terça-feira, 17 de agosto de 2010

Eca de Queiroz: um diplomata abusado

Leio no excelente blog do embaixador Francisco Seixas da Costa, representante de Portugal em Paris, estes trechos, retirados de alguma crônica "faminta" do grande escritor português, que não poupava seus colegas diplomatas. Aliás, me parece que ele foi cônsul de Portugal na Grã-Bretanha, mas caberia verificar ao certo.
Paulo Roberto de Almeida

Eça de Queiroz
Francisco Seixas da Costa
Blog Duas ou Três Coisas..., 16.08.2010

Há 110 anos, foi a enterrar Eça de Queirós.

Eça de Queirós foi diplomata. Se, como escritor, Eça foi um génio, como diplomata situou-se numa mediania que nem o esforço laudatório de alguns conseguiu disfarçar. Eça utilizou a sua carreira consular para escrever algumas das obras-primas da literatura portuguesa e, só por isso, valeu largamente a pena que o Ministério dos Negócios Estrangeiros lhe tenha pago o salário. O qual, no seu entender, não era suficiente, a crer no que escreve em "Uma Campanha Alegre":

Os diplomatas portugueses passam por agradar no estrangeiro pela sua palidez! Mas não se sabe que a sua palidez vem, não da beleza da raça peninsular, mas da fraqueza de legação mal alimentada. Onde um embaixador português mais se demora, não é diante das instituições estrangeiras com respeito, é diante das lojas de mercearia com inveja! E se eles não podem alcançar bons tratados para o País – é porque andam ocupados em arranjar mais rosbife para o estômago. Se não fossem os jantares da corte e as ceias dos bailes, a posição do diplomata português era insustentável. E ainda veremos os jornais estrangeiros, noticiarem:

“Ontem, na Rua de… caiu inanimado de fome um indivíduo bem trajado. Conduzido para uma botica próxima o infeliz revelou toda a verdade – era o embaixador português. Deram-lhe logo bifes. O desgraçado sorria, com as lágrimas nos olhos.”

Que o país atenda a esta desgraçada situação! Que tenha um movimento generoso e franco! Dê aos seus embaixadores menos títulos e mais bifes! Embora lhes diminua as atribuições, aumente-lhes ao menos a hortaliça. Eles pedem ao seus país uma coisa bem simples: não é um palácio para viver, nem um landau para passear, nem fardas, nem comendas! É carne! Que o País no número do pessoal diplomático – diminua os adidos e aumente os bois.”

Keynes vs Hayek: vale a pena ver de novo

Já informei aqui sobre este video sobre o enfrentamento das teorias opostas de John Maynard Keynes e Friedrich A. Hayek. Uma paródia, mas absolutamente realista e informativa sobre todos os elementos do debate, em forma de enfrentamento musical.
Vale assistir, desta vez com legendas em Português.

Fear the Boom and Bust Portuguese Subtitles

Universidades europeias desgostosas com o seu ranking

De fato, existem muitos critérios pelos quais podem ser avaliadas as universidades, alguns sendo muito subjetivos, como por exemplo, saber que tipo de grande contribuição à elevação cultural ou "espiritual" da humanidade são dados por cursos de letras, de filosofia ou de artes (música, artes plásticas, etc).
A maior parte dos rankings universitários se baseia em critérios objetivos -- artigos publicados e citados, patentes extraídas, prêmios Nobel ou outras atribuições, etc. -- pois os critérios subjetivos, ou qualitativos, não encontrariam consenso entre todos os aferidores.
Como o "produtivismo" das universidades americanas as coloca nos primeiros lugar, as universidades européias reclamam do viés, mas em lugar de reclamar, elas deveriam estabelecer seus, ou outros, critérios, e discutir os indicadores com os especialistas da área.
Elas podem tentar propor um critério que valorize, por exemplo, quão mais agradável é comer camembert na mensa universitária, em lugar de hamburguer e batata frita (que eles também tem), ou tomar vinho, em lugar de refrigerante. Em todo caso, critérios são critérios, e os chineses estão jogando o jogo ao estilo americano. Pode não ser o melhor, mas parece que é o único, até agora, que deu resultados tangíveis em favor da humanidade (nas ciências médicas e biológicas, por exemplo, ou na física e na química).
Os europeus também contribuem, mas seu ritmo é mais lento e irregular. E existem muitos prêmios Nobel dados a europeus que trabalham nas universidades e laboratórios americanos. Em lugar de reclamar, os europeus deveriam se interrogar por que.
Paulo Roberto de Almeida

Europeans claim bias in college rankings
Qian Yanfeng and Wu Yiyao
China Daily, 17/08/2010

SHANGHAI - An annual Chinese ranking of the world's top 500 universities, which was dominated by educational institutions from the United States, has stoked criticism from Europe for using criteria "biased" against European schools.

