Uma resenha de meu livro mais recente, publicada no Meridiano 47.
Paulo Roberto de Almeida
Resenha
Relações Internacionais e Política Externa do Brasil
Paula Gomes Moreira
Mestre em Relações Internacionais pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro – UERJ e Pesquisadora do Observatório Político Sul-Americano – OPSA (paulagmri@gmail.com).
ALMEIDA, Paulo Roberto de.
Relações Internacionais e
Política Externa do Brasil: a diplomacia brasileira no contexto da
globalização.
Rio de Janeiro, LTC, 2012, 332 p. ISBN: 978-85-216-2001-3.
BOLETIM MERIDIANO 47
vol. 13, n. 134, 2012, p. 53-54
http://seer.bce.unb.br/index.php/MED/article/download/7228/6141
O livro “Relações Internacionais e Política Externa Brasileira: a diplomacia brasileira no contexto da globalização” traz uma herança de outros tempos para as pesquisas atuais em política externa. Tanto que, na primeira parte da obra, é apresentado ao leitor o tratamento dado ao estudo das relações internacionais no Brasil, que segundo Almeida, é um campo ainda não totalmente mapeado.
Os anos 1980 foram palco do crescimento notável dos estudos de relações internacionais no Brasil, principalmente, com a criação de vários cursos de graduação nessa área. Porém, no período em que ainda era estudante, Paulo Roberto de Almeida, aprendeu a compreender o meio internacional estudando-o na prática, por conta própria.
Como jovem diplomata pôde consolidar essa ampla formação através de sua atuação no exterior. Ao contrário da diplomacia e da política externa do país, que dispõem de diversos relatos de cunho histórico e estudos analíticos apurados, as relações internacionais encontram-se em um campo muito abrangente, caracterizado pela contribuição de trabalhos nas áreas de política internacional, relações econômicas internacionais e relações exteriores do Estado. Visando contribuir para a maior definição do escopo de leituras das relações internacionais no país, o autor discute a produção historiográfica brasileira nessa área, contextualizando-a com correntes e autores reconhecidos no cenário acadêmico internacional.
A segunda parte do livro trata mais especificamente de episódios históricos nos quais o Brasil teve atuação internacional importante. O período escolhido vai, da abertura comercial e liberalização promovidas pelo país com o retorno à democracia, até o início do século XXI. Nesse momento, fica clara a intenção do autor em se debruçar mais especificamente sobre o tema das relações econômicas internacionais que passaram a ocupar em grande escala a agenda política do país.
O fim da Guerra Fria trouxe mudanças no cenário econômico mundial. Para Cervo e Bueno (2002) a nova realidade econômica se caracterizou pelo aumento dos fluxos financeiros internacionais, pelo nivelamento comercial em termos de ofertas e demandas pelos países e pela convergência de regulações entre os Estados. Tais fatos foram determinantes para a formação de novos blocos econômicos e para o aumento das assimetrias existentes entre os grandes centros capitalistas e suas periferias. Porém, segundo Almeida, essa diplomacia comercial tem origens mais profundas com a criação das duas instituições de Bretton Woods (respectivamente, Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial, em 1944) passando pela implementação do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT, em 1947) até o surgimento da Organização Mundial de Comércio (OMC) no ano em 1995.
Esse é um período de grandes transformações estruturais na própria economia brasileira, que se tornou mais ofensiva em função de suas vantagens comparativas no setor do agronegócio. Além disso, na tentativa de se tornar-se um ator de peso nesse novo cenário, o país buscou alianças que fortalecessem a sua posição de maior autonomia.
A integração regional, concebida como um fenômeno de conformação de blocos geográficos, que partilha de características mais ou menos comuns, passou a assumir outras composições para adquirir características mais políticas que econômicas. É o caso, por exemplo, da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) que surgiu com o objetivo de promover a integração não só econômica como política, social, cultural, ambiental, energética e de
infraestrutura entre a América do Sul e o Caribe. Como argumenta Almeida, o fenômeno do regionalismo para o Brasil mostrou-se como um fenômeno político no quadro de um processo econômico.
O início da terceira parte do livro tem como base a discussão dessa nova ordem política e econômica de princípios do século XXI, nos quais novos e velhos problemas da ordem internacional são apresentados, e que são importantes para a ascensão do Brasil como um ator de peso na conformação dos rumos e decisões relativas à
governança global. A essa questão somam-se novos temas das relações internacionais que passam a ocupar a agenda internacional dos países como as migrações, as questões de meio ambiente e o terrorismo. Para cada um deles o Brasil adotará posição diferenciada, de acordo com a sua própria agenda, como é demonstrado pela intenção da política externa brasileira em ampliar a cooperação em favor do desenvolvimento e instrumentalizar o processo de regionalização através de fóruns de diálogo como o Ibas (Índia-Brasil-África do Sul) e os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Importante contribuição do livro é o debate em torno da ordem econômica política mundial e o Brasil, no qual analisado como todas as questões de economia política internacional do país são, antes de tudo, problemas de política econômica doméstica. Por fim, retornando aos seus estudos de juventude é apresentada a sociologia institucional do multilateralismo brasileiro, ou melhor, faz-se uma revisão do Brasil no contexto do surgimento, consolidação e expansão dos organismos econômicos internacionais. O presente estudo faz uma ampla compilação dos atos multilaterais – como acordos, tratados e convenções – e das instituições internacionais econômicas interessantes que estiveram presentes na história da política externa brasileira.
O livro é uma ponte entre os diferentes saberes práticos e intelectuais do diplomata, apresentados de forma clara e objetiva, os quais criam no leitor a consciência de que, para se compreender a complexidade da vida internacional, é necessário antes, conhecer as próprias vicissitudes inerentes à política externa do país.
Referência
CERVO, Amado; BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. 2ª ed. Brasília: Instituto Brasileiro de Relações Internacionais/Editora da Universidade de Brasília, 2002, 526 p.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
sexta-feira, 11 de janeiro de 2013
Miriam Leitao: Dois pesos e duas medidas na diplomacia brasileira
Miriam Leitão: 'Diplomacia brasileira tem dois pesos e duas medidas'
Bom Dia Brasil, 10/01/2013
A comentarista lembra que, no episódio do impeachment no Paraguai, foi contra a decisão inconstitucional do governo, mas agora apoia o chavismo.
O governo brasileiro já deu sinais de apoio aos chavistas, na Venezuela. Mas olhando para o Mercosul, são dois pesos e duas medidas, pensando no Paraguai. O país, nosso sócio estratégico de energia, foi suspenso do Mercosul por uma decisão liderada pelo Brasil, depois que o vice-presidente assumiu o governo e depôs o presidente com um rito sumário. O Brasil disse que ele não teve direito de defesa, e que isso é antidemocrático. É verdade.
Mas o que está acontecendo na Venezuela é que eles não estão respeitando a letra da lei. Está óbvio o que está escrito. Engraçado que um chavista, o Diosdado Cabello, presidente da Assembleia, que seria presidente. Mas eles resolveram, por uma conveniência do chavismo e briga entre os grupos chavistas. Isso fere a Constituição, que prevê outra saída. Como Nicolas Maduro não foi eleito, mas escolhido por Chávez, ele tem menos legitimidade ainda.
