O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

terça-feira, 22 de outubro de 2019

Desconstruindo Paulo Freire (mais uma vez) - Martim Vasques da Cunha (GP)

Novos livros tentam esconder a insignificância de Paulo Freire no mundo das ideias

Martim Vasques da Cunha

Gazeta do Povo, 22/10/2019 

“Paulo Freire é mais um triste exemplo da ‘tirania dos especialistas’ que nos corrói há tempos”.
Quem já leu uma biografia de Paulo Freire, leu todas.
É o caso de dois livros lançados recentemente sobre o “patrono da educação brasileira” (segundo a lei assinada por Dilma Rousseff há alguns anos): O Educador – Um perfil de Paulo Freire, escrito pelo “professor e ativista social” Sergio Haddad (Todavia, 256 páginas), e Paulo Freire Mais do que Nunca – Uma biografia filosófica, do “professor de filosofia” Walter Kohan (Vestígio Editora, 272 páginas).
As classificações de ambas as publicações, ao tentarem ser “um perfil” ou “uma biografia filosófica”, indicam alguma tentativa de objetividade, mas trata-se de um equívoco. Elas não são nem uma coisa, nem outra. Na verdade, não passam de hagiografias.
Em ambos os casos, Paulo Freire é tratado como um santo secular. Não há uma mácula em sua trajetória, nenhuma ambiguidade em seu caráter – e até mesmo as falhas que possam existir em seus empreendimentos mais famosos, em termos educacionais (como a lendária alfabetização de 40 horas em Angicos, em 1963, e a frustrada implementação na Guiné Bissau, colônia portuguesa africana, a partir de 1975), são redimidas em função de uma intenção indiscutível: a da procura pela igualdade.
Um exemplo é o modo como Haddad e Kohan lidam com termos como “democracia”, “coletivização”, “consciente”, “antidemocrática” – sempre com o prisma progressista. Na ótica particular de Haddad, por exemplo, ele aborda os principais pontos do chamado pensamento de Freire como se fossem uma consequência benéfica do nacional-desenvolvimentismo incubado no famoso Iseb (Instituto Superior de Estudos Brasileiros). Segundo Haddad, o autor de Educação e atualidade brasileira (a tese de doutorado que seria a base da futura “pedagogia do oprimido”)
“bebia das mesmas influências dos intelectuais do Iseb, em especial da análise da realidade brasileira feita por Álvaro Vieira Pinto e [Alberto] Guerreiro Ramos. Como eles, acreditava que o país estava na transição entre um mundo atrasado para um mundo moderno, mas sua preocupação como educador era outra: como preparar a parcela despossuída da população para participar desse processo de desenvolvimento de forma ativa e consciente?
Ao analisar a escola brasileira, Paulo avaliou que havia nela uma tradição antidemocrática. Era uma escola distante da realidade dos pais e dos alunos, sem espírito solidário, marcada pelo individualismo e por uma metodologia em que a grande maioria dos professores ditava aulas, sem discutir ideias – era, enfim, uma escola que não atendia as necessidades de seu tempo”.
“Atender as necessidades do seu tempo” significa, no glossário de Sergio Haddad (e, por extensão, de Walter Kohan), promover a igualdade entre o aluno e o professor por meio de um processo revolucionário que sintetizaria o marxismo com o catolicismo de esquerda (via Teologia da Libertação) – e o qual teria como intenção principal a libertação do sujeito oprimido por aquilo que Freire chamava de “educação bancária”.
Esse tipo de educação se referia àquela que, de acordo com o próprio Freire, considerava que “o educador é sempre o que educa, e o educando o que é educado; o educador é o que sabe, e os educandos os que não sabem; o educador é o que pensa, os educados são os objetos pensados; o educador é o que fala, os educandos os que escutam docilmente; os educadores sujeitos, os educandos objetos”.
A frase é tortuosa porque mostra um gosto pela imprecisão conceitual em função do jogo de palavras típico de quem vive (e se articula) na famosa “langue de bois” da terminologia marxista-burocrática. No fundo, trata-se de algo pior: estamos lidando, aqui, com a visão de mundo utópica que, na prática, sempre deformará a realidade.
Essa utopia freiriana teria como base existencial a noção do personalismo, inspirado na obra do filósofo cristão francês Emmanuel Mounier. Segundo Roque Callage Neto, no texto “Paulo Freire: uma teoria e metodologia em educação e sua eventual relação com o construtivismo” (o melhor ensaio da polêmica antologia Desconstruindo Paulo Freire, organizada pelo historiador Thomas Giulliano):
O personalismo de Mourier indaga sobre a consciência, a liberdade e o infinito. Entende que a consciência é intencional, que a liberdade existe na autonomia, e que a significação do infinito é dada historicamente. É uma doutrina ‘que afirma o primado da persona humana sobre as necessidades materiais e sobre aparelhos coletivos que sustêm seu desenvolvimento’, e seu principal aspecto é associar a noção de consciência à de comunidade, à de comunicação interpessoal e à de comunhão. Propunha uma revolução comunitária alternativa aos erros do comunismo soviético e do liberalismo capitalista, que traria a sociabilidade ideal do humanismo, a justiça, a equidade material e a liberdade individual. Mas esta seria diferente da individualidade liberal, pois crê que a pessoa é portadora de uma compreensão autônoma, que só pode ser pensada em comunicação com as outras percepções. Agindo num mundo comunitário pela comunicação das consciências, comunica a existência com outras. A revolução comunitária seria um processo de conscientização por toda a sociedade, com o meio fundamental da educação pelo qual as consciências tomam ciência crítica da realidade à sua volta. Ela deve ter pensada como tutela do próprio povo e não do Estado.
