O "exchange" abaixo só pode ser compreendido no contexto de meu artigo sobre a integração sul-americana, objeto de meu post 1169 (mais abaixo), neste link.
Depois de ler o artigo, minha correspondente desconhecida formulou os comentários que seguem abaixo. Respondi o que vai transcrito logo a seguir.
Integração econômica reginal: bolivarianos e anti-alcalinos
Anônimo Glaucia disse...
Professor,
No todo, gosto. Apenas não entendo a insistência em diminuir sistematicamente (e sem razão aparente) tudo o que é latino- ou sul-americano.
Dois momentos em que fica evidente essa pré-disposição: um, a observação (ponto 2) de que os intercâmbios da Alba se dariam "entre os poucos paises membros", quando aquela organização conta hoje 9 paises membros - constituindo, nesse aspecto, o mais numeroso "bloco econômico" do(s) continente(s).
Dois, a resistência de Brasil, Argentina e Venezuela a uma Alca que você proprio reconhece como um tratado de adesão é atribuida a "[e]ssa pequena coalizão de paises". Uma pequena coalizão das três maiores economias do continente fora do NAFTA. Não pareceria estranho chamar Alemanha, França e Reino Unido de "pequena coalizão de paises" nas negociações com a UE?
O mais curioso é que parece haver uma enorme ala do Itamaraty que resiste bravamente à politica de Estado (se me permite chamar assim uma politica adotada sistematicamente por todos os governos pos-Ditadura) de aproximação com nossos vizinhos, assoprando pelos cantos - por razões para mim obscuras - que o melhor era retornarmos nossas baterias de volta para o circuito Elizabeth Arden.
Haveria uma experiência comum tão ruim assim com os hermanos que justificasse esse posicionamento - que parece ao leigo, não digo ir contra, mas ir bem além das razões objetivas pelas quais a integração avança lentamente?
Domingo, Junho 28, 2009 6:05:00 AM
Meus comentários em resposta:
Glaucia,
Respondo a seus comentários, em primeiro lugar seu entendimento, que considero totalmente equivocado, de que insisto em diminuir "tudo o que é latino- ou sul-americano".
Tenho muitos artigos e pelo menos três livros sobre os processos de integração na América Latina em geral, no Mercosul em particular, e tenho sido um defensor inequivoco da integração econômica. Apenas não faço desse processo um nec plus ultra, um fim em si mesmo, um nirvana integracionista que solucionaria todos os problemas existentes na região.
Não se deve ter nenhuma ilusão quanto aos limites objetivos desses processos para a solução dos problemas mais importantes da região, que todos se situam na governança democrática, no crescimento econômico com redistribulção de renda, posto que seus problemas sociais se situam todos na desigualdade, pobreza, miséria, concentração de renda, má qualidade das instituições, baixissimos npiveis educacionais, corrupção e outros males do gênero.
A integração permite, apenas e tão somente, capacitar melhor o sistema econômico, ou pelo menos deveria, se fosse conduzida em seus propósitos originais, que compreendem abertura econômica recíproca, liberalização comercial, redução de barreiras em geral para economias de escala e modernização tecnológica (o que não é exatamente o que vem ocorrendo nos últimos tempos, tanto no Mercosul, quanto nos países ditos bolivarianos, nos quais se assiste ao retorno do estatismo e do nacionalismo velho estilo).
Mas, vamos aos seus pontos:
1) "um, a observação (ponto 2) de que os intercâmbios da Alba se dariam "entre os poucos paises membros", quando aquela organização conta hoje 9 paises membros - constituindo, nesse aspecto, o mais numeroso "bloco econômico" do(s) continente(s)."
PRA: Com exceção da Venezuela, e agora, do Equador, todas as demais economias são menores, para não dizer minúsculas (Caribe). A Bolívia dispõe de reservas de petróleo e gás, como o Equador, mas sua exploração envolve recursos, know-how e tecnologia que nenhum deles dispõe, inclusive a Venezuela, daí a necessidade de investimentos externos que vêm sendo espantados pelas políticas discriminatórias.
Quanto à real importância da Alba, sugiro que você leia o tratado constitutivo, disponível no portal da Alba: jamais houve tratado igual, ou similar, nos anais da diplomacia, desde Nabucodonosor, talvez.
Se aquilo é integração, eu ofereço minha biblioteca toda a quem me provar que os bolivarianos vão conseguir integrar suas economias.
2) "Dois, a resistência de Brasil, Argentina e Venezuela a uma Alca que você proprio reconhece como um tratado de adesão é atribuida a "[e]ssa pequena coalizão de paises". Uma pequena coalizão das três maiores economias do continente fora do NAFTA. Não pareceria estranho chamar Alemanha, França e Reino Unido de "pequena coalizão de paises" nas negociações com a UE?"
PRA: Você confunde completamente as coisas. França e Alemanha se uniram desde 1951, e depois em 1957, para constituir um mercado comum e encerrar três guerras terríveis. Todo o resto é secundário. Reino Unido resolveu entrar depois no experimento, depois de liderar uma zona de livre-comércio também exitosa, a EFTA.
Brasil, Argentina e Venezuela recusaram, por certo, o projeto americano de uma ZLC desequilibrada, mas tampouco conseguiram concretizar uma ZLC entre si, e as promessas de mercado comum continuam não só distantes, como se distanciando cada vez mais, com as restrições existentes e crescentes.
O NAFTA é a maior ZLC do mundo, depois da UE, que também é uma ZLC. Os três países da América do Sul constituem três grandes economias que ainda não decidiram efetuar a liberalização recíproca e sua recusa da Alca não se prende a razões econômicas, mas basicamente políticas.
Terceiro ponto levantado por você:
"O mais curioso é que parece haver uma enorme ala do Itamaraty que resiste bravamente à politica de Estado (se me permite chamar assim uma politica adotada sistematicamente por todos os governos pos-Ditadura) de aproximação com nossos vizinhos, assoprando pelos cantos - por razões para mim obscuras - que o melhor era retornarmos nossas baterias de volta para o circuito Elizabeth Arden."
PRA: Engano seu. O Itamaraty em seu conjunto é favorável à integração regional, subsistindo apenas posições de cautela quanto ao sentido dessa integração, posto que as modalidades seguidas podem apresentar impacto sobre outros aspectos da economia e da política do Brasil.
Como disse, existem aqueles que fazem da integração um fim em si mesmo, e aqueles que a consideram apenas um meio para alcançar outros fins.
Retomando meus primeiros comentários, eu diria que a integração é o rabo comercial que não pode abanar o cachorro do desenvolvimento, portanto existem limites às suas possibililidades objetivas.
Racionalidade econômico e análise de custo-benefício sempre são importantes, mesmo em projetos considerados prioritários como a integração regional. Não é porque é dito prioritário que se vai deixar essa análise de lado.
Bons sentimentos e simpatia não são nunca bons substitutos à racionalidade estrito senso.
Se você quer saber por que a integração avança lentamente, precisaria fazer uma análise detalhada das políticas econômicas nacionais (macroeconômicas e setoriais).
A experiência é boa, repito, e deve ser perseguida, continuada e sustentada, mas não pode ser feita em detrimento de uma análise objetiva de seus custos e benefícios, de seu impacto global sobre o país e de sua capacidade (muito modesta, segundo minhas análises) de transformar realmente o Brasil). Desenvolvimento é algo profundamente interno e não é a integração que realiza o processo, como a experiência da Irlanda demonstra. A integração pode até ajudar um pouco, mas o principal deve ser feito internamente.
Em todo caso, muito grato pelos seus comentários que me ajudam a expor com mais clareza minhas posições. Seria mais fácil responder diretamente, mas posto que você prefere permanecer anônima, terá de ler os comentários aos seus comentários...
Paulo Roberto de Almeida.
28.06.2009
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
domingo, 28 de junho de 2009
sexta-feira, 26 de junho de 2009
1175) Curso na ESPM-SP: A Ordem Mundial e as Relações Internacionais do Brasil - 13 a 17 de julho
A Ordem Mundial e as Relações Internacionais do Brasil
Curso de Paulo Roberto de Almeida
ESPM-SP, de 13 a 17 de julho de 2009 das 19h às 22h30
Breve descrição: Uma atualização crítica sobre aspectos políticos, econômicos e tecnológicos da ordem internacional contemporânea. Serão enfocados os principais problemas da agenda diplomática mundial e a forma como o Brasil interage em cada uma dessas vertentes, no contexto da globalização e da internacionalização de seu sistema econômico.
Data: de 13 a 17/07/2009, 40 vagas
Duração: 15 h, noturno; Horário: das 19h às 22h30
Custo: R$ 700,00 (preço 2: R$ 770,00)
Local: ESPM-SP - Rua Dr. Álvaro Alvim, 123 - Vila Mariana - 04018-010 - São Paulo, SP; Mapa de localização.
