la pela força seria extremamente custosa para a RPC, sem mencionar a possibilidade de algum envolvimento dos EUA no conflito.

Mas não haverá uma “armadilha de Tucídides”, ou seja, uma guerra entre os EUA e a China, pois não há motivo para isso. O atual Hegemon, paranoico como são todos os impérios que enfrentam competidores, vai continuar gastando dinheiro do contribuinte americano com seus brinquedinhos de guerra e investindo em esquemas de alianças militares com países supostamente inimigos da China. Esta vai continuar fazendo comércio e se enriquecendo com investimentos ao redor do mundo, mas sua trajetória bem sucedida até aqui vai começar a enfrentar desafios estruturais já previsíveis.

A América Latina é totalmente excêntrica aos grandes conflitos geopolíticos: ela continuará exportando commodities, energia e alguns outros produtos menos desejáveis: drogas, emigrantes, etc.

A África é um palco tradicional de tragédias imensas, assim como o Oriente Médio, sem maiores consequências nos equilíbrios globais, resultado mais de conflitos inter e intraestatais do que de disputas reais entre os grandes impérios, e produzindo crises tópicas que alimentam uma persistente “oferta” de miseráveis buscando os países democráticos avançados, refugiados de guerras, exilados econômicos, etc.

TODAS as ameaças à paz e segurança internacionais provêm de tiranos, ditadores e candidatos a tais, que sempre existem. 

A luta da ONU deveria ser por democracia e direitos humanos, o que ela já faz, mas de maneira muito precária, sempre desafiada por ditadores e criminosos espalhados pelo mundo todo.

O Brasil tem algum papel nesse contexto? Certamente, embora modesto. Já seria uma boa coisa se colaborássemos na paz e no desenvolvimento da América do Sul e que nos uníssemos mais decisivamente às democracias avançadas, em lugar de ficar apoiando ditadores e ditaduras, como fazem certos governos em ruptura com nossos valores e princípios e com padrões tradicionais de nossa diplomacia. 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4736, 16 setembro 2024, 2 p.

Postado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/09/uma-nota-sobre-as-ameacas-correntes-paz.html).

 

 

domingo, 15 de setembro de 2024

Cinco perguntas fáceis de responder - Paulo Roberto Almeida

 Cinco perguntas fáceis de responder

1) Por que Lula não chama a ditadura chavista da Venezuela de ditadura?

2) Por que a diplomacia brasileira, ou a lulopetista, ignora completamente a guerra de agressão de Putin contra a Ucrânia?

3) Por que Lula insiste na vinda de Putin para a cúpula do G20 no RJ se ele sabia, ou foi avisado pelo Itamaraty, de que o lider russo está sendo requisitado pelo TPI como criminoso de guerra e por ser sequestrador de crianças?

4) Por que Lula insiste em gastar recursos inexistentes se o seu ministro econômico avisa que a situação fiscal é calamitosa?

5) Por que Lula teima em colocar a culpa do descalabro econômico no BC?


Essas são fáceis de responder; tenho outras mais difíceis…

Paulo Roberto Almeida

Guerras em curso: intermináveis? - Paulo Roberto Almeida

Guerras em curso: intermináveis?

Paulo Roberto Almeida

Não há solução aparente para a atual guerra Hamas-Netanyahu (sim, ele mesmo). Nenhum dos lados, ambos extremistas, tem qualquer intenção de parar com uma guerra insana que é impulsionada pelo irredentismo demencial de cada um deles.

Já o conflito Israel-Palestina poderia ter sido solucionado décadas atrás, com lideranças moderadas no comando dos seus respectivos povos. Infelizmente, os extremistas israelenses e palestinos capturaram o poder em cada lado. Vai perdurar, até o esgotamento das energias belicistas e conquistadoras.

Já a guerra de agressão da Rússia, ou melhor, de Putin contra a Ucrânia só vai parar quando a Rússia for diminuída militarmente e economicamente. Mas, ela é mantida militarmente ativa com a ajuda iraniana e coreana do norte, e mantida economicamente apta pela China. O Ocidente deveria agir em consequência. 

Ele o fará?

Dificilmente: americanos e alemães estão se rendendo à chantagem de Putin.

Brasília, 15/09/2024

sábado, 14 de setembro de 2024

A cultura do autoritarismo - Paulo Roberto Almeida

A cultura do autoritarismo

Paulo Roberto Almeida

Personalidades autoritárias não se convertem em ditadores abertos do dia para a noite; aproveitam as condições societais, de cultura política preexistente na nação. Bolchevismo, nazismo, maoísmo, fascismos variados, não seriam possíveis sem certa propensão dos povos respectivos ao mando autoritário.  

Exemplos: Lênin, Mussolini, Hitler, Chávez, Putin, Erdogan, Maduro, Orban e outros.