Paulo Freire se aproveitou desse personalismo – na verdade, algo mais próximo de um “populismo conservador” “à la” Christopher Lasch – e retirou toda a possível transcendência que havia na criação da comunidade, expurgando Deus da equação e substituindo-o pela “radicalidade cristã do progresso” que, em outras palavras, seria “o impulso profundo e contínuo de uma ascensão do homem com a missão gloriosa de ser o autor da própria libertação”, conforme se lê logo na abertura do best-seller que o tornou uma celebridade, Pedagogia do Oprimido (1974).
Outra “canibalização” que Freire fez de uma teoria que não era sua foi a do “construtivismo pedagógico” que, na definição de Callage Neto, “valoriza a ação do estudante como construtor de seu conhecimento e tira do professor a posição de detentor incontestado do saber, o que não desvaloriza os chamados conteúdos escolares. O professor pode ensinar discutindo a elaboração e apresentando as pistas para a criança chegar ao conhecimento, fornecendo outros que o sustentam, e pode, também, abordar de forma expositiva ou não perspectivas e procedimentos necessários à produção dos conhecimentos”.
Freire queria provocar a tomada de consciência em adultos malformados com a clara meta de criar “artífices da revolução”. Por isso perverteu o que era a “consciência”, no sentido construtivista, para, de acordo com o raciocínio de Callage Neto, uma
invenção e reinvindicação ocasionadas, é verdade, por lacunas das primeiras reflexões e evidenciadas por representações em analogias com fatos gerais e específicos sociais e políticos – tratados de forma empírico-indutiva. Freire está preocupado com o aprendizado não repetitivo e com a conscientização de temas referenciais que se revelam à consciência e depois se ampliam comunitariamente, que conduzem à alfabetização e tomam a forma política. Trabalhando com saberes tácitos que representam o cotidiano do educando e se explicitam dentro dos exemplos temáticos, observa a tomada de consciência como uma analogia entre o conhecimento de proposituras gramaticais e as evidências de atuação social e política dos educandos”.
O problema de usar a analogia como método é que, como bem observou o francês Jacques Bouveresse, ela torna-se um procedimento duvidoso, principalmente quando o seu convencimento “repousa sobre dois princípios simples e particularmente eficazes nos meios literários e filosóficos: (1) destacar sistematicamente as semelhanças mais superficiais, apresentando isso como uma descoberta revolucionária; (2) ignorar de modo igualmente sistemático as profundas diferenças, exibindo-as como detalhes insignificantes que só podem interessar e impressionar os espíritos pontilhosos, mesquinhos e pusilânimes”.
Dessa forma, Freire usava e abusava da sua “dialética simbólica”, sem se preocupar se suas ideias tinham alguma relação concreta com a realidade. Nem mesmo Sergio Haddad consegue disfarçar esta lacuna, em sua hagiografia disfarçada de relato biográfico, quando detalha a principal obsessão de Freire em seu empreendimento de alfabetização os moradores da Guiné Bissau, ao insistir que, na sua correspondência com Mario Cabral [comissário de Educação na Guiné-Bissau],
o português não seguisse como a língua oficial do país. O crioulo lhe parecia o idioma mais indicado: além de ser falado por mais da metade da população, tinha nascido da fusão do português com diversas línguas nacionais, o que garantia a expressão da cultura africana, enquanto o português havia sio imposto nos tempos coloniais. Em certa ocasião, em uma mesa de debates com Luis Cabral [o primeiro presidente da Guiné- Bissau, entre 1973 a 1980], Paulo, para defender o seu ponto de vista, apontou para a cabeça do presidente e disse que ele pensava com o que estava lá dentro, o crioulo. A questão, no entanto, esbarrava em dificuldades práticas, uma vez que o crioulo não era uma língua com grafia estabelecida, condição importante para o processo de alfabetização.
Anos depois, em uma entrevista de 2002, o comissário Mario Cabral
justificou a alfabetização em língua portuguesa na Guiné-Bissau argumentando que a escolha viabilizaria uma melhor comunicação com outros países, já que as mais de trinta línguas faladas na Guiné-Bissau não eram escritas. Para contemplar parte da diversidade linguística do país, pretendia estabelecer seis línguas oficiais incluindo o português e o crioulo, o que cobriria cerca de 80% da população do país. Mas as dificuldades para concretizar esse plano eram imensas.