O Brasil apoia qualquer coisa que a Venezuela faça, e chama de democrático, mas trata o Paraguai dessa forma, liderando politicamente a decisão e sem reconhecer a decisão da Corte do Paraguai. No caso da Venezuela, o Brasil reconhece. Dois pesos e duas medidas na diplomacia brasileira.
Bom Dia Brasil, 10/01/2013
A comentarista lembra que, no episódio do impeachment no Paraguai, foi contra a decisão inconstitucional do governo, mas agora apoia o chavismo.
O governo brasileiro já deu sinais de apoio aos chavistas, na Venezuela. Mas olhando para o Mercosul, são dois pesos e duas medidas, pensando no Paraguai. O país, nosso sócio estratégico de energia, foi suspenso do Mercosul por uma decisão liderada pelo Brasil, depois que o vice-presidente assumiu o governo e depôs o presidente com um rito sumário. O Brasil disse que ele não teve direito de defesa, e que isso é antidemocrático. É verdade.
Mas o que está acontecendo na Venezuela é que eles não estão respeitando a letra da lei. Está óbvio o que está escrito. Engraçado que um chavista, o Diosdado Cabello, presidente da Assembleia, que seria presidente. Mas eles resolveram, por uma conveniência do chavismo e briga entre os grupos chavistas. Isso fere a Constituição, que prevê outra saída. Como Nicolas Maduro não foi eleito, mas escolhido por Chávez, ele tem menos legitimidade ainda.
O Brasil apoia qualquer coisa que a Venezuela faça, e chama de democrático, mas trata o Paraguai dessa forma, liderando politicamente a decisão e sem reconhecer a decisão da Corte do Paraguai. No caso da Venezuela, o Brasil reconhece. Dois pesos e duas medidas na diplomacia brasileira.
Brasil: protecionista, discriminatorio, burocratico, introvertido, etc, etc, etc...
| Produtos importados: críticas às regras do ICMS, após a Resolução 13 do Senado | |||
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Brasil: protecionista em bens industriais, servicos, o que for possivel...
| Engenheiros de Portugal dizem que não conseguem registro profissional no Brasil |
| Carlos Matias Ramos (foto), presidente da Ordem dos Engenheiros de Portugal (OE) critica entidades do Brasil de não estarem cumprindo acordos que facilitam a atuação de engenheiros civis portugueses no mercado de trabalho brasileiro. O primeiro acordo foi assinado pela organização e pelo Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea) em novembro de 2011. A parceria prevê que os conselhos regionais de engenharia podem conceder registro provisório aos engenheiros portugueses registrados na OE, quando tiverem trabalhando no país. A recíproca vale para os profissionais brasileiros que forem a Portugal. O segundo acordo corrobora o primeiro e foi assinado em agosto de 2012 entre a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (Crup). Cabe às universidades examinarem os diplomas e históricos escolares para atestar a compatibilidade dos currículos antes do registro definitivo. De acordo com a entidade portuguesa, os profissionais têm se queixado de dificuldades para conseguir o registro provisório de forma automática no Brasil, como ocorre em Portugal. A Ordem já encaminhou a reclamação ao governo português, que prometeu tratar do assunto. O tema poderá estar na agenda de uma visita do Ministro da Educação e Ciência de Portugal, Nuno Crato, ao Brasil, inicialmente programada para o final do ano. O assunto é conhecido da opinião pública de Portugal e até virou recentemente manchete de jornal de Lisboa, no último dia 31. A OE não dispõe do número de engenheiros que aguardam ou solicitaram registro no Brasil. Em 2012, a entidade emitiu cerca de 150 declarações comprovando que o profissional é filiado. O documento é necessário para que o engenheiro solicite o registro no Brasil. No entanto, o número não significa que esses profissionais estejam, de fato, trabalhando no Brasil ou tenham pedido o registro. Desde a década de 60, legislação no Brasil e em Portugal prevê o intercâmbio de força de trabalho, respeitando as exigências de registro nas diferentes ocupações. “Me espanta muito de que haja tanta dificuldade na validação de profissionais altamente competentes e estando registrados na nossa associação nacional, o que dá um selo de garantia”, reclama o bastonário da OE (cargo equivalente a presidente), Carlos Matias Ramos. Carlos Ramos - que já trabalhou e orientou engenheiros brasileiros em Portugal (no Laboratório Nacional de Engenharia Civil) e atuou em projetos de barragem, de aterramento e de alargamento de praias no Brasil (Copacabana, Botafogo e Flamengo, no Rio de Janeiro) - se diz decepacionado com a situaçãol. “O não cumprimento do acordo foi uma machadada de uma imagem que tenho formada por uma excelente relação com todo o meio acadêmico e técnico brasileiro”. Segundo Carlos Matia Ramos, os engenheiros brasileiros registrados na OE “têm igualdade de circunstâncias” aos colegas portugueses. Há 354 brasileiros registrados na entidade portuguesa. Muitos desses profissionais foram para Portugal nas duas décadas passadas, quando o país (com recursos então abundantes da União Europeia) fez grande investimento em obras de infraestrutura e de saneamento básico. Conforme o representante da organização, muitos engenheiros brasileiros estão em Portugal por meio das empresas contratadas nessas obras. “Não houve qualquer atitude corporativa para que eles não viessem. Pelo contrário, havia e há um sentimento de que esses engenheiros de alto gabarito só valorizam o país a trabalharem aqui”, defende. Para ele, a entrada de engenheiros portugueses pode favorecer o Brasil. “Eu não pretendo privilégios aos nossos membros. As declarações dos políticos no Brasil, que são frequentes, é de que há necessidade de mais engenheiros”, lembra. “O Brasil ganharia profissionais competentes com o qual não investiu um real e estão preparados para atender às necessidades do país.” Procurado, por e-mail, pela Agência Brasil, desde o dia 7, o Confea não se manifestou até o momento sobre o assunto. A reportagem não obteve contato por telefone nesta quinta-feira com a assessoria de comunicação do conselho. A crise econômica em Portugal (com mais de 16% de desemprego) afeta especialmente o mercado de trabalho dos engenheiros. A falta de recursos e as dificuldades de empréstimos reduziram a contratação de obras públicas e desaqueceram o setor mobiliário. Sem perspectivas internas, os engenheiros portugueses olham para o exterior. Além do Brasil, a OE tem acordos com Angola e Moçambique (que apresentam taxa de crescimento maior que a do Brasil), com a Inglaterra (menos atingida pela crise na zona do euro) e com outros países latino-americanos, como o Peru e a Colômbia, além da Venezuela e do Chile, com protocolos em elaboração. Dados já divulgados anteriormente pelo conselho apontam déficit de 20 mil engenheiros por ano no Brasil. A carência desses profissionais, além de pessoas com formação nas áreas de tecnologia e de saúde, levou o governo a lançar no primeiro ano de mandato da presidenta Dilma Rousseff o Programa Ciência sem Fronteiras. Há um temor que um eventual apagão de mão de obra reduza o ritmo de crescimento econômico brasileiro e limite a possibilidade de industrialização de setores que produzem mercadoria com maior valor agregado. A hipótese de abrir o país para profissionais estrangeiros é considerada por especialistas, pelo governo brasileiro, pelo próprio Confea que consideram a possibilidade uma oportunidade do Brasil conseguir reciprocidade de tratamento em outros países, fechar negócios e também de qualificação profissional. Fonte: Agência Brasil |
quinta-feira, 10 de janeiro de 2013
Estamos con los amigos, para todo y contra todo y todos...