Mais informações pelo telefone (11) 5085-4600 ou pelo e-mail ci@espm.br
Outras informações sobre o curso e inscrições.
Conteúdo do curso: O atual contexto geopolítico mundial e a estrutura econômica internacional contemporânea constituem as duas grandes vertentes deste curso, que tem por meta atualizar os participantes a respeito da agenda internacional e do posicionamento do Brasil neste cenário. Uma atualização crítica: a idéia é pensar o mundo de forma macro. O programa é dividido em cinco partes, uma para cada dia de aula:
1) “A ordem política mundial do início do século XXI e o Brasil”
2) “A ordem econômica mundial e a inserção internacional do Brasil”
3) “Economias emergentes no contexto mundial: desafios e perspectivas”
4) “O Brasil no contexto dos Brics: anatomia de um novo grupo”
5) “O regionalismo sul-americano e o papel político-econômico do Brasil”.
Metodologia: As aulas são apoiadas em uma apostila e uma ampla bibliografia, na exposição de conceitos e na discussão em sala, em interação com os alunos sobre as questões selecionadas e outras sugeridas durante o curso.
Professor: Paulo Roberto de Almeida, diplomata de carreira, doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas, mestre em Planejamento em Econômico, professor de Economia Política Internacional no mestrado em Direito do Uniceub (Centro Universitário de Brasília), orientador do mestrado em Diplomacia do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Site.
Objetivos: Informar, analisar e debater, com os participantes do curso, os aspectos políticos, econômicos e tecnológicos da ordem internacional contemporânea. Serão enfocados os principais problemas da agenda diplomática mundial e a forma como o Brasil interage em cada uma de suas vertentes, no contexto da globalização e da internacionalização de seu sistema econômico.
A quem se destina: A estudantes de humanidades em geral, de cursos de Relações Internacionais, em particular, mas também a todos os que estudam temas de alguma forma afetos aos negócios globais, em nível de graduação ou especialização em administração (com foco em global business). Deve interessar, igualmente, a homens de negócio, assim como a quaisquer outros profissionais interessados em atualizar conhecimentos sobre a agenda internacional (negociações comerciais multilaterais e regionais, crises financeiras, temas globais) e sobre a diplomacia brasileira em particular.
Programa:
1. A ordem política mundial do início do século XXI e o Brasil
1.1. Segurança estratégica e equilíbrios geopolíticos: interesses do Brasil
1.2. Relações entre as grandes potências e conflitos regionais: a América do Sul
1.3. Cooperação política e militar nas zonas de conflitos: o Conselho de Segurança
2. A ordem econômica mundial e a inserção internacional do Brasil
2.1. Regulação cooperativa das relações econômicas internacionais
2.2. Assimetrias de desenvolvimento: crescimento e investimentos estrangeiros
2.3. Cooperação multilateral e Objetivos do Milênio
2.4. Recursos energéticos e padrões de sustentabilidade: o papel do Brasil
3. Economias emergentes no contexto mundial: desafios e perspectivas
3.1. Evolução recente das economias emergentes no contexto mundial
3.2. Acesso a mercados e negociações comerciais multilaterais
3.3. O Brasil no contexto das economias emergentes: desafios e limitações
4. O Brasil no contexto dos Brics: anatomia de um novo grupo
4.1. O que são, como evoluíram e o que pretendem os Brics
4.2. Impacto dos Brics na economia mundial e desta nos Brics
4.3. O Brasil e as implicações geoeconômicas e geostratégicas do novo grupo
5. O regionalismo sul-americano e o papel político-econômico do Brasil
5.1. Contexto político da América do Sul em perspectiva histórica
5.2 Os processos de integração regional e a evolução da posição do Brasil
5.3. Integração regional: origens e evolução do Mercosul, crise e estagnação
5.4. Desafios do Mercosul no contexto regional e mundial: perspectivas.
Palavras-chave para o mecanismo de consulta do site da ESPM: Relações econômicas internacionais, agenda política mundial, países emergentes, integração regional, América do Sul, política externa do Brasil.
-------------
Paulo Roberto de Almeida
pralmeida@mac.com
www.pralmeida.org
Blog
Curso de Paulo Roberto de Almeida
ESPM-SP, de 13 a 17 de julho de 2009 das 19h às 22h30
Breve descrição: Uma atualização crítica sobre aspectos políticos, econômicos e tecnológicos da ordem internacional contemporânea. Serão enfocados os principais problemas da agenda diplomática mundial e a forma como o Brasil interage em cada uma dessas vertentes, no contexto da globalização e da internacionalização de seu sistema econômico.
Data: de 13 a 17/07/2009, 40 vagas
Duração: 15 h, noturno; Horário: das 19h às 22h30
Custo: R$ 700,00 (preço 2: R$ 770,00)
Local: ESPM-SP - Rua Dr. Álvaro Alvim, 123 - Vila Mariana - 04018-010 - São Paulo, SP; Mapa de localização.
Mais informações pelo telefone (11) 5085-4600 ou pelo e-mail ci@espm.br
Outras informações sobre o curso e inscrições.
Conteúdo do curso: O atual contexto geopolítico mundial e a estrutura econômica internacional contemporânea constituem as duas grandes vertentes deste curso, que tem por meta atualizar os participantes a respeito da agenda internacional e do posicionamento do Brasil neste cenário. Uma atualização crítica: a idéia é pensar o mundo de forma macro. O programa é dividido em cinco partes, uma para cada dia de aula:
1) “A ordem política mundial do início do século XXI e o Brasil”
2) “A ordem econômica mundial e a inserção internacional do Brasil”
3) “Economias emergentes no contexto mundial: desafios e perspectivas”
4) “O Brasil no contexto dos Brics: anatomia de um novo grupo”
5) “O regionalismo sul-americano e o papel político-econômico do Brasil”.
Metodologia: As aulas são apoiadas em uma apostila e uma ampla bibliografia, na exposição de conceitos e na discussão em sala, em interação com os alunos sobre as questões selecionadas e outras sugeridas durante o curso.
Professor: Paulo Roberto de Almeida, diplomata de carreira, doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas, mestre em Planejamento em Econômico, professor de Economia Política Internacional no mestrado em Direito do Uniceub (Centro Universitário de Brasília), orientador do mestrado em Diplomacia do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Site.
Objetivos: Informar, analisar e debater, com os participantes do curso, os aspectos políticos, econômicos e tecnológicos da ordem internacional contemporânea. Serão enfocados os principais problemas da agenda diplomática mundial e a forma como o Brasil interage em cada uma de suas vertentes, no contexto da globalização e da internacionalização de seu sistema econômico.
A quem se destina: A estudantes de humanidades em geral, de cursos de Relações Internacionais, em particular, mas também a todos os que estudam temas de alguma forma afetos aos negócios globais, em nível de graduação ou especialização em administração (com foco em global business). Deve interessar, igualmente, a homens de negócio, assim como a quaisquer outros profissionais interessados em atualizar conhecimentos sobre a agenda internacional (negociações comerciais multilaterais e regionais, crises financeiras, temas globais) e sobre a diplomacia brasileira em particular.
Programa:
1. A ordem política mundial do início do século XXI e o Brasil
1.1. Segurança estratégica e equilíbrios geopolíticos: interesses do Brasil
1.2. Relações entre as grandes potências e conflitos regionais: a América do Sul
1.3. Cooperação política e militar nas zonas de conflitos: o Conselho de Segurança
2. A ordem econômica mundial e a inserção internacional do Brasil
2.1. Regulação cooperativa das relações econômicas internacionais
2.2. Assimetrias de desenvolvimento: crescimento e investimentos estrangeiros
2.3. Cooperação multilateral e Objetivos do Milênio
2.4. Recursos energéticos e padrões de sustentabilidade: o papel do Brasil
3. Economias emergentes no contexto mundial: desafios e perspectivas
3.1. Evolução recente das economias emergentes no contexto mundial
3.2. Acesso a mercados e negociações comerciais multilaterais
3.3. O Brasil no contexto das economias emergentes: desafios e limitações
4. O Brasil no contexto dos Brics: anatomia de um novo grupo
4.1. O que são, como evoluíram e o que pretendem os Brics
4.2. Impacto dos Brics na economia mundial e desta nos Brics
4.3. O Brasil e as implicações geoeconômicas e geostratégicas do novo grupo
5. O regionalismo sul-americano e o papel político-econômico do Brasil
5.1. Contexto político da América do Sul em perspectiva histórica
5.2 Os processos de integração regional e a evolução da posição do Brasil
5.3. Integração regional: origens e evolução do Mercosul, crise e estagnação
5.4. Desafios do Mercosul no contexto regional e mundial: perspectivas.
Palavras-chave para o mecanismo de consulta do site da ESPM: Relações econômicas internacionais, agenda política mundial, países emergentes, integração regional, América do Sul, política externa do Brasil.
