Quando eu escrevi, ainda antes das eleições do 2002, mas já prevendo a eleição de Lula, que o governo do PT seria neoliberal, ouvi protestos e xingamentos daqueles setores que vocês imaginam, ou seja, a quase totalidade da academia brasileira. Saiu no meu livro A Grande Mudança (escrito antes das eleições, mas publicado logo em seguida).
Novo embate se deu em torno dos mesmos conceitos: foi no encontro da Anpocs, em Caxambu, em outubro de 2003. Cheguei até a ser vaiado, o que me confirmou nas minhas previsões: o PT seria mesmo neoliberal, e teria problemas com os malucos da academia.
Bem, preciso me redimir: pensei que o PT fosse ser neoliberal de verdade, assumindo os ônus e bonus das novas posições. Não imaginei que eles continuariam trapalhões, fraudadores e mentirosos. Praticam o neoliberalismo desbragadamente, mas o fazem de modo incompleto, deformado, tentando enganar os incautos, que são muitos como se sabe.
Eles continuam praticando o neoliberalismo sem convicção. Mas, afirmo e reafirmo: vai chegar o dia em que eles vão sair do armário e se assumir pelo que são: neoliberais.
Paulo Roberto de Almeida
Governo discute privatização de federalizadas
Por Josette Goulart
Valor Econômico, 22/08/2011
A possibilidade de privatização de alguns ativos do setor elétrico começa a se tornar uma opção viável e a ser estudada dentro do governo federal. O alto escalão já considera essa a melhor alternativa para as distribuidoras federalizadas que atuam em seis Estados do Norte e Nordeste do país, que estão hoje sob o guarda-chuva da Eletrobras. Mesmo petistas de carteirinha, em cargos estratégicos no setor elétrico, já aceitam a ideia e inclusive a defendem.
O Valor esteve com seis fontes importantes na Eletrobras, na Agência Nacional de Energia Elétrica e no Ministério de Minas e Energia. Todos dizem a mesma coisa: "sim, a privatização é possível". Esse, admitem, seria o caminho para melhorar a qualidade do serviço prestado pelas distribuidoras Amazonas Energia, Boa Vista Energia, Eletroacre, Ceron (Rondônia), Cepisa (Piauí) e Ceal (Alagoas).
A pecha da "privatização" é o maior obstáculo - por ser político - a ser superado e por isso ainda nenhum estudo formal foi solicitado. Mas se no governo de Luiz Inácio Lula da Silva qualquer discussão sobre o assunto era terminantemente proibida, desde que a presidente Dilma Rousseff apoiou e determinou o programa de concessão dos aeroportos a postura entre os colaboradores da presidente no setor elétrico mudou.
A ideia circula por várias instâncias e conversas com executivos de importantes fundos de pensão já foram travadas
Diversas soluções estão sendo vislumbradas para se fugir dessa questão política. Entre elas, uma das preferidas é a de tratar a privatização como uma "parceria público e privada", ou seja, vender o controle mas deixar a Eletrobras como sócia - a exemplo do modelo dos aeroportos em que a estatal Infraero será sócia dos investidores privados.
A ideia circula por várias instâncias e até conversas informais com executivos de importantes fundos de pensão já foram travadas para se saber o interesse nesse tipo de negócio. Os fundos se interessam, mas o modelo de negócios a ser definido seria fundamental, pois eventualmente envolveria a abertura de capital dessas empresas. Fora dos fundos de pensão, há também interesse. Comprar empresas como a Cepisa, que atua no Piauí, sempre foi um desejo declarado, por exemplo, da Equatorial Energia, que hoje é dona da Cemar (Maranhão), vizinha à Cepisa, e que ainda não conseguiu expandir sua atuação no setor elétrico.
Se a decisão for levada adiante e, principalmente, aceita politicamente, a expectativa do setor privado é de que a privatização comece a ser aceita também dentro de governos estaduais que têm hoje distribuidoras de energia com sérias dificuldades econômico-financeiras ou problemas com qualidade do serviço. Entre os exemplos estão a CEB, que enfrenta os problemas de anos sem investimentos que culminaram com queda na qualidade dos serviços.
A Celg, que atua em Goiás, também enfrenta problemas e busca um sócio para capitalizar a empresa que está altamente endividada, mas tem sido difícil conseguir sócios sem entregar o controle. A empresa de distribuição de Goiás precisa apresentar um plano de recuperação para a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e evitar um processo de caducidade da concessão, em que o Estado poderia perder o direito de operar a companhia. As eleições em Goiás, entretanto, foram marcadas pelas promessas de não se privatizar ativos.
O fim das concessões a partir de 2015 também pode ser usado como caminho para se buscar uma alternativa à privatização. Em entrevista publicada na semana passada pelo Valor, o diretor da Aneel, Julião Coelho, propôs que o governo permita a possibilidade de prorrogação desde que a agência tenha a prerrogativa de analisar, com base em critérios objetivos de qualidade e capacidade financeira, aqueles que podem permanecer com a concessão. Com isso, as empresas em dificuldades poderiam ter seus controladores alterados em novos processos de licitação e os atuais donos receberiam indenização pelos investimentos que realizaram e não foram amortizados.
Toda essa discussão em torno de privatização começou a se fazer necessária depois que a administração da Eletrobras começou a perceber que seus esforços para melhorar a qualidade de suas distribuidoras não surtiram efeitos. São seis as concessionárias que há anos sangram o caixa da empresa. Desde 2008, só em conversão de dívidas em capital, as distribuidoras já consumiram cerca de R$ 5 bilhões da estatal, sem contar volume parecido que foi investido ao longo dos últimos dez anos. Mesmo assim, os prejuízos têm sido constantes e os índices de qualidade e perdas não estão a contento. A mais problemática é a Amazonas Energia, que tem sob seu atendimento toda a indústria da Zona Franca de Manaus.
Apesar das injeções de capital em anos anteriores nas distribuidoras, os balanços publicados em 2011 pela Eletrobras apresentaram um dado preocupante. Até o primeiro trimestre, o passivo de curto prazo estava a descoberto em R$ 750 milhões. Situação que levou os auditores privados da empresa a descreverem, pela primeira vez em suas notas de balanço, que há dúvidas sobre a continuidade operacional dessas companhias. O então diretor presidente das distribuidoras, Pedro Hosken, quando esse passivo se apresentou pela primeira vez, afirmou que, sendo essas empresas públicas, só no longo prazo seria possível resolver o problema. Mas a Eletrobras já administra a situação dessas companhias há mais de dez anos.
O presidente da Eletrobras, José da Costa Carvalho Neto, diz que a empresa está empenhada em fazer investimentos para melhorar a qualidade dos serviços. Neste ano, vai investir R$ 897 milhões nas empresas e, entre 2012 e 2014, mais de R$ 1,1 bilhão.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
segunda-feira, 22 de agosto de 2011
Preparados para o iPad3? (Sorry Brazilians, not you...)
Sim, o governo brasileiro ainda está empenhado -- tristemente, devo dizer -- em assegurar que algum fabricante taiwainês, qualquer um, mas um em particular, ainda venha se instalar no Brasil para fabricar o iPad1 (!), mas só se for com 80% de componentes nacionais, e custando um pouco menos do dobro do original...
Bem, brasileiros, vocês perdem tudo por esperar, mas o que esperar com o governo que vocês têm?
Paulo Roberto de Almeida
Apple Developing New iPad
Lorraine Luk
The Wall Street Journal, August 19, 2011
TAIPEI--Apple Inc. is working with component suppliers and its assembler in Asia for the trial production of its next generation iPad from October, people familiar with the situation say, as it looks to stay ahead of the competition in the fast-growing tablet computer market.
The Wall Street Journal reports that Apple is working with component suppliers and its assembler in Asia for the trial production of its next generation iPad. WSJ's Yukari Kane joins digits to discuss.
The Cupertino, Calif., company has ordered key components such as display panels and chips for a new iPad it is aiming to launch in early 2012, said the people.
The next generation iPad is expected to feature a high resolution display - 2048 by 1536 compared with 1024 by 768 in the iPad 2 - and Apple's suppliers have already shipped small quantities of components for the sampling of the iPad 3. Suppliers said Apple has placed orders for a 9.7-inch screen device.
One component supplier to Apple said the company has already placed orders for parts for about 1.5 million iPad 3s in the fourth quarter.
"Suppliers will ramp up production and try to improve the yield rate for the new iPad in the fourth quarter before its official launch in early 2012," said a person at the supplier.
Apple, like many other big personal-computer and consumer-electronics brands, doesn't actually make most of its products. It hires manufacturing specialists - mainly companies from Taiwan that have extensive operations in China - to assemble its gadgets based on Apple's designs. They use parts from other outside suppliers, many of which also are from Taiwan and elsewhere in Asia. The arrangement frees Apple and its fellow vendors from running complicated, labor-intensive production lines, while the ability of Taiwanese companies to slash manufacturing costs helps cut product prices over time.