Precisa comentar?
Paulo Roberto de Almeida
A presidente Dilma Rousseff interrompeu as férias que o
seu assessor internacional Marco Aurélio Garcia passava no México e o
despachou no fim do ano a Cuba para se inteirar do quadro clínico do
caudilho Hugo Chávez e ajudá-la a avaliar a instável situação política
venezuelana, diante das crescentes dúvidas sobre a sua recuperação
depois da quarta tentativa de extirpar o câncer na região pélvica que o
acometeu há um ano e meio.
Garcia esteve com os seus bons amigos Raúl e Fidel Castro, além de se reunir com o vice chavista Nicolás Maduro, príncipe regente e herdeiro designado da autocracia bolivariana. Decerto também deve ter transmitido aos interlocutores a garantia da presidente de que apoiará seja lá o que os chavistas e os seus mentores cubanos decidirem - ainda que atropelando a Constituição criada pelo próprio regime -, a se consumar a hipótese altamente provável de que o Jefe não tornará a pôr os pés no Palácio Miraflores. Afinal, sob Dilma, o alinhamento automático de Brasília com Caracas continua o mesmo dos anos Lula, apenas com menos gritaria.
Não se sabe em que medida o homem da presidente em Havana conseguiu desincumbir-se da missão. Especialistas em segredo e jogo duplo, os líderes castristas e os seus pupilos venezuelanos não devem ter corrido a abrir os corações (muito menos os relatórios dos seus serviços secretos) ao enviado brasileiro, conquanto dispense comprovação adicional a sua fidelidade ao socialismo autoritário. Mas o fato é que, mistificado pela própria ideologia - para ressuscitar uma expressão dos velhos tempos marxistas -, Garcia saiu falando pelos cotovelos, como é de seu feitio. E se pôs a dizer o que as autoridades venezuelanas deveriam ou poderiam fazer, além de pontificar sobre o que a oposição há de considerar conveniente ou não para seus interesses na pantanosa conjuntura do vizinho país. Ora deu a entender que endossa o autogolpe chavista de estender por tempo indeterminado o mandato do líder ausente, que termina oficialmente amanhã, quando deveria tomar posse para o novo período a que foi eleito em novembro último; ora mencionou que existe "cobertura constitucional" para adiá-la por até meio ano.
Ora ecoou o pretexto dos lugares-tenentes de Chávez para a manobra que reduz a posse na data prevista a uma "formalidade dispensável", ao afirmar que "Chávez sucede a si próprio, não é que um novo presidente foi eleito"; ora invocou o artigo 234 da Constituição venezuelana, segundo o qual a Assembleia Nacional pode declarar a ausência temporária do presidente por 90 dias, prorrogáveis por outro tanto, e só então, se for o caso, considerá-lo permanentemente incapacitado, com o aval de uma junta médica, o que abriria caminho para novas eleições em 30 dias.
O problema é que a letra do texto deixa claro que a norma se aplica apenas a presidentes já no exercício de suas funções - tanto que prevê, na referida circunstância, a interinidade do vice, que obviamente terá sido empossado juntamente com o titular. De todo modo, a impropriedade do assessor internacional do Planalto está muito menos no seu ensaio de exegese da Constituição de outro país do que em ele não ter se lembrado da famosa interpelação do rei espanhol Juan Carlos ao próprio Chávez: "¿Por que no te callas?".
O governo brasileiro não tem que se manifestar sobre assuntos internos alheios. Se tivesse, em situações-limite, seria apenas para expressar a certeza de que o país em questão saberá resolver seus problemas no marco da ordem democrática. Ocorre que, no plano externo, o apreço da presidente Dilma pela democracia é seletivo. Ano passado, excluiu o Paraguai do Mercosul porque o colega Fernando Lugo foi destituído pelo Congresso, com endosso da Justiça, em menos de 48 horas. O Planalto entendeu que ele não teve suficiente direito de defesa e invocou a Carta Democrática Interamericana da OEA. Fizera o mesmo quando a Justiça hondurenha removeu o presidente Manuel Zelaya, em 2009.
Mas, na Venezuela, o chavismo fará o que bem entender com a Constituição, investirá contra a oposição - acusando-a cinicamente de golpista - e não será Dilma quem objetará.
Paulo Roberto de Almeida
O Brasil no jogo chavista
09 de janeiro de 2013
Editorial O Estado de S.Paulo
Garcia esteve com os seus bons amigos Raúl e Fidel Castro, além de se reunir com o vice chavista Nicolás Maduro, príncipe regente e herdeiro designado da autocracia bolivariana. Decerto também deve ter transmitido aos interlocutores a garantia da presidente de que apoiará seja lá o que os chavistas e os seus mentores cubanos decidirem - ainda que atropelando a Constituição criada pelo próprio regime -, a se consumar a hipótese altamente provável de que o Jefe não tornará a pôr os pés no Palácio Miraflores. Afinal, sob Dilma, o alinhamento automático de Brasília com Caracas continua o mesmo dos anos Lula, apenas com menos gritaria.
Não se sabe em que medida o homem da presidente em Havana conseguiu desincumbir-se da missão. Especialistas em segredo e jogo duplo, os líderes castristas e os seus pupilos venezuelanos não devem ter corrido a abrir os corações (muito menos os relatórios dos seus serviços secretos) ao enviado brasileiro, conquanto dispense comprovação adicional a sua fidelidade ao socialismo autoritário. Mas o fato é que, mistificado pela própria ideologia - para ressuscitar uma expressão dos velhos tempos marxistas -, Garcia saiu falando pelos cotovelos, como é de seu feitio. E se pôs a dizer o que as autoridades venezuelanas deveriam ou poderiam fazer, além de pontificar sobre o que a oposição há de considerar conveniente ou não para seus interesses na pantanosa conjuntura do vizinho país. Ora deu a entender que endossa o autogolpe chavista de estender por tempo indeterminado o mandato do líder ausente, que termina oficialmente amanhã, quando deveria tomar posse para o novo período a que foi eleito em novembro último; ora mencionou que existe "cobertura constitucional" para adiá-la por até meio ano.
Ora ecoou o pretexto dos lugares-tenentes de Chávez para a manobra que reduz a posse na data prevista a uma "formalidade dispensável", ao afirmar que "Chávez sucede a si próprio, não é que um novo presidente foi eleito"; ora invocou o artigo 234 da Constituição venezuelana, segundo o qual a Assembleia Nacional pode declarar a ausência temporária do presidente por 90 dias, prorrogáveis por outro tanto, e só então, se for o caso, considerá-lo permanentemente incapacitado, com o aval de uma junta médica, o que abriria caminho para novas eleições em 30 dias.
O problema é que a letra do texto deixa claro que a norma se aplica apenas a presidentes já no exercício de suas funções - tanto que prevê, na referida circunstância, a interinidade do vice, que obviamente terá sido empossado juntamente com o titular. De todo modo, a impropriedade do assessor internacional do Planalto está muito menos no seu ensaio de exegese da Constituição de outro país do que em ele não ter se lembrado da famosa interpelação do rei espanhol Juan Carlos ao próprio Chávez: "¿Por que no te callas?".