European institutions were outnumbered by their US counterparts in the annual ranking compiled by Shanghai Jiaotong University's Center for World-Class Universities (CWCU).

The US retained its commanding position on the list, with eight schools in the top 10 and 54 in the top 100, while only two European schools made the top 10 and 33 were in the top 100.

Harvard University continued to top the ranking for the eighth successive year, followed by Berkeley, Stanford and MIT.

The highest-ranking institution in the UK was the University of Cambridge in fifth place, followed by the University of Oxford at number 10 on the list.

European media reacted strongly to the ranking, saying it had failed to accurately reflect an institution's overall performance by "focusing almost entirely on a university's achievements in scientific research", AFP reported.

First released in 2003, the Shanghai list uses criteria such as the number of staff and alumni who have won Nobel prizes and Fields medals, the number of researchers who are highly cited and the number of articles published in nature and science magazines.

Times Higher Education, a London-based magazine that publishes an annual supplement ranking the top 200 world universities, said on its website that the Shanghai list is based "almost entirely on scientific research", whereas it uses a sophisticated and transparent method to compile its own annual list.

Cheng Ying, executive director of CWCU, conceded there are "shortcomings" in the ranking's methodology, which does not lend sufficient weight to an institution's performance in the humanities.

But he said it is a technical problem, since it is much more difficult to assess an institutions' performance in the humanities than in scientific research.

Cheng also said the list is designed to compare the performance of Chinese universities and their overseas counterparts, in order to help the country create more world-class universities.

In that sense, he added, it was never intended to be used as an index for Chinese students who want to compare different institutions before they go abroad to study.

Difamacao contra o agro-negócio: retratos da estupidez acadêmica

Alertado pelo blog de meu amigo iconoclasta -- um epíteto que eu também me atribuo com muita honra -- Orlando Tambosi, fui olhar alguns materiais acadêmicos relativos à difamação do (obviamente, contra o) agronegócio, e a constatação é realmente de estarrecer.

1) Primeiro a chamada no blog do Orlando Tambosi:

A demonização do agronegócio
O professor Luis Lopes Diniz Filho, da Universidade Federal do Paraná, desmonta as falsas informações divulgadas contra o agronegócio, um dos setores mais demonizados do país.

O agronegócio é o setor de atividade que vem sofrendo os piores e mais injustificados ataques por parte de amplos setores da imprensa e do sistema de ensino, sem falar nos ditos “movimentos sociais”. Já participei de duas mesas redondas sobre agricultura, em eventos dirigidos a pesquisadores e professores, e procurei refutar as visões distorcidas que vêm sendo divulgadas sobre o assunto. Os dados estatísticos e a bibliografia que utilizei para elaborar tais refutações podem ser consultados no artigo Agricultura e Mercado no Brasil. Neste texto, vou destacar apenas algumas teses da geografia escolar brasileira sobre agricultura e as evidências que demonstram os equívocos que vêm sendo transmitidos a crianças e adolescentes nas últimas três décadas.(Continua).

2) Agora a íntegra do curto artigo, referido acima, do professor Luis Lopes Diniz Filho:

Difamação contra o agronegócio vai continuar
Luis Lopes Diniz Filho
Blog Escola sem Partido, 17.08.2010

O agronegócio é o setor de atividade que vem sofrendo os piores e mais injustificados ataques por parte de amplos setores da imprensa e do sistema de ensino, sem falar nos ditos “movimentos sociais”. Já participei de duas mesas redondas sobre agricultura, em eventos dirigidos a pesquisadores e professores, e procurei refutar as visões distorcidas que vêm sendo divulgadas sobre o assunto. Os dados estatísticos e a bibliografia que utilizei para elaborar tais refutações podem ser consultados no artigo Agricultura e Mercado no Brasil. Neste texto, vou destacar apenas algumas teses da geografia escolar brasileira sobre agricultura e as evidências que demonstram os equívocos que vêm sendo transmitidos a crianças e adolescentes nas últimas três décadas.

A primeira distorção é a tese de que a produtividade agrícola só aumenta nos setores de exportação, conforme dizem o MST e muitos livros didáticos, como os de José William Vesentini. Ora, os dados do IBGE mostram que, sobretudo dos anos 80 em diante, culturas como as de tomate, cebola, batata, arroz e feijão alcançaram ganhos expressivos de rendimento físico, geralmente maiores do que aqueles verificados nas culturas de soja, laranja e cana.