Mas, os casos são diferentes entre si: o antissemitismo era (é) disseminado na Europa central e oriental; o nacionalismo russo é doentiamente pró-Putin. A dependência econômica dos pobres venezuelanos os tornam submissos às “cestas básicas” do chavismo. 

Brasília, 13/09/2023

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Guilherme Casarões: sobre a destruição do Itamaraty, pelos mesmos que fazem guerra cultural de extrema direita

Permito-me postar uma série de tuítes do Guilherme Casarões sobre a destruição do Itamaraty pelos olavo-bolsonaristas, fanáticos antiglobalistas, que eu classificaria de demenciais:


Guilherme Casarões
Flag of Brazil

Desinformador profissional certificado pelo chanceler Ernesto Araújo. Professor/pesquisador no resto do tempo. Pai de dois
❤
. RT ≠ endosso. Opiniões pessoais.


24 de Junho de 2020

Conversation
Para onde vai a @FunagBrasil
? A política externa populista de @jairbolsonaro é parte integral da guerra cultural bolsolavista, em que instituições são desmoralizadas, aparelhadas e destruídas. O Itamaraty está sob ataque - e a corrupção da FUNAG faz parte do processo.



1) A destruição da inteligência acumulada pela FUNAG, braço acadêmico do Itamaraty, começou antes mesmo do início do governo. O manual de História do Brasil, do grande @joadani, foi retirado do site, onde poderia ser baixado gratuitamente. O problema do livro? Este parágrafo:


Replying to @GCasaroes
2) A 2ª pancada ocorreu no começo do mandato. @PauloAlmeida53 foi demitido do cargo de diretor do IPRI após republicar expoentes do "deep state" tucano-globalista, Rubens Ricupero e o ex-presidente @FHC. Nem Paulo nem Ricupero escondiam suas discordâncias com o antiglobalismo.



3) Ao longo de 2019, @ernestofaraujo se recusou a publicar 2 livros sobre política externa. O do embaixador Synesio Goes foi vetado por ter o prefácio escrito por Ricupero. O da pesquisadora Mathilde Chatin, barrado graças ao prefácio de Celso Amorim.

Com censura a obras acadêmicas, Araújo ameaça a imagem do próprio Itamaraty
https://t.co/ptfu0NMpfz?amp=1
https://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/08/02/com-censura-a-obras-academicas-araujo-ameaca-a-imagem-do-proprio-itamaraty/

[Abro um parênteses, aqui, para transcrever o que Guilherme Casarões linkou, pois eu ainda não tinha tomado conhecimento dessa matéria, que cita o meu livro de 2019: "Miséria da Diplomacia", livremente disponível em meu blog Diplomatizzando]

Uma reportagem publicada pela Folha revela que o Itamaraty se recusou a publicar um livro do embaixador Synesio Sampaio Goes Filho por conta do prefácio da obra, escrito por Rubens Ricupero, ex-embaixador em Washington e também historiador da diplomacia –e visto como desafeto pelo atual ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
O caso não é isolado, entretanto, e o clima de revisão e censura também atinge outras obras que passam pelo MRE. Esta tendência cria uma ameaça à imagem de profissionalismo, olhar crítico e independência do Itamaraty no resto do mundo.
Em seu livro mais recente, que não foi publicado pela Funag, o diplomata Paulo Roberto de Almeida cita pelo menos um outro caso em que a censura ocorreu neste ano.
"Uma tese de doutorado defendida no King's College, da Universidade de Londres, por Mathilde Chatin – Brazil: a new powerhouse without military strength? – A conceptual and empirical quest about an emerging economic power –, já aprovada para publicação pelo Conselho Editorial da Funag em 2018 foi congelada definitivamente por incluir um prefácio do ex-ministro Celso Amorim, no cargo durante o período coberto pelo trabalho acadêmico", diz Almeida em "Miséria da Diplomacia: A Destruição da Inteligência no Itamaraty"(Boa Vista: Editora da UFRR, 2019).
A mesma Folha relatou à época que a demissão ocorreu após Almeida republicar, em seu blog pessoal três textos recentes sobre a crise na Venezuela, um assinado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, outro pelo embaixador e ex-ministro Rubens Ricupero e o terceiro pelo atual ministro das Relações Exteriores.
Na época, o clima de perseguição dentro do ministério levou à preocupação com o uso mais frequente da censura.
A imposição de censura no Itamaraty, especialmente quando direcionada a obras acadêmicas e de história, aumenta o risco pelo qual vem passando um dos principais ativos da diplomacia brasileira.
Por anos, o Itamaraty foi reconhecido internacionalmente como um dos serviços de política externa mais ativos e competentes do mundo. O profissionalismo e senso crítico dos diplomatas brasileiros são mencionados com frequência por estrangeiros que trabalham com política externa, que elogiam o preparo e conhecimento dos representantes do Brasil. Com a imposição de censura, é possível que o serviço de política externa do Brasil perca parte da sua capacidade crítica, que ajuda a promover esta imagem de competência da presença brasileira no exterior.