O governo brasileiro não tem que se manifestar sobre assuntos internos alheios. Se tivesse, em situações-limite, seria apenas para expressar a certeza de que o país em questão saberá resolver seus problemas no marco da ordem democrática. Ocorre que, no plano externo, o apreço da presidente Dilma pela democracia é seletivo. Ano passado, excluiu o Paraguai do Mercosul porque o colega Fernando Lugo foi destituído pelo Congresso, com endosso da Justiça, em menos de 48 horas. O Planalto entendeu que ele não teve suficiente direito de defesa e invocou a Carta Democrática Interamericana da OEA. Fizera o mesmo quando a Justiça hondurenha removeu o presidente Manuel Zelaya, em 2009.
Mas, na Venezuela, o chavismo fará o que bem entender com a Constituição, investirá contra a oposição - acusando-a cinicamente de golpista - e não será Dilma quem objetará.
Venezuela: a unica certeza e' o aumento da tensao politica, e possivel crise de legitimidade
Uma entrevista telefônica, da qual preciso corrigir algo que o jornalista inventou: eu presidir um Centro de Relações Internacionais do Uniceub, o que não existe; sou professor do mestrado e doutorado em Direito do Uniceub, apenas isto.
Paulo Roberto de Almeida
Em
dezembro, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, internado em Cuba
devido a um câncer na região pélvica, foi vítima de uma infecção
pulmonar que agravou seu estado de saúde. O quadro aumentou a
possibilidade de Chávez não assumir seu novo mandato no próximo 10 de
janeiro e acendeu o debate sobre as consequências de uma possível troca
de presidente no país.
Para entender melhor o que pode acontecer não só na Venezuela mas em todo o continente americano caso o atual líder deixe o poder, o SRZD conversou com Paulo Roberto de Almeida, doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas e professor do Instituto de Relações Internacionais do Centro Universitário de Brasília.
Almeida não tem dúvidas de que uma troca no posto mais alto do executivo venezuelano provocaria grandes transformações no contexto político do continente. "As consequências seriam extremamente significativas para a Venezuela, para os países dependentes dos petrodólares e para os alinhados às suas teses políticas, como Bolívia e Equador", afirma.
O professor ressalta que Chávez representou uma mudança de impacto imensurável em sua nação. "Ele minou as bases do antigo sistema político e o substituiu por um baseado na oposição entre o próprio caudilho e todos os demais", comenta Almeida. "Apesar da linguagem de esquerda, seu governo teve traços fascistas como a exaltação de sua figura, a concentração de poderes do executivo, a transformação ideológica das forças armadas e a constituição de brigadas de milicianos".
Segundo o professor, a saída de Chávez do poder também provocaria uma
reviravolta econômica, já que o socialista intensificou a dependência do petróleo na economia "sem qualquer controle institucional sobre esses recursos, convertidos
segundo as preferências pessoais do caudilho", nas palavras do especialista.
Se Hugo Chávez não vier a tomar posse em seu novo mandato, Almeida prevê
uma grande instabilidade no país. "É provável que o grau de anomia política, de desestruturação institucional e mesmo de violência política aumentem. Nenhum país consegue sair impune de um regime de exceção como foi o de Hugo Chávez", declara o professor.
Caso a doença impeça Chávez de se manter no poder, novas eleições seriam convocadas em 30 dias. O candidato da situação seria o atual vice-presidente, Nicolás Maduro. Segundo Paulo Roberto, "ele teria de construir seu comando sobre as forças chavistas e estabelecer sua própria legitimidade política, o que não se baseia apenas em resultados eleitorais, mas em apelo popular, o que não se sabe se ele terá".
Por fim, o professor compara a situação com a de países socialistas que passaram por trocas de comando. "Em outras nações, ou se adotou a solução 'dinástica' ou ocorreram rupturas traumáticas. A China, por exemplo, estabilizou temporariamente o regime cuidando da sucessão em bases colegiais, algo impossível na Venezuela. A ruptura ocorrerá mais cedo ou mais tarde. É só uma questão de tempo", conclui Almeida.
Paulo Roberto de Almeida
'Seria traumático para a Venezuela', diz professor sobre saída de Chávez
Aldir Cony | Internacional | 21/12/2012 12h10
Para entender melhor o que pode acontecer não só na Venezuela mas em todo o continente americano caso o atual líder deixe o poder, o SRZD conversou com Paulo Roberto de Almeida, doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas e professor do Instituto de Relações Internacionais do Centro Universitário de Brasília.
Almeida não tem dúvidas de que uma troca no posto mais alto do executivo venezuelano provocaria grandes transformações no contexto político do continente. "As consequências seriam extremamente significativas para a Venezuela, para os países dependentes dos petrodólares e para os alinhados às suas teses políticas, como Bolívia e Equador", afirma.
O professor ressalta que Chávez representou uma mudança de impacto imensurável em sua nação. "Ele minou as bases do antigo sistema político e o substituiu por um baseado na oposição entre o próprio caudilho e todos os demais", comenta Almeida. "Apesar da linguagem de esquerda, seu governo teve traços fascistas como a exaltação de sua figura, a concentração de poderes do executivo, a transformação ideológica das forças armadas e a constituição de brigadas de milicianos".
Segundo o professor, a saída de Chávez do poder também provocaria uma
reviravolta econômica, já que o socialista intensificou a dependência do petróleo na economia "sem qualquer controle institucional sobre esses recursos, convertidos
Se Hugo Chávez não vier a tomar posse em seu novo mandato, Almeida prevê
uma grande instabilidade no país. "É provável que o grau de anomia política, de desestruturação institucional e mesmo de violência política aumentem. Nenhum país consegue sair impune de um regime de exceção como foi o de Hugo Chávez", declara o professor.
Caso a doença impeça Chávez de se manter no poder, novas eleições seriam convocadas em 30 dias. O candidato da situação seria o atual vice-presidente, Nicolás Maduro. Segundo Paulo Roberto, "ele teria de construir seu comando sobre as forças chavistas e estabelecer sua própria legitimidade política, o que não se baseia apenas em resultados eleitorais, mas em apelo popular, o que não se sabe se ele terá".
Por fim, o professor compara a situação com a de países socialistas que passaram por trocas de comando. "Em outras nações, ou se adotou a solução 'dinástica' ou ocorreram rupturas traumáticas. A China, por exemplo, estabilizou temporariamente o regime cuidando da sucessão em bases colegiais, algo impossível na Venezuela. A ruptura ocorrerá mais cedo ou mais tarde. É só uma questão de tempo", conclui Almeida.
Republica Bolivariana do Zumbi - presidida por um moribundo...
Trata-se de excelente matéria prima para todos os escritores da chamada vertente do realismo mágico latino-americano, estilo Garcia Marquez, ou então daquele relato histórico que cobre o ditador absoluto, estilo Roa Bastos, ou ainda pelo lado picaresco, estilo Vargas Llosa, de um lado mais Pantaleão do que propriamente ditador absoluto.
O presidente que governa de sua cama na UTI, prolongado em vida por seus sequazes, aliados, devotos, assistentes, oportunistas, simples interesseiros.
Vamos ver até onde vai dar essa novela.
Estou certo que um bom escritor já está trabalhando no roteiro de seu próximo grande sucesso.
Paulo Roberto de Almeida
Primeiro a notícia:
Judiciário venezuelano endossa afastamento de Chávez
VEJA.com, 9/01/2013
A presidente do Supremo Tribunal de Justiça da Venezuela, Luisa Estella Morales, ratificou nesta quarta-feira a tese do chavismo e considerou constitucional o adiamento da posse de Hugo Chávez para o mandato de 2013 a 2019. A chefe do Judiciário descartou a necessidade de juramento em 10 de janeiro, como previsto na Constituição, usando o argumento da “continuidade administrativa”, já que Chávez foi reeleito em outubro.