Fracasso como Secretário de Educação

A disparidade entre a utopia crioula e a língua portuguesa que, por mais colonial que fosse, ainda assim representava uma parte do real era algo evidente até mesmo para aqueles que apoiavam as ideias de Paulo Freire. Outro momento biográfico que marca esta fissura, retirado do próprio texto de Haddad, ocorre quando Freire se tornou Secretário Municipal de Educação da cidade de São Paulo, em 1989, quando Luíza Erundina foi eleita prefeita pelo Partido dos Trabalhadores. Se o que parecia ser antes um momento de triunfo – pois era a consagração política de um pensador que, durante quinze anos, permaneceu à margem do poder e no exílio – transformou-se logo em um fracasso:
Em meados de 1990, um ano e meio depois da sua posse, três funcionários em cargos de confiança foram demitidos. Um deles, o vice-presidente da Afuse – Sindicato dos Funcionários e Servidores do Estado de São Paulo, Benedito Testa, encaminharia ao Diretório Municipal do Partido dos Trabalhadores um documento interno criticando a gestão do secretário, afirmando que os resultados eram escassos, que a equipe de governo e seus principais assessores não tinham vivência no serviço público e que as escolas continuavam mal equipadas e sem segurança. Afirmava ainda que o projeto pedagógico não correspondia às expectativas da rede municipal de ensino. Outro assessor demitido, Fidelcino Rodrigues de Oliveira, enviou uma carta ao jornal O Estado de S. Paulo, na qual criticava o projeto pedagógico interdisciplinar pensado por Paulo. ‘Esta proposta é muito complexa, embrionária, e há falta de educadores na secretaria em condição de realizar este projeto. O sentimento dos professores, especialistas e funcionários é de abandono e decepção’, escreveria.
Mesmo recebendo um aparente apoio formal do PT, os ataques contra Freire continuaram sem cessar, simbolizados especialmente em uma matéria intitulada “Reprovado, Paulo Freire deixa a Educação” a qual vazava a informação que ele sairia do cargo:
Com declarações de Nilza Fernandes de Oliveira Santos, mãe de dois alunos da rede [pública], e do presidente do Sindicato dos Professores e Especialistas do Ensino Municipal, Claudio Gomes Fonseca, o texto dizia que Paulo não havia cumprido o objetivo de se aproximar de alunos e de professores. ‘Com suas viagens e seu desinteresse pelos debates, ele não cumpriu as promessas, [...] além de não usar seu prestígio para tentar resolver antigos problemas que vão continuar depois de sua saída’, diz a reportagem. Durante o seu período no cargo, Paulo teria viajado nove vezes ao exterior, em um total de 102 dias de ausência do posto. Retratando um funcionário descomprometido com o seu trabalho, o texto de Marcos Emílio Gomes [jornalista que assina a matéria] afirmava que Paulo havia abandonado uma reunião para ir ao cinema com a esposa, assim como havia deixado centenas de pessoas esperando por ele em duas palestras – ele simplesmente não estaria com vontade de falar. Algumas das informações veiculadas na matéria foram contestadas posteriormente por assistentes de Paulo.
A última observação é digna de um biógrafo que tenta preservar, a qualquer custo, a aura de santo do seu objeto de pesquisa. Porém, é mais do que isso: trata-se da tendência intrínseca ao nosso caráter brasileiro de viver a própria educação não como um princípio ético e sim como um princípio estético. As consequências disso são terríveis para o futuro do país, conforme apontou Mario Vieira de Mello em O conceito de uma educação da cultura (1984) neste trecho longo, mas esclarecedor:
No Brasil o fenômeno da educação interessa não tanto como processo autônomo de valorização do homem, mas como meio, como instrumento para que sejam atingidos dois objetivos: o desenvolvimento do país e a implementação de um regime democrático. Negar, portanto, que existe um relacionamento direto de causa e efeito entre educação e democracia ou entre educação e desenvolvimento e pretender que a relação fundamental se exprime na equação educação-cultura é se insurgir contra a orientação dos educadores brasileiros e suscitar um certo número de questões inusitadas. Como definir a cultura brasileira? De que maneira poderá ela se relacionar com o nosso esforço educacional? No binômio educação-cultura a quem deverá caber o papel de fator determinante? – Não temos evidentemente uma resposta para essas questões e o máximo que podemos fazer no momento é ensaiar passos tímidos, hesitantes, em direções que ainda não foram exploradas. O Brasil antes de se tornar democrático e desenvolvido tem necessidade de afirmar-se como cultura. A inegável superficialidade que envolve a nossa vida intelectual e moral prejudicará sempre, inevitavelmente nossos esforços de democratização e de desenvolvimento; precisamos nos convencer de que é justamente essa superficialidade o maior obstáculo aos nossos propósitos de renovação. Não se constrói uma nação antes de eliminar uma tal deficiência. O Brasil não pode continuar apoiado sobre valores relativos e exteriores como índices de alfabetização, de crescimento econômico, de representatividade política. O Brasil não pode continuar sem os valores autônomos da cultura. Por mais longínquo que o ideal nos pareça, o Brasil, para se tornar a nação por que todos os brasileiros suspiram, precisará algum dia enveredar pelo caminho de interiorização de seu comportamento. Os males que nos afligem não são exteriores, são internos. Somos nós mesmos os grandes responsáveis pelo marasmo intelectual e moral em que vivemos e é esse marasmo que nos torna tão dependentes de circunstâncias e fatores externos. A decisão tomada por cada um de nós de assumir plena responsabilidade pelo malogro de nossas aspirações a um Brasil maior e melhor seria sem dúvida o primeiro passo a dar na eliminação desse jogo de empurra que consiste em responsabilizar o próximo pelos nossos fracassos como povo e como nação. Mas essa decisão não poderia ter senão o fruto de um longo processo de amadurecimento ético. A vida do brasileiro, todavia, passa ao longo desse processo. Nosso sistema educacional não prevê, como um de seus objetivos principais, o estabelecimento de medidas tendentes a favorecer esse amadurecimento. Nossa pedagogia não procura de forma alguma estimular o desenvolvimento de qualquer senso de responsabilidade e de autonomia individual. Confundimos habitualmente esse senso com o que costumamos entender pela expressão ‘virtudes cívicas’. Mas a diferença que existe entre uma coisa e outra é que a primeira é inexprimível e se manifesta indireta, mas continuamente em todas as ações que praticamos, ao passo que a segunda é uma peça de retórica só lembrada em solenidades públicas e ainda assim para marcar o seu caráter de exceção.

Paulo Freire e a "antieducação"

O agudo diagnóstico de Vieira de Mello é o pano de fundo para se entender a “antieducação” perpetrada por Paulo Freire e seus acólitos no tecido social brasileiro. Ao mesmo tempo, apesar de ter uma base evidentemente progressista, trata-se de uma “antieducação” que também se aplica na sua oposição reacionária, uma vez que ambos os escopos políticos se fundamentam no uso equivocado da analogia para manipular a consciência individual e torná-la apenas uma ferramenta desenvolvimentista a serviço deste “Deus Selvagem” que é o Estado brasileiro. E, como sempre acontece nesses casos, a liberdade interior que se manifesta pelo uso criativo da linguagem é deixada de lado.
Não à toa que Paulo Freire, quando estava no cárcere em 1964, logo após o Golpe Militar, tentou se dedicar à leitura de alguns clássicos da nossa literatura, mas logo esbarrou em alguns obstáculos cognitivos, descritos pelo próprio Sergio Haddad em sua hagiografia:
Caiu-lhe nas mãos o clássico Grande sertão: veredas. Incomodado com a linguagem de Guimarães Rosa, desistiu do livro e comentou com Clodomir [Santos de Morais, ativista político que era seu companheiro de cela] sua dificuldade com o estilo, o palavreado, o tom regional do romance. Surpreso, o companheiro explicou as circunstâncias que levaram aquela região entre o rio São Francisco e Goiás a manter uma espécie de dialeto próprio, o mesmo falado até então por sua mãe e alguns parentes que moravam ali. ‘Se você quiser, eu, com toda a satisfação, vou tratar de traduzi-lo’, propôs Clodomir, disposto a fazer anotações sobre as expressões idiomáticas no próprio livro. Paulo aceitou de imediato.
Parece ser uma anedota despretensiosa, mas revela muito bem o porquê de Paulo Freire ser mais um triste exemplo da “tirania dos especialistas” que nos corrói há tempos. Na sua ânsia de ensinar os outros a lerem para mudar o mundo, confundiu o espírito da letra com a letra em si, e não reconheceu que o importante não é apenas ler as palavras e saber o seu sentido, mas sim ler o mundo em sua incrível complexidade. E isso só a grande literatura pode fazer, uma literatura que não precisa necessariamente de um gênio linguístico como o de Guimarães Rosa – como podemos ver nos inúmeros exemplos da literatura de cordel e nos relatos orais dos habitantes de Canudos a respeito dos feitos de um Antonio Conselheiro ou de um Padre Cícero –, e sim de uma sensibilidade que nos impeça de nos transformar em pedras.
Pois, entre o pensamento e a sua expressão, há toda uma vida a percorrer. O que nos resta é a educação de uma pedra que falava somente com seus semelhantes e que, neste caso específico, é o “círculo dos sábios” a comandar o Brasil que conhecemos. Infelizmente, enquanto a biografia de Paulo Freire for tratada com importância exagerada tanto pela esquerda como pela direita (como acontece com os livros de Sergio Haddad e Walter Kohan), não saberemos o que fazer com um sujeito que, na verdade, sempre foi insignificante no verdadeiro mundo das ideias. E assim estaremos condenados, por um bom tempo, ao mais cruel dos subdesenvolvimentos – o do espírito que nega a tudo e a todos.