Outra distorção é essa ideia de que a agropecuária brasileira se divide ainda num segmento de exportação e noutro de mercado interno. Essa tese é falsa simplesmente porque a maior parte da produção de soja, óleos vegetais em bruto e carne bovina do Brasil é consumida no mercado interno mesmo. Além disso, a expansão da indústria de alimentos vem alterando o padrão de consumo alimentar da população brasileira, de sorte que a alimentação dos mais pobres já não é mais tão dependente do arroz, feijão e mandioca como era há algumas décadas atrás.

Daí ser completamente absurda a visão de que o Brasil estaria vivendo o paradoxo da fome em meio à abundância de produtos agrícolas. A Pesquisa de Orçamentos Familiares 2002-2003 - POF, do IBGE, comprova que a exposição das pessoas à desnutrição declinou de forma rápida nas últimas décadas, até quase desaparecer. No período dessa pesquisa, a desnutrição atingia apenas um pequeno percentual da população feminina das áreas rurais do Nordeste e das mulheres do estrato mais pobre da população brasileira, formado pelas famílias com rendimento mensal per capita de até um quarto de salário mínimo. De outro lado, essa mesma fonte mostra que 24% dos homens e mais de 40% das mulheres desse estrato estavam então com excesso de peso ou obesidade!

Mas é claro que, diante disso, algum leitor poderia perguntar se tais informações não são contestadas pelos indicadores de segurança alimentar, segundo os quais há no Brasil cerca de 14 milhões de pessoas que passam fome. A verdade, porém, é que os dados de segurança alimentar não desmentem os resultados da POF. Ao contrário, são as informações desta última que revelam a fragilidade e incoerência da pesquisa sobre segurança alimentar, conforme explico em detalhes no artigo já mencionado.

Mas o interessante é que, embora a reação da maioria dos ouvintes às minhas palestras tenha sido negativa, a ninguém ocorreu contestar os resultados da POF com a citação de dados sobre segurança alimentar. Ao invés disso, os pesquisadores e professores que me contestaram fizeram uso de argumentos puramente retóricos ou saídos do senso comum, como esses abaixo:

“A questão agrária é mais complexa”. Ela “envolve uma multiplicidade de fatores”. Ora, mencionar outros fatores, por si só, não invalida em nada o diagnóstico de que a desnutrição está no fim. O que se tem aí é apenas uma retórica que procura descartar uma avaliação baseada em dados sem discutir sua consistência lógica e empírica.

“Não é isso o que a gente vê na rua”. “Você já visitou a periferia de Curitiba ou o Nordeste? Já viu a soja partindo do Porto de Paranaguá?”. Esse argumento supõe que o IBGE deveria ser fechado, pois mobiliza milhares de pesquisadores e gasta milhões de Reais para fazer pesquisas cujos resultados podem ser derrubados por uma única pessoa em visita a certos lugares. Esse tipo de argumento demonstra que alguns professores não entendem que a função das estatísticas é permitir fazer generalizações com base em um número relevante de observações.

O simplismo dos argumentos demonstra que o agronegócio continuará sendo difamado diariamente por professores e autores de livros didáticos que falam sobre agricultura e fome sem nunca terem consultado a POF e as informações do IBGE sobre produtividade agrícola. A visão torta dos professores deriva da má qualidade dos livros didáticos e também da falta de leituras outras que não a desse tipo de livro. Mas a causa principal está mesmo é no alinhamento incondicional dos professores e pesquisadores aos movimentos de “luta pela terra”. É por se apegarem aos dogmas ideológicos de organizações como o MST que os professores persistem no engano mesmo quando confrontados com indicadores que nunca tinham se dado ao trabalho de consultar. Como diz o ditado: “o pior cego é aquele que não quer ver”.

3) Finalmente o principal, mas parcialmente:
Transcrevo apenas os parágrafos iniciais e finais de um trabalho de 30 páginas, que pode ser lido aqui.

Agricultura e mercado no Brasil: revendo as visões da geografia sobre os condicionantes da produção agrícola no capitalismo
Versão de 10 março de 2010.
Luis Lopes Diniz Filho
Departamento de Geografia da UFPR

Nossos homens de ciências e de letras [...] têm de criticar, mostrar problemas, participar da vida nacional. Mas o que deve falar é sua consciência, e não a vontade de ganhar palmas. Esperamos deles a coragem dos comunistas que denunciaram o stalinismo ou dos direitistas que denunciaram o macarthismo. O primeiro dever é o da impopularidade”. CLAUDIO DE MOURA CASTRO. O dever da impopularidade. Veja, 07 nov. 2001.