[Retomo Guilherme Casarões]:   

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4) Como se não bastassem as censuras, a turma olavista ocupou-se em promover conceitos frágeis, meio conspiratórios, como o novo léxico da política externa brasileira. A construção da "novilíngua" da extrema direita começou com o evento abaixo, em mai/19. http://institutoriobranco.itamaraty.gov.br/artigos/60-noticias/85-funag-e-irbr-promoveram-a-palestra-governanca-global-e-autodeterminacao-popular-de-filipe-g-martins-assessor-especial-do-presidente-da-republica
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5) Em jun/19, um grande evento "internacional" trouxe expoentes da guerra cultural antiglobalista para denunciar George Soros, o STF, Paulo Freire, o @ForodeSaoPaulo, os Illuminati e a Nova Ordem Mundial. À exceção do palestrante americano, todos são orgulhosos alunos do Olavo.

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6) 
fez a abertura do evento, denunciando a "pseudorreligião globalista" a partir de uma leitura torta de Nietzsche e Marx. O ponto mais alto da fala foi a celebração do discurso de 6 MINUTOS de Bolsonaro em Davos, por ter tido a bravura de falar de Deus.


7) Em dez/19, foi a vez do jurista/influencer olavista Evandro Pontes falar sobre as "virtudes do nacionalismo" a partir do livro do filósofo Yoram Hazony, que basicamente opõe o nacionalismo benigno ao totalitarismo da governança global. A construção da novilíngua segue firme.



8) Com o advento da pandemia, a FUNAG passou a realizar seminários virtuais sobre "a conjuntura internacional pós-coronavírus". Evento no mínimo curioso p/um chanceler que, dias antes, problematizou a pandemia de Covid19 como uma questão "terminológica", seguindo o mestre Olavo.


segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Tribulacoes do Mercosul - Entrevista de PRA (eu mesmo) ao Instituto Millenium

“Para ser bem-sucedido, o Mercosul tem de voltar ao básico”, afirma diplomata

Entrevista com Paulo Roberto de Almeida 
Instituto Millenium, 9 de setembro de 2013

Apresentando uma rápida recuperação econômica, enquanto a China passa por um período de arrefecimento, os Estados Unidos vislumbram a possibilidade de acordo de livre-comércio com a União Europeia.
Em entrevista ao Instituto Millenium, o cientista social e diplomata Paulo Roberto Almeida aponta suas impressões sobre o pacto, incluindo as implicações para Brasil e América Latina. Considerando o posicionamento dos países-membros do Mercosul, Almeida analisa ainda a situação do bloco.
Confira a entrevista.
Paulo-Roberto-de-AlmeidaInstituto Millenium: Durante o auge da crise financeira de 2008 e nos anos seguintes, especialistas sinalizavam para um possível fim do predomínio econômico ocidental. Hoje percebemos um arrefecimento da economia chinesa e a rápida recuperação dos Estados Unidos. Como o senhor enxerga essa situação?


Paulo Roberto Almeida: Que os EUA declinem, relativamente, em face de países com taxas elevadas de crescimento, como a China, é absolutamente normal e esperado. Mas cabe retornar à história e registrar que, diferentemente dos velhos impérios do passado, que baseavam o seu poderio na dominação puramente militar, no controle de territórios e na extração de recursos, o império ocidental, ou americano, não está baseado nesses processos de força bruta, e sim no império do livre comércio, dos investimentos, da inovação tecnológica e, sobretudo, da inteligência.
Se impérios militares podem ser vencidos por uma coalizão de oponentes ou por algum adversário mais poderoso, um império baseado na inteligência e na interdependência é relativamente indestrutível. Na atual configuração da economia mundial, pode-se prever um declínio muito relativo para os EUA, e para a própria Europa. Eles são impérios da sociedade do conhecimento e, por mais avanços industriais que possam ocorrer em outras regiões, sempre estarão na vanguarda das descobertas científicas e das inovações tecnológicas.


Instituto Millenium: A Europa parece acreditar na manutenção dos EUA como potência econômica, ao iniciar negociações para um acordo de livre comércio. Caso aprovado, quais são as vantagens para as duas regiões?


Almeida: Se e quando for efetivado – e as apostas contrárias são poderosas –, tal acordo terá um impacto profundo em termos institucionais, ou seja, sobre o sistema internacional de comércio e suas rodadas de negociação e em relação a terceiros mercados. Mais ainda, um acordo desse tipo parece sintetizar todos os bons efeitos e todos os defeitos, todos os méritos e os muitos vícios do minilateralismo comercial.