* Martim Vasques da Cunha é autor de Crise e Utopia – O Dilema de Thomas More (2012) e A Poeira da Glória (2015).

Leia também: Cinco ideias indefensáveis de Paulo Freire

Cinco ideias indefensáveis de Paulo Freire

Criador da Pedagogia do Oprimido via educação a serviço da causa revolucionária e elogiou a “capacidade de amar” de Che Guevara

Atualizado em 19 de setembro de 2019.
Durante décadas, Paulo Freire foi a referência incontestável da educação brasileira. Ainda hoje, ele não tem concorrentes em número de citações nas faculdades de Pedagogia. Mas, se merece crédito por ter chamado atenção para o problema do analfabetismo no país, Freire adotou um viés ideológico que já era problemático nos anos 1960 e não pode ser tomado como referência nos dias de hoje.
Veja cinco ideias indefensáveis que Paulo Freire apoia em seu principal livro, Pedagogia do Oprimido:
1) O mundo se divide entre opressores e oprimidos
Freire defende uma pedagogia “que faça da opressão e de suas causas objeto da reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação”.
Ao adaptar a noção da constante luta de classes de Karl Marx, o pedagogo usa um esquema binário: os estudantes não teriam opção senão buscar sua liberdade diante dos opressores. A noção freiriana de libertação é pouco detalhada pelo autor, mas um detalhe da obra traz uma boa pista do que ele tinha em mente: a descrição apaixonada que ele faz do regime de Cuba – o próximo item da lista.
2) Che Guevara é um exemplo de amor
Quando Pedagogia do Oprimido foi escrito, os fuzilamentos sumários feitos em Cuba já eram notórios. O próprio Che Guevara havia admitido a prática do alto da tribuna das Nações Unidas. No entanto, Freire enxergava apenas qualidades no guerrilheiro convertido em ditador.
"O que não expressou Guevara, talvez por sua humildade, é que foram exatamente esta humildade e a sua capacidade de amar que possibilitaram a sua ‘comunhão’ com o povo. (...). Este homem excepcional revelava uma profunda capacidade de amar e comunicar-se", escreveu.
3) A educação deve estar a serviço da revolução
"O sentido pedagógico, dialógico, da revolução, que a faz 'revolução cultural' também, tem de acompanhá-la em todas as suas fases", propôs Freire.
A implicação é que o ensino deve estar a serviço da ideologia. A ideia de Paulo Freire abre as portas para a pregação política em sala de aula, com as vítimas de sempre: os alunos.
4) A família é opressora
Em Pedagogia do Oprimido não há qualquer menção ao papel da família na educação. O ensino é visto como uma tarefa do professor, subentendido o protagonismo do Estado nessa função. A lógica de Paulo Freire é esta: como a sociedade é opressora, a família reproduz os mecanismos opressores dentro de casa.
"As relações pais-filhos, nos lares, refletem, de modo geral, as condições objetivo-culturais da totalidade de que participam. E, se estas são condições autoritárias, rígidas, dominadoras, penetram nos lares que incrementam o clima da opressão", diz um trecho do livro.
5) É preciso combater a “invasão cultural”
A educação, por definição, depende da transmissão de conhecimentos e valores acumulados ao logo da história. No Brasil, essa história vem sobretudo das grandes tradições da filosofia grega, do direito romano, da matriz cristã. Interpretar o ensino dessa tradição como uma “imposição de valores” a ser combatida significa isolar os alunos do contexto histórico do país onde vivem.
Freire quer os estudantes protegidos da “invasão”: "Neste sentido, a invasão cultural, indiscutivelmente alienante, realizada maciamente ou não, é sempre uma violência ao ser da cultura invadida, que perde sua originalidade ou se vê ameaçado de perdê-la", prega.
Entre os herdeiros ideológicos de Paulo Freire estão as correntes que defendem uma versão do Português sem erros nem acertos – o que, no fim das contas, prejudica a inserção de jovens carentes no mercado de trabalho.

