sexta-feira, 21 de agosto de 2020

10) "Aos Fatos" - um cronista secreto do Itamaraty bolsolavista

Aos fatos 

(Semana 10)

Vamos aos fatos. Esta semana vi-me assoberbado pelos fatos. Esses estranhos substantivos que evocam uma realidade que, invariavelmente, negam. Os fatos são apenas fragmentos da verdade, como queria Drummond. Tascos de uma verdade reluzente; almejada, mas dificilmente alcançada.

Os fatos desta semana são, não obstante, os mais próximos que vi nos últimos meses da realidade. São inegáveis. São a chancelaria de Ernesto, por mais que me doa atribuir a alcunha de chancelaria para os desmandos que vivenciamos.

É fato que, nos Estados Unidos da América, encontra-se em vigor restrição sanitária para a entrada de indivíduos que tenham estado no Brasil. Salvo exceções, qualquer indivíduo que tenha estado no Brasil deverá cumprir “quarentena”(por falta de melhor palavra) de quatorze dias em outra localidade antes de adentrar as terras de Trump. Atenção, amigo leitor, para o “salvo exceções”.

É fato também que o mais ignóbil ministro da educação deste país, o odioso Weintraub, foi defenestrado da cadeira de Capanema na sexta-feira, dia 19. Fugindo (para utilizarmos o termo correto) para os EUA no sábado dia 20, utilizando passaporte diplomático para enquadrar-se no “salvo exceções” das restrições de Trump. 

Contudo, é fato também que o Diário Oficial da União (DOU), nesta segunda-feira, dia 23, publicou um decreto retificando a data da demissão do Sr Abraham Weintraub. Corrigindo-a do dia 20 para o dia 19 de junho. A mudança, é saboroso dizer, torna fraudulenta a fuga do Gene Kelly da destruição.

Esses são os fatos. Não sabemos, de fato, a profundidade do envolvimento de nossa casa nessa lamentável trama. Não deixa de ser vergonhoso, porém, que a casa de Aracy Guimarães Rosa e de Souza Dantas, que honrosamente salvaram tantos dos horrores do Nazismo (que foi um movimento de extrema-direita, devo ressaltar), agora ajude na fuga daqueles que atentam contra a democracia.

Pelos fatos, reflitam.

Ministro Ereto da Brocha, OMBUDSMAN.

09) "Meu caro amigo" - um cronista secreto do Itamaraty bolsolavista

Meu caro amigo 

(semana 09)

Meu caro amigo me perdoe, por favor, mas hoje eu acordei sem tempo para cuidar do vocabulário nem para corrigir as vírgulas. O tempo urge e o Brasil caminha pé ante pé para um fascismo sem precedentes, que destruirá não somente nossa Casa diplomática, mas também nosso país.

Meu caro amigo me perdoe, por favor, mas hoje eu acordei sem tempo para pensar em piadas, em versos alexandrinos e argúcias de raciocínio. O tempo urge e eu, que por este país tanto lutei, tanto trabalhei, me recuso a assistir inerte sua destruição. Tive a honra de ver um Brasil soberano respeitado entre as nações e não chegarei ao fim vendo todo o nosso patrimônio diplomático dilapidado e jogado aos porcos. Nem que seja como alma penada, ainda assistirei à restauração do brilho de nossa casa.

Como disseram amigos que sempre admirei, Celso e Rubens, junto com outros democratas, como Aloysio, Lafer e Fernando Henrique, em recente carta que publicaram, é preciso restaurar a Racionalidade na política externa. Do contrário, os arautos da destruição nos levarão nosso gosto de viver.

Muito como os alemães que se depararam com a ascensão do partido nazista (escrito aqui com letras minúsculas para reforçar sua pequenez) no início da década de 1930, temos ainda uma chance de salvar a Democracia Brasileira. Resta saber o que faremos para salvar nosso País da destruição. A ataraxia estoica que nos é tão característica já não basta. 

Em nome de um Brasil soberano, democratas, reajam.

Ministro Ereto da Brocha, OMBUDSMAN

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

08bis) "Bolo de LaranjaLima" - um cronista secreto do Itamaraty bolsolavista

Bolo de Laranja Lima 

(semana 08-bis)

O bolo de fubá cremoso foi minha primeira paixão. A cada mordida, eu percebia que a vida era bela. A cada bala de coco, a cada quitute da Colombo, a cada biscoito de nata, tornei-me mais esfericamente perfeito. 

Convenhamos. Todo corpo celestial é esférico. No espaço, só há astros redondos. Eu nunca vi um planeta magro. Nós, gordos, temos essa semelhança com o divino. 