“Apesar de o dia 10 de janeiro marcar o início de um novo período constitucional, não é necessária uma nova posse em sua condição de presidente eleito”, disse Luisa, acompanhada de vários magistrados da Sala Constitucional, responsável pela análise do caso. “O poder Executivo, constituído pelo presidente, o vice-presidente, os ministros e demais órgãos e funcionários da administração, continuará exercendo plenamente suas funções com fundamento no princípio da continuidade administrativa.” A juíza repetiu o discurso chavista de que a posse é mera formalidade. “O juramento de Chávez é um formalismo que deve ser cumprido, mas não é obrigatório para continuar no governo”. O chavismo defende que o texto constitucional não estabelece data ou local para a posse que não puder ser realizada no dia inicialmente previsto devido a razões imprevistas.
A oposição combate esta tese, defendendo que seja declarada ausência temporária de Chávez – período de até 180 dias em que o chefe da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, assumiria o comando do país e depois do qual deveriam ser convocadas eleições, caso o mandatário não retornasse ao cargo.
Para a presidente do tribunal, no entanto, não se pode declarar a ausência temporária do mandatário porque ainda está vigente a autorização dada pela Assembleia Nacional para quese ausente do país por motivos de saúde. No dia 8 de dezembro, antes de viajar a Cuba para ser submetido a uma quarta cirurgia para combater um câncer, Chávez pediu permissão ao Legislativo para se ausentar do país. “Também é um absurdo que, no caso de um presidente reeleito, seja anunciada sua ausência absoluta”, disse ela, acrescentando que, como todo cidadão venezuelano, Chávez tem o direito de tirar licença para cuidar da saúde.
Nesta terça, Cabello leu na Assembleia Nacional uma carta assinada por Nicolás Maduroinformando sobre a ausência de Chávez à posse e pedindo autorização para adiar o juramento – que foi prontamente concedida, “pelo tempo necessário”, pelo Parlamento de maioria chavista. “A Sala Constitucional decide, sobre o alcance do artigo 231 da Constituição, que até a presente data o presidente Hugo Chávez se ausentou por razões de saúde por períodos superiores a cinco dias, com a permissão da Assembleia Nacional, a última das quais ainda se encontra vigente e ratificada pelo Parlamento nesta terça”, disse a presidente do tribunal.
A magistrada também descartou a necessidade de se convocar uma junta médica para constatar o real estado de saúde do caudilho e indicou que não foi solicitado que o juramento ocorra em Cuba, como previam algumas interpretações do texto constitucional a respeito da posse fora da data inicialmente estabelecida. Segundo o artigo 231 da Constituição venezuelana, “o candidato eleito ou candidata eleita tomará posse do cargo de presidente da república no dia 10 de janeiro do primeiro ano de seu período constitucional, mediante juramento ante a Assembleia Nacional. Se, por qualquer motivo imprevisto, o presidente não puder tomar posse ante a Assembleia Nacional, o fará ante o Supremo Tribunal de Justiça”.
Agora o comentário de um jornalista conhecido:
Os bolivarianos deles e os nossos. Ou: A boa notícia é que esses modelos autoritários dependem de líderes carismáticos, que chegam ao fim
Reinaldo Azevedo, 9/01/2013
Não existe Poder Executivo na Venezuela — refiro-me à existência de uma burocracia estável, que opere segundo regras. Existem os ditos “socialistas bolivarianos” e as necessidades de uma cleptocracia que privatizou o discurso da igualdade e da justiça social.
Não existe Poder Legislativo na Venezuela — refiro-me à pluralidade da sociedade representada no Parlamento. Existem, com raras exceções, pistoleiros que manipulam a miséria material e moral da esmagadora maioria da população.
Não existe Poder Judiciário na Venezuela — refiro-me a juízes independentes, que tomam decisões segundo a letra da lei. Ocorre que também não existem leis. Os “bolivarianos” do Executivo, do Legislativo e da Justiça se reúnem e dão suas sentenças.
Há certa escória no Brasil, fartamente financiada com dinheiro público, que vê o modelo venezuelano como um horizonte, uma meta, um ponto de chegada. Esses vagabundos apreciam muito particularmente a política de Chávez para os meios de comunicação. Os jornais e a Internet ainda gozam de relativa liberdade de expressão e opinião naquele país. Mas há o risco permanente de o jornalista ser alvo de um processo que pode aniquilar a sua carreira e as suas finanças pessoais, com a possibilidade real de o acusado ir para a cadeia. Na prática, basta que o estado decida que ele está “mentindo”. Nas ditaduras, como sabe toda gente, a verdade é a mentira, e a mentira, a verdade.
A radiodifusão (TVs e rádios) se tornou monopólio do estado e de meia dúzia de pistoleiros que decidiram enriquecer no chavismo fazendo o jogo do tirano. Assim, não se impressionem com as sucessivas vitórias do tiranete nas urnas. O fato de haver uma oposição ativa no país é que é quase um milagre. Imaginem um modelo em que só um dos lados tem acesso às TV e às rádios. Antes de ficar doente, Chávez permanecia no ar, cotidianamente, por quatro, cinco horas a fio.
“Aquilo sim!”
A Justiça venezuelana endossou o autogolpe. Por aqui, há uma penca de petistas e petralhas que estão, a um só tempo, vibrando e lamentando: “Aquilo, sim, é que é Judiciário! Vejam como os juízes não traem aquele que os nomeou. Já o Joaquim Barbosa… Que preto mais ingrato!”.
Em seus dez anos de poder, o petismo endossou todas as violências institucionais de Hugo Chávez — dentro e fora da Venezuela. Mais do que isso: fez-se seu caudatário, transferindo-lhe a liderança do subcontinente em vários momentos. Foi assim com a crise em Honduras, por exemplo. O Itamaraty se transformou em mero esbirro do chavismo e foi coadjuvante da tentativa de provocar uma guerra civil no país centro-americano. O Brasil também se alinhou com o ditador venezuelano no ano passado, contra o novo governo — constitucional! — do Paraguai. Assessores chavistas tentaram convencer a cúpula do Exército paraguaio a dar um golpe de estado. E Banânia junto! Os petistas se juntaram a Chávez em seus permanentes confrontos com a Colômbia. Ficou demonstrado que o ditador forneceu armas às Farc — ele próprio admitiu que armamento venezuelano foi encontrado com os narcoterroristas. Segundo disse, tratou-se de um roubo… Menos realista que o próprio bandoleiro de Caracas, Celso Amorim chegou a dizer que nada ficara provado.
Agora, o Brasil endossa, sem reservas, o autogolpe.
Como se vê, os chavistas não demonstram compromisso nem com a Constituição que eles próprios votaram. Como escrevi aqui há dois dias, uma ditadura não precisa ser necessariamente discricionária — isto é, ela pode se amparar em leis, ainda que injustas. O chavismo não tem nem esse prurido. É lei aquilo que os capitães do mato do bolivarianismo consideram… lei. E ponto final.
Os petistas admiram esse modelo. Façam uma pesquisa e vocês encontrarão uma avaliação espantosa de Lula sobre o modelo chavista: “Há democracia na Venezuela até demais!”, disse ele. Como as palavras fazem sentido, isso quer dizer que, para o Apedeuta, o ideal seria que aquele país fosse um pouco… menos democrático!