O ogro estatal continua tomando vitaminas - Jéssica Sant'Anna (Gazeta do Povo)

Governo refaz as contas e agora soma 204 estatais federais – 45 fora do país

Jéssica Sant'Anna, Gazeta do Povo, 20/1/2019


Usina de Energia Eólica (UEE) em Icaraí, no Ceará (CE). SPEs de energia eólica da Eletrobras forma incluídas como subsdiárias.
O governo de Jair Bolsonaro recontou as empresas estatais federais, usando uma nova metodologia, e concluiu que elas eram mais numerosas do que se divulgava até então. A contabilidade oficial, que pelos critérios adotados no governo de Michel Temer registrava 133 companhias ligadas à União, agora indica que são 204. Dessas, 45 têm sede no exterior.
A União tem o controle direto – ou seja, é dona – de 46 dessas empresas. E há ainda 158 subsidiárias, ou seja, empresas sobre as quais a União tem controle indireto, pois pertencem a uma das seis "estatais-mães" (Petrobras, Eletrobras, Caixa, Banco do Brasil, BNDES e Correios). Antes da recontagem, o governo considerava ter 46 estatais de controle direto e 87 subsidiárias.
Até março, o governo tinha 208 estatais federais, das quais 162 subsidiárias, já considerando os novos critérios de contabilização. Desde então quatro empresas deixaram a lista. A BR distribuidora e Stratura Asfaltos, que pertenciam à Petrobras, foram vendidas; a Logigás foi incorporada pela própria Petrobras; e a BB Turismo, agência do Banco do Brasil, está em processo de liquidação (fechamento).
INFOGRÁFICO: Entenda o vai e vem no número de estatais do governo
Os dados atualizados foram divulgados em 11 de setembro, junto com a 11.ª edição do Boletim das Estatais Federais, um balanço trimestral sobre as empresas que estão na mão do Estado. O acréscimo substancial no número de subsidiárias – de 87 para 158 – é fruto de uma nova metodologia de classificação e também de um levantamento mais criterioso feito pelo Ministério da Economia.
O governo passou a considerar como subsidiárias as Sociedades de Propósito Específico (SPEs), o que antes não acontecia. As SPEs, como o próprio nome diz, são empresas criadas por meio de sociedade – parcerias entre entes públicos e/ou privados – com um fim específico.
Esse tipo de empresa surgiu a partir de 2004 para impulsionar as parcerias público-privadas (PPPs). Normalmente, uma SPE é criada para tocar grandes projetos de infraestrutura, como obras de usinas hidrelétricas ou de construção civil. Quando a empresa conclui seu serviço, a SPE deve ser encerrada ou deve assumir necessariamente um outro serviço da mesma natureza.
Todas as 42 SPEs que passaram a ser consideradas empresas subsidiárias são vinculadas à Eletrobras. A fatia da estatal nessas sociedades varia de 15% a 99,9% do capital, dependendo do caso. A estatal colocou à venda a sua participação em 39 dessas SPEs, das quais 38 geradoras de energia eólica e uma transmissora de energia.
Além das SPEs, o levantamento do Ministério da Economia incluiu como subsidiárias 30 empresas internacionais ligadas ao Banco do Brasil, Caixa, Eletrobras e Petrobras. Com isso, o número de subsidiárias no exterior subiu para 45. Também foram concluídas como subsidiárias mais 3 empresas nacionais ligadas a estatais-mães.
O número de estatais de controle direto, por sua vez, não mudou na nova contabilidade. Continuam sendo 46, sendo 28 empresas independentes e 18 dependentes de recursos do caixa da União. As estatais que dependem do Tesouro recebem dinheiro todo ano do governo para bancar suas operações, pois não geram receita suficiente para custear suas despesas. As independentes podem apenas receber aportes para investimentos ou aumento de capital.
Segundo a Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas  Estatais, o objetivo da atualização dos dados foi "conferir transparência quanto às informações prestadas à sociedade e aos órgãos de controle". A secretaria também diz que "estes dados irão fundamentar todos os estudos de privatizações e desinvestimentos estatais de forma a continuar o grande processo de transformação do Estado no qual estamos diretamente inseridos".

637 empresas sob influência do estado 

O governo também constatou que ao todo há 637 empresas sob influência do Estado. Esse número, divulgado no começo do mês, inclui estatais de controle direto, subsidiárias, coligadas (empresas em que as estatais ou subsidiárias têm influência) e simples participação (empresas nas quais as empresas de controle direto ou suas subsidiárias detenham mera participação, sem influência).
As classificações “coligadas" e "simples participação" foram criadas pelo governo Bolsonaro. Até a gestão anterior, o governo trabalhava somente com o número de estatais de controle direito e subsidiárias (controle indireto). Segundo o secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, Salim Mattar, o objetivo da reclassificação foi mostrar para toda a sociedade o tamanho do Estado e a influência que ele tem em diversas empresas.

Número de estatais federais

Depois de um novo levantamento e também de uma atualização metodológica, o governo concluiu que possuía mais estatais do que esperava: 208, sendo que quatro delas foram desestatizadas recentemente, restando 204. Confira:
Infográfico:
1 - Dados usando a metodologia antiga, herdada do governo Temer
2 - Dados atualizados a partir do novo levantamento do governo Bolsonaro
Fonte: Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais/Boletim das Estatais Federais infografia: Chantal Wagner / Gazeta do Povo Mais infográficos

In Brazil, Growing Inequality Fuels Fires Burning The Amazon - Marina Guimarães

In Brazil, Growing Inequality Fuels Fires Burning The Amazon

View of fire from the BR163 highway, near Itaituba, Para state, Brazil, in the Amazon rainforest, on September 10, 2019. (Photo by Nelson Almeida/AFP via Getty Images)
This article was originally published in Latin America News Dispatch. View the original story here.