Esta semana, vasculhando armários atrás de uma lata de leite condensado que pudesse aplacar minha fúria roliça ante tantas notícias, pensei em você, amigo leitor, também a buscar um quitute para saciar as ânsias. É nesse espírito que ofereço minha sabedoria rotunda e recomendo a beleza do bolo de laranja lima.

A doçura da laranja lima é infinitamente superior à laranja comum. Esconde a acidez e evita que se denuncie o quitute como um bolo de laranjas. Evita-se a indigestão. Evita-se a vulgaridade do excesso de açúcar, para mascarar o amargor de laranjas podres.

Ainda que um bolo de laranjas cariocas ordinárias mascare o contrabando excessivo de farinha de baixa qualidade, que pode gerar abundantes ganhas para os boleiros industriais, o bolo de laranja lima traz em si a beleza de manter o passado laranja maquilado. E traz no próprio nome uma lima que pode ser usada para escapulir de clausuras. 

Pela laranja lima, reflitam.

Ministro Ereto da Brocha, OMBUDSMAN.

08) "Sussurram os Corredores" - um cronista secreto do Itamaraty bolsolavista

Sussurram os Corredores 

(Semana 08)

Dizia meu velho pai que em todas as casas as paredes têm ouvidos, mas que somente em nossa Casa os corredores têm bocas. E sussurram. Ontem mesmo ouvi alguns bulícios trazendo novas de nosso sitiado Ministério.

Os corredores mais críticos comentavam escandalizados que Ernesto e os seus terraplanaram a AIG, hoje representada por alcunha que me nego a transcrever, por simples rebeldia. Demitiram seu Diretor e convidaram porta afora os chefes e subchefes de suas divisões. 

Já os passadiços do Palácio tributam tais críticas à plebe esquerdista dos corredores dos anexos. Dizem os palacianos: nossa AIG estava complemente infiltrada por traidores! Pérfidos globalistas! Aliados da mídia internacional comunista! Por que razão, afinal, o Brasil teria tão escorraçada imagem no exterior?

Corredores maledicentes boatarão que nosso glorioso chefe pretende instaurar um Ministério da Verdade! Ao que teremos os bons de defendê-lo, pois será apenas um Departamento de Propaganda!

A regeneração já começa a notar-se no horizonte! Nosso novo Goebbels já anuncia, mui sagazmente, o uso profilático que faremos de dois milhões de doses de hidroxicloroquina, generosamente doados pela América! Uso preventivo, por quê não? Mal não haverá de fazer! 

E nada poderia ser melhor para o novíssimo Departamento de Propaganda que admitir em nossa Casa mentes alheias ao Serviço Exterior Brasileiro. Um estrangeiro, para a glória de nosso patriotismo invertebrado. E quem melhor que um preposto do Rasputin de Norfolk?

Ante os gritos de glória do palácio, a plebe dos anexos cala. 

Haveremos apenas de susurrar?

Ministro Ereto da Brocha, OMBUDSMAN.

07) "Nobel" - um cronista secreto do Itamaraty bolsolavista

Nobel 

(semana 07)

Lembro-me da tristeza na fronte de meu pai ao comentar o episódio. Morávamos ainda no Rio, e teve de fazer gestões junto aos países escandinavos para impedir que Dom Helder Câmara recebesse o Nobel da Paz. Senti que lhe doeu.

As gestões não foram bem-sucedidas, é verdade. Os governos nórdicos recusaram-se a interferir na escolha do prêmio. Mas em Brasília, com murros na mesa, os generais ameaçaram empresas escandinavas com proibição de remessa de lucros. 

Meu pai nunca soube ao certo qual foi o grau de influência dessas pressões, mas Dom Helder não foi escolhido, e lembro-me bem de ouvir de Sizínio Nogueira, em um jantar, quando já me preparava para o vestibular do Itamaraty: "enquanto houver alguém na Fundação Nobel que se lembre do esforço do Brasil para não receber o prêmio, nenhum brasileiro será jamais agraciado". Assim tem sido.

Não entendia bem naquele tempo como podíamos ser patriotas e cristãos, ao mesmo tempo em que trabalhávamos contra um arcebispo de nossa pátria, conhecido por levantar a Palavra de Deus contra a tortura que sofreu o próprio Cristo.