Taiwan's Hon Hai Precision Industry Co. assembles the iPad. A company spokesman declined to comment.
Apple reported blowout earnings for its fiscal third quarter ended June 25 in part due to the popularity of its iPad. The company sold 9.3 million units in the quarter, nearly triple what it sold a year earlier. Together with the robust sales of the iPhone smartphone and other electronics devices, Apple's net profit for the period more than doubled to $7.31 billion from $3.25 billion a year earlier.
Still, the next-generation iPad would be coming at a time when there's more competition in the market. Companies from Samsung Electronics Co., Motorola Mobility Holdings Inc., ZTE Corp. and Toshiba Corp. have launched similar devices using Google Inc.'s Android software. Apple is also embroiled in several lawsuits spanning various countries with Samsung Electronics over alleged patent infringement.
Bem, brasileiros, vocês perdem tudo por esperar, mas o que esperar com o governo que vocês têm?
Paulo Roberto de Almeida
Apple Developing New iPad
Lorraine Luk
The Wall Street Journal, August 19, 2011
TAIPEI--Apple Inc. is working with component suppliers and its assembler in Asia for the trial production of its next generation iPad from October, people familiar with the situation say, as it looks to stay ahead of the competition in the fast-growing tablet computer market.
The Wall Street Journal reports that Apple is working with component suppliers and its assembler in Asia for the trial production of its next generation iPad. WSJ's Yukari Kane joins digits to discuss.
The Cupertino, Calif., company has ordered key components such as display panels and chips for a new iPad it is aiming to launch in early 2012, said the people.
The next generation iPad is expected to feature a high resolution display - 2048 by 1536 compared with 1024 by 768 in the iPad 2 - and Apple's suppliers have already shipped small quantities of components for the sampling of the iPad 3. Suppliers said Apple has placed orders for a 9.7-inch screen device.
One component supplier to Apple said the company has already placed orders for parts for about 1.5 million iPad 3s in the fourth quarter.
"Suppliers will ramp up production and try to improve the yield rate for the new iPad in the fourth quarter before its official launch in early 2012," said a person at the supplier.
Apple, like many other big personal-computer and consumer-electronics brands, doesn't actually make most of its products. It hires manufacturing specialists - mainly companies from Taiwan that have extensive operations in China - to assemble its gadgets based on Apple's designs. They use parts from other outside suppliers, many of which also are from Taiwan and elsewhere in Asia. The arrangement frees Apple and its fellow vendors from running complicated, labor-intensive production lines, while the ability of Taiwanese companies to slash manufacturing costs helps cut product prices over time.
Taiwan's Hon Hai Precision Industry Co. assembles the iPad. A company spokesman declined to comment.
Apple reported blowout earnings for its fiscal third quarter ended June 25 in part due to the popularity of its iPad. The company sold 9.3 million units in the quarter, nearly triple what it sold a year earlier. Together with the robust sales of the iPhone smartphone and other electronics devices, Apple's net profit for the period more than doubled to $7.31 billion from $3.25 billion a year earlier.
Still, the next-generation iPad would be coming at a time when there's more competition in the market. Companies from Samsung Electronics Co., Motorola Mobility Holdings Inc., ZTE Corp. and Toshiba Corp. have launched similar devices using Google Inc.'s Android software. Apple is also embroiled in several lawsuits spanning various countries with Samsung Electronics over alleged patent infringement.
Bem, agora falta mais um (entre muitos outros, claro...)
Agora que um desses amigos se foi, não se sabe bem para onde, mas isso é o que menos importa agora, falta um outro amigo se mancar, e também tomar a estrada do exílio, antes que seja muito tarde, e antes que mais algumas dezenas, ou centenas de pessoas, também sejam mortas inutilmente.
Que ele vai cair, isso é inevitável.
Mas não seria inevitável que certos serviços diplomáticos fiquem acompanhando a trajetória de declínio até o final. Afinal de contas, dizem que temos direitos humanos entre nossos princípios constitucionais...
Ah, também tem "não interferência nos assuntos internos de outros Estados"...
Sempre é bom lembrar. Ainda bem que observamos tudo isso...
Paulo Roberto de Almeida
Que ele vai cair, isso é inevitável.
Mas não seria inevitável que certos serviços diplomáticos fiquem acompanhando a trajetória de declínio até o final. Afinal de contas, dizem que temos direitos humanos entre nossos princípios constitucionais...
Ah, também tem "não interferência nos assuntos internos de outros Estados"...
Sempre é bom lembrar. Ainda bem que observamos tudo isso...
Paulo Roberto de Almeida
Livros que encantam os idiotas (e muitos outros mais, infelizmente...)
Este blog é também, não esqueçamos, sobre livros, de preferência sobre livros com ideias, ainda mais ideias inteligentes, que são as que naturalmente prefiro, isto é evidente.
Mas, de vez em quando devemos tratar também dos livros idiotas, e das ideias imbecis, pois eles e elas também existem, e aliás costumam ocupar um espaço desmesuradamente amplo nesta nuestra América Latina, como gostam de dizer alguns desses idiotas, armados de ideias imbecis.
Mais abaixo eu coloquei um post sobre o livro que estou lendo, atualmente:
Leandro Narloch e Duda Teixeira:
Guia Politicamente Incorreto da América Latina
(São Paulo: Leya, 2011, 336 p.)
Recomendo, claro, e estou lendo aos pedaços, escolhendo um ou outro idiota ao acaso, indo e voltando, porque nunca é demais combinar várias épocas históricas e descobrir que, ao longo de cinco séculos, conseguimos produzir uma quantidade anormalmente alta de idiotas e de ideias imbecis, intermináveis, infindáveis, irritantemente recorrentes, uns e outras...
Mas nesse post eu também falei do outro livro (de 1996) que iniciou o ciclo de desmantelamento (sem conseguir por inteiro, ou sequer parcialmente) dessas ideias e desses livros:
Plinio Apuleyo Mendoza, Carlos Alberto Montaner e Álvaro Vargas Llosa:
Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano
(muitas edições, na América Latina, na Espanha, no próprio Brasil).
O livro teve um retorno, aliás chamado "El Retorno del Idiota", sim porque no intervalo outros idiotas surgiram, aqui ao lado, por sinal.
Mas, como este blog é sobre livros, permito-me reproduzir aqui, sem fazer propaganda,:
Los diez libros que conmovieron al idiota latinoamericano
que figuram no primeiro Manual, que eles desmantelam comme il faut...
1) La historia me absolverá (Fidel Castro)
2) Los condenados de la tierra (Frantz Fanon)
3) La guerra de guerrillas (Ernesto "Che" Guevara)
4) ¿Revolución dentro de la revolución? (Régis Débray)
5) Los conceptos elementales del materialismo histórico (Marta Harnecker)
6) El hombre unidimensional (Herbert Marcuse)
7) Para leer al Pato Donald (Dorfman y Mattelart)
8) Dependencia y desarrollo en América Latina (Cardoso y Faletto)
9) Hacia una teología de la liberación (Gutiérrez)
10) Las venas abiertas de América Latina (Galeano).
Este último é o maior de todos, claro, uma síntese de todas as idiotices produzidas por todos os demais e por todos os idiotas que pulularam na América Latina desde a chegada dos espanhóis.
Eu poderia acrescentar vários títulos a essas idiotices consumadas, mas vou me conter por enquanto.
Um dia desses ataco...
Paulo Roberto de Almeida
Mas, de vez em quando devemos tratar também dos livros idiotas, e das ideias imbecis, pois eles e elas também existem, e aliás costumam ocupar um espaço desmesuradamente amplo nesta nuestra América Latina, como gostam de dizer alguns desses idiotas, armados de ideias imbecis.
Mais abaixo eu coloquei um post sobre o livro que estou lendo, atualmente:
Leandro Narloch e Duda Teixeira:
Guia Politicamente Incorreto da América Latina
(São Paulo: Leya, 2011, 336 p.)
Recomendo, claro, e estou lendo aos pedaços, escolhendo um ou outro idiota ao acaso, indo e voltando, porque nunca é demais combinar várias épocas históricas e descobrir que, ao longo de cinco séculos, conseguimos produzir uma quantidade anormalmente alta de idiotas e de ideias imbecis, intermináveis, infindáveis, irritantemente recorrentes, uns e outras...
Mas nesse post eu também falei do outro livro (de 1996) que iniciou o ciclo de desmantelamento (sem conseguir por inteiro, ou sequer parcialmente) dessas ideias e desses livros:
Plinio Apuleyo Mendoza, Carlos Alberto Montaner e Álvaro Vargas Llosa:
Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano
(muitas edições, na América Latina, na Espanha, no próprio Brasil).
