quinta-feira, 18 de julho de 2024

História e Diplomacia Monetária, de Mauricio Metri (Dialética)

 

História e Diplomacia Monetária

Autor: Mauricio Metri

Editora Dialética

Este livro procura analisar as disputas interestatais relacionadas aos processos históricos e contemporâneos de determinação de uma moeda como a de referência internacional. Interessam-nos tanto as lutas atuais de desdolarização, quanto as trajetórias de internacionalização das moedas que conseguiram se expandir para além de seus espaços político-territoriais de origem, cujos casos mais importantes foram: a libra esterlina inglesa e o dólar estadunidense. Não estaria errado afirmar que a presente pesquisa retoma a discussão iniciada no livro "Poder, Riqueza e Moeda na Europa Medieval", publicado em 2014. Se, naquele livro, o mergulho nas dinâmicas sociais próprias do Medievo permitiu entender tanto a centralidade da moeda na sociogênese dos estados territoriais europeus, quanto a natureza dos primeiros processos de alargamento de territórios monetários, retoma-se neste livro o tema do poder e da moeda, porém com foco nos processos mais bem-sucedidos de globalização de moedas nacionais, antes de chegar às disputas monetárias contemporâneas. O livro também se debruça sobre as recentes iniciativas brasileiras no campo da diplomacia monetária, sobretudo ao longo dos anos em que o Brasil foi governado pelo Partido dos Trabalhadores. Trata-se de uma agenda de pesquisa cujo escopo se situa na interface entre história, geopolítica, política externa e economia monetária, exigindo um olhar interdisciplinar não muito usual e, decerto, desafiador.


Impedir voto de venezuelanos no exterior é fraude eleitoral disfarçada Editorial O Globo

 Impedir voto de venezuelanos no exterior é fraude eleitoral disfarçada

O Globo, 18/07/2024

Depois de acenar com distensão, Maduro manobra para tentar vencer eleição e ficar no poder

Comunidades venezuelanas no exterior não têm conseguido se inscrever para votar nas eleições marcadas para 28 de julho. Dos 21 milhões de eleitores venezuelanos, calcula-se que entre 3,5 milhões e 5 milhões vivam no exterior. Desses, apenas 69 mil estão registrados para votar, segundo noticiou o New York Times.

Em países com grandes comunidades venezuelanas, há dificuldade nos consulados e embaixadas para registrar eleitores. Em Madri, a fila costuma se estender pelo quarteirão. Uma cidadã que deixou a Venezuela em 2018 tentou por dois dias, durante oito horas, apenas para ouvir dos funcionários que não podiam mais continuar com os registros. Cidadãos acompanhados de crianças pequenas, deficientes, idosos chegam às 4 horas da manhã, cinco horas antes da abertura do expediente, mesmo assim não conseguem ser atendidos. Os casos se repetem em cidades da Argentina, do Chile e da Colômbia.

Há fortes indícios de que o regime venezuelano tem impedido os eleitores no exterior de exercer o direito ao voto por considerá-los majoritariamente de oposição. E essa é apenas a última manobra do ditador Nicolás Maduro para tentar se manter no poder. Com o controle da Justiça Eleitoral, ele inabilitou a candidatura da maior liderança oposicionista, María Corina Machado, favorita nas pesquisas, e de outros que tentaram substituí-la. No fim, foi registrada a do veterano político Edmundo González. Em entrevista ao GLOBO, María Corina pediu apenas que “os votos sejam contados” e, em caso de vitória da oposição, acenou a Maduro com a negociação de uma transição, “como está ocorrendo com muitos setores do chavismo que começam a se aproximar”.

María Corina considera importante que todos os presidentes latino-americanos atuem em prol de eleições livres, mas destaca o peso do brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que tem comunicação direta com Maduro. Lula o recebeu na posse em Brasília com honras de chefe de Estado. Ainda o aconselhou publicamente a criar uma “narrativa” que levasse o mundo a considerar a Venezuela uma democracia.

Depois de afagos de Lula em Maduro — entre eles a declaração absurda de que a democracia é um “conceito relativo” —, o governo brasileiro só esboçou mudança de posição quando a candidatura de María Corina foi inabilitada em março. Uma nota do Itamaraty manifestou preocupação com a forma como Caracas tentava impedir a apresentação de candidaturas oposicionistas que pudessem ameaçar o chavismo.

No início do ano, Maduro deu sinais de distensão, recebidos de modo positivo — os Estados Unidos chegaram a suspender temporariamente o boicote ao petróleo venezuelano. Mas não demorou a ficar claro que tudo não passava de jogo de cena. A tentativa de impedir os venezuelanos no exterior de votar é apenas uma fraude eleitoral disfarçada. O regime chavista completa 25 anos cheio de fissuras, e o aceno de María Corina deveria ser levado a sério por Maduro. Infelizmente é difícil acreditar que isso acontecerá.