Bolivarianismo desidratado
Aqui e ali, leio algumas especulações sobre as diferenças cruciais que haveria entre o petismo e o bolivarianismo chavista. É… Com efeito, são bastante diferentes. O que importa nesse debate, no entanto, entendo eu, não é essa diferença, mas os seus motivos.
Cabe perguntar: o PT não aplica o modelo chavista porque não quer ou porque não pode? A resposta é óbvia: PORQUE NÃO PODE. Querer, ah, isso ele quer, sim! E com ardor. Não fosse assim, não haveria esse alinhamento automático com as decisões tomadas por aquele ditador asqueroso. Ao apoiar Chávez de maneira incondicional, os petistas estão afirmando o óbvio: nas circunstâncias venezuelanas, teriam feito o que ele fez e, por intermédio de seus acólitos, ainda faz.
Eis o busílis relevante. Lula e Chávez chegaram ao poder em circunstâncias muito distintas. A Venezuela vinha de um quadro de desordem institucional. As ditas “elites tradicionais” que governavam o país haviam se desconstituído, abrindo o caminho para um aventureiro, que se apossou da bandeira da justiça social. Não que o modelo venezuelano não fosse um exemplo de iniquidade. Era, sim! A questão é saber por que a alternativa tinha de golpear a democracia. Não custa lembrar que o próprio Chávez já havia tentado liderar um golpe militar. Foi preso e acabou anistiado — o que também era uma evidência da crise.
Lula, ao contrário, chegou à Presidência, para sua eventual infelicidade, com as instituições arrumadas. Recebeu de FHC, à diferença do que alardeou, uma herança mais do que bendita: os Poderes da República eram harmônicos e independentes; o sistema financeiro estava saneado; a inflação estava sob controle, havia uma burocracia de estado razoavelmente profissionalizada. Nota à margem: percebam que todos os protoditadores da América Latina alcançaram o poder na esteira de crise violentas: além de Chávez, Rafael Correa, Evo Morales e Cristina Kirchner.
Muito bem! Lula não pôde governar o país como quis, mas segundo circunstâncias que não escolhera. As instituições não eram um imenso vazio a ser preenchido pelo voluntarismo. E agora começamos a chegar a um aspecto interessante dessa história. Chávez, Correa, Cristina e Evo não gostavam das limitações legais que herdaram e decidiram moldá-las à sua vontade. E Lula?
Pois é, meus caros… À sua maneira e dentro do que era possível, procurou fazer a mesma coisa. É que deu, até agora ao menos, com a barbicha n’água. Como esquecer a tentativa de censurar a imprensa por intermédio de um Conselho Federal de Jornalismo? Como esquecer a tentativa de censurar a imprensa de novo por intermédio do Plano Nacional-Socialista dos Direitos Humanos? Como esquecer a permanente pressão feita pelos petistas, ainda hoje, em favor do “controle social da mídia” — vale dizer, em favor da CENSURA?
Malsucedido até agora no esforço de censurar a imprensa, o bolivarianismo desidratado do PT optou por um caminho alternativo: financia a pistolagem da subimprensa com dinheiro das estatais. Recursos públicos são usados, assim, para satanizar os “inimigos” do partido: a imprensa independente, políticos de oposição e figuras do Judiciário e do Ministério Público consideradas inconvenientes.
Mensalão e STF
Ora, meus caros, o que foi o mensalão senão um esforço deliberado de golpear as instituições, criando uma espécie de Parlamento paralelo para servir não aos interesses da população, mas ao projeto de poder de um partido? O assédio ao STF, diga-se, ficou mais do que demonstrado, até por intermédio da confissão de algumas estrelas do petismo, não é mesmo? Lula, pessoalmente, avaliou que tinha cacife para chantagear o ministro Gilmar Mendes. Felizmente, deu-se mal. Já está mais do que demonstrado que figuras de alto coturno do petismo, como direi?, debateram com Luiz Fux o processo do mensalão na reta final que antecedeu a sua nomeação. O STF, felizmente, ainda é composto por uma maioria de pessoas independentes, mas é evidente que a infiltração já aconteceu. A pauta de um partido — que, por definição, pertence a uma parte do país apenas — chegou ao tribunal.
Autoritário que é em essências, o PT se organizou para criar uma CPI, a do Cachoeira, que pretendia menos investigar malfeitos do que atacar a imprensa, o Ministério Público e o STF. Quando ficou evidente que uma investigação minimamente isenta faria explodir uma bomba no colo do próprio petismo, os valentes bateram em retirada. Sim, os nossos bolivarianos tentaram usar uma prerrogativa sagrada do Poder Legislativo — a comissão de inquérito — apenas para se vingar dos adversários e para intimidá-los.
Lula, o homem acima da lei
O que acaba de fazer a Justiça venezuelana? Declarou que Hugo Chávez está acima das leis — até daquelas que, na prática, ele próprio instituiu. Ao adiamento da posse — essa foi a formalidade alegada — corresponde uma outra decisão: a prorrogação do mandato. E não há absolutamente nada no texto constitucional que autorize tal medida. Eis o que chamo de uma ditadura que é também discricionária. Nem as leis que inventou para si mesma lhe servem.
E por que os três Poderes da Venezuela assim decidem? Porque, na prática, são um Poder só, a serviço de um grupo liderado por um caudilho. Que inveja, não é mesmo, Lula? Que sonho, não é mesmo, PT? Ora, quando as primeiras denúncias de Valério contra Lula vieram a público, qual foi a reação imediata de petistas e petralhas? “Em Lula, não! Não mexam com Lula! Lula é intocável!” Não existem intocáveis no regime democrático.
Os petistas têm sido bem-sucedidos em silenciar as oposições, mas isso se deve mais à falta de clareza e, às vezes, de propósitos dos adversários, que se deixaram anular pelo proselitismo virulento, do que propriamente a seus esforços de calar os adversários. Isso não quer dizer, por outro lado, que a nossa democracia aceite qualquer desaforo. E o maior de todos eles, reitero, tem sido a incapacidade dos setores não petistas de articular uma alternativa de poder.
Concluindo
Volto ao ponto. Os nossos bolivarianos ainda não conseguiram implementar a sua ditadura. Então vão se divertindo com a ditadura alheia. O único aspecto positivo nisso tudo é que esse modelo criado pelos especuladores contra a democracia — seja o mais violento, chavista, seja este nosso, mais light — depende de líderes carismáticos para se sustentar. Todos morremos: os bons e os maus; os democratas e os autoritários; os tolos e os sábios. O modelo que tiranos e candidatos a tanto deixam como herança não se sustenta sem o seu comando. Os herdeiros necessariamente se dividem e brigam pelo espólio. É o que já se vê na Venezuela. Só se optou pelo autogolpe porque os cleptocratas do bolivarianismo ainda não se entenderam sobre quem fica com o quê. A democracia resta como esperança no fundo da caixa.
O triste inverno chavista vai passar.
O presidente que governa de sua cama na UTI, prolongado em vida por seus sequazes, aliados, devotos, assistentes, oportunistas, simples interesseiros.
Vamos ver até onde vai dar essa novela.
Estou certo que um bom escritor já está trabalhando no roteiro de seu próximo grande sucesso.