Instituto Millenium: Quais seriam os impactos deste acordo para o Brasil e para a América Latina?
Almeida: Acordos regionais de comércio são potencialmente discriminatórios contra terceiras partes e podem reforçar as tendências ao desvio de comércio e de investimentos, mais do que ao crescimento global desses fluxos. No caso da UE e dos Estados Unidos, porém, essas ameaças são relativamente insignificantes, tendo em vista as barreiras tarifárias bastante reduzidas efetivamente existentes, exceto no setor agrícola, e o amplo grau de uniformização de práticas comerciais e contábeis já alcançadas dentro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
No entanto, não é improvável que, em um cenário como esse, os países da orla do Pacífico, e até do Índico e da Oceania, acelerem suas próprias negociações, algumas já em curso, com o objetivo de também estabelecer uma vasta área de preferências tarifárias, podendo evoluir, em médio prazo, para um acordo de livre comércio. Não foi por outra razão que alguns países latino-americanos – Chile, Peru, Colômbia e México – decidiram consolidar antigos laços de liberalização comercial parcial em um esquema que leva o significativo nome de “Aliança do Pacífico”.
A preocupação de países visivelmente excluídos desses processos de liberalização comercial pode levar a acordos de integração regional, entre eles, em especial, os do Mercosul, bloco que parece experimentar uma fase de retrocessos econômicos e de certa recaída na retórica integracionista de cunho político com efeitos totalmente inócuos para a integração real de suas economias.

Instituto Millenium: O Brasil enfrenta dificuldades para realizar acordos internacionais por pertencer ao Mercosul. O bloco representa 58% do Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina, porém o país enfrenta o protecionismo argentino, o Paraguai foi suspenso e a Venezuela encontra-se em crise econômica. Qual a sua análise sobre o Mercosul?
Almeida: A base de todo empreendimento integracionista é a existência de uma vontade comum aos participantes em adotar as medidas necessárias para viabilizar os requerimentos do processo de desmantelamento de barreiras à formação de um espaço econômico comum. Se, em algum momento, essa comunhão de propósitos existiu entre os membros do Mercosul, essa vontade, há muito, parece ter deixado de existir. Basta observar, no decurso da segunda década do bloco, a adoção progressivamente crescente de medidas unilaterais de caráter exclusivamente nacional que passaram a afetar a conformação jurídica do quadro regional enquanto personalidade de direito internacional sob a forma de união aduaneira.
Todos reconhecem que, a despeito dos avanços realizados nos primeiros dez anos, os impulsos do Mercosul em direção a uma maior liberalização comercial e para a constituição de um espaço econômico unificado no Cone Sul foram paralisados a partir de 1999, e até retrocederam nos anos seguintes. A união aduaneira sequer consolidou-se sob uma autoridade comum, dotada de aplicação uniforme de suas regras, havendo, inclusive, a coexistência de enorme volume de exclusões à Tarifa Externa Comum.
Os governos dos países-membros favoreceram, em diversos setores da área econômica, o retorno a velhas posturas nacionalistas e estatizantes, atitudes que estavam em nítida contradição com os requisitos tradicionais da integração, que são a abertura econômica e liberalização comercial.

Instituto Millenium: O senhor vê solução para o bloco?
Almeida: Para ser bem-sucedido, o Mercosul tem de voltar ao básico, e cumprir o acordado no 1º artigo do Tratado de Assunção (TA), ou então começar por assumir a responsabilidade de efetuar uma reforma profunda de seus instrumentos constitutivos. Um bom começo de um processo de reformas seria um diagnóstico realista dos impedimentos sistêmicos ou contingentes ao acabamento da união aduaneira, a partir do qual se poderia prescrever uma arquitetura institucional, para a qual as autoridades políticas dos atuais parceiros poderiam concordar em dar apoio.
Nenhuma solução “cooperativa” em torno de um processo de integração elude, porém, a necessidade de reformas internas em cada um dos países participantes. E um compromisso inquebrantável com o respeito à legalidade democrática e aos bons princípios do estado de direito seria uma condição essencial para o sucesso de todo e qualquer esquema integracionista que se empreenda na região.
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Comentário recebido da leitora Regina Caldas: 


"Observações bastante pertinentes. Em 91, ao participar de um evento entre as lideranças dos países membros do Mercosul, observei que o mesmo atropelava os procedimentos. Na ânsia de sedimentação, seus membros decidiam precipitadamente..Naquela ocasião, dei como exemplo os passos cuidadosos da CE, em cada etapa do seu processo de integração. Mas o Mercosul, na pressa de consolidação, fazia o contrário. Pularam etapas, não realizaram os testes necessários para correção de caminhos, e não se importaram em dar o tempo necessário à assimilação...Deu nisto".