Introdução
Este artigo se divide em três partes. A primeira expõe o conteúdo que serviu de base para minha fala no XIX Encontro Nacional de Geografia Agrária – Enga, e resulta de pesquisas que venho realizando sobre os pressupostos da geografia crítica e as consequências de sua hegemonia entre os geógrafos brasileiros. A segunda parte discute as polêmicas que se seguiram à apresentação, as quais demonstram que a geocrítica continua realmente a pautar a visão que a maioria dos geógrafos tem da agricultura. Daí a urgente necessidade de chamar atenção para os equívocos e anacronismos contidos nessa visão que se formou há cerca de trinta anos. A última seção retoma as conclusões das anteriores para tecer alguns questionamentos sobre as relações entre ciência e ideologia nos estudos sobre o tema da reforma agrária ou rural.

Os equívocos da dicotomia agronegócio versus campesinato
Os geógrafos críticos, por sua opção incondicional pela utopia e recusa a ver qualquer positividade no capitalismo, são incapazes de apresentar propostas de políticas públicas que sejam a um só tempo radicais e consistentes, sendo que o IX Colóquio Internacional de Geocrítica é a melhor demonstração disso. Embora Horacio Capel (2007) tenha afirmado, no discurso de abertura do evento, que não seriam aceitas comunicações que não contivessem explicitamente uma proposta para resolver o problema que estivesse sendo analisado, verifica-se que há trabalhos nos quais a proposta é radical mas imprecisa e outros que propõem soluções com algum detalhamento, mas que não conseguem ser alternativas ao capitalismo.
O artigo Soberania alimentar como alternativa ao agronegócio no Brasil, de Christiane S. S. Campos e Rosana S. Campos (2007), prima pela primeira característica, pois, das quatorze páginas que o constituem, são dedicadas cerca de duas páginas e meia para explicar a alternativa anunciada no título, enquanto todo o resto da exposição é dedicado a lançar acusações contra a agricultura patronal . Além de realçar a crise das teorias críticas e radicais no domínio prático, esse artigo é bastante útil para demonstrar os equívocos em que a geografia agrária brasileira vem incorrendo por haver incorporado tais pressupostos, já que os ataques feitos pelas autoras ao agronegócio estão sendo reproduzidos há décadas em livros didáticos e trabalhos científicos de geografia. Vejamos esta afirmação inicial:

Sob a forma de agronegócio as atividades agropecuárias vêm sendo cada vez mais controladas por conglomerados econômicos que atuam em escala mundial determinando o que, quanto, como e onde devem ser produzidos e comercializados os produtos de origem vegetal e animal” (Campos; Campos, 2007).

Independentemente de essa afirmativa estar correta ou não, cumpre lembrar que o processo de concentração e centralização de capital em determinado setor só pode ser visto como algo negativo de per si caso se considere que os interesses das grandes empresas são antagônicos aos da maioria da população. No entanto, se for levado em conta que a natureza simultaneamente competitiva e cooperativa da economia de mercado impõe a satisfação das necessidades dos consumidores como condição necessária para a obtenção de lucros, tal raciocínio perde o sentido. É no intuito de vender produtos alimentícios com uma relação custo/benefício que os consumidores avaliem como superior à oferecida pelos concorrentes que os conglomerados do setor agroalimentar tomam decisões sobre o tipo e características dos alimentos a serem produzidos, bem como sobre a localização da produção.

(...)