O livro teve um retorno, aliás chamado "El Retorno del Idiota", sim porque no intervalo outros idiotas surgiram, aqui ao lado, por sinal.
Mas, como este blog é sobre livros, permito-me reproduzir aqui, sem fazer propaganda,:
Los diez libros que conmovieron al idiota latinoamericano
que figuram no primeiro Manual, que eles desmantelam comme il faut...
1) La historia me absolverá (Fidel Castro)
2) Los condenados de la tierra (Frantz Fanon)
3) La guerra de guerrillas (Ernesto "Che" Guevara)
4) ¿Revolución dentro de la revolución? (Régis Débray)
5) Los conceptos elementales del materialismo histórico (Marta Harnecker)
6) El hombre unidimensional (Herbert Marcuse)
7) Para leer al Pato Donald (Dorfman y Mattelart)
8) Dependencia y desarrollo en América Latina (Cardoso y Faletto)
9) Hacia una teología de la liberación (Gutiérrez)
10) Las venas abiertas de América Latina (Galeano).
Este último é o maior de todos, claro, uma síntese de todas as idiotices produzidas por todos os demais e por todos os idiotas que pulularam na América Latina desde a chegada dos espanhóis.
Eu poderia acrescentar vários títulos a essas idiotices consumadas, mas vou me conter por enquanto.
Um dia desses ataco...
Paulo Roberto de Almeida
domingo, 21 de agosto de 2011
Perspectivas das relacoes Brasil-EUA nos proximos 10 anos - Rubens A. Barbosa
As perspectivas das relações Brasil-EUA nos próximos dez anos
Rubens Antônio Barbosa
revista Interesse Nacional (ano 4. n. 14, julho-setembro 2011)
Historicamente, as relações entre o Brasil e os EUA nos últimos 165 anos não foram tão tranquilas como geralmente se supõe. Elas podem ser caracterizadas como um processo marcado por desconfianças e suspeitas recíprocas, na maior parte do tempo. Não cabe fazer aqui um retrospecto da evolução do relacionamento entre os dois países. O presente ensaio examinará as perspectivas dessas relações nos próximos cinco a dez anos, levando em conta as transformações ocorridas nos últimos anos no cenário mundial. Os fundamentos da política externa da maioria dos países estão se modificando pelos efeitos da globalização, pela importância dos países emergentes, entre os quais o Brasil, e pela transferência do eixo político e econômico-comercial do Atlântico para o Pacífico, em especial pela crescente influência da China. A crise econômica global, iniciada nos EUA em 2008, acelerou esse processo de transformação e trouxe uma relativa perda de poder dos EUA. O mundo se tornou multipolar, com diversos centros de poder que contrabalançam a predominância dos EUA e da Europa. Os EUA preservam incontrastável seu poderio militar e estratégico, mas devem compartilhar as decisões nas áreas política, econômica e financeira com países emergentes como a China, a Rússia, a Índia, o Brasil e outros. As incertezas no panorama global aumentaram, não só pela instabilidade no Oriente Médio, pela persistência do conflito entre Palestina e Israel e pelo terrorismo, assim como, mais recentemente, pelos movimentos populares que estão ocorrendo no norte da África e no Oriente Médio. A instabilidade política dessas regiões repercute na volatilidade dos preços do petróleo, cujo aumento pode afetar a recuperação da economia dos países desenvolvidos. A mudança de clima pode vir a afetar a produção de alimentos, agravando ainda mais a disponibilidade e o preço das commodities agrícolas. Os desafios que as relações entre os dois países deverão enfrentar sempre existiram e poderão aumentar, em decorrência das mudanças já mencionadas no cenário internacional e da crescente projeção externa do Brasil. As oportunidades também poderão crescer via transformações econômicas, políticas e sociais pelas quais passam o Brasil e os EUA. Três desafios se colocam para o desenvolvimento das relações Brasil–EUA na próxima década: como conectar os interesses reais dos dois paises; modificação das percepções sobre o Brasil nos EUA e o que o Brasil vai querer das relações com os EUA.
O primeiro desafio será o de conectar os interesses dos dois lados
A análise das relações entre o Brasil e os EUA indica que, com exceção de curtos períodos e por razões específicas, os interesses reais que podem promover uma efetiva aproximação bilateral não estão claramente identificados. Embora os dois países defendam valores convergentes, como democracia e direitos humanos, na prática, em diversas situações, nem sempre eles são respeitados por se chocarem com os interesses de Washington e de Brasília. Nos próximos anos, os entendimentos entre as burocracias governamentais deverão se concentrar em como aproximar os interesses concretos que possam atrair a atenção dos agentes econômicos. No curto prazo, a tarefa de identificar esses interesses é ainda mais árdua pelo fato de o novo governo de Washington estar concentrado fortemente na estabilização e recuperação da economia, nas questões da guerra no Iraque e no Afeganistão, no conflito no Oriente Médio, no terrorismo e na crise dos movimentos populares no norte da África e no Oriente Médio. Como resultado dessa situação, a América Latina não está na tela dos radares dos formuladores de política em Washington, uma vez que não representa qualquer ameaça à segurança nacional dos EUA e porque não oferece grandes oportunidades de negócios para as empresas norte-americanas. Com o fortalecimento das economias na América do Sul, no entanto, a situação dá sinais de se modificar e a região começa a despertar a atenção das empresas e de investidores norte-americanos. Com mais de 55% do PIB da América do Sul, o papel que o Brasil deverá desempenhar será fundamental para o aprofundamento do processo de integração, para o desenvolvimento econômico dos países da região, para a melhora das condições sociais e para o aperfeiçoamento das instituições. O crescimento sustentado trará maiores oportunidades para os parceiros externos. Nos últimos dois anos, os EUA conseguiram crescentes superávits comerciais com o Brasil. Nos próximos cinco anos, mantidas as recentes taxas de crescimento, o Brasil ultrapassará a Itália, a França e a Inglaterra e se projetará como a quinta economia mundial em termos de PIB, o que fará com que os interesses brasileiros se diversifiquem e sejam vistos como de maior relevância pelos parceiros externos. A crescente presença da China no continente sul-americano, por outro lado, poderá representar um fator de convergência de interesses entre o Brasil e os EUA. Numa perspectiva de médio e longo prazo, os dois países terão interesses comuns para assegurar o suprimento interno de recursos minerais estratégicos, alimentos e petróleo, cada vez mais atraentes para a economia chinesa. As transformações ocorridas na América do Sul, nos últimos dez anos, em consequência da emergência dos movimentos sociais, e o aumento da insegurança jurídica pelo não cumprimento dos contratos e dos acordos em vigência, reforçaram a percepção do Brasil como importante fator moderador e de equilíbrio político e social para a estabilidade dos paises sul-americanos. Do lado do governo brasileiro, a administração Dilma Rousseff, nos seus primeiros meses, já deu alguns sinais de correção de rumos na política externa. Não deverá haver modificação no discurso sobre sua visão do mundo, nem sobre a prioridade aos países em desenvolvimento (Sul–Sul). A prioridade atribuída ao relacionamento com a América do Sul continuará sendo apresentada como uma política de Estado. Certas qualificações, contudo, diferente dos oito anos anteriores, podem ser notadas na questão dos direitos humanos, nas relações com o Irã e no tratamento dispensado aos EUA. Tudo indica que a política externa será mais pragmática, abandonando-se gradualmente os preconceitos ideológicos que guiaram a política do governo anterior. Caso isso venha de fato a ocorrer, a identificação de reais perspectivas de cooperação em áreas de interesse do Brasil e dos EUA vai se apresentar como uma prioridade.