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Paulo Roberto de Almeida
pralmeida@mac.com
www.pralmeida.org
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terça-feira, 23 de junho de 2009
1174) Universidades gastadoras (e pouco produtivas)
Artigo disponível no site do Instituto Federalista (http://www.if.org.br/analise.php)
Gasta-se demais com universidades
Julio César Cardoso, 22/06/2009.
Gasta-se muito dinheiro com universidade para todos, enquanto não se ensina, com solidez, o indivíduo a saber ler, escrever e fazer conta. Matemática financeira então, nem se fala! A maioria não sabe resolver sequer questões do cotidiano: percentagem, juro simples, desconto etc.Não precisamos de tantos doutores, mas sim de formação técnica especializada de nível médio de alta qualidade.
Necessitamos de escolas públicas - 1° e 2.° graus - de excelente qualidade e direcionada à aprendizagem técnica profissionalizante, para que o cidadão saia em condição de poder trabalhar.
Nem todos os indivíduos estão preparados para a carreira superior, muitos preferem trabalhar numa especialização técnica não-universitária. Quantos jovens não sabem qual o curso superior a seguir, mas são pressionados pela família ou pela tendência social a cursar uma faculdade? Depois, trancam o curso, ou pulam para outro, e quando se formam não têm competência profissional.
Tudo porque a exigência exacerbada de formação universitária no País está se transformando num certo modismo (caro), e não numa necessidade profissional para a vida. É preciso que as doutas autoridades que tratam da educação formal brasileira reflitam sobre essa crescente onda de formação universitária.
Universidade para todos é uma medida pedagógica ou política? É preciso que o assunto seja tratado com responsabilidade. O nosso mercado de trabalho tem o perfil universitário ou de conhecimento técnico de nível médio? Muito dinheiro, público e privado, está sendo gasto com universidade como se isso fosse a solução para resolver as diferenças sociais e o desemprego.
Por outro lado, a instituição de cotas raciais universitárias é um grande equívoco e só serve para gerar animosidade entre segmentos sociais. Não devemos esquecer que o branco pobre também sofre as mesmas exclusões sociais. Essa engenhoca credencial, encontrada para rever erros do período da senzala, não tem cabimento porque o problema primordial está localizado na falta de políticas públicas includentes educacionais. Senão, até quando esse pseudorreparo de injustiça escravocrata persistirá?
Assim, enquanto se verifica uma excessiva preocupação governamental com a criação de mais universidades pelo País, a revista britânica A Economist considera que o Brasil gasta demais com universidades, em vez de ensinar a ler e escrever.
Vejamos o comentário do jornal Opinião e Notícia acerca desta matéria:
"A revista britânica Economist ressalta que qualidade da educação brasileira ainda está muito aquém do que se observa em outros países em desenvolvimento. Isso apesar dos altos gastos públicos do País com educação.
Em um teste feito com alunos de várias nacionalidades para verificar suas habilidades em leitura, matemática e ciências, os brasileiros ficaram atrás dos sul-coreanos, chilenos, mexicanos e indonésios, apesar de o Brasil ter a maior porcentagem do PIB gasta com educação, à exceção do México.
A Economist considera que, tal como a Índia, o Brasil ainda gasta demais com suas universidades, em vez de ensinar a ler e escrever. A revista britânica avalia ainda que, apesar dos esforços do governo para colocar as crianças nas escolas, o sistema educacional padece de dois problemas principais: o excesso de faltas ao trabalho dos professores e o alto índice de repetência dos alunos.
Gasta-se demais com universidades
Julio César Cardoso, 22/06/2009.
Gasta-se muito dinheiro com universidade para todos, enquanto não se ensina, com solidez, o indivíduo a saber ler, escrever e fazer conta. Matemática financeira então, nem se fala! A maioria não sabe resolver sequer questões do cotidiano: percentagem, juro simples, desconto etc.Não precisamos de tantos doutores, mas sim de formação técnica especializada de nível médio de alta qualidade.
Necessitamos de escolas públicas - 1° e 2.° graus - de excelente qualidade e direcionada à aprendizagem técnica profissionalizante, para que o cidadão saia em condição de poder trabalhar.
Nem todos os indivíduos estão preparados para a carreira superior, muitos preferem trabalhar numa especialização técnica não-universitária. Quantos jovens não sabem qual o curso superior a seguir, mas são pressionados pela família ou pela tendência social a cursar uma faculdade? Depois, trancam o curso, ou pulam para outro, e quando se formam não têm competência profissional.
Tudo porque a exigência exacerbada de formação universitária no País está se transformando num certo modismo (caro), e não numa necessidade profissional para a vida. É preciso que as doutas autoridades que tratam da educação formal brasileira reflitam sobre essa crescente onda de formação universitária.
Universidade para todos é uma medida pedagógica ou política? É preciso que o assunto seja tratado com responsabilidade. O nosso mercado de trabalho tem o perfil universitário ou de conhecimento técnico de nível médio? Muito dinheiro, público e privado, está sendo gasto com universidade como se isso fosse a solução para resolver as diferenças sociais e o desemprego.
Por outro lado, a instituição de cotas raciais universitárias é um grande equívoco e só serve para gerar animosidade entre segmentos sociais. Não devemos esquecer que o branco pobre também sofre as mesmas exclusões sociais. Essa engenhoca credencial, encontrada para rever erros do período da senzala, não tem cabimento porque o problema primordial está localizado na falta de políticas públicas includentes educacionais. Senão, até quando esse pseudorreparo de injustiça escravocrata persistirá?
Assim, enquanto se verifica uma excessiva preocupação governamental com a criação de mais universidades pelo País, a revista britânica A Economist considera que o Brasil gasta demais com universidades, em vez de ensinar a ler e escrever.
Vejamos o comentário do jornal Opinião e Notícia acerca desta matéria:
"A revista britânica Economist ressalta que qualidade da educação brasileira ainda está muito aquém do que se observa em outros países em desenvolvimento. Isso apesar dos altos gastos públicos do País com educação.
Em um teste feito com alunos de várias nacionalidades para verificar suas habilidades em leitura, matemática e ciências, os brasileiros ficaram atrás dos sul-coreanos, chilenos, mexicanos e indonésios, apesar de o Brasil ter a maior porcentagem do PIB gasta com educação, à exceção do México.
A Economist considera que, tal como a Índia, o Brasil ainda gasta demais com suas universidades, em vez de ensinar a ler e escrever. A revista britânica avalia ainda que, apesar dos esforços do governo para colocar as crianças nas escolas, o sistema educacional padece de dois problemas principais: o excesso de faltas ao trabalho dos professores e o alto índice de repetência dos alunos.
1173) Ação afirmativa: política de cotas para universitários
Transcrevo mais um artigo que me parece relevante sobre a política de cotas que se está implementando em diversas universidades públicas.
Por trás das boas intenções
Mauad João Luiz
O Globo, 4 de junho de 2009
As ações afirmativas são normalmente explicadas ao público como medidas temporárias, que visam a compensar certas debilidades impostas pela opressão racista ou pela desvantagem social. O problema é que o discurso não espelha a realidade, em que elas, longe de redimir desigualdades, são um instrumento poderoso da divisão da sociedade em classes e da concessão de privilégios, os quais, no lugar de remediar injustiças, tornam-se matéria-prima na produção de preconceitos.
A discriminação contra pessoas por razões de classe, gênero, cor da pele, orientação sexual, credo religioso, etc. é absolutamente real, inquestionável. Todos os dias, presenciamos com imenso pesar as suas inúmeras manifestações, graças a Deus menos ostensivas e mais encabuladas hoje do que eram no passado. Porém, esta verdadeira chaga, há muito fincada na dignidade humana, não será removida por atitudes hipócritas, oportunistas e contrárias ao Estado de Direito.
Nas sociedades livres, vigora o princípio universal de que “todos os homens são iguais por natureza e diante da lei”, estampado no preâmbulo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1793. Nossa constituição de 1988 acolheu este preceito em seu artigo quinto, que textualmente estabelece: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”. Mas os constituintes de então não pararam por aí. No Artigo 19º, nossa Lei Maior proclama ainda que: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”.
Não por acaso, nos Estados Unidos, onde a malfadada idéia já foi motivo de intenso debate, por decisão da Suprema Corte as políticas de cotas são proibidas desde 1978. Outras formas de incentivo, como bolsas de estudo e financiamentos a custo reduzido para pessoas de baixa renda são permitidas, mas nada parecido com cotas raciais, pelo simples fato de que ferem o princípio consagrado da isonomia.