Considerações finais
Conforme esclareci durante os debates realizados no XIX Enga, não ignoro a multidimensionalidade do rural e também não tenho nenhuma objeção a que se defenda a necessidade de políticas de reforma agrária com base em argumentos de ordem ambiental, social e cultural. Mas é preciso deixar claro que, dentre os argumentos que costumam ser usados para defender esse tipo de política, há alguns que já perderam sua validade há décadas. Um deles é justamente a tese de que o Brasil precisa de uma “reforma agrária ampla e massiva” para resolver o problema da fome. Não! Esse é um problema residual e controlável com programas emergenciais de distribuição de alimentos em certas localidades (como algumas aldeias indígenas) ou políticas focalizadas de renda mínima – algo muito diferente do conteúdo populista e assistencialista que o atual governo deu aos programas de transferência de renda instituídos pelo governo anterior. À medida que a renda per capita e a produtividade agropecuária crescerem, como ocorreu nas últimas décadas, mesmo o pequeno percentual de pessoas que podem estar emagrecidas por alimentação insuficiente irão melhorar seu padrão de consumo alimentar, independentemente de receberem bolsas do governo ou não. Essa é a realidade que explica porque o Partido dos Trabalhadores abandonou o objetivo de fazer uma reforma agrária maciça e limitou-se a dar continuidade à política fundiária do governo anterior, à qual havia se oposto tão fortemente .
Portanto, se há bons argumentos ambientais, sociais e culturais para defender a reforma agrária, então os pesquisadores e professores devem usar esses argumentos para defendê-la, ao invés de recorrerem a qualquer ideia que possa servir a essa causa, sem preocupações com lógica e com verificação empírica. Afinal, já existem os políticos e os militantes de partidos, ONGs e “movimentos sociais” para defenderem causas (e interesses) com o uso da retórica política. Os acadêmicos só prestam uma contribuição original aos debates públicos quando se recusam a fazer retórica para defender causas e se concentram no esforço de produzir conhecimentos tão objetivos quanto possível. Um dos grandes males trazidos pela geocrítica está exatamente na dissolução das fronteiras entre discurso científico e retórica política, a qual é fruto de uma interpretação equivocada das pertinentes críticas que já foram feitas à noção de objetividade científica (em particular, nas ciências humanas e sociais) e ao princípio positivista da neutralidade do método. O uso de métodos tidos como adequados não dá garantias absolutas de que os enunciados científicos são de fato objetivos e neutros em relação a valores e interesses, mas a objetividade e a neutralidade têm de continuar existindo como compromissos que o cientista assume quando elabora e aplica seus métodos de pesquisa.
É por se preocuparem mais em servir à causa da reforma agrária do que em manter um compromisso com a busca de objetividade que muitos trabalhos de pesquisa e livros didáticos se equivocam ao aplicar um diagnóstico que fazia certo sentido nos anos 1970 para explicar a agricultura das décadas seguintes. E se os pesquisadores e professores continuarem a pensar o tema da reforma agrária com base na dicotomia agronegócio versus campesinato, correrão o risco de cometer equívocos tão grandes ao refletir sobre os benefícios ambientais, sociais e culturais dessa reforma quanto aqueles em que incorreram ao supor que o agronegócio não tem interesse em atender às necessidades dos consumidores por se preocupar apenas com lucros.

Fim do texto do professor Luis Lopes Diniz Filho (seguido de apêndices estatísticos e bibliografia)

Leia a íntegra neste link.

Sem filigranas diplomaticas - continuidade de um caso confuso (Brasil-Iran)

Cada vez que o assunto é abordado, nos meios oficiais ou pela imprensa, tem-se a impressão que se trata de um diálogo de surdos, ou melhor, de pessoas que não querem ouvir.
De vez em quando alguém que não sabe falar também mete a sua colher no assunto.
E assim vai se aprofundando a confusão, até o desenlace fatal...
Paulo R. de Almeida

Ministro de Lula chama líder do Irã de ditador e diz que Brasil segue negociando asilo a Sakineh
De São Paulo
Folha.com, 16.08.2010

O governo brasileiro continua "pressionando diplomaticamente" o "ditador" do Irã para que enviar ao Brasil a iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani, 43, condenada por adultério e sentenciada à morte por apedrejamento, afirmou o ministro brasileiro dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, nesta segunda-feira em São Bernardo do Campo (SP).

"O governo Lula está pressionando diplomaticamente o governo iraniano para que permita que ela venha para o Brasil. E se esse ditador [o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad] tiver um mínimo de bom senso, deveria permitir que ela venha morar no Brasil e seja salva", disse Vannuchi.

Para Vannuchi, o Brasil é o único país que pode negociar com o Irã, após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, junto com o governo turco, ter mediado as negociações entre o Irã e a Agência Internacional de Energia Atômica pelo programa nuclear iraniano.

Brasil e Irã trocaram várias mensagens nas últimas semanas pelo caso de Sakineh Mohamadi Ashtiani, 43 anos, mãe de dois filhos, condenada à morte por apedrejamento no Irã por adultério e também acusada de homicídio.

A sentença de apedrejamento contra Sakineh levou à condenação internacional e a grande pressão contra Teerã. O país adiou a execução da condenação, mas acrescentou ao processo uma acusação de participação no assassinato de seu marido, em 2005. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que mantém um diálogo aberto com o Irã, ofereceu asilo a Sakineh no Brasil.

OFERTA DE ASILO
No dia 31 de julho, o presidente Lula disse que iria usar sua "amizade" com Ahmadinejad para propor que a iraniana tivesse asilo do Brasil. Três dias depois, Ramin Mehmanparast, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores iraniano, disse que Lula fizera a oferta, provavelmente, com base em informações erradas.

No último dia 9, o embaixador brasileiro no Irã, Antônio Salgado, se reuniu com o governo local para apresentar aos canais oficiais, formalmente, a oferta de asilo à iraniana. A visita é um recurso conhecido diplomaticamente como gestão, quando o ministro das Relações Exteriores ou mesmo o presidente de um país manda o embaixador procurar a chancelaria da capital onde atua para estabelecer relações formais.