O segundo desafio diz respeito à gradual mudança da percepção que os EUA têm até aqui sobre o Brasil
O Brasil permanece, em larga medida, desconhecido dos norte-americanos em geral e dos centros de decisão de Washington. Com exceção dos que se ocupam diretamente dos assuntos regionais, há elevado grau de desinformação sobre a realidade, os objetivos e a importância do Brasil para os interesses dos EUA. A correção dessa deficiência é o primeiro requisito para a elevação do relacionamento bilateral a um patamar compatível com a relevância política e econômica de ambos os países. A questão que surge, do lado dos EUA, é como administrar as relações com o Brasil em ascensão e com crescente projeção externa fora das Américas. As premissas que balizaram o relacionamento bilateral estão sendo rapidamente superadas e devem se transformar significativamente. O Brasil é visto em Washington como uma força moderadora e de estabilidade numa região que atravessa um período de mudança com a emergência da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), crítica dos EUA. Apesar disso, os EUA terão de conviver com agendas diferentes e mesmo conflitivas, como ocorre hoje na América Latina, onde as políticas dos dois países não coincidem em relação a Cuba, Venezuela, Colômbia, Honduras e no tocante às novas instituições políticas, como a União de Nações Sul-americanas (Unasul), o Conselho de Defesa Sul-americano e a Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), que excluíram os EUA. Com uma política econômica de sólidos fundamentos até aqui, podendo projetar um razoável e sustentável crescimento econômico para os próximos anos, o Brasil saiu mais forte da crise. Com o respaldo de uma economia estabilizada e uma ação externa mais ativa, o país vem se afirmando internacionalmente e aumentando sua presença internacional. Reconhecido como uma potência regional e um país com peso econômico global e com importante papel em alguns dos principais temas da agenda internacional, como mudança de clima, meio ambiente, energia (renovável e petróleo), direitos humanos e reforma dos organismos internacionais, a percepção sobre o Brasil deverá modificar-se gradualmente. Os pontos focais da relação dos EUA com o Brasil continuarão a ser comércio e investimentos, segundo os interesses tradicionais dos dois países, com crescentes convergências de interesses na região (estabilidade econômica e social, democracia e segurança regional). Por todas essas razões, será de interesse de Washington atribuir um tratamento diferenciado ao Brasil no contexto latino-americano. Essa diferenciação poderá levar, no médio prazo, a uma nova atitude, mais realista e menos estereotipada. É possível antecipar que o descolamento do Brasil do resto da América Latina deverá acarretar a inclusão de nosso país em novas parcerias empresariais globais com os EUA e com outros países dentro e fora da região.
O terceiro desafio é definir o que o Brasil quer de suas relações com os EUA
O novo papel que o Brasil começa a desempenhar no cenário internacional fará com que venha a se encontrar com os EUA mais seguidamente fora do ambiente regional com posições que, mais do que separá-los, deverão aproximar os dois países. Não acredito em rótulos batidos, como relações especiais ou alianças estratégicas, para definir o que vai ocorrer no futuro. A crescente afirmação do Brasil no mundo vai gradualmente tornar mais claro como melhor atender e defender o interesse nacional, a exemplo do que ocorre com os EUA. Isso fará com que sejam abandonadas grandes ideias e projetos políticos (como a Alca e o último deles: Pathways for Growth in the Americas) para que os esforços dos dois governos sejam concentrados em interesses reais comuns. Do ponto de vista da política externa brasileira, o grande desafio do momento é o de identificar e definir o nosso interesse no contexto da globalização e da crise internacional. O Brasil terá de assumir suas responsabilidades ao mesmo tempo como potência econômica emergente e como potência regional. Isso não quer dizer que o Brasil deva adotar uma atitude de acomodação passiva ou reativa às transformações em curso, mas, sim, a de antecipar-se a elas, tendo sempre presente o interesse nacional. Nesse contexto, o Brasil terá necessariamente de redefinir suas relações tanto com os EUA quanto com a China, nosso principal parceiro comercial e potência com crescentes investimentos e interesse no país. É sintomático que a China tenha sido o primeiro país visitado pela presidente Dilma Rousseff fora da América do Sul. A definição pelo Brasil de uma política de médio e longo prazo com os EUA deverá ocorrer pelos crescentes interesses econômicos e comerciais e também porque a projeção externa e a diversificação de interesses mútuos em outras regiões como a África, o Oriente Médio e a Ásia farão aumentar as possibilidades de diferenças e de colaboração. O eventual fornecimento de petróleo do pré-sal aos EUA, nos próximos cinco a dez anos, poderá ter profundo impacto estratégico, político e comercial nas relações entre os dois países. A identificação de interesses concretos, pelo governo e pelo setor privado, tornará o Brasil mais relevante para a política externa dos EUA. Defesa do interesse nacional e respeito mútuo deverão balizar nossa parceria em novas bases de modo que o potencial a ser explorado possa ser adequadamente identificado. Washington não deve ver no Brasil, contudo, um aliado pronto a alinhar-se automaticamente nos tópicos de seu interesse. Nem o Brasil deverá perseverar no equívoco dos últimos anos de colocar-se como uma opção aos EUA, buscando a lealdade dos vizinhos em detrimento do apoio que esses países oferecem aos EUA. Os instrumentos para dar corpo a essa parceria em novas bases já estão criados pelos dois países e foram agora ampliados. Desde 2003, houve a decisão de institucionalizar uma cooperação mais desenvolvida e sofisticada. Durante a visita do presidente Lula a Washington foi criado um conjunto de mecanismos (encontros presidenciais com seus ministros, grupos de trabalho em grande número de áreas, cooperação hemisférica e em temas globais de interesse mútuo) que poderão ser ativados e ampliados, de acordo com o que foi anunciado durante a visita do presidente Obama ao Brasil, com a criação de grupo na área da defesa e dos diálogos estratégicos na área econômica e política. No âmbito do setor privado, foi criado o Fórum de Presidentes de empresas para a discussão de uma agenda positiva a ser recomendada aos dois governos. E a negociação de acordos de bitributação e de investimentos está com alta prioridade nessa agenda.
As oportunidades aparecerão
Uma vez reconhecidos os desafios existentes e, de alguma forma, examinadas e encaminhadas respostas para superá-los, as oportunidades não só aparecerão como poderão ser melhor aproveitadas. Na área da política externa, os encontros do Brasil com os EUA em outros continentes, fora da América do Sul, vão permitir, na maioria dos casos, maior cooperação em países em que o Brasil disponha de vantagens comparativas, como na África, onde é possível prever um aumento da cooperação triangular em setores como educação, saúde e governança. Nos organismos internacionais, embora nem sempre os interesses sejam convergentes, é possível prever maior cooperação nas questões de paz e segurança, de meio ambiente e mudança de clima, de energia, no G-20 e nas questões de assistência e cooperação técnica. Caso o cenário de cooperação bilateral se concretize, e o Brasil assuma as responsabilidades derivadas de sua projeção externa, certamente deverão diminuir as reservas contra a admissão do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança, quando a comunidade internacional, liderada pelos EUA, decidir reformar o órgão mais importante das Nações Unidas. Se isso vier a ocorrer, estará afastada uma das questões políticas mais difíceis no relacionamento bilateral. É interessante notar que as principais prioridades do governo americano, anunciadas no State of the Union Address, em janeiro de 2011, no tocante a inovação, educação e infraestrutura, são as mesmas do Brasil, o que propicia que projetos concretos sejam desenvolvidos entre empresas dos dois países. A decisão de Washington no sentido de revolucionar a matriz energética interna para, em 2035, concentrar 85% do consumo doméstico em energia renovável e diversificar as fontes de suprimento de combustível fóssil abrirá amplas possibilidades para o Brasil se tornar um fornecedor no longo prazo de etanol e de petróleo para a economia norte-americana. O mesmo pode ocorrer com as enormes reservas de gás natural encontradas off shore nas camadas de pré-sal. Atraídas pelo crescente mercado brasileiro, empresas norte-americanas poderão associar-se a companhias brasileiras em áreas de ponta, onde a inovação e a transferência de tecnologia poderão tornar os produtos brasileiros mais competitivos (tecnologia da informação, telecomunicações, biotecnologia, nanotecnologia). Na área de energia (biomassa, gás e petróleo (pré-sal), usinas hidrelétricas), haverá imensas oportunidades de investimento para as empresas norte-americanas no Brasil e de brasileiras nos EUA. A realização no Brasil da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos abre oportunidades na área de infraestrutura, segurança e transportes. No comércio exterior, o potencial de ampliação das exportações dos EUA deverá aumentar, como evidenciado nos últimos dois anos, quando a balança bilateral mostrou crescentes saldos positivos para os EUA. Corrigidas as distorções domésticas que geram a perda da competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional, os manufaturados e os bens de capital poderão voltar a ter, nos EUA, um mercado significativo. As diferenças relacionadas com as restrições protecionistas em ambos os países, como vem ocorrendo no mercado dos EUA em relação ao algodão, suco de laranja, etanol, aço e camarão, deverão continuar e mesmo aumentar, mas serão sempre canalizadas para a Organização Mundial do Comércio (OMC), fórum apropriado para tratar das controvérsias e da defesa comercial. Com as decisões contrárias da OMC, no caso dos três primeiros contenciosos, e com as transformações no cenário internacional, no médio e longo prazo, é possível prever a liberalização no comércio desses produtos para atender aos interesses dos consumidores domésticos nos EUA e a eliminação de irritantes nas relações bilaterais.