NEW YORK — The fires in the Brazilian Amazon continue to burn more than two months after they first darkened the skies of São Paulo and caused an international outcry. As the rainforest speeds closer to its tipping point, when it will no longer be able to recover from deforestation, most of the outrage is focused on Brazilian President Jair Bolsonaro’s environmental policies. But experts say the fires will continue, even if Bolsonaro changes these policies.
The country’s extreme social and economic inequality also contributes to deforestation. The number of fires in the rainforest tripled from 2018 to 2019, mirroring the growth of inequality in Brazil. According to a study conducted by FGV Social, a Brazilian higher education institution and think tank, inequality in the country has grown steadily since the end of 2014, with the income of the poorest half of the population declining 17 percent and the income of the richest 1 percent growing by 10 percent. The study cites higher cost of education and a rising unemployment rate as the main reasons for these numbers.
Gabriel Santos is a member of the Brazilian political movement Acredito, which aims to decrease inequality in the country and engage more Brazilians in politics. Santos, who came to New York City for last month’s Climate Week, running in conjunction with the United Nations General Assembly, said the sole focus on the environment in combating the Amazon fires is the wrong approach.
“Deforestation and preservation are also economic, social and political matters,” Santos said. “The singular focus on the environmental question, however, ignores all other factors that also contribute to deforestation.”
Data provided by the Brazilian Institute of Geography and Statistics shows that 40 percent of Brazilians older than 25 did not finish elementary school. Schools play an important role in teaching young Brazilians about conservation and sustainability, but they fail to do so when their students drop out. “How do you expect people who have never had access to education to be aware that they are indeed committing a serious crime, mostly in times of an economic crisis?” Santos said. “Of course, there are people who are consciously deforesting, but that is not always the case, and this is something we need to start talking about.”
Brazil is the world’s largest exporter of beef, and 80 percent of the rainforest’s deforestation is related to cattle ranching, according to the Yale School of Forestry and Environmental Studies. The land’s low cost and relatively easy transportation make cattle ranching a profitable and attractive business opportunity, together with soy cultivation in the Amazon, the study said. But the perceived economic benefits aren’t the only reason people are burning the rainforest, said Frederico Seifert, a finance manager at an environmental performance analysis company in Brazil called SITAWI.
“There is a predominantly false idea among some people in the region that burning up trees in the Amazon to make space for cattle and soy cultivation is an easy way out to make profit out of the forest, mostly poor Brazilians after the financial collapse,” Seifert said. He added that this idea undermines other reasons people set fires in the Amazon. “Socially, Brazil is still behind, and this is one of the main issues that affect all significant areas in the country. Environmental consciousness is missing. People need to be educated and be aware that we actually need the Amazon.”
The rhetoric of Bolsonaro and his administration hasn’t helped raise this consciousness. Before he assumed office, Bolsonaro chose Ernesto Araújo as Brazil’s next foreign minister, despite —or perhaps because of— Araújo’s claims that climate change is a Marxist plot, echoing some of Bolsonaro’s own beliefs. In August, Bolsonaro fired Ricardo Galvão, the director of Brazil’s National Space and Research Institute, known as INPE, after Galvão said deforestation was 88 percent higher in June 2019 than it was in the same month in 2018. In response, Bolsonaro called INPE’s findings “lies” and said two months later at his first UN General Assembly that the forest remains “untouched despite related NASA data which proves the increase of the fires.”

Some of Bolsonaro’s non-environmental policies are also contributing to the inequality growth, critics say, which may add fuel to the fires. Since his inauguration, Bolsonaro has been trying to transfer control of decisions on Indigenous land rights from Funai, a Brazilian agency that works for the protection of the Indigenous, to the Ministry of Agriculture, a move largely seen as reducing the power of the Indigenous and transferring it to large-scale farmers and other industries that want to develop the Amazon.
Franz Baumann, former United Nations special adviser on environment and peace operations, connected the Bolsonaro administration’s actions directly to the Amazon fires. “There have always been fires in Brazil — man-made, since natural ones are quite rare — but the uptick this year, induced by the new government, is concerning,” Baumann wrote in an email.
While opening up the Amazon for development could allow for short-term economic growth for some Brazilians, it doesn’t address the lack of education that lies at the heart of the country’s inequality. Seifert said addressing this issue is crucial in saving the Amazon. Banning deforestation alone isn’t enough.
“Environmental policies need to achieve more of an economic character,” Seifert said. “Otherwise this problem will never end. Brazil needs to stimulate the national economy so that it will grow, and people won’t feel the need to deforest anymore.”

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Roberto Campos e a utopia constitucional - Paulo Roberto de Almeida

Paulo Roberto de Almeida: A Constituição Contra o Brasil

(Podcast) 

https://www.youtube.com/watch?v=V9cKqjispGI

O autor e diplomata Paulo Roberto de Almeida, esclareceu quantas constituintes o Brasil teve e porque a Constituição age contra o desenvolvimento do país. Resenha escrita: https://politicaedireito.org/br/2019/10/21/a-constituicao-contra-o-brasil/


“Na constituinte de 1988, a lógica econômica entrou de férias” – Roberto Campos. 

https://youtu.be/V9cKqjispGI


VIII Conferência sobre Relações Exteriores - Funag/IRI-USP, 11-12/11/2019



A Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) e o Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP) organizarão a VIII Conferência sobre Relações Exteriores (CORE) nos dias 11 e 12 de novembro de 2019, no auditório da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin da USP, São Paulo-SP.

      A CORE oferece espaço para reflexão e debate entre o Ministério de Relações Exteriores, a comunidade acadêmica e o setor privado sobre o cenário internacional, o pensamento diplomático e a política externa brasileira.

     O tema geral da conferência é “O Brasil e as tendências do cenário internacional”. O evento contará com os seguintes painéis:
  • O grande tabuleiro: as relações entre EUA e China no século XXI: diagnóstico e perspectivas;
  • O novo panorama latino-americano: O Brasil e seu entorno regional;
  • A inserção comercial do Brasil: panorama das principais negociações comerciais em que o país está engajado;
  • Perspectivas do BRICS na ordem internacional no século XXI;
  • A acessão do Brasil à OCDE: principais desafios e implicações;
  • Diplomacia científica e diplomacia da inovação: principais desafios para o Brasil;
  • A agenda de infraestrutura: como atrair os investidores estrangeiros e garantir o financiamento dos projetos.

     Confira o programa tentativo da conferência:
http://funag.gov.br/images/2019/Novembro/VIII_CORE_Programa.pdf

Economic strategy of China: internal market - Zhang Jun

Um professor da Universidade Fudan, em Shanghai, fala abertamente de "disastrous Great Leap Forward and fanatical Cultural Revolution", ainda que publicado em Hong Kong.