Dias depois, diplomatas disseram que não faz sentido Teerã aceitar a oferta brasileira, já que Sakineh é uma iraniana criminosa condenada.

ABRIGO A CRIMINOSOS
O governo do Irã questionou nesta segunda-feira as "consequências" da oferta brasileira de asilar uma iraniana condenada à morte por apedrejamento, e perguntou se o "Brasil precisará ter um local para criminosos de outros países", em uma nota emitida por sua embaixada em Brasília.

"Em relação à presença ou ao exílio [da condenada] Sakineh Mohamadi no Brasil, é necessário considerar alguns pontos e questões significativas. Quais são as consequências desse tipo de tratamento aos criminosos e assassinos?", questiona o governo do Irã em seu comunicado.

"Esse ato não promoverá e não incitará criminosos a praticar crimes?", completou.

"Será que a sociedade brasileira e o Brasil precisarão ter, no futuro, um lugar para os criminosos de outros países em seu território?", questionou.

Segundo a nota divulgada nesta segunda-feira, o Irã "considera as declarações e o chamado" de Lula "um pedido de um país amigo", que atribuiu a "sentimentos puramente humanitários" do presidente brasileiro.

OFERTA RECUSADA
O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, afirmou nesta segunda-feira que não vai enviar Sakineh ao Brasil. "Eu acho que não há necessidade de criar problema para o presidente [Luiz Inácio] Lula [da Silva] e levá-la ao Brasil", disse Ahmadinejad.

Em entrevista divulgada na televisão iraniana de língua inglesa Press TV, Ahmadinejad disse acreditar que não há necessidade de enviar Sakineh ao Brasil e afirmou esperar que o assunto "seja resolvido". Ele não deu mais detalhes.

"Há um juiz no fim do dia e os juízes são independentes. Mas eu falei com o chefe do judiciário e o judiciário também não concorda com a proposta do Brasil", disse Ahmadinejad.

Pequeno retrato da imoralidade reinante (com o seu dinheiro, caro leitor...)

...e com o meu também.
Não pretendo comentar extensamente o que considero ser uma indústria de indenizações e uma fábrica de imoralidades.
Basta transcrever o que segue.
Paulo R. Almeida

Presidente da comissão de anistia critica TCU por revisar indenizações
Eduardo Bresciani, do G1
São Paulo, 16.08.2010

O presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abraão, criticou nesta segunda-feira (16) o Tribunal de Contas da União (TCU) por ter decidido revisar as indenizações pagas a anistiados políticos. A decisão do TCU foi tomada na semana passada, após uma reportagem do jornal “O Estado de S.Paulo”, e atinge R$ 4 bilhões pagos ou aprovados em pouco mais de sete anos.

Para Abraão, todas as indenizações concedidas pela comissão estão dentro dos critérios determinados na constituição e na lei que regulou o pagamento. Na visão, ao defender a revisão o TCU não está levando em conta os aspectos históricos e políticos do pagamento de indenização.

“Se o Tribunal de Contas discorda dos critérios da constituição e das leis pode pedir ao Congresso que faça alterações. (…) O que não pode é um órgão de contas transformar um processo histórico e político em um processo contábil”, afirmou Abraão.

Ele destacou que qualquer cidadão pode questionar junto ao órgão as indenizações concedidas e que já houve casos de revisão. O presidente da Comissão de Anistia afirmou que seria um “retrocesso” a redução de direitos dos perseguidos pela ditadura militar. “Seria um grande retrocesso se nós voltássemos atrás numa jornada que temos empreendido nestes anos e passássemos a reduzir os direitos das vítimas”.

A presidente da Associação Brasileira de Anistiados Políticos, Alexandrina Kristensen, destacou que só recebem o benefício as pessoas que comprovam terem sido perseguidas pelo regime militar.

“Essa indenização por anistia só é conseguida quando a pessoa comprova a perseguicao da ditadura. O regime militar massacrou as pessoas. Tirou os direitos de trabalho, torturou barbaramente, matou inclusive. (…) Tem que ficar claro a quem interessa acabar com a anistia no Brasil. As pessoas já foram perseguidas pela ditadura e agora estão sendo porque recebem indenização”, afirmou.

Abraão e Alexandrina participaram de um seminário na Câmara dos Deputados que discute anistia e direitos humanos na América Latina.