Áreas de convergência
O utros setores poderão representar importantes áreas de convergência e de cooperação no médio e longo prazo: meio ambiente, minerais estratégicos (terras raras, urânio) e pesquisa e exploração de minérios no fundo do mar, espaço, não proliferação, usinas nucleares e defesa. No tocante ao meio ambiente e à mudança de clima, o Brasil vai sediar em maio/junho de 2012 a Rio+20, evento de grande significação para o avanço de propostas que limitem as emissões de gás carbono de efeito estufa que agravam os impactos da mudança de clima. Depois de vinte anos da primeira reunião do Rio, as metas de redução de emissões ainda não foram cumpridas. Há poucos meses, chegou-se a uma declaração que reconhece a necessidade de ampliar as áreas de proteção e a soberania de cada país sobre as espécies da biodiversidade em seu território, bem como a necessidade de compartilhar resultados em caso de exploração – mas ainda faltam regras práticas para esse compartilhamento. O desmatamento no mundo caiu para cerca de sete milhões de hectares anuais, mas ainda continua alto. Brasil e eua poderão, sem preconceitos, estabelecer uma ampla colaboração para obter avanços concretos nessas áreas durante a cúpula Rio +20, em 2012. Nas outras áreas mencionadas (minérios estratégicos, espaço, não proliferação), nos últimos dez anos, o Brasil passou a ter uma política não defensiva, abrindo amplas possibilidades para a colaboração com os eua em organismos internacionais, e para a ampliação de negócios entre as empresas dos dois países. Seguindo o exemplo do que estão fazendo outros países, como a Índia e a China, o Brasil estará aberto a apoiar projetos nessas áreas com duas condicionalidades: transferência de tecnologia e parceria entre empresas dos dois países para produção local. Essa política deverá ser aplicada para eventuais investimentos e parcerias na exploração de terras raras e urânio, prospecção no fundo do mar e defesa. No tocante a oportunidades de negócios nas áreas de espaço, política nuclear, construção de usinas nucleares e não proliferação, a cooperação poderia ser ampliada seguindo o modelo desenvolvido pelos eua com a Índia. A reconstrução da base de Alcântara, para viabilizar lançamentos, a preços competitivos, de satélites comerciais, de interesse de empresas norte-americanas, poderia estimular a cooperação com indústrias dos eua, depois de superadas as dificuldades para a assinatura de um acordo de salvaguarda tecnológica entre os dois países. A visita do presidente Obama ao Brasil em março passado, embora em contexto de incertezas e instabilidades globais, pode ser considerada como um marco nas relações Brasil–eua pelas perspectivas que prometeu abrir no médio e longo prazo. Os governos de Brasília e de Washington, depois de um período de tensões que durou a maior parte do governo Lula, gerado por motivações ideológicas antiamericanas e por desencontros na política externa e comercial, decidiram inaugurar uma nova etapa nas parcerias bilaterais, deixando aparentemente para trás as dificuldades dos últimos anos.
Parceria global
O comunicado conjunto, firmado pelos dois mandatários e divulgado ao final da visita, apresenta um roteiro para uma nova parceria global e bilateral. E não, como foi reconhecido de maneira pragmática, a reafirmação de uma aliança estratégica, que inexiste e pressupõe uma lenta construção entre iguais. Cabe ressaltar que durante a visita do mandatário norte-americano os presidentes tomaram a decisão de elevar a nível presidencial o diálogo em algumas áreas prioritárias, como parceria global, econômico-financeira e energética. Dez acordos foram assinados com a intenção de explorar novas possibilidades de cooperação nas áreas de comércio, educação, inovação, infraestrutura, transporte aéreo, espacial, grandes eventos esportivos, biocombustível para aviação, cooperação em terceiros países, sobretudo da África. Desses acordos, quatro merecem ser ressaltados: o Acordo-Quadro Bilateral para a Cooperação dos usos pacíficos do Espaço Exterior e o anúncio do início de negociações para um acordo para proteger tecnologia de operação de lançamento; o Trade and Economic Cooperation Agreement – Acordo de Cooperação Econômica e Comercial (Teca), cujo objetivo principal é facilitar o acesso de produtos dos EUA e do Brasil aos mercados dos dois países, cria mecanismos para examinar dificuldades nas questões comerciais e de investimento, avaliar barreiras fitossanitárias, simplificar processos alfandegários e para a harmonização de normas técnicas; o acordo de cooperação em terceiros países nas áreas de educação, segurança alimentar, agricultura, nutrição, saúde e fortalecimento institucional; o acordo para produção de biocombustível para a aviação. O desafio de conectar os reais interesses dos dois países, aludido anteriormente, começou a ser respondido. O governo norte-americano está interessado em tornar-se um cliente importante do petróleo produzido no pré-sal, e o governo brasileiro poderá levar adiante o seu programa espacial, reconstruindo a Base de Alcântara, com a colaboração de empresas dos EUA. Grandes projetos de infraestrutura deverão atrair investimentos e empresas norte-americanas e poderão ajudar o Brasil a cumprir os prazos rígidos para as obras da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos. O Pentágono, o maior comprador de querosene de aviação do mundo, busca segurança energética com a produção de biocombustível de aviação, o que poderá abrir grandes oportunidades para o setor privado dos dois países. Nos encontros Dilma–Obama foram lançadas as bases em que as relações deverão evoluir nos próximos anos, abrindo a possibilidade de avanços concretos que venham a beneficiar os governos e o setor privado dos dois países, aproveitando as grandes transformações que ocorrem no mundo. No melhor interesse dos dois países, foram mencionadas parcerias em áreas que, se de fato vierem a ocorrer, poderão propiciar uma mudança na qualidade do relacionamento bilateral, com ganhos concretos para ambos os lados. Segundo estudos do National Intelligence Council, de Washington, em 2025, o Brasil será uma potência econômica global, na qualidade de uma das cinco maiores economias em termos de PIB. O Brasil é visto como um Estado-modelo, por sua democracia vibrante, economia diversificada e instituições econômicas sólidas. O sucesso ou o fracasso do Brasil em conciliar medidas a favor do crescimento econômico, com uma ambiciosa agenda social que reduza a pobreza e a desigualdade de renda, terá um profundo impacto no desempenho econômico e na governança da América do Sul nos próximos quinze anos. Nesse cenário, a posição do Brasil na região tenderá a tornar-se cada vez mais ativa e importante. A emergência do Brasil como potência econômica global até 2025 colocará novos desafios para sua política externa e para a política comercial externa do Brasil e dos EUA, contribuindo para a construção de uma profícua parceria. Cabe aos formuladores das decisões nos dois países identificar interesses concretos adicionais para expandir e diversificar ainda mais as relações bilaterais em um mundo que promete ser cada vez mais complexo e diferente daquele em que vivemos hoje.
RUBENS BARBOSA foi embaixador em Washington (1999-2004).
Rubens Antônio Barbosa
revista Interesse Nacional (ano 4. n. 14, julho-setembro 2011)
Historicamente, as relações entre o Brasil e os EUA nos últimos 165 anos não foram tão tranquilas como geralmente se supõe. Elas podem ser caracterizadas como um processo marcado por desconfianças e suspeitas recíprocas, na maior parte do tempo. Não cabe fazer aqui um retrospecto da evolução do relacionamento entre os dois países. O presente ensaio examinará as perspectivas dessas relações nos próximos cinco a dez anos, levando em conta as transformações ocorridas nos últimos anos no cenário mundial. Os fundamentos da política externa da maioria dos países estão se modificando pelos efeitos da globalização, pela importância dos países emergentes, entre os quais o Brasil, e pela transferência do eixo político e econômico-comercial do Atlântico para o Pacífico, em especial pela crescente influência da China. A crise econômica global, iniciada nos EUA em 2008, acelerou esse processo de transformação e trouxe uma relativa perda de poder dos EUA. O mundo se tornou multipolar, com diversos centros de poder que contrabalançam a predominância dos EUA e da Europa. Os EUA preservam incontrastável seu poderio militar e estratégico, mas devem compartilhar as decisões nas áreas política, econômica e financeira com países emergentes como a China, a Rússia, a Índia, o Brasil e outros. As incertezas no panorama global aumentaram, não só pela instabilidade no Oriente Médio, pela persistência do conflito entre Palestina e Israel e pelo terrorismo, assim como, mais recentemente, pelos movimentos populares que estão ocorrendo no norte da África e no Oriente Médio. A instabilidade política dessas regiões repercute na volatilidade dos preços do petróleo, cujo aumento pode afetar a recuperação da economia dos países desenvolvidos. A mudança de clima pode vir a afetar a produção de alimentos, agravando ainda mais a disponibilidade e o preço das commodities agrícolas. Os desafios que as relações entre os dois países deverão enfrentar sempre existiram e poderão aumentar, em decorrência das mudanças já mencionadas no cenário internacional e da crescente projeção externa do Brasil. As oportunidades também poderão crescer via transformações econômicas, políticas e sociais pelas quais passam o Brasil e os EUA. Três desafios se colocam para o desenvolvimento das relações Brasil–EUA na próxima década: como conectar os interesses reais dos dois paises; modificação das percepções sobre o Brasil nos EUA e o que o Brasil vai querer das relações com os EUA.