Paulo Roberto de Almeida
Primeiro a notícia:
Judiciário venezuelano endossa afastamento de Chávez
VEJA.com, 9/01/2013
A presidente do Supremo Tribunal de Justiça da Venezuela, Luisa Estella Morales, ratificou nesta quarta-feira a tese do chavismo e considerou constitucional o adiamento da posse de Hugo Chávez para o mandato de 2013 a 2019. A chefe do Judiciário descartou a necessidade de juramento em 10 de janeiro, como previsto na Constituição, usando o argumento da “continuidade administrativa”, já que Chávez foi reeleito em outubro.
“Apesar de o dia 10 de janeiro marcar o início de um novo período constitucional, não é necessária uma nova posse em sua condição de presidente eleito”, disse Luisa, acompanhada de vários magistrados da Sala Constitucional, responsável pela análise do caso. “O poder Executivo, constituído pelo presidente, o vice-presidente, os ministros e demais órgãos e funcionários da administração, continuará exercendo plenamente suas funções com fundamento no princípio da continuidade administrativa.” A juíza repetiu o discurso chavista de que a posse é mera formalidade. “O juramento de Chávez é um formalismo que deve ser cumprido, mas não é obrigatório para continuar no governo”. O chavismo defende que o texto constitucional não estabelece data ou local para a posse que não puder ser realizada no dia inicialmente previsto devido a razões imprevistas.
A oposição combate esta tese, defendendo que seja declarada ausência temporária de Chávez – período de até 180 dias em que o chefe da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, assumiria o comando do país e depois do qual deveriam ser convocadas eleições, caso o mandatário não retornasse ao cargo.
Para a presidente do tribunal, no entanto, não se pode declarar a ausência temporária do mandatário porque ainda está vigente a autorização dada pela Assembleia Nacional para quese ausente do país por motivos de saúde. No dia 8 de dezembro, antes de viajar a Cuba para ser submetido a uma quarta cirurgia para combater um câncer, Chávez pediu permissão ao Legislativo para se ausentar do país. “Também é um absurdo que, no caso de um presidente reeleito, seja anunciada sua ausência absoluta”, disse ela, acrescentando que, como todo cidadão venezuelano, Chávez tem o direito de tirar licença para cuidar da saúde.
Nesta terça, Cabello leu na Assembleia Nacional uma carta assinada por Nicolás Maduroinformando sobre a ausência de Chávez à posse e pedindo autorização para adiar o juramento – que foi prontamente concedida, “pelo tempo necessário”, pelo Parlamento de maioria chavista. “A Sala Constitucional decide, sobre o alcance do artigo 231 da Constituição, que até a presente data o presidente Hugo Chávez se ausentou por razões de saúde por períodos superiores a cinco dias, com a permissão da Assembleia Nacional, a última das quais ainda se encontra vigente e ratificada pelo Parlamento nesta terça”, disse a presidente do tribunal.
A magistrada também descartou a necessidade de se convocar uma junta médica para constatar o real estado de saúde do caudilho e indicou que não foi solicitado que o juramento ocorra em Cuba, como previam algumas interpretações do texto constitucional a respeito da posse fora da data inicialmente estabelecida. Segundo o artigo 231 da Constituição venezuelana, “o candidato eleito ou candidata eleita tomará posse do cargo de presidente da república no dia 10 de janeiro do primeiro ano de seu período constitucional, mediante juramento ante a Assembleia Nacional. Se, por qualquer motivo imprevisto, o presidente não puder tomar posse ante a Assembleia Nacional, o fará ante o Supremo Tribunal de Justiça”.
Agora o comentário de um jornalista conhecido:
Os bolivarianos deles e os nossos. Ou: A boa notícia é que esses modelos autoritários dependem de líderes carismáticos, que chegam ao fim
Reinaldo Azevedo, 9/01/2013
Não existe Poder Executivo na Venezuela — refiro-me à existência de uma burocracia estável, que opere segundo regras. Existem os ditos “socialistas bolivarianos” e as necessidades de uma cleptocracia que privatizou o discurso da igualdade e da justiça social.
Não existe Poder Legislativo na Venezuela — refiro-me à pluralidade da sociedade representada no Parlamento. Existem, com raras exceções, pistoleiros que manipulam a miséria material e moral da esmagadora maioria da população.
Não existe Poder Judiciário na Venezuela — refiro-me a juízes independentes, que tomam decisões segundo a letra da lei. Ocorre que também não existem leis. Os “bolivarianos” do Executivo, do Legislativo e da Justiça se reúnem e dão suas sentenças.
Há certa escória no Brasil, fartamente financiada com dinheiro público, que vê o modelo venezuelano como um horizonte, uma meta, um ponto de chegada. Esses vagabundos apreciam muito particularmente a política de Chávez para os meios de comunicação. Os jornais e a Internet ainda gozam de relativa liberdade de expressão e opinião naquele país. Mas há o risco permanente de o jornalista ser alvo de um processo que pode aniquilar a sua carreira e as suas finanças pessoais, com a possibilidade real de o acusado ir para a cadeia. Na prática, basta que o estado decida que ele está “mentindo”. Nas ditaduras, como sabe toda gente, a verdade é a mentira, e a mentira, a verdade.
A radiodifusão (TVs e rádios) se tornou monopólio do estado e de meia dúzia de pistoleiros que decidiram enriquecer no chavismo fazendo o jogo do tirano. Assim, não se impressionem com as sucessivas vitórias do tiranete nas urnas. O fato de haver uma oposição ativa no país é que é quase um milagre. Imaginem um modelo em que só um dos lados tem acesso às TV e às rádios. Antes de ficar doente, Chávez permanecia no ar, cotidianamente, por quatro, cinco horas a fio.
“Aquilo sim!”
A Justiça venezuelana endossou o autogolpe. Por aqui, há uma penca de petistas e petralhas que estão, a um só tempo, vibrando e lamentando: “Aquilo, sim, é que é Judiciário! Vejam como os juízes não traem aquele que os nomeou. Já o Joaquim Barbosa… Que preto mais ingrato!”.
Em seus dez anos de poder, o petismo endossou todas as violências institucionais de Hugo Chávez — dentro e fora da Venezuela. Mais do que isso: fez-se seu caudatário, transferindo-lhe a liderança do subcontinente em vários momentos. Foi assim com a crise em Honduras, por exemplo. O Itamaraty se transformou em mero esbirro do chavismo e foi coadjuvante da tentativa de provocar uma guerra civil no país centro-americano. O Brasil também se alinhou com o ditador venezuelano no ano passado, contra o novo governo — constitucional! — do Paraguai. Assessores chavistas tentaram convencer a cúpula do Exército paraguaio a dar um golpe de estado. E Banânia junto! Os petistas se juntaram a Chávez em seus permanentes confrontos com a Colômbia. Ficou demonstrado que o ditador forneceu armas às Farc — ele próprio admitiu que armamento venezuelano foi encontrado com os narcoterroristas. Segundo disse, tratou-se de um roubo… Menos realista que o próprio bandoleiro de Caracas, Celso Amorim chegou a dizer que nada ficara provado.
Agora, o Brasil endossa, sem reservas, o autogolpe.
Como se vê, os chavistas não demonstram compromisso nem com a Constituição que eles próprios votaram. Como escrevi aqui há dois dias, uma ditadura não precisa ser necessariamente discricionária — isto é, ela pode se amparar em leis, ainda que injustas. O chavismo não tem nem esse prurido. É lei aquilo que os capitães do mato do bolivarianismo consideram… lei. E ponto final.