Peguemos, por exemplo, a instituição de cotas nas universidades públicas. Além de francamente inconstitucional, como visto acima, a proposta demonstra, por outro lado, a mais absoluta incapacidade dos governos para o exercício de suas funções. Malgrado a imensa arrecadação tributária, próxima a 40% do PIB, os agentes públicos, em seus diversos níveis, não conseguem prover um ensino básico minimamente decente, como claramente demonstrado pelos últimos resultados do ENEM Brasil afora. Pretendem então operar, pela via legal, a mágica de garantir o acesso às universidades, independentemente do mérito ou das qualificações, daqueles cuja boa educação foi impedida pela incompetência do próprio governo.
Essas propostas são usadas para passar a imagem de que os nossos valentes e dedicados políticos estão muito preocupados com a questão. Porém, são políticas que só maquiam o problema, pois passam ao largo do fato primordial, que é a má qualidade do ensino público fundamental. Como iniciativas desse tipo não produzem aumento de vagas nas universidades, no fim das contas alguns serão beneficiados às custas de outros. Os jovens brancos da classe média baixa serão provavelmente os mais prejudicados.
Se, por um lado, o remédio das ações afirmativas deixa clara a incompetência dos governos, ele também encobre uma ferrenha cruzada ideológica. Por trás das boas intenções, redentoras e politicamente corretas, não raro esconde-se a velhaca pretensão marxista de divisão da sociedade em classes. Ao exigir, por exemplo, que certidões de nascimento, carteiras de identidade e outros documentos informem a “raça” de seu portador, visando a futuro benefício, como prevê o Estatuto da Igualdade Racial, se está, na prática, institucionalizando a segregação racial. Onde quer que isso tenha sido feito antes, ainda que com fundadas justificativas, os resultados foram os piores possíveis, como muito bem documentado pelo brilhante Thomas Sowell (ele mesmo um negro), pesquisador da Universidade de Stanford, no ótimo livro “Ações afirmativas ao redor do mundo: um estudo empírico”.
Capacidade intelectual e cognitiva independem da cor da pele ou da condição social. Tratar negros, índios e pobres como se fossem menos capazes do que os demais é, acima de tudo, uma grande humilhação. Definitivamente, não dá para fazer demagogia com um assunto sério como esse.
=======
Para um versão completa deste artigo, ver a revista Banco de Ideias, do Instituto Liberal do Rio de Janeiro (n. 46, mar-abr-maio 2009), neste link: http://www.scribd.com/doc/13134374/Banco-de-Ideias-n-46-MarAbrMai-2009?autodown=pdf
Por trás das boas intenções
Mauad João Luiz
O Globo, 4 de junho de 2009
As ações afirmativas são normalmente explicadas ao público como medidas temporárias, que visam a compensar certas debilidades impostas pela opressão racista ou pela desvantagem social. O problema é que o discurso não espelha a realidade, em que elas, longe de redimir desigualdades, são um instrumento poderoso da divisão da sociedade em classes e da concessão de privilégios, os quais, no lugar de remediar injustiças, tornam-se matéria-prima na produção de preconceitos.
A discriminação contra pessoas por razões de classe, gênero, cor da pele, orientação sexual, credo religioso, etc. é absolutamente real, inquestionável. Todos os dias, presenciamos com imenso pesar as suas inúmeras manifestações, graças a Deus menos ostensivas e mais encabuladas hoje do que eram no passado. Porém, esta verdadeira chaga, há muito fincada na dignidade humana, não será removida por atitudes hipócritas, oportunistas e contrárias ao Estado de Direito.
Nas sociedades livres, vigora o princípio universal de que “todos os homens são iguais por natureza e diante da lei”, estampado no preâmbulo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1793. Nossa constituição de 1988 acolheu este preceito em seu artigo quinto, que textualmente estabelece: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”. Mas os constituintes de então não pararam por aí. No Artigo 19º, nossa Lei Maior proclama ainda que: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”.
Não por acaso, nos Estados Unidos, onde a malfadada idéia já foi motivo de intenso debate, por decisão da Suprema Corte as políticas de cotas são proibidas desde 1978. Outras formas de incentivo, como bolsas de estudo e financiamentos a custo reduzido para pessoas de baixa renda são permitidas, mas nada parecido com cotas raciais, pelo simples fato de que ferem o princípio consagrado da isonomia.
Peguemos, por exemplo, a instituição de cotas nas universidades públicas. Além de francamente inconstitucional, como visto acima, a proposta demonstra, por outro lado, a mais absoluta incapacidade dos governos para o exercício de suas funções. Malgrado a imensa arrecadação tributária, próxima a 40% do PIB, os agentes públicos, em seus diversos níveis, não conseguem prover um ensino básico minimamente decente, como claramente demonstrado pelos últimos resultados do ENEM Brasil afora. Pretendem então operar, pela via legal, a mágica de garantir o acesso às universidades, independentemente do mérito ou das qualificações, daqueles cuja boa educação foi impedida pela incompetência do próprio governo.
Essas propostas são usadas para passar a imagem de que os nossos valentes e dedicados políticos estão muito preocupados com a questão. Porém, são políticas que só maquiam o problema, pois passam ao largo do fato primordial, que é a má qualidade do ensino público fundamental. Como iniciativas desse tipo não produzem aumento de vagas nas universidades, no fim das contas alguns serão beneficiados às custas de outros. Os jovens brancos da classe média baixa serão provavelmente os mais prejudicados.
Se, por um lado, o remédio das ações afirmativas deixa clara a incompetência dos governos, ele também encobre uma ferrenha cruzada ideológica. Por trás das boas intenções, redentoras e politicamente corretas, não raro esconde-se a velhaca pretensão marxista de divisão da sociedade em classes. Ao exigir, por exemplo, que certidões de nascimento, carteiras de identidade e outros documentos informem a “raça” de seu portador, visando a futuro benefício, como prevê o Estatuto da Igualdade Racial, se está, na prática, institucionalizando a segregação racial. Onde quer que isso tenha sido feito antes, ainda que com fundadas justificativas, os resultados foram os piores possíveis, como muito bem documentado pelo brilhante Thomas Sowell (ele mesmo um negro), pesquisador da Universidade de Stanford, no ótimo livro “Ações afirmativas ao redor do mundo: um estudo empírico”.
Capacidade intelectual e cognitiva independem da cor da pele ou da condição social. Tratar negros, índios e pobres como se fossem menos capazes do que os demais é, acima de tudo, uma grande humilhação. Definitivamente, não dá para fazer demagogia com um assunto sério como esse.
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Para um versão completa deste artigo, ver a revista Banco de Ideias, do Instituto Liberal do Rio de Janeiro (n. 46, mar-abr-maio 2009), neste link: http://www.scribd.com/doc/13134374/Banco-de-Ideias-n-46-MarAbrMai-2009?autodown=pdf
domingo, 21 de junho de 2009
1172) Fim do diploma de jornalista para exercer a profissao
Transcrevo aqui um artigo do conhecido economista sobre o fim dessa excrescência que era a exigência de um diploma de jornalista para exercer a profissão.
Uma Conquista da Liberdade
Rodrigo Constantino
18 de junho de 2009
“A exigência de diploma de curso superior para a prática de jornalismo não está autorizada pela ordem constitucional, pois constitui uma restrição a efetivo exercício da liberdade jornalística.” (Presidente do STF, ministro Gilmar Mendes)
Com quase unanimidade, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram que o diploma de jornalismo não é obrigatório para exercer a profissão. A maioria dos ministros entendeu que parte do decreto-lei de 1969 era inconstitucional. O ministro Gilmar Mendes chegou a fazer uma analogia com a culinária: “Um excelente chefe de cozinha certamente poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima o Estado a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área”. A obrigatoriedade de diploma nada mais é do que uma reserva de mercado garantida por lei. Derrubá-la, portanto, representa uma conquista da liberdade.
Bob Woodward conseguiu derrubar o presidente Richard Nixon com sua reportagem investigativa sobre o escândalo de “Watergate”. Woodward não tinha diploma de jornalismo. Ele estudou história e literatura inglesa, e enquanto considerava a opção de cursar direito, acabou conseguindo um emprego como repórter no The Washington Post. Mas pela lei brasileira válida até a decisão do STF, Woodward não poderia exercer a profissão de jornalista. Ele não seria considerado apto para a tarefa, por falta de um diploma específico. O mundo perderia um importante jornalista, por um motivo bobo. Existem vários outros casos assim.