O primeiro desafio será o de conectar os interesses dos dois lados
A análise das relações entre o Brasil e os EUA indica que, com exceção de curtos períodos e por razões específicas, os interesses reais que podem promover uma efetiva aproximação bilateral não estão claramente identificados. Embora os dois países defendam valores convergentes, como democracia e direitos humanos, na prática, em diversas situações, nem sempre eles são respeitados por se chocarem com os interesses de Washington e de Brasília. Nos próximos anos, os entendimentos entre as burocracias governamentais deverão se concentrar em como aproximar os interesses concretos que possam atrair a atenção dos agentes econômicos. No curto prazo, a tarefa de identificar esses interesses é ainda mais árdua pelo fato de o novo governo de Washington estar concentrado fortemente na estabilização e recuperação da economia, nas questões da guerra no Iraque e no Afeganistão, no conflito no Oriente Médio, no terrorismo e na crise dos movimentos populares no norte da África e no Oriente Médio. Como resultado dessa situação, a América Latina não está na tela dos radares dos formuladores de política em Washington, uma vez que não representa qualquer ameaça à segurança nacional dos EUA e porque não oferece grandes oportunidades de negócios para as empresas norte-americanas. Com o fortalecimento das economias na América do Sul, no entanto, a situação dá sinais de se modificar e a região começa a despertar a atenção das empresas e de investidores norte-americanos. Com mais de 55% do PIB da América do Sul, o papel que o Brasil deverá desempenhar será fundamental para o aprofundamento do processo de integração, para o desenvolvimento econômico dos países da região, para a melhora das condições sociais e para o aperfeiçoamento das instituições. O crescimento sustentado trará maiores oportunidades para os parceiros externos. Nos últimos dois anos, os EUA conseguiram crescentes superávits comerciais com o Brasil. Nos próximos cinco anos, mantidas as recentes taxas de crescimento, o Brasil ultrapassará a Itália, a França e a Inglaterra e se projetará como a quinta economia mundial em termos de PIB, o que fará com que os interesses brasileiros se diversifiquem e sejam vistos como de maior relevância pelos parceiros externos. A crescente presença da China no continente sul-americano, por outro lado, poderá representar um fator de convergência de interesses entre o Brasil e os EUA. Numa perspectiva de médio e longo prazo, os dois países terão interesses comuns para assegurar o suprimento interno de recursos minerais estratégicos, alimentos e petróleo, cada vez mais atraentes para a economia chinesa. As transformações ocorridas na América do Sul, nos últimos dez anos, em consequência da emergência dos movimentos sociais, e o aumento da insegurança jurídica pelo não cumprimento dos contratos e dos acordos em vigência, reforçaram a percepção do Brasil como importante fator moderador e de equilíbrio político e social para a estabilidade dos paises sul-americanos. Do lado do governo brasileiro, a administração Dilma Rousseff, nos seus primeiros meses, já deu alguns sinais de correção de rumos na política externa. Não deverá haver modificação no discurso sobre sua visão do mundo, nem sobre a prioridade aos países em desenvolvimento (Sul–Sul). A prioridade atribuída ao relacionamento com a América do Sul continuará sendo apresentada como uma política de Estado. Certas qualificações, contudo, diferente dos oito anos anteriores, podem ser notadas na questão dos direitos humanos, nas relações com o Irã e no tratamento dispensado aos EUA. Tudo indica que a política externa será mais pragmática, abandonando-se gradualmente os preconceitos ideológicos que guiaram a política do governo anterior. Caso isso venha de fato a ocorrer, a identificação de reais perspectivas de cooperação em áreas de interesse do Brasil e dos EUA vai se apresentar como uma prioridade.
O segundo desafio diz respeito à gradual mudança da percepção que os EUA têm até aqui sobre o Brasil
O Brasil permanece, em larga medida, desconhecido dos norte-americanos em geral e dos centros de decisão de Washington. Com exceção dos que se ocupam diretamente dos assuntos regionais, há elevado grau de desinformação sobre a realidade, os objetivos e a importância do Brasil para os interesses dos EUA. A correção dessa deficiência é o primeiro requisito para a elevação do relacionamento bilateral a um patamar compatível com a relevância política e econômica de ambos os países. A questão que surge, do lado dos EUA, é como administrar as relações com o Brasil em ascensão e com crescente projeção externa fora das Américas. As premissas que balizaram o relacionamento bilateral estão sendo rapidamente superadas e devem se transformar significativamente. O Brasil é visto em Washington como uma força moderadora e de estabilidade numa região que atravessa um período de mudança com a emergência da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), crítica dos EUA. Apesar disso, os EUA terão de conviver com agendas diferentes e mesmo conflitivas, como ocorre hoje na América Latina, onde as políticas dos dois países não coincidem em relação a Cuba, Venezuela, Colômbia, Honduras e no tocante às novas instituições políticas, como a União de Nações Sul-americanas (Unasul), o Conselho de Defesa Sul-americano e a Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), que excluíram os EUA. Com uma política econômica de sólidos fundamentos até aqui, podendo projetar um razoável e sustentável crescimento econômico para os próximos anos, o Brasil saiu mais forte da crise. Com o respaldo de uma economia estabilizada e uma ação externa mais ativa, o país vem se afirmando internacionalmente e aumentando sua presença internacional. Reconhecido como uma potência regional e um país com peso econômico global e com importante papel em alguns dos principais temas da agenda internacional, como mudança de clima, meio ambiente, energia (renovável e petróleo), direitos humanos e reforma dos organismos internacionais, a percepção sobre o Brasil deverá modificar-se gradualmente. Os pontos focais da relação dos EUA com o Brasil continuarão a ser comércio e investimentos, segundo os interesses tradicionais dos dois países, com crescentes convergências de interesses na região (estabilidade econômica e social, democracia e segurança regional). Por todas essas razões, será de interesse de Washington atribuir um tratamento diferenciado ao Brasil no contexto latino-americano. Essa diferenciação poderá levar, no médio prazo, a uma nova atitude, mais realista e menos estereotipada. É possível antecipar que o descolamento do Brasil do resto da América Latina deverá acarretar a inclusão de nosso país em novas parcerias empresariais globais com os EUA e com outros países dentro e fora da região.
O terceiro desafio é definir o que o Brasil quer de suas relações com os EUA
O novo papel que o Brasil começa a desempenhar no cenário internacional fará com que venha a se encontrar com os EUA mais seguidamente fora do ambiente regional com posições que, mais do que separá-los, deverão aproximar os dois países. Não acredito em rótulos batidos, como relações especiais ou alianças estratégicas, para definir o que vai ocorrer no futuro. A crescente afirmação do Brasil no mundo vai gradualmente tornar mais claro como melhor atender e defender o interesse nacional, a exemplo do que ocorre com os EUA. Isso fará com que sejam abandonadas grandes ideias e projetos políticos (como a Alca e o último deles: Pathways for Growth in the Americas) para que os esforços dos dois governos sejam concentrados em interesses reais comuns. Do ponto de vista da política externa brasileira, o grande desafio do momento é o de identificar e definir o nosso interesse no contexto da globalização e da crise internacional. O Brasil terá de assumir suas responsabilidades ao mesmo tempo como potência econômica emergente e como potência regional. Isso não quer dizer que o Brasil deva adotar uma atitude de acomodação passiva ou reativa às transformações em curso, mas, sim, a de antecipar-se a elas, tendo sempre presente o interesse nacional. Nesse contexto, o Brasil terá necessariamente de redefinir suas relações tanto com os EUA quanto com a China, nosso principal parceiro comercial e potência com crescentes investimentos e interesse no país. É sintomático que a China tenha sido o primeiro país visitado pela presidente Dilma Rousseff fora da América do Sul. A definição pelo Brasil de uma política de médio e longo prazo com os EUA deverá ocorrer pelos crescentes interesses econômicos e comerciais e também porque a projeção externa e a diversificação de interesses mútuos em outras regiões como a África, o Oriente Médio e a Ásia farão aumentar as possibilidades de diferenças e de colaboração. O eventual fornecimento de petróleo do pré-sal aos EUA, nos próximos cinco a dez anos, poderá ter profundo impacto estratégico, político e comercial nas relações entre os dois países. A identificação de interesses concretos, pelo governo e pelo setor privado, tornará o Brasil mais relevante para a política externa dos EUA. Defesa do interesse nacional e respeito mútuo deverão balizar nossa parceria em novas bases de modo que o potencial a ser explorado possa ser adequadamente identificado. Washington não deve ver no Brasil, contudo, um aliado pronto a alinhar-se automaticamente nos tópicos de seu interesse. Nem o Brasil deverá perseverar no equívoco dos últimos anos de colocar-se como uma opção aos EUA, buscando a lealdade dos vizinhos em detrimento do apoio que esses países oferecem aos EUA. Os instrumentos para dar corpo a essa parceria em novas bases já estão criados pelos dois países e foram agora ampliados. Desde 2003, houve a decisão de institucionalizar uma cooperação mais desenvolvida e sofisticada. Durante a visita do presidente Lula a Washington foi criado um conjunto de mecanismos (encontros presidenciais com seus ministros, grupos de trabalho em grande número de áreas, cooperação hemisférica e em temas globais de interesse mútuo) que poderão ser ativados e ampliados, de acordo com o que foi anunciado durante a visita do presidente Obama ao Brasil, com a criação de grupo na área da defesa e dos diálogos estratégicos na área econômica e política. No âmbito do setor privado, foi criado o Fórum de Presidentes de empresas para a discussão de uma agenda positiva a ser recomendada aos dois governos. E a negociação de acordos de bitributação e de investimentos está com alta prioridade nessa agenda.