Hoje, ao ver tremular bandeiras estrangeiras nas mãos de supostos patriotas, ao ver a imagem do Cristo acima das cabeças dos que bradam por ditadura, ao ouvir o Nome de Deus proferido em vão por quem idolatra torturadores, e ao imaginar as instruções que poderemos vir a receber, lembro-me da tristeza no semblante de meu pai.

Por uma nação verdadeiramente patriota e Cristã, reflitam.

Ministro Ereto da Brocha, OMBUDSMAN.

06) "Alienáveis Alienígenas" - um cronista secreto do Itamaraty bolsolavista

Alienáveis alienígenas 

(semana 06)

Preciso admitir que Ernesto estava certo. Sei que parece improvável, mas peço vênia para pequena digressão que o haverá de convencer.

Imagine você, amigo leitor, um dia retornar, após breve viagem, a sua pequena e pacata cidade. Ao chegar, amigos alertam que coisas estranhas têm ocorrido. Relatam que algumas pessoas vêm agindo de forma estranha, como se não tivessem alma… Como se respondessem de forma conjunta, acéfala e coordenada a todas as situações, como se perdessem a individualidade e se tornassem zumbis; passivos e desumanos… É isso que acontece no filme “Invasion of the Body Snatchers”, que assisti no cinema, nos anos 70, e revistei essa semana, no original dos anos 50.

Ao longo da trama, o espectador acompanha o médico Miles, que descobre que seus conterrâneos estão sendo, pouco a pouco, substituídos por duplicatas alienígenas desprovidas de qualquer sentimento. A descoberta e a recusa de se unir ao pensamento único da colmeia extraterrestre faz com que seja perseguido e caçado pelas duplicatas acéfalas.

Peço perdão, caro leitor, por esta digressão, mas recomendo que você assista ao filme, pois, creio, o Itamaraty também foi invadido. Como já nos alertava nosso psicopata-chanceler quando palestrou para uma plateia de riobranquinos, os alienígenas estão entre nós!

Como Miles, vejo hoje um Itamaraty sem alma. E vejo colegas, que tanto prezava, comportarem-se como cópias inanimadas de si mesmos, reproduzindo uma doutrina totalizantemente ideologizada, sem lastro em nossa boa tradição diplomática. 

Vejo alguns colegas aderirem ao pensamento interplanetário-terraplanístico da colmeia ernestiana, vagando como zumbis acéfalos. Vejo também alguns bravos que, irridentos como o Dr. Miles, são perseguidos como se fossem eles os loucos. Ernesto estava certo, a invasão alienígena já começou.

Aos terráqueos que ainda não foram invadidos pelo pensamento alienígena, encareço, reflitam. 

Ministro Ereto da Brocha, OMBUDSMAN

05) "O Anti-Barão" - um cronista secreto do Itamaraty bolsolavista

O Anti-Barão 

(semana 05)

“Um diplomata não serve a um regime e sim ao seu país.” Nosso patrono defendia os interesses nacionais acima de tudo, e a soberania brasileira acima de todos. Ele próprio um Barão, monarquista, foi chanceler na República. Porque compreendeu que os interesses da pátria eram superiores às vicissitudes da política interna.

Lembro da frase do Barão para ponderar que nossa casa foi assaltada por pensamento contrário. Hoje, propaga-se a crença de que a diplomacia não é uma política de Estado, destinada a preservar os interesse nacionais permanentes, mas, sim, uma política de governo, que muda conforme as orientações do presidente de turno. No caso, do psicopata de turno.

Ainda que o digno oponente do Barão, pelo igual peso intelectual, seja nosso Oliveira Lima, Ernesto parece disputar o posto de Anti-Barão. Não por contraposição intelectual, naturalmente, mas, quiçá, pela destruição.

Ernesto está a destruir toda a nossa boa tradição diplomática, todo nosso prestígio no exterior. Hoje, nós, diplomatas brasileiros, somos vistos com desconfiança. Nos olham ressabiados. Somos excluídos dos processos decisórios. Nos acreditam terraplanistas, negacionistas do clima, excludentes à migração. Destruidores da Amazônia. Um país sem soberania, que apenas reproduz posições de outros países. Um país que defende o interesse nacional alheio. Anti-racionalistas. Não inspiramos confiança. Somos, por anti-científicos, epicentro de uma pandemia, e, por falta de amor próprio, o reprodutor de um proto-fascismo tosco, verdeamarelado.

O Anti-Barão parece querer terraplanar tudo que o Barão construiu e nos legou. E nós, observamos atônitos, seguindo instruções. Até quando?

Contra o Anti-Barão e contra a Destruição, reflitam.

 Ministro Ereto da Brocha, OMBUDSMAN

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