 

A ingenuidade de Lula com respeito ao Brics, à China e à Rússia - Robert Plummer, BBC News

Is Brazil's Brics-building worth it?

By Robert Plummer, BBC News, 14/07/2024

It's been more than a year-and-a-half since Brazil's Luiz Inácio Lula da Silva returned to the country's presidency, back from the political dead after his conviction on corruption charges was dramatically annulled.

In that time, President Lula's comeback has given renewed force to one of the world's most unlikely economic alliances - the Brics, a grouping that unites Brazil with Russia, India, China and South Africa.

In his previous time as president from 2003 to 2010, Lula was instrumental in efforts to weld the Brics into a geopolitical entity, and an emerging counterweight to the West.

Now the bloc has momentum on its side once again. It's come to be known as Brics Plus, after the original members agreed at a watershed summit in Johannesburg in August last year to admit a handful of new joiners, including Saudi Arabia and Iran.

Not bad for a grouping that was originally willed into being by sheer high-concept financial whimsy, the brainchild of economist Jim O'Neill, who saw it more as an investment opportunity than a new gang of nations.

"When the Brics were invented, it was pretty much an asset class," says Monica de Bolle, senior fellow at the Peterson Institute for International Economics in Washington.

"But it caught on in Brazil, because it directly spoke to Lula's aspirations in foreign policy."

At the Johannesburg meeting, Lula was particularly bullish about the group's long-term economic prospects.

“We have already surpassed the G7 and account for 32% of global GDP in purchasing power parity," he said. 

"Projections indicate that emerging and developing markets will be those that will show the highest growth rate in the coming years," he went on. 

"This shows that the dynamism of the economy is in the global south and the Brics is its driving force.”

But that is disingenuous on Lula's part, to say the least. As has been pointed out by the originator of the Bric acronym, who now rejoices in the title of Baron O'Neill of Gatley, all the economic growth in the group has actually come from Xi Jinping's China and Narendra Modi's India.

"None of the other Brics has performed anywhere near as well as those two," he said in an article written in reaction to the bloc's expansion.

"Brazil and Russia account for around the same share of global GDP as they did in 2001, and South Africa is not even the largest economy in Africa [Nigeria has surpassed it]." 

As he also points out, China "dominates the Brics by being twice the size of all the others combined", in much the same way that the US dominates the G7.

So what does slow-growth Brazil gain from being dragged along in China's economic slipstream? 

Rodrigo Zeidan, a Brazilian economist based at China's New York University Shanghai, tells the BBC that Brazil and China alike see the Brics as a "hedge" in terms of global alliances, rather than as a top priority.

"The Brics right now, for Brazil, cost almost nothing," he says. "So if the benefits are not high, it's fine. They are neither a big benefit nor a hindrance."

Since China is its biggest trading partner, Brazil is comfortable maintaining close relations with Beijing, even if the Brics grouping provides it with some "strange bedfellows", as Mr Zeidan puts it.

Lula has certainly maintained an ambiguous position on Russia's war in Ukraine, but that is more due to Brazil's traditional neutrality in foreign policy than to a wish to support a fellow Brics nation.

For Monica de Bolle at the Peterson Institute, herself a Brazilian economist, President Lula showed "a lot of naivety" in committing to the Brics because of his belief in furthering relations among the big so-called global south nations.

As a result, Brazil has now acquired "a China dependency" that could harm it in other foreign policy relations, she says.

"If you are in the US, you know that the US stance on China is not going to change [whoever wins the presidential election in November]," she adds.

"In either case, it's moving in the direction of greater anti-China sentiment. At some point, that's going to create additional reactions from China, which could put Brazil in a very difficult position, because it's perceived as being aligned with China." 

One tangible gain for Brazil from the alliance comes in the shape of the New Development Bank (NDB), a multilateral lender founded by the Brics and described by Lula as "a milestone in effective collaboration between emerging economies".

It is currently headed by Brazilian ex-President Dilma Rousseff. She was President Lula's political protegee, and succeeded him in 2011. But her time in office came to a chaotic end when she was impeached in 2016 for breaking budgetary laws.

The NDB has not only returned her to public life, but since the bank's headquarters are in Shanghai, it makes her key to maintaining links between Brazil and China.

"Dilma is definitely huge in terms of political image. Having Dilma here in Shanghai is very important for strengthening Brazil-China relations," says Mr Zeidan.

Brazil has also benefited