Comento [Reinaldo Azevedo]:
Presidente da Comissão de Anistia deve achar que “processos históricos” anulam a matemática…

Paulo Abraão está fazendo de conta que a comissão não está INTERPRETANDO as leis. Tanto está que ele próprio admite: já se fizeram revisões. Se elas fossem, assim, tão estritas e auto-aplicáveis, rever o quê? Um processo, por ser “histórico” e “político”, deixa de ser contábil? Acho que não. O que a fala do valente omite é o seguinte:

1 - eles decidem o “processo histórico” e “político;
2 - os brasileiros arcam com o “processo contábil”.

A concessão escandalosa de prebendas sob o pretexto de reparação está dada pelos fatos, não é uma questão de juízo de valor. Uma das coisas mais curiosas nessa história é a progressão imaginada para a carreira do “punido”: todos eles virariam “chefes”, chegariam ao topo da carreira se não tivessem sido “perseguidos”… É mesmo, é? Penso no caso de Carlos Heitor Cony, por exemplo. Ele certamente não teria chegado a ser, sei lá, o diretor de Redação do Correio da Manhã porque o jornal… fechou! E Ziraldo? E Jaguar?

O caso do “Pasquim” renderia uma tese acadêmica. A censura fazia bem ao jornal, não mal. É um fato. E isso não quer dizer que a ditadura tivesse um lado bom. Quer dizer apenas que o Pasquim não soube fazer humor na democracia. Foi “perseguido” pela falta de leitores, que não lhe faltaram enquanto combatia o regime. O período todo fez bem a Ziraldo, por exemplo. Na redemocratização, a fama de resistente e sábio lhe render o cargo de presidente da Funarte, no governo Sarney, quando pôde expor plenamente a sua visão para uma política pública na área da cultura: incentivo a bandinhas de música, valorização da cachaça como patrimônio cultural e pesquisas sobre a metafísica da broa de milho. E isso não é brincadeira. Mistificação rende indenização; mico não rende multa…

A lei que garante a reparação, com efeito, é cheia de licenciosidades? É, sim! Mas é evidente que se dá ao texto a interpretação mais larga e generosa possível, já que a Comissão fica com a generosidade do “processo histórico e político”, e os contribuintes, com o ônus do “processo contábil”. O TCU tem de zelar pelo uso responsável do dinheiro público. Se indenizar alguns notórios partidários de tiranias é, em si, um escândalo, que não se exagere ao menos. Não se recupera a moral essencial do “processo”, mas, ao menos, se aplica uma política de redução de danos aos cofres públicos.
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Ainda sobre a Lei da Anistia e as generosíssimas concessões de prebendas, fico cá a pensar: já são milhares os indenizados. O espeto nos cofres públicos passa de R$ 4 bilhões. Os “anistiados” têm advogados, não? Tenho certa curiosidade de saber quantos são. E também quem são.
- Trabalham de graça, já que a causa é tão nobre?;
- cobram uma taxa de sucesso? De quanto?;
- quanto a concessão de indenizações já teria rendido a escritórios especializados?;
- a Comissão de Anistia não pode ter-se transformado num cartório de “especialistas” em anistia, tudo pago com o dinheiro dos bobalhões que não pegaram na metranca para “fazer revolução”?
[RA]

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Mexico: um Estado (quase) falido? - o problema das drogas

O Brasil tem sorte de não estar perto dos EUA, não pelas razões habitualmente invocadas, como aquela bobagem do império e sua dominação sobre o coitado do México. Mas porque os EUA são um mercado muito atrativo para as drogas e um grande fornecedor de armas pesadas para as gangues de traficantes mexicanos, que adotam táticas criminosas próximas das situações de guerra na Somália, no Iraque ou no Afeganistão.
Temos sorte, mas talvez não por muito tempo.
Melhor aprender com a experiência do pobre México, uma situação terrivel...
Paulo Roberto de Almeida

The U.S. is turning away from Mexico's failing drug war
Editorial The Washington Post
August 14, 2010