Na verdade, muitas pessoas defendem este tipo de regulação estatal, como a obrigatoriedade de diplomas, por desconfiar da capacidade de auto-regulação dos mercados. Há pouca confiança na liberdade por parte desses indivíduos. Ora, quem deve decidir se alguém serve ou não para a função de jornalista, em última instância, são os consumidores. Não é preciso obrigar o uso do filtro universitário. Se a faculdade de jornalismo realmente agregar valor, ela será naturalmente demandada. Inclusive haverá concorrência entre elas, e por isso que um diploma numa boa faculdade não tem o mesmo valor que outro numa faculdade de “botequim”. Mas quem deve julgar isso são os próprios consumidores. Até mesmo os donos de veículos de imprensa dependem, no final do dia, da aprovação desses consumidores. Por isso eles são levados a se preocupar com a qualidade do serviço. E por isso os melhores jornalistas serão mais demandados, com ou sem diploma. É assim que deve ser: liberdade de escolha.
Isso não é válido somente para o jornalismo. Na verdade, qualquer profissão deveria funcionar assim. Essa idéia pode parecer muito radical à primeira vista, mas algumas reflexões mostram que não é o caso. E podemos usar uma das mais importantes profissões, que mexe com a vida das pessoas, para explicar: a medicina. Será que para exercer a função de médico deve ser obrigatório um diploma de medicina? Parece evidente que sim, mas não é tão simples como parece. Se entendermos que cada indivíduo deve ser livre para fazer o que quiser, contanto que não agrida a liberdade alheia, então devemos aceitar que ele é livre até para se prejudicar. E se ele deve ser livre para tanto, ele deve ser livre para escolher os meios que ele deseja atingir tal fim. Logo, se ele quiser fumar, beber, viver no ócio, ele deve ser livre para tanto. E se ele quiser arriscar uma “cura” para uma doença qualquer, através de médiuns, chás “milagrosos” ou até mesmo o Dr. Fritz, ele deve ser livre para isso. Ele não está prejudicando ninguém mais além dele próprio.
Como disse certa vez o ex-presidente americano Ronald Reagan, "os governos existem para nos proteger uns contra os outros; o governo vai além de seus limites quando decide proteger-nos de nós mesmos". Aceitando-se esta premissa razoável, então devemos aceitar também que cada um é livre para se tratar com o “médico” que quiser. O que não deve ser permitido, no entanto, é a fraude, ou seja, alguém alegar ter um diploma que não tem. Mas isso seria crime de qualquer jeito, pois é uma troca calcada na mentira. Mas, se o paciente souber que o “curandeiro” não possui diploma algum, e ainda assim desejar se submeter aos seus tratamentos, assinando um termo de responsabilidade por isso, ninguém deve ter o direito de impedi-lo. Ou tratamos os adultos como seres livres e responsáveis, que devem assumir as rédeas de suas vidas, ou vamos encarar os cidadãos como súditos incapazes que necessitam da tutela estatal para tudo. Esse é o caminho da servidão. Ser livre quer dizer ser livre para cometer graves erros ou correr riscos mortais até.
Logo, vimos que até mesmo no delicado caso da medicina não há necessidade legal de diploma, contanto que os casos de fraude sejam severamente punidos. O leitor pode se perguntar se buscaria um tratamento para uma grave doença com qualquer embusteiro que oferecesse uma cura milagrosa. Acredito que não. E por que então assumir que todos os outros são mentecaptos incapazes de exercer o mesmo tipo de julgamento? Não é uma postura arrogante? Devemos confiar mais na liberdade. Se partirmos da premissa que todos são idiotas facilmente manipuláveis, então não podemos ao mesmo tempo defender o sufrágio universal. A democracia seria incompatível com esta visão dos homens. Afinal, seriam esses mesmos incapazes que estariam escolhendo seus “protetores”. Como conciliar as duas coisas? Como defender a tutela paternalista do governo e a liberdade de escolha desses tutores ao mesmo tempo? Não faz sentido.
Em suma, a decisão do STF representa um passo em direção à liberdade. Mas ainda falta muito. Ainda temos reservas de mercado em várias outras profissões. Ainda temos alistamento militar obrigatório, que trata cidadãos como escravos do governo. Ainda temos voto obrigatório, um disparate numa democracia. E por aí vai. Mas hoje vamos celebrar essa conquista da liberdade.
Uma Conquista da Liberdade
Rodrigo Constantino
18 de junho de 2009
“A exigência de diploma de curso superior para a prática de jornalismo não está autorizada pela ordem constitucional, pois constitui uma restrição a efetivo exercício da liberdade jornalística.” (Presidente do STF, ministro Gilmar Mendes)
Com quase unanimidade, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram que o diploma de jornalismo não é obrigatório para exercer a profissão. A maioria dos ministros entendeu que parte do decreto-lei de 1969 era inconstitucional. O ministro Gilmar Mendes chegou a fazer uma analogia com a culinária: “Um excelente chefe de cozinha certamente poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima o Estado a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área”. A obrigatoriedade de diploma nada mais é do que uma reserva de mercado garantida por lei. Derrubá-la, portanto, representa uma conquista da liberdade.
Bob Woodward conseguiu derrubar o presidente Richard Nixon com sua reportagem investigativa sobre o escândalo de “Watergate”. Woodward não tinha diploma de jornalismo. Ele estudou história e literatura inglesa, e enquanto considerava a opção de cursar direito, acabou conseguindo um emprego como repórter no The Washington Post. Mas pela lei brasileira válida até a decisão do STF, Woodward não poderia exercer a profissão de jornalista. Ele não seria considerado apto para a tarefa, por falta de um diploma específico. O mundo perderia um importante jornalista, por um motivo bobo. Existem vários outros casos assim.
Na verdade, muitas pessoas defendem este tipo de regulação estatal, como a obrigatoriedade de diplomas, por desconfiar da capacidade de auto-regulação dos mercados. Há pouca confiança na liberdade por parte desses indivíduos. Ora, quem deve decidir se alguém serve ou não para a função de jornalista, em última instância, são os consumidores. Não é preciso obrigar o uso do filtro universitário. Se a faculdade de jornalismo realmente agregar valor, ela será naturalmente demandada. Inclusive haverá concorrência entre elas, e por isso que um diploma numa boa faculdade não tem o mesmo valor que outro numa faculdade de “botequim”. Mas quem deve julgar isso são os próprios consumidores. Até mesmo os donos de veículos de imprensa dependem, no final do dia, da aprovação desses consumidores. Por isso eles são levados a se preocupar com a qualidade do serviço. E por isso os melhores jornalistas serão mais demandados, com ou sem diploma. É assim que deve ser: liberdade de escolha.
Isso não é válido somente para o jornalismo. Na verdade, qualquer profissão deveria funcionar assim. Essa idéia pode parecer muito radical à primeira vista, mas algumas reflexões mostram que não é o caso. E podemos usar uma das mais importantes profissões, que mexe com a vida das pessoas, para explicar: a medicina. Será que para exercer a função de médico deve ser obrigatório um diploma de medicina? Parece evidente que sim, mas não é tão simples como parece. Se entendermos que cada indivíduo deve ser livre para fazer o que quiser, contanto que não agrida a liberdade alheia, então devemos aceitar que ele é livre até para se prejudicar. E se ele deve ser livre para tanto, ele deve ser livre para escolher os meios que ele deseja atingir tal fim. Logo, se ele quiser fumar, beber, viver no ócio, ele deve ser livre para tanto. E se ele quiser arriscar uma “cura” para uma doença qualquer, através de médiuns, chás “milagrosos” ou até mesmo o Dr. Fritz, ele deve ser livre para isso. Ele não está prejudicando ninguém mais além dele próprio.
Como disse certa vez o ex-presidente americano Ronald Reagan, "os governos existem para nos proteger uns contra os outros; o governo vai além de seus limites quando decide proteger-nos de nós mesmos". Aceitando-se esta premissa razoável, então devemos aceitar também que cada um é livre para se tratar com o “médico” que quiser. O que não deve ser permitido, no entanto, é a fraude, ou seja, alguém alegar ter um diploma que não tem. Mas isso seria crime de qualquer jeito, pois é uma troca calcada na mentira. Mas, se o paciente souber que o “curandeiro” não possui diploma algum, e ainda assim desejar se submeter aos seus tratamentos, assinando um termo de responsabilidade por isso, ninguém deve ter o direito de impedi-lo. Ou tratamos os adultos como seres livres e responsáveis, que devem assumir as rédeas de suas vidas, ou vamos encarar os cidadãos como súditos incapazes que necessitam da tutela estatal para tudo. Esse é o caminho da servidão. Ser livre quer dizer ser livre para cometer graves erros ou correr riscos mortais até.