China must tap the potential of its huge domestic market for economic growth to become a truly modern nation
To reach its centenary goal of being a ‘great socialist country’, China needs another three decades of strong growth. This is possible only if it transforms its growth model to spur a sharp and sustainable increase in home-grown demand
Prof Zhang Jun
South China Morning Post, Hong Kong – 17/10/2019

Two years ago, Chinese President Xi Jinping declared  that by the time the People’s Republic celebrates its centenary in 2049, it should be a “great modern socialist country” with an advanced economy. To achieve this ambitious goal, China will need to secure another three decades of strong economic performance and inclusive development. The question is how. 
The first step towards answering this question is to understand what has driven China’s past successes.
The People’s Republic did not thrive from the very start. On the contrary, Mao Zedong’s highly dogmatic and centralised approach, embodied in the disastrous Great Leap Forward and fanatical Cultural Revolution, not only prevented the country from advancing technologically; it pushed the economy to the brink of collapse.
Everything changed in 1978, when Mao’s successor Deng Xiaoping launched his strategy of “reform and opening up”. Thanks to that change of course – which emphasised constant experimentation, monitoring and adaptation – China shifted onto the fast track towards industrialisation, fuelled by strong export growth and guided by lessons from countries that had recently become high-performing economies.
During this process, China’s government encouraged inflows of foreign capital to spur growth in sectors with potential comparative advantages. As those sectors became globally competitive, they helped to drive gradual structural change, capital accumulation, and productivity and employment growth.
This approach meant that China’s economy, despite its sizeable domestic market, became hugely dependent on external trade. According to the World Bank, trade amounted to nearly 38 per cent of gross domestic product in 2017 – still a remarkably high rate, especially for such a large country.
In reality, the processing trade accounts for a large share of this total – over half, for most of the past 40 years – and has relied largely on foreign direct investment.
At first, China did not even import the materials for processing, owing to a lack of equipment and know-how; instead, it largely processed and assembled customer-provided materials. And when China began to acquire the needed equipment, it came largely from foreign investors. It was only in the 1990s that China began to process a larger share of imported materials.
This slow start underscores China’s strategy of leveraging advanced economies’ strengths to help it overcome its own weaknesses. But, given institutional distortions, including financial-sector discrimination against private enterprises, perhaps a better way for Chinese companies to join global value chains was through “excessive” use of foreign capital.
As China accumulated experience and capital – a process that accelerated in the 1990s – it doubled down on this approach, opening up frontier cities (such as Shanghai) and regions (like the Yangtze River Delta), to attract more FDI. China’s government also encouraged local enterprises to form joint ventures with their foreign counterparts. As a result, China became a global manufacturing centre.
But far from settling into its position near the bottom of global value chains, China continued its upward climb, pursuing rapid technological progress and constant industrial upgrading. China has thus been able to reduce its dependence on foreign capital dramatically over the past 15 years.
Within the past decade, however, China’s growth has slowed significantly. Given the long-term nature of the factors underlying the downturn – including weaker global demand for Chinese exports, an extremely high ratio of manufacturing value-added to GDP, and a declining working-age population – this trend is likely to continue. If China is to achieve advanced-economy status by 2049, it will therefore need to make significant changes to its growth model.
China’s leadership recognises this. Having acknowledged that the country’s days of double-digit GDP growth are probably over, the authorities are working to contain credit growth and, more broadly, to curb debt and financial risk to manage the trend of slowing growth. Moreover, it has been trying to foster new growth in hi-tech sectors. To that end, it has accelerated the opening up of capital and financial markets.
But, to realise Xi’s vision, China must go further, fundamentally transforming its growth model to ensure the generation of greater income growth within its domestic market. Thus, a sharp and sustainable increase in domestic demand is key. This will require, for starters, continued rapid urbanisation, with the population of more developed cities increasing by 200-250 million over the next 30 years.
Furthermore, achieving Xi’s goal will depend on continued growth in demand for physical infrastructure and massive corporate investment in machinery and equipment. This would require faster progress on opening up access to depressed and protected market sectors, especially the services sector, not only to foreign enterprises, but also – and more importantly – to private Chinese firms.
In short, China must make its considerable size a source of growth.
The focus on exports has undoubtedly served China well over the past four decades. But, over the next 30 years, the key to success will be to release the massive potential of China’s domestic market, especially by clearing institutional barriers that impede the expansion of private enterprises’ creativity. Only then can China move beyond imitating its more developed counterparts to leading the world in innovation.

Zhang Jun is dean of the School of Economics at Fudan University and director of the China Centre for Economic Studies, a Shanghai-based think tank. Copyright: 
Project Syndicate

Liberalização cambial no Brasil, prós e contras - Paulo Nogueira Batista Jr., Gustavo Franco

Folha de S. Paulo – O Brasil deve avançar na liberalização do mercado de câmbio? NÃO / Artigo / Paulo Nogueira Batista Júnior

19/10

Paulo Nogueira Batista Júnior
Economista, lançou recentemente o livro ‘O Brasil não cabe no quintal de ninguém’ (ed. LeYa)

Um passo ambicioso para as condições da economia brasileira

Paulo Nogueira Batista Júnior

O projeto de liberalização cambial apresentado ao Congresso é muito ambicioso e chega a ser irrealista, pois não condiz com o estágio de desenvolvimento e a situação da economia do país. O que se propõe é instituir a livre movimentação de capitais, aumentar a conversibilidade do real e facilitar a abertura de contas em moeda estrangeira no Brasil.

Valendo-se de um artifício costumeiro, o Banco Central mistura essas questões macroeconômicas altamente controvertidas com objetivos válidos como a modernização e a desburocratização do mercado de câmbio. O desafio, entretanto, é alcançar esses objetivos meritórios sem fragilizar a posição internacional brasileira. Não é o que se vê no projeto do governo federal, que conduzirá, se aprovado, ao aumento da vulnerabilidade externa e ao risco de dolarização da economia.

As propostas são apresentadas com o argumento ingênuo de que representam “alinhamento aos melhores padrões internacionais”, tais como os códigos de liberalização de capitais da OCDE. Ignora-se o fato elementar de que regras de política que convêm a países altamente desenvolvidos, como são em sua grande maioria os membros da OCDE, nem sempre são as que convêm a países em desenvolvimento como o Brasil. Ignora-se, também, que as economias emergentes bem-sucedidas são as que disciplinam o movimento de capitais —China, Índia e outras asiáticas. E que muitos países da América Latina, ao se aventurarem prematuramente pelo caminho da liberalização dos movimentos de capital, sofreram episódios de instabilidade econômica que terminaram por abortar o seu desenvolvimento.