Give Mexican President Felipe Calderon credit for honesty as well as courage. Last week he presided over a three-day public conference to assess the results of nearly four years of war against Mexico's drug cartels. Most of the facts were grim:
-- According to the chief of the national intelligence service, 28,000 people have died violently since Mr. Calderon deployed the Mexican army against the drug gangs in December 2006. That number represents an increase of 3,000 over the death toll the government reported earlier this summer.
-- There have been 963 incidents involving federal forces and the gangs since the offensive began -- or just about one per day.
-- Mexican authorities have seized more than 84,000 weapons, including thousands of high-powered assault rifles, grenades and other military-caliber equipment. More than 80 percent of the guns whose provenance could be traced came from the United States.
-- The ferocity of the violence continues to escalate as drug gangs import the tactics of al-Qaeda and the Taliban. To kidnappings, beheadings and massacres of innocent civilians and even children can now be added car bombs -- two of which have been detonated in northern cities in the past few weeks.
Mr. Calderon bluntly spelled out the threat the cartels represent to Mexico. "The behavior of the criminals has changed and become a defiance to the state, an attempt to replace the state," he said. Drug lords are collecting their own taxes from businesses in some areas. According to the secretary of public security, they are spending $1.2 billion a year to buy the allegiance of 165,000 police officers.
Preventing the sort of cartel takeover that Mr. Calderon warned of is a vital interest of the United States -- which is why the Obama administration and Congress could benefit from their own truth-telling session about Mexico. Congress has appropriated $1.3 billion since 2008 to help Mexico fight drug trafficking, but because of poor implementation and bureaucratic delays, only a fraction of the money has been spent. Mexican forces are still waiting for badly needed U.S. helicopters, surveillance planes and drones as well as training programs in areas such as money laundering.
Worse, the Obama administration has shrunk from the duty of cracking down on the illegal trafficking of guns to Mexico, including improper sales by many of the 7,000 gun shops along the border. During his last visit to the United States, in May, Mr. Calderon pleaded with the White House and Congress to reinstate the ban on sales of assault weapons. As so often when it comes to the needs of this important neighbor, there has been no response.

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This Week at War: Is Mexico's Drug War Doomed?
Learning to live with drug cartels

BY ROBERT HADDICK
Foreign Policy, August 13, 2010

What happens if Mexico settles with the cartels?

The U.S. Department of Defense defines irregular warfare as "a violent struggle among state and non-state actors for legitimacy and influence over the relevant populations." By this definition, Mexico is fighting an irregular war. The Mexican government's campaign against the drug cartels is far more than a law enforcement problem; the two sides are engaged in a violent struggle for influence over the Mexican population.

Four years after Mexican President Felipe Calderón threw 80,000 soldiers at the cartels, their businesses remain as strong as ever. According to the Los Angeles Times, the overall drug trade continues to flourish, bringing in by one estimate $39 billion a year to the Mexican economy, equal to 4.5 percent of Mexico's economic output in 2009. The cartels, formerly just smuggling businesses operating largely out of sight, have evolved into political insurgents, and Calderón has openly wondered whether the Mexican state will survive. Neither side has the capacity to crush the other. This implies an eventual compromise settlement and with it a de facto or actual legalization of the drug trade in Mexico. When Calderón and the cartels make such a deal, the United States will have to deal with the consequences.

Calderón's war has managed to inflict pain on the cartels; government forces killed two top cartel leaders and have set the syndicate into a violent struggle with each other for smuggling routes. According to the Los Angeles Times story, the Mexican government estimates 28,000 people have been killed in the war, the vast majority of whom were cartel employees and associates who died in battles between the various gangs. Responding to the pressure, the cartels have transformed themselves into political insurgencies in an attempt to persuade the government to back off and to attract the support of local populations. Their actions are right out of an insurgency's standard playbook: attacks on the police (recently with car bombs), employees of state oil company Pemex -- the cornerstone of the government's revenue -- and the media.

In a speech to the nation last week, Calderón declared that the cartels' actions are "an attempt to replace the state." He pleaded with his countrymen to support the government and to report on local officials whom the drug gangs have co-opted. Calderón's plea comes as Mexico's main sources of foreign exchange are under pressure: The drug wars are chasing away tourism, competition from Asia threatens the manufacturing export sector in the north, the Pemex oil monopoly is in decline, and the struggling U.S. economy has hit expatriate receipts back to Mexico.

With Mexico's legitimate sources of foreign exchange wilting and with the government facing a bloody and open-ended war against the cartels, the prospect of a settlement must be increasingly attractive to Calderón. Legalization would legitimize the drug trade as another important export sector of the Mexican economy, along with oil, tourism, light manufacturing, and expatriate labor receipts. According to the New York Times, Calderon has opened up a dialogue with opposition political leaders in a search for possible alternatives, and has called for a national discussion on the possibility of drug legalization. Calderón's two predecessors, Vicente Fox and Ernesto Zedillo, now support some form of drug legalization.

Should Mexico call a truce and legalize its drug business, where would this leave the United States, the prime market for Mexico's drug exports? Many Americans would view Mexican legalization harshly and call for suspending Merida initiative aid and perhaps closing the border. But even if this were physically possible, vast legitimate commercial trade and the presence of so many family relationships on both sides of the border, the consequence of past migrations, would make a closure politically impossible. Should Calderón or his successors eventually choose this means of escape, the United States will simply have to cope with the consequences.

Robert Haddick is managing editor of Small Wars Journal.

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