Logo, vimos que até mesmo no delicado caso da medicina não há necessidade legal de diploma, contanto que os casos de fraude sejam severamente punidos. O leitor pode se perguntar se buscaria um tratamento para uma grave doença com qualquer embusteiro que oferecesse uma cura milagrosa. Acredito que não. E por que então assumir que todos os outros são mentecaptos incapazes de exercer o mesmo tipo de julgamento? Não é uma postura arrogante? Devemos confiar mais na liberdade. Se partirmos da premissa que todos são idiotas facilmente manipuláveis, então não podemos ao mesmo tempo defender o sufrágio universal. A democracia seria incompatível com esta visão dos homens. Afinal, seriam esses mesmos incapazes que estariam escolhendo seus “protetores”. Como conciliar as duas coisas? Como defender a tutela paternalista do governo e a liberdade de escolha desses tutores ao mesmo tempo? Não faz sentido.
Em suma, a decisão do STF representa um passo em direção à liberdade. Mas ainda falta muito. Ainda temos reservas de mercado em várias outras profissões. Ainda temos alistamento militar obrigatório, que trata cidadãos como escravos do governo. Ainda temos voto obrigatório, um disparate numa democracia. E por aí vai. Mas hoje vamos celebrar essa conquista da liberdade.
1171) Giovanni Arrighi: morte de um intelectual
Notícia divulgada pela Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica:
Faleceu em New York, no dia 18 de junho, o conhecido historiador, sociólogo, economista Giovanni Arrighi que lutava contra um cancer diagnosticado em julho de 2008.
Pedro Vieira, de Washington, DC, associado da ABPHE, adicionou a seguinte nota, em 21 de junho de 2009, à informação acima:
Dia 18 de junho, às 11 horas da manhã, Giovanni Arrighi nos deixou fisicamente para sempre, depois de estar há quase um ano lutando contrar um cancer. Na nota em que comunicou este doloroso acontecimento, Beverly Silver, sua esposa e companheira inteletcual, comunicou que ele faleceu em paz ao lado dela e do filho dele, Andrea. Nascido em Milão em 1937, Giovanni Arrighi produziu uma fecunda obra, deste seus estudos sobre a África (entre os quais, The Political Economy of Rhodesia, The Hague, Mouton, 1967), passando por Geometria do Imperialismo (1978) e chegando a Adam Smith em Pequim, publicado no Brasil em 2008 e que junto com O Longo Século XX e Caos e Governabilidade, formam uma trilogia que ele, já doente, dizia ter ficado feliz por ter concluido. Esta obra, que se constitui numa original contribuição à compreensão crítica do capitalismo, coloca Giovanni Arrighi entre os grandes intelectuais do nosso tempo. Por último, em um de seus últimos seminários, ele disse que em um certo ponto de sua carreira trocou a economia pela sociologia porque queria continuar fazendo economia política.
Addendum em 13.07.2009
Giovanni Arrighi
José Luís Fiori
Agencia Carta Maior, 13.07.2009
Do ponto de vista teórico, Giovanni Arrighi foi um “heterodoxo”, que soube retomar com criatividade a tradição da grande teoria social dos séculos XIX e XX, de Marx, Weber, Schumpeter e Braudel, para estudar as “ondas longas” econômicas e políticas do capitalismo. Sua ousadia intelectual merece reconhecimento e homenagem em um tempo de mesquinharias e de grande pobreza de idéias.
Morreu nos Estados Unidos, dia 19 de junho de 2009, na cidade de Baltimore, o economista italiano Giovanni Arrighi, que foi professor na Universidade Johns Hopkins nos últimos anos de sua vida. Arrighi nasceu em Milão, em 1937, estudou na Universidade de Bocconi, e na década de 1960 participou da geração de cientistas sociais europeus e norteamericanos que trabalharam na África e se dedicaram ao estudo do desenvolvimento econômico nos países da periferia capitalista. De volta à Itália, na década dos 70, e depois nos Estados Unidos, a partir dos anos 80, Giovanni Arrighi dedicou quase três décadas de sua vida intelectual ao estudo da “crise da hegemonia norteamericana” dos anos 70, e das transformações econômicas e políticas mundiais das décadas seguintes, que passaram pela expansão vertiginosa da China e de grande parte da Ásia, e chegaram até a crise financeira de 2008.
Pouco a pouco, Arrighi mudou sua preocupação teórica do tema do crescimento econômico dos países periféricos e atrasados, para o estudo mais amplo do desenvolvimento histórico do capitalismo e do “sistema mundial moderno”, que se formou, se expandiu e se consolidou a partir da Europa, desde o século XVI. Marx teve uma presença decisiva na formação do pensamento de Giovanni Arrighi, mas sua extensa investigação sobre os ciclos e as crises econômicas e políticas da história capitalista partiu de outro lado, de três teses “heterodoxas” do historiador francês Fernand Braudel. Segundo Braudel, o capitalismo não é igual à economia de mercado, pelo contrário, é o “anti-mercado”, e o segredo de seu crescimento contínuo são os “lucros extraordinários” dos “grandes predadores” que não se comportam como o empresário típico ideal da teoria econômica convencional. Em segundo lugar, para Braudel, a força originária do capitalismo não veio da extração da mais valia dos trabalhadores, mas sim da associação entre os “príncipes” e os “banqueiros” europeus, que se consolida muito antes do século XVI. E, finalmente, sempre segundo Braudel, todos os grandes ciclos de expansão do capitalismo chegam a uma fase “outonal”, onde as finanças substituem a atividade produtiva, na liderança da produção da riqueza.
Giovanni Arrighi parte destas três idéias básicas e formula sua própria teoria, em seu admirável livro “O longo século vinte”, publicado em 1994. Ali, ele desenvolve, de forma mais acabada, suas próprias teses sobre o papel da concorrência estatal e da concorrência capitalista no desenvolvimento da história moderna. Uma sucessão de ciclos de acumulação econômica, liderados por uma sucessão de potências hegemônicas que mantiveram a ordem política e o funcionamento da economia mundial, graças à sua capacidade crescente de projetar seu poder nacional sobre um espaço cada vez mais global: Holanda, no século XVII, Grã Bretanha, no século XIX, e os Estados Unidos no século XX.
Segundo Arrighi, entretanto, estas sucessivas “situações hegemônicas” não suspendem os processos de competição e centralização do capital e do poder, responsáveis pela repetição periódica de grandes crises e longos períodos de transição e reorganização da base produtiva, assim como de mudança na liderança mundial do sistema. Desde o ponto de vista estritamente econômico, cada um destes grandes ciclos de acumulação, seguiu uma alternância regular, de épocas de expansão material com épocas de grande expansão financeira. Nos períodos “produtivos” o capital monetário põe em movimento uma massa crescente de produtos; no segundo período, o capital se libera de seu “compromisso” com a produção e se acumula – predominantemente – sob a forma financeira. Durante esta segunda fase, segundo Arrighi, é que se acelera a formação das estruturas e das estratégias dos Estados e dos capitais que deverão suceder ao antigo hegemón e assumir o comando do processo de acumulação econômica dali em diante, dando curso ao movimento contínuo de internacionalização das estruturas e instituições capitalistas.
Para Giovanni Arrighi, o conceito de “hegemonia mundial” se refere à capacidade de um Estado de liderar, mais que dominar, o sistema político e econômico mundial formado pelos Estados soberanos e suas economias nacionais. E as “crises de hegemonia” que se sucederam através da história são rupturas e mudanças de rumo na liderança, anunciadas pelas “expansões financeiras”, mas também pela intensificação da competição estatal; pela escalada dos conflitos sociais e coloniais ou civilizatórios; e pela emergência de novas configurações de poder capazes de desafiar e superar ao antigo Estado hegemônico. São crises que não ocorrem de repente, nem de uma só vez. Pelo contrário, aparecem separadas no tempo, primeiro na forma de uma “crise inicial”, e depois de algumas décadas na forma de uma grande “crise terminal”, quando então já existiria o novo “bloco de poder e capital”, capaz de reorganizar o sistema e liderar seu novo ciclo produtivo. Entre essas duas crises, é quando a expansão material dá lugar a “momentos maravilhosos” de acumulação da riqueza financeira, como ocorreu ao terminar o século XIX, e agora novamente, no final do século XX.
Giovanni Arrighi concluiu sua extensa investigação histórica com a certeza de que a “crise inicial” da hegemonia norteamericana começou na década de 1970, e que sua “crise terminal” está em pleno curso, neste início do século XXI, quando já se anuncia um novo ciclo de acumulação capitalista liderado por um ou por vários países asiáticos.