Os petistas admiram esse modelo. Façam uma pesquisa e vocês encontrarão uma avaliação espantosa de Lula sobre o modelo chavista: “Há democracia na Venezuela até demais!”, disse ele. Como as palavras fazem sentido, isso quer dizer que, para o Apedeuta, o ideal seria que aquele país fosse um pouco… menos democrático!
Bolivarianismo desidratado
Aqui e ali, leio algumas especulações sobre as diferenças cruciais que haveria entre o petismo e o bolivarianismo chavista. É… Com efeito, são bastante diferentes. O que importa nesse debate, no entanto, entendo eu, não é essa diferença, mas os seus motivos.
Cabe perguntar: o PT não aplica o modelo chavista porque não quer ou porque não pode? A resposta é óbvia: PORQUE NÃO PODE. Querer, ah, isso ele quer, sim! E com ardor. Não fosse assim, não haveria esse alinhamento automático com as decisões tomadas por aquele ditador asqueroso. Ao apoiar Chávez de maneira incondicional, os petistas estão afirmando o óbvio: nas circunstâncias venezuelanas, teriam feito o que ele fez e, por intermédio de seus acólitos, ainda faz.
Eis o busílis relevante. Lula e Chávez chegaram ao poder em circunstâncias muito distintas. A Venezuela vinha de um quadro de desordem institucional. As ditas “elites tradicionais” que governavam o país haviam se desconstituído, abrindo o caminho para um aventureiro, que se apossou da bandeira da justiça social. Não que o modelo venezuelano não fosse um exemplo de iniquidade. Era, sim! A questão é saber por que a alternativa tinha de golpear a democracia. Não custa lembrar que o próprio Chávez já havia tentado liderar um golpe militar. Foi preso e acabou anistiado — o que também era uma evidência da crise.
Lula, ao contrário, chegou à Presidência, para sua eventual infelicidade, com as instituições arrumadas. Recebeu de FHC, à diferença do que alardeou, uma herança mais do que bendita: os Poderes da República eram harmônicos e independentes; o sistema financeiro estava saneado; a inflação estava sob controle, havia uma burocracia de estado razoavelmente profissionalizada. Nota à margem: percebam que todos os protoditadores da América Latina alcançaram o poder na esteira de crise violentas: além de Chávez, Rafael Correa, Evo Morales e Cristina Kirchner.
Muito bem! Lula não pôde governar o país como quis, mas segundo circunstâncias que não escolhera. As instituições não eram um imenso vazio a ser preenchido pelo voluntarismo. E agora começamos a chegar a um aspecto interessante dessa história. Chávez, Correa, Cristina e Evo não gostavam das limitações legais que herdaram e decidiram moldá-las à sua vontade. E Lula?
Pois é, meus caros… À sua maneira e dentro do que era possível, procurou fazer a mesma coisa. É que deu, até agora ao menos, com a barbicha n’água. Como esquecer a tentativa de censurar a imprensa por intermédio de um Conselho Federal de Jornalismo? Como esquecer a tentativa de censurar a imprensa de novo por intermédio do Plano Nacional-Socialista dos Direitos Humanos? Como esquecer a permanente pressão feita pelos petistas, ainda hoje, em favor do “controle social da mídia” — vale dizer, em favor da CENSURA?
Malsucedido até agora no esforço de censurar a imprensa, o bolivarianismo desidratado do PT optou por um caminho alternativo: financia a pistolagem da subimprensa com dinheiro das estatais. Recursos públicos são usados, assim, para satanizar os “inimigos” do partido: a imprensa independente, políticos de oposição e figuras do Judiciário e do Ministério Público consideradas inconvenientes.
Mensalão e STF
Ora, meus caros, o que foi o mensalão senão um esforço deliberado de golpear as instituições, criando uma espécie de Parlamento paralelo para servir não aos interesses da população, mas ao projeto de poder de um partido? O assédio ao STF, diga-se, ficou mais do que demonstrado, até por intermédio da confissão de algumas estrelas do petismo, não é mesmo? Lula, pessoalmente, avaliou que tinha cacife para chantagear o ministro Gilmar Mendes. Felizmente, deu-se mal. Já está mais do que demonstrado que figuras de alto coturno do petismo, como direi?, debateram com Luiz Fux o processo do mensalão na reta final que antecedeu a sua nomeação. O STF, felizmente, ainda é composto por uma maioria de pessoas independentes, mas é evidente que a infiltração já aconteceu. A pauta de um partido — que, por definição, pertence a uma parte do país apenas — chegou ao tribunal.
Autoritário que é em essências, o PT se organizou para criar uma CPI, a do Cachoeira, que pretendia menos investigar malfeitos do que atacar a imprensa, o Ministério Público e o STF. Quando ficou evidente que uma investigação minimamente isenta faria explodir uma bomba no colo do próprio petismo, os valentes bateram em retirada. Sim, os nossos bolivarianos tentaram usar uma prerrogativa sagrada do Poder Legislativo — a comissão de inquérito — apenas para se vingar dos adversários e para intimidá-los.
Lula, o homem acima da lei
O que acaba de fazer a Justiça venezuelana? Declarou que Hugo Chávez está acima das leis — até daquelas que, na prática, ele próprio instituiu. Ao adiamento da posse — essa foi a formalidade alegada — corresponde uma outra decisão: a prorrogação do mandato. E não há absolutamente nada no texto constitucional que autorize tal medida. Eis o que chamo de uma ditadura que é também discricionária. Nem as leis que inventou para si mesma lhe servem.
E por que os três Poderes da Venezuela assim decidem? Porque, na prática, são um Poder só, a serviço de um grupo liderado por um caudilho. Que inveja, não é mesmo, Lula? Que sonho, não é mesmo, PT? Ora, quando as primeiras denúncias de Valério contra Lula vieram a público, qual foi a reação imediata de petistas e petralhas? “Em Lula, não! Não mexam com Lula! Lula é intocável!” Não existem intocáveis no regime democrático.
Os petistas têm sido bem-sucedidos em silenciar as oposições, mas isso se deve mais à falta de clareza e, às vezes, de propósitos dos adversários, que se deixaram anular pelo proselitismo virulento, do que propriamente a seus esforços de calar os adversários. Isso não quer dizer, por outro lado, que a nossa democracia aceite qualquer desaforo. E o maior de todos eles, reitero, tem sido a incapacidade dos setores não petistas de articular uma alternativa de poder.
Concluindo
Volto ao ponto. Os nossos bolivarianos ainda não conseguiram implementar a sua ditadura. Então vão se divertindo com a ditadura alheia. O único aspecto positivo nisso tudo é que esse modelo criado pelos especuladores contra a democracia — seja o mais violento, chavista, seja este nosso, mais light — depende de líderes carismáticos para se sustentar. Todos morremos: os bons e os maus; os democratas e os autoritários; os tolos e os sábios. O modelo que tiranos e candidatos a tanto deixam como herança não se sustenta sem o seu comando. Os herdeiros necessariamente se dividem e brigam pelo espólio. É o que já se vê na Venezuela. Só se optou pelo autogolpe porque os cleptocratas do bolivarianismo ainda não se entenderam sobre quem fica com o quê. A democracia resta como esperança no fundo da caixa.
O triste inverno chavista vai passar.
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