As oportunidades aparecerão
Uma vez reconhecidos os desafios existentes e, de alguma forma, examinadas e encaminhadas respostas para superá-los, as oportunidades não só aparecerão como poderão ser melhor aproveitadas. Na área da política externa, os encontros do Brasil com os EUA em outros continentes, fora da América do Sul, vão permitir, na maioria dos casos, maior cooperação em países em que o Brasil disponha de vantagens comparativas, como na África, onde é possível prever um aumento da cooperação triangular em setores como educação, saúde e governança. Nos organismos internacionais, embora nem sempre os interesses sejam convergentes, é possível prever maior cooperação nas questões de paz e segurança, de meio ambiente e mudança de clima, de energia, no G-20 e nas questões de assistência e cooperação técnica. Caso o cenário de cooperação bilateral se concretize, e o Brasil assuma as responsabilidades derivadas de sua projeção externa, certamente deverão diminuir as reservas contra a admissão do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança, quando a comunidade internacional, liderada pelos EUA, decidir reformar o órgão mais importante das Nações Unidas. Se isso vier a ocorrer, estará afastada uma das questões políticas mais difíceis no relacionamento bilateral. É interessante notar que as principais prioridades do governo americano, anunciadas no State of the Union Address, em janeiro de 2011, no tocante a inovação, educação e infraestrutura, são as mesmas do Brasil, o que propicia que projetos concretos sejam desenvolvidos entre empresas dos dois países. A decisão de Washington no sentido de revolucionar a matriz energética interna para, em 2035, concentrar 85% do consumo doméstico em energia renovável e diversificar as fontes de suprimento de combustível fóssil abrirá amplas possibilidades para o Brasil se tornar um fornecedor no longo prazo de etanol e de petróleo para a economia norte-americana. O mesmo pode ocorrer com as enormes reservas de gás natural encontradas off shore nas camadas de pré-sal. Atraídas pelo crescente mercado brasileiro, empresas norte-americanas poderão associar-se a companhias brasileiras em áreas de ponta, onde a inovação e a transferência de tecnologia poderão tornar os produtos brasileiros mais competitivos (tecnologia da informação, telecomunicações, biotecnologia, nanotecnologia). Na área de energia (biomassa, gás e petróleo (pré-sal), usinas hidrelétricas), haverá imensas oportunidades de investimento para as empresas norte-americanas no Brasil e de brasileiras nos EUA. A realização no Brasil da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos abre oportunidades na área de infraestrutura, segurança e transportes. No comércio exterior, o potencial de ampliação das exportações dos EUA deverá aumentar, como evidenciado nos últimos dois anos, quando a balança bilateral mostrou crescentes saldos positivos para os EUA. Corrigidas as distorções domésticas que geram a perda da competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional, os manufaturados e os bens de capital poderão voltar a ter, nos EUA, um mercado significativo. As diferenças relacionadas com as restrições protecionistas em ambos os países, como vem ocorrendo no mercado dos EUA em relação ao algodão, suco de laranja, etanol, aço e camarão, deverão continuar e mesmo aumentar, mas serão sempre canalizadas para a Organização Mundial do Comércio (OMC), fórum apropriado para tratar das controvérsias e da defesa comercial. Com as decisões contrárias da OMC, no caso dos três primeiros contenciosos, e com as transformações no cenário internacional, no médio e longo prazo, é possível prever a liberalização no comércio desses produtos para atender aos interesses dos consumidores domésticos nos EUA e a eliminação de irritantes nas relações bilaterais.
Áreas de convergência
O utros setores poderão representar importantes áreas de convergência e de cooperação no médio e longo prazo: meio ambiente, minerais estratégicos (terras raras, urânio) e pesquisa e exploração de minérios no fundo do mar, espaço, não proliferação, usinas nucleares e defesa. No tocante ao meio ambiente e à mudança de clima, o Brasil vai sediar em maio/junho de 2012 a Rio+20, evento de grande significação para o avanço de propostas que limitem as emissões de gás carbono de efeito estufa que agravam os impactos da mudança de clima. Depois de vinte anos da primeira reunião do Rio, as metas de redução de emissões ainda não foram cumpridas. Há poucos meses, chegou-se a uma declaração que reconhece a necessidade de ampliar as áreas de proteção e a soberania de cada país sobre as espécies da biodiversidade em seu território, bem como a necessidade de compartilhar resultados em caso de exploração – mas ainda faltam regras práticas para esse compartilhamento. O desmatamento no mundo caiu para cerca de sete milhões de hectares anuais, mas ainda continua alto. Brasil e eua poderão, sem preconceitos, estabelecer uma ampla colaboração para obter avanços concretos nessas áreas durante a cúpula Rio +20, em 2012. Nas outras áreas mencionadas (minérios estratégicos, espaço, não proliferação), nos últimos dez anos, o Brasil passou a ter uma política não defensiva, abrindo amplas possibilidades para a colaboração com os eua em organismos internacionais, e para a ampliação de negócios entre as empresas dos dois países. Seguindo o exemplo do que estão fazendo outros países, como a Índia e a China, o Brasil estará aberto a apoiar projetos nessas áreas com duas condicionalidades: transferência de tecnologia e parceria entre empresas dos dois países para produção local. Essa política deverá ser aplicada para eventuais investimentos e parcerias na exploração de terras raras e urânio, prospecção no fundo do mar e defesa. No tocante a oportunidades de negócios nas áreas de espaço, política nuclear, construção de usinas nucleares e não proliferação, a cooperação poderia ser ampliada seguindo o modelo desenvolvido pelos eua com a Índia. A reconstrução da base de Alcântara, para viabilizar lançamentos, a preços competitivos, de satélites comerciais, de interesse de empresas norte-americanas, poderia estimular a cooperação com indústrias dos eua, depois de superadas as dificuldades para a assinatura de um acordo de salvaguarda tecnológica entre os dois países. A visita do presidente Obama ao Brasil em março passado, embora em contexto de incertezas e instabilidades globais, pode ser considerada como um marco nas relações Brasil–eua pelas perspectivas que prometeu abrir no médio e longo prazo. Os governos de Brasília e de Washington, depois de um período de tensões que durou a maior parte do governo Lula, gerado por motivações ideológicas antiamericanas e por desencontros na política externa e comercial, decidiram inaugurar uma nova etapa nas parcerias bilaterais, deixando aparentemente para trás as dificuldades dos últimos anos.