A teoria das previsões históricas de Giovani Arrighi pode ser criticada desde vários pontos de vista. Mas existe uma virtude em sua obra que transcende todas as críticas: Arrighi foi um dos raros economistas de sua geração que resistiu à tendência dominante do pensamento acadêmico do final do século XX, as pequenas narrativas e a construção de modelos formais inócuos. Do ponto de vista teórico, Giovani Arrighi foi um “heterodoxo”, que soube retomar com criatividade a tradição da grande teoria social dos séculos XIX e XX, de Marx, Weber, Schumpeter e Braudel, para estudar as “ondas longas” econômicas e políticas do capitalismo. Sua ousadia intelectual merece reconhecimento e homenagem em um tempo de mesquinharias e de grande pobreza de idéias.
Tradução de Katarina Peixoto a partir do texto em espanhol publicado em Sin Permiso.
José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Faleceu em New York, no dia 18 de junho, o conhecido historiador, sociólogo, economista Giovanni Arrighi que lutava contra um cancer diagnosticado em julho de 2008.
Pedro Vieira, de Washington, DC, associado da ABPHE, adicionou a seguinte nota, em 21 de junho de 2009, à informação acima:
Dia 18 de junho, às 11 horas da manhã, Giovanni Arrighi nos deixou fisicamente para sempre, depois de estar há quase um ano lutando contrar um cancer. Na nota em que comunicou este doloroso acontecimento, Beverly Silver, sua esposa e companheira inteletcual, comunicou que ele faleceu em paz ao lado dela e do filho dele, Andrea. Nascido em Milão em 1937, Giovanni Arrighi produziu uma fecunda obra, deste seus estudos sobre a África (entre os quais, The Political Economy of Rhodesia, The Hague, Mouton, 1967), passando por Geometria do Imperialismo (1978) e chegando a Adam Smith em Pequim, publicado no Brasil em 2008 e que junto com O Longo Século XX e Caos e Governabilidade, formam uma trilogia que ele, já doente, dizia ter ficado feliz por ter concluido. Esta obra, que se constitui numa original contribuição à compreensão crítica do capitalismo, coloca Giovanni Arrighi entre os grandes intelectuais do nosso tempo. Por último, em um de seus últimos seminários, ele disse que em um certo ponto de sua carreira trocou a economia pela sociologia porque queria continuar fazendo economia política.
Addendum em 13.07.2009
Giovanni Arrighi
José Luís Fiori
Agencia Carta Maior, 13.07.2009
Do ponto de vista teórico, Giovanni Arrighi foi um “heterodoxo”, que soube retomar com criatividade a tradição da grande teoria social dos séculos XIX e XX, de Marx, Weber, Schumpeter e Braudel, para estudar as “ondas longas” econômicas e políticas do capitalismo. Sua ousadia intelectual merece reconhecimento e homenagem em um tempo de mesquinharias e de grande pobreza de idéias.
Morreu nos Estados Unidos, dia 19 de junho de 2009, na cidade de Baltimore, o economista italiano Giovanni Arrighi, que foi professor na Universidade Johns Hopkins nos últimos anos de sua vida. Arrighi nasceu em Milão, em 1937, estudou na Universidade de Bocconi, e na década de 1960 participou da geração de cientistas sociais europeus e norteamericanos que trabalharam na África e se dedicaram ao estudo do desenvolvimento econômico nos países da periferia capitalista. De volta à Itália, na década dos 70, e depois nos Estados Unidos, a partir dos anos 80, Giovanni Arrighi dedicou quase três décadas de sua vida intelectual ao estudo da “crise da hegemonia norteamericana” dos anos 70, e das transformações econômicas e políticas mundiais das décadas seguintes, que passaram pela expansão vertiginosa da China e de grande parte da Ásia, e chegaram até a crise financeira de 2008.
Pouco a pouco, Arrighi mudou sua preocupação teórica do tema do crescimento econômico dos países periféricos e atrasados, para o estudo mais amplo do desenvolvimento histórico do capitalismo e do “sistema mundial moderno”, que se formou, se expandiu e se consolidou a partir da Europa, desde o século XVI. Marx teve uma presença decisiva na formação do pensamento de Giovanni Arrighi, mas sua extensa investigação sobre os ciclos e as crises econômicas e políticas da história capitalista partiu de outro lado, de três teses “heterodoxas” do historiador francês Fernand Braudel. Segundo Braudel, o capitalismo não é igual à economia de mercado, pelo contrário, é o “anti-mercado”, e o segredo de seu crescimento contínuo são os “lucros extraordinários” dos “grandes predadores” que não se comportam como o empresário típico ideal da teoria econômica convencional. Em segundo lugar, para Braudel, a força originária do capitalismo não veio da extração da mais valia dos trabalhadores, mas sim da associação entre os “príncipes” e os “banqueiros” europeus, que se consolida muito antes do século XVI. E, finalmente, sempre segundo Braudel, todos os grandes ciclos de expansão do capitalismo chegam a uma fase “outonal”, onde as finanças substituem a atividade produtiva, na liderança da produção da riqueza.
Giovanni Arrighi parte destas três idéias básicas e formula sua própria teoria, em seu admirável livro “O longo século vinte”, publicado em 1994. Ali, ele desenvolve, de forma mais acabada, suas próprias teses sobre o papel da concorrência estatal e da concorrência capitalista no desenvolvimento da história moderna. Uma sucessão de ciclos de acumulação econômica, liderados por uma sucessão de potências hegemônicas que mantiveram a ordem política e o funcionamento da economia mundial, graças à sua capacidade crescente de projetar seu poder nacional sobre um espaço cada vez mais global: Holanda, no século XVII, Grã Bretanha, no século XIX, e os Estados Unidos no século XX.
Segundo Arrighi, entretanto, estas sucessivas “situações hegemônicas” não suspendem os processos de competição e centralização do capital e do poder, responsáveis pela repetição periódica de grandes crises e longos períodos de transição e reorganização da base produtiva, assim como de mudança na liderança mundial do sistema. Desde o ponto de vista estritamente econômico, cada um destes grandes ciclos de acumulação, seguiu uma alternância regular, de épocas de expansão material com épocas de grande expansão financeira. Nos períodos “produtivos” o capital monetário põe em movimento uma massa crescente de produtos; no segundo período, o capital se libera de seu “compromisso” com a produção e se acumula – predominantemente – sob a forma financeira. Durante esta segunda fase, segundo Arrighi, é que se acelera a formação das estruturas e das estratégias dos Estados e dos capitais que deverão suceder ao antigo hegemón e assumir o comando do processo de acumulação econômica dali em diante, dando curso ao movimento contínuo de internacionalização das estruturas e instituições capitalistas.
Para Giovanni Arrighi, o conceito de “hegemonia mundial” se refere à capacidade de um Estado de liderar, mais que dominar, o sistema político e econômico mundial formado pelos Estados soberanos e suas economias nacionais. E as “crises de hegemonia” que se sucederam através da história são rupturas e mudanças de rumo na liderança, anunciadas pelas “expansões financeiras”, mas também pela intensificação da competição estatal; pela escalada dos conflitos sociais e coloniais ou civilizatórios; e pela emergência de novas configurações de poder capazes de desafiar e superar ao antigo Estado hegemônico. São crises que não ocorrem de repente, nem de uma só vez. Pelo contrário, aparecem separadas no tempo, primeiro na forma de uma “crise inicial”, e depois de algumas décadas na forma de uma grande “crise terminal”, quando então já existiria o novo “bloco de poder e capital”, capaz de reorganizar o sistema e liderar seu novo ciclo produtivo. Entre essas duas crises, é quando a expansão material dá lugar a “momentos maravilhosos” de acumulação da riqueza financeira, como ocorreu ao terminar o século XIX, e agora novamente, no final do século XX.
Giovanni Arrighi concluiu sua extensa investigação histórica com a certeza de que a “crise inicial” da hegemonia norteamericana começou na década de 1970, e que sua “crise terminal” está em pleno curso, neste início do século XXI, quando já se anuncia um novo ciclo de acumulação capitalista liderado por um ou por vários países asiáticos.
A teoria das previsões históricas de Giovani Arrighi pode ser criticada desde vários pontos de vista. Mas existe uma virtude em sua obra que transcende todas as críticas: Arrighi foi um dos raros economistas de sua geração que resistiu à tendência dominante do pensamento acadêmico do final do século XX, as pequenas narrativas e a construção de modelos formais inócuos. Do ponto de vista teórico, Giovani Arrighi foi um “heterodoxo”, que soube retomar com criatividade a tradição da grande teoria social dos séculos XIX e XX, de Marx, Weber, Schumpeter e Braudel, para estudar as “ondas longas” econômicas e políticas do capitalismo. Sua ousadia intelectual merece reconhecimento e homenagem em um tempo de mesquinharias e de grande pobreza de idéias.
Tradução de Katarina Peixoto a partir do texto em espanhol publicado em Sin Permiso.