As condições da economia brasileira estão longe de permitir passos tão ambiciosos. A situação fiscal é sabidamente problemática, ainda que não seja catastrófica, como frequentemente se afirma.

A dívida pública tem crescido como proporção do PIB, e grande parte da dívida interna é de prazo curto. Mesmo as contas externas, invocadas para argumentar que a liberalização não ofereceria riscos, não são tão invulneráveis quanto se imagina. O déficit do balanço de pagamento em conta corrente é relativamente baixo, mas tenderá a aumentar quando a economia se recuperar.

As reservas internacionais são altas, mas o Brasil não dispõe de um grande volume de reservas excedentes. Em termos de M2, agregado monetário usado como proxy para fuga potencial de capitais, as reservas brasileiras são baixas quando comparadas às de outros países emergentes.

Vale notar que o discurso das autoridades econômicas tem sido espantosamente incongruente. O ministro da Economia, Paulo Guedes, vive repetindo que o Estado brasileiro “quebrou”, “entrou em colapso”, “está insolvente”. Ao mesmo tempo, o presidente do Banco Central propõe medidas ambiciosas de liberalização cambial e chega a afirmar que gostaria de ver a conversibilidade implementada em um prazo de dois a três anos.

A proposta de ampliar a possibilidade —hoje restrita a segmentos específicos— de pessoas físicas e jurídicas abrirem contas em moedas estrangeiras dentro do país é outra ideia infeliz. Sempre houve resistência no Brasil a seguir esse caminho, que desembocou em elevada dolarização dos sistemas financeiros na América Latina e em outras regiões do mundo.

O que o Banco Central pretende com o projeto de lei é obter carta branca para aumentar o leque de contas em moeda estrangeira no Brasil, prometendo conduzir o processo de forma “gradual e prudente”. A promessa deve ser recebida com cautela pelos parlamentares. Não é recomendável que um assunto dessa importância seja decidido em circuito fechado por um grupo de tecnocratas e financistas alojados na direção do Banco Central e no Conselho Monetário Nacional.


Gustavo Franco

Ex-presidente do Banco Central (1997-99) e um dos formuladores do Plano Real, é doutor em economia pela Universidade Harvard e fundador da Rio Bravo Investimentos

Ideias mudaram após 25 anos de reservas e de moeda estável

Gustavo Franco
Tudo o que o Banco Central almeja com a iniciativa é correto e meritório, como se lê em seu website: “favorecer o ambiente de negócios, particularmente o comércio exterior e a atratividade dos investimentos estrangeiros, maior desenvolvimento aos mercados financeiro e de capitais”.

Quem é contra essa pauta, é ruim da cabeça ou doente do pé. Acho, todavia, que a maior parte do trabalho de liberalização cambial já estava praticamente completo em 2006 (lei 11.371, assinada pela trinca neoliberal Lula-Mantega-Meirelles) quando foi alterada uma lei de 1933 que obrigava os exportadores a internalizarem as divisas que produziam.

Logo antes tinha havido a unificação dos mercados de câmbio (comercial e flutuante, e isso não precisou de lei), e na ocasião os dirigentes do Banco Central circulavam com uma apresentação power point que, no slide 18, dizia “tudo é permitido (desde que haja identificação)”. Tempos heroicos.

O histórico detalhado desse percurso está nos capítulos 3 e 4 do meu livro, “A Moeda e a Lei” (ed. Zahar). Hoje em dia, a televisão não dá mais a cotação do paralelo, mas até na novela tem merchandising —ou impulsionamento de conceitos. Pois, então, temos aqui uma pequena recomendação de leitura.

Bem, desde os anos 1990 vínhamos enfrentando um problema estético: as disposições legais sobre moeda estrangeira estavam dispersas em muitas leis, de várias safras, algumas bem antigas. Nada que prejudicasse a vigência de uma regulamentação cambial consistente com a globalização, que se fazia no nível “infralegal”, como dizem os advogados.

Era um problema de estética legislativa, não de segurança jurídica. Lembrem-se que existem medidas provisórias, e que tudo que for revogado agora poderá voltar de um dia para outro em uma canetada. Pois bem, um projeto de consolidação já tramitava no Congresso desde meados dos anos 1990, ao menos, mas não era a única ideia circulando sobre esse tema.

Lembro bem do ex-senador Mauro Benevides (CE), pai do atual deputado de mesmo nome e assessor econômico de Ciro Gomes durante a campanha de 2017. Ele, o pai, tinha um projeto cujo título era “o estatuto do capital estrangeiro”. O objetivo era a reforma da lei 4.131/62 (que disciplina a aplicação do capital estrangeiro e as remessas para o exterior), mas numa direção imensamente mais restritiva, o contrário do que pretendíamos.

O Banco Central nunca quis apoiar o projeto do simpático senador Benevides, nem nada parecido, ou sobre o mesmo tema, e a razão era explicada por uma fala bem-humorada do próprio senador, sempre lembrada no BC: “Se vocês não gostarem do meu projeto, mandem o de vocês. O relator serei eu mesmo, a gente combina o produto final”, dizia Benevides.

Na nossa percepção, a intersecção entre as ambições liberalizantes do BC, que continuam as mesmas, e as do senador, eram inexistentes.

O problema hoje não é o projeto do BC —que é bom e se parece com minutas que eu vi circular nos anos 1990—, mas com o substitutivo do relator, que vamos conhecer em meses. Se tudo der certo, não haverá retrocesso.

Depois de um quarto de século de moeda estável e de muitas reservas cambiais, as ideias sobre câmbio progrediram. Muitos preconceitos arraigados sobre assuntos cambiais se tornaram obsoletos. Ou não. Tomara que sim, mas temo que não.

Acharia mais prudente deixar que o tempo continuasse a operar a sua mágica e não correria tantos riscos por conta da introdução de contas em dólares para pessoas físicas. Na época da inflação era assunto explosivo e desestabilizador. Hoje, me parece assunto velho e inútil, como o limite de US$ 500 para quem viaja, que está parado há muitos anos (não confundir com compras free shop, outro assunto velho).