Parceria global
O comunicado conjunto, firmado pelos dois mandatários e divulgado ao final da visita, apresenta um roteiro para uma nova parceria global e bilateral. E não, como foi reconhecido de maneira pragmática, a reafirmação de uma aliança estratégica, que inexiste e pressupõe uma lenta construção entre iguais. Cabe ressaltar que durante a visita do mandatário norte-americano os presidentes tomaram a decisão de elevar a nível presidencial o diálogo em algumas áreas prioritárias, como parceria global, econômico-financeira e energética. Dez acordos foram assinados com a intenção de explorar novas possibilidades de cooperação nas áreas de comércio, educação, inovação, infraestrutura, transporte aéreo, espacial, grandes eventos esportivos, biocombustível para aviação, cooperação em terceiros países, sobretudo da África. Desses acordos, quatro merecem ser ressaltados: o Acordo-Quadro Bilateral para a Cooperação dos usos pacíficos do Espaço Exterior e o anúncio do início de negociações para um acordo para proteger tecnologia de operação de lançamento; o Trade and Economic Cooperation Agreement – Acordo de Cooperação Econômica e Comercial (Teca), cujo objetivo principal é facilitar o acesso de produtos dos EUA e do Brasil aos mercados dos dois países, cria mecanismos para examinar dificuldades nas questões comerciais e de investimento, avaliar barreiras fitossanitárias, simplificar processos alfandegários e para a harmonização de normas técnicas; o acordo de cooperação em terceiros países nas áreas de educação, segurança alimentar, agricultura, nutrição, saúde e fortalecimento institucional; o acordo para produção de biocombustível para a aviação. O desafio de conectar os reais interesses dos dois países, aludido anteriormente, começou a ser respondido. O governo norte-americano está interessado em tornar-se um cliente importante do petróleo produzido no pré-sal, e o governo brasileiro poderá levar adiante o seu programa espacial, reconstruindo a Base de Alcântara, com a colaboração de empresas dos EUA. Grandes projetos de infraestrutura deverão atrair investimentos e empresas norte-americanas e poderão ajudar o Brasil a cumprir os prazos rígidos para as obras da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos. O Pentágono, o maior comprador de querosene de aviação do mundo, busca segurança energética com a produção de biocombustível de aviação, o que poderá abrir grandes oportunidades para o setor privado dos dois países. Nos encontros Dilma–Obama foram lançadas as bases em que as relações deverão evoluir nos próximos anos, abrindo a possibilidade de avanços concretos que venham a beneficiar os governos e o setor privado dos dois países, aproveitando as grandes transformações que ocorrem no mundo. No melhor interesse dos dois países, foram mencionadas parcerias em áreas que, se de fato vierem a ocorrer, poderão propiciar uma mudança na qualidade do relacionamento bilateral, com ganhos concretos para ambos os lados. Segundo estudos do National Intelligence Council, de Washington, em 2025, o Brasil será uma potência econômica global, na qualidade de uma das cinco maiores economias em termos de PIB. O Brasil é visto como um Estado-modelo, por sua democracia vibrante, economia diversificada e instituições econômicas sólidas. O sucesso ou o fracasso do Brasil em conciliar medidas a favor do crescimento econômico, com uma ambiciosa agenda social que reduza a pobreza e a desigualdade de renda, terá um profundo impacto no desempenho econômico e na governança da América do Sul nos próximos quinze anos. Nesse cenário, a posição do Brasil na região tenderá a tornar-se cada vez mais ativa e importante. A emergência do Brasil como potência econômica global até 2025 colocará novos desafios para sua política externa e para a política comercial externa do Brasil e dos EUA, contribuindo para a construção de uma profícua parceria. Cabe aos formuladores das decisões nos dois países identificar interesses concretos adicionais para expandir e diversificar ainda mais as relações bilaterais em um mundo que promete ser cada vez mais complexo e diferente daquele em que vivemos hoje.
RUBENS BARBOSA foi embaixador em Washington (1999-2004).
Os amigos se vao: quem ele vai abracar, agora?
Bem, eu conheço (não pessoalmente, claro), um alto personagem -- ou seria um auto-personagem? -- que está perdendo um velho amigo.
Vocês sabem: ele prometeu lutar até a última gota de sangue (de seu povo), mas parece que esses apelos já não colam mais. O futuro pode ser o TPI, da Haia.
Sobra ainda um velho amigo, mas que anda em tratamento médico, atualmente, nas terras de outro amigo, que tampouco parece ter vida longa pela frente.
Quando os amigos se vão, as possibilidades de viagem se reduzem...
Sobram só esses loiros de olhos azuis, pouco frequentáveis...
Paulo Roberto de Almeida
Vocês sabem: ele prometeu lutar até a última gota de sangue (de seu povo), mas parece que esses apelos já não colam mais. O futuro pode ser o TPI, da Haia.
Sobra ainda um velho amigo, mas que anda em tratamento médico, atualmente, nas terras de outro amigo, que tampouco parece ter vida longa pela frente.
Quando os amigos se vão, as possibilidades de viagem se reduzem...
Sobram só esses loiros de olhos azuis, pouco frequentáveis...
Paulo Roberto de Almeida
A destruicao da escola publica pela universidade - Jose Maria e Silva
Um importante artigo sobre a tragédia educacional brasileira.
ESCOLA PÚBLICA
Vítima indefesa das universidades
José Maria e Silva
Jornal Opção (Goiânia), 21/08/2011
O Ideb na porta das escolas não vai medir o mais grave problema da educação brasileira: a pedagogia da destruição que as universidades impõem ao ensino público
O governo goiano, por intermédio da Secretaria Estadual de Educação, adotou uma medida pioneira no País — a transformação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) numa espécie de DNA das escolas. A partir de agora, todas as escolas estaduais serão obrigadas a ostentar uma placa com a nota obtida no Ideb, tornando público seu sucesso ou fracasso no referido índice. Como pai da ideia, o empresário e economista Gustavo Ioschpe, pensador ad hoc da educação, esteve em Goiânia respaldando a decisão do secretário de Educação, Thiago Peixoto. Em seu Twitter, no final da tarde de segunda-feira, 15, Ioschpe não escondeu o entusiasmo: “Saindo de Goiânia. Ideb na Escola lançado na rede estadual de Goiás. Primeiro Estado. Grande vitória. Vamos em frente”.
A proposta de Gustavo Ioschpe ganhou força entre as autoridades do País e tende a virar lei federal, valendo para todas as escolas brasileiras. É o que prevê projeto de lei do deputado federal Ronaldo Caiado (DEM), apresentado na Câmara dos Deputados em 7 de junho. No mesmo dia, o deputado Edmar Arruda, do PSC do Paraná, apresentou projeto semelhante, que foi apensado ao do parlamentar goiano. Uma semana depois, em 15 de junho, foi a vez do deputado Fernando Torres, do DEM da Bahia, apresentar projeto praticamente idêntico, também apensado ao de Caiado. E na mesma data, coube à senadora Lúcia Vânia, do PSDB de Goiás, inaugurar essa discussão no Senado, com um projeto de lei do gênero.
Além dessas iniciativas no Congresso Nacional, diversas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais pelo País afora estão discutindo projetos semelhantes, todos eles inspirados na proposta de Gustavo Ioschpe. No caso dos projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, o mais ousado é o de Ronaldo Caiado, pois ele obriga todas as escolas do ensino básico — não só as públicas, mas também as particulares — a exibir a nota obtida no Ideb. Se aprovado, o projeto de Caiado exigiria adaptações no Ideb, pois a Prova Brasil, um dos indicadores que compõem o índice, é aplicada por amostragem no ensino privado e não universalmente, como ocorre no ensino público urbano.
LEIAM A ÍNTEGRA neste link.
ESCOLA PÚBLICA
Vítima indefesa das universidades
José Maria e Silva
Jornal Opção (Goiânia), 21/08/2011
O Ideb na porta das escolas não vai medir o mais grave problema da educação brasileira: a pedagogia da destruição que as universidades impõem ao ensino público
O governo goiano, por intermédio da Secretaria Estadual de Educação, adotou uma medida pioneira no País — a transformação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) numa espécie de DNA das escolas. A partir de agora, todas as escolas estaduais serão obrigadas a ostentar uma placa com a nota obtida no Ideb, tornando público seu sucesso ou fracasso no referido índice. Como pai da ideia, o empresário e economista Gustavo Ioschpe, pensador ad hoc da educação, esteve em Goiânia respaldando a decisão do secretário de Educação, Thiago Peixoto. Em seu Twitter, no final da tarde de segunda-feira, 15, Ioschpe não escondeu o entusiasmo: “Saindo de Goiânia. Ideb na Escola lançado na rede estadual de Goiás. Primeiro Estado. Grande vitória. Vamos em frente”.
A proposta de Gustavo Ioschpe ganhou força entre as autoridades do País e tende a virar lei federal, valendo para todas as escolas brasileiras. É o que prevê projeto de lei do deputado federal Ronaldo Caiado (DEM), apresentado na Câmara dos Deputados em 7 de junho. No mesmo dia, o deputado Edmar Arruda, do PSC do Paraná, apresentou projeto semelhante, que foi apensado ao do parlamentar goiano. Uma semana depois, em 15 de junho, foi a vez do deputado Fernando Torres, do DEM da Bahia, apresentar projeto praticamente idêntico, também apensado ao de Caiado. E na mesma data, coube à senadora Lúcia Vânia, do PSDB de Goiás, inaugurar essa discussão no Senado, com um projeto de lei do gênero.
Além dessas iniciativas no Congresso Nacional, diversas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais pelo País afora estão discutindo projetos semelhantes, todos eles inspirados na proposta de Gustavo Ioschpe. No caso dos projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, o mais ousado é o de Ronaldo Caiado, pois ele obriga todas as escolas do ensino básico — não só as públicas, mas também as particulares — a exibir a nota obtida no Ideb. Se aprovado, o projeto de Caiado exigiria adaptações no Ideb, pois a Prova Brasil, um dos indicadores que compõem o índice, é aplicada por amostragem no ensino privado e não universalmente, como ocorre no ensino público urbano.
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