José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
1170) Bolsa trabalho: uma experiencia americana valida para o Brasil
Válida em termos, posto que a Bolsa Trabalho no sentido americano implica na formalização da mão-de-obra, o que no Brasil é difícil por uma série de razões ligadas à nossa extorsiva estrutura tributária e o viés sindical ultra-protecionista.
Bolsa Trabalho: Aperfeiçoando a Redistribuição de Renda
Igor Barenboim
Jornal do Brasil, 21 de junho de 2009
Nunca antes na história deste país houve programa de distribuição de renda de monta equivalente ao do Bolsa Família. Regulamentado pela lei 10.836 de 2004, esta norma unificou e consolidou os programas Bolsa Escola, Vale Gás e o Bolsa Alimentação instituídos respectivamente em 2001, 2002 e 2003. A lei também formalizou a instituição de cadastro único permitindo ao governo brasileiro atender milhões de famílias carentes.
Nos EUA, uma década antes, o presidente Bill Clinton consolidou e expandiu o principal programa de redistribuição de renda dos anos 90 nos EUA, atendendo também a milhões de famílias desfavorecidas no nosso vizinho do norte. O programa Earnings Income Tax Credit (EITC), que eu traduzo como Bolsa Trabalho trata de redistribuir renda aos que trabalham, mas alcançam apenas módicos proventos com suas ocupações.
Acredito que ambos programas tenham méritos e efeitos colaterais indesejados e que se aplicados em conjunto de forma ajustada, é possível construir uma política de redistribuição de renda que promova mais o crescimento da economia garantindo a cidadania do povo brasileiro.
O programa Bolsa Família funciona como um imposto de renda negativo. Ou seja, aqueles que têm renda abaixo de um certo patamar são beneficiários da assistência governamental. O programa atende os verdadeiros desfavorecidos de nossa sociedade garantindo a cidadania e estimulando a educação e a conseqüente mobilidade social em prazo mais longo. No entanto, qualquer programa de assistência desta sorte tem o efeito colateral indesejável de desestimular o trabalho. Somando-se todos os benefícios que uma família média pode auferir com o programa, chegamos a cifras relevantemente superiores ao salário mínimo - certamente um desestímulo ao trabalho, não?
Políticas públicas que desestimulam o trabalho, elevam o preço da mão de obra e terminam por inviabilizar atividades que sem tal política seriam de possível realização pelo setor privado, com prejuízos para o crescimento econômico. Mas como evitar tal desestimulo sem impedir que nossos concidadãos percam sua dignidade, seu direito à alimentação e à oportunidade de educação de seus filhos?
A resposta é justamente o Bolsa Trabalho. Ou seja, a criação de um programa paralelo à política puramente assistencial que garanta que o trabalho é sempre mais interessante em termos financeiros para qualquer cidadão. Nos EUA, tal programa funciona de forma linear: Se o total de proventos de uma família está abaixo de certo patamar, para cada dólar recebido, essa família tem direito a 40 centavos extras. Portanto se ao mês a família ganha 500 dólares ela terá direito a receber 200 dólares a mais do governo.
Ao meu ver, o Bolsa Trabalho deveria ser trazido para o Brasil e adaptado ao Bolsa Família. Digo que um programa de incentivo ao trabalho brasileiro deveria ter parâmetros para a determinação dos benefícios que fossem adequados aos benefícios dos programas de transferência de renda já existentes. Ou seja, uma família com dois filhos em idade escolar deveria ter um benefício maior no Bolsa Trabalho para compensar o Bolsa Escola.
Outra vantagem deste tipo de programa, muito relevante para o Brasil, de hoje, é o incentivo a formalização das relações de trabalho e a declaração de renda a Receita Federal. Para poder gozar dos benefícios do Bolsa Trabalho seria necessário que o trabalhador tivesse carteira de trabalho assinada e declarasse seus proventos ao governo. É justamente a declaração unida ao registro de trabalho que tornariam o trabalhador um beneficiário.
No fundo esse programa trata-se de um subsídio aos trabalhadores de baixa renda e aos seus empregadores: um incentivo ao trabalho, a formalização e ao cumprimento das obrigações patronais.
Este é apenas um primeiro ensaio sobre como avançar na questão da redistribuição de renda no Brasil com o intuito de tornar o nosso país mais próspero. Peço aos colegas economistas e formuladores de políticas públicas que se debrucem no assunto, analisando a pertinência e a ideal forma de implementar o Bolsa Trabalho.
Igor Barenboim é Ph.D. em Economia por Harvard e Subsecretário de Administração da cidade do Rio de Janeiro
Bolsa Trabalho: Aperfeiçoando a Redistribuição de Renda
Igor Barenboim
Jornal do Brasil, 21 de junho de 2009
Nunca antes na história deste país houve programa de distribuição de renda de monta equivalente ao do Bolsa Família. Regulamentado pela lei 10.836 de 2004, esta norma unificou e consolidou os programas Bolsa Escola, Vale Gás e o Bolsa Alimentação instituídos respectivamente em 2001, 2002 e 2003. A lei também formalizou a instituição de cadastro único permitindo ao governo brasileiro atender milhões de famílias carentes.
Nos EUA, uma década antes, o presidente Bill Clinton consolidou e expandiu o principal programa de redistribuição de renda dos anos 90 nos EUA, atendendo também a milhões de famílias desfavorecidas no nosso vizinho do norte. O programa Earnings Income Tax Credit (EITC), que eu traduzo como Bolsa Trabalho trata de redistribuir renda aos que trabalham, mas alcançam apenas módicos proventos com suas ocupações.
Acredito que ambos programas tenham méritos e efeitos colaterais indesejados e que se aplicados em conjunto de forma ajustada, é possível construir uma política de redistribuição de renda que promova mais o crescimento da economia garantindo a cidadania do povo brasileiro.
O programa Bolsa Família funciona como um imposto de renda negativo. Ou seja, aqueles que têm renda abaixo de um certo patamar são beneficiários da assistência governamental. O programa atende os verdadeiros desfavorecidos de nossa sociedade garantindo a cidadania e estimulando a educação e a conseqüente mobilidade social em prazo mais longo. No entanto, qualquer programa de assistência desta sorte tem o efeito colateral indesejável de desestimular o trabalho. Somando-se todos os benefícios que uma família média pode auferir com o programa, chegamos a cifras relevantemente superiores ao salário mínimo - certamente um desestímulo ao trabalho, não?
Políticas públicas que desestimulam o trabalho, elevam o preço da mão de obra e terminam por inviabilizar atividades que sem tal política seriam de possível realização pelo setor privado, com prejuízos para o crescimento econômico. Mas como evitar tal desestimulo sem impedir que nossos concidadãos percam sua dignidade, seu direito à alimentação e à oportunidade de educação de seus filhos?
A resposta é justamente o Bolsa Trabalho. Ou seja, a criação de um programa paralelo à política puramente assistencial que garanta que o trabalho é sempre mais interessante em termos financeiros para qualquer cidadão. Nos EUA, tal programa funciona de forma linear: Se o total de proventos de uma família está abaixo de certo patamar, para cada dólar recebido, essa família tem direito a 40 centavos extras. Portanto se ao mês a família ganha 500 dólares ela terá direito a receber 200 dólares a mais do governo.
Ao meu ver, o Bolsa Trabalho deveria ser trazido para o Brasil e adaptado ao Bolsa Família. Digo que um programa de incentivo ao trabalho brasileiro deveria ter parâmetros para a determinação dos benefícios que fossem adequados aos benefícios dos programas de transferência de renda já existentes. Ou seja, uma família com dois filhos em idade escolar deveria ter um benefício maior no Bolsa Trabalho para compensar o Bolsa Escola.
Outra vantagem deste tipo de programa, muito relevante para o Brasil, de hoje, é o incentivo a formalização das relações de trabalho e a declaração de renda a Receita Federal. Para poder gozar dos benefícios do Bolsa Trabalho seria necessário que o trabalhador tivesse carteira de trabalho assinada e declarasse seus proventos ao governo. É justamente a declaração unida ao registro de trabalho que tornariam o trabalhador um beneficiário.
No fundo esse programa trata-se de um subsídio aos trabalhadores de baixa renda e aos seus empregadores: um incentivo ao trabalho, a formalização e ao cumprimento das obrigações patronais.
Este é apenas um primeiro ensaio sobre como avançar na questão da redistribuição de renda no Brasil com o intuito de tornar o nosso país mais próspero. Peço aos colegas economistas e formuladores de políticas públicas que se debrucem no assunto, analisando a pertinência e a ideal forma de implementar o Bolsa Trabalho.
Igor Barenboim é Ph.D. em Economia por Harvard e Subsecretário de Administração da cidade do Rio de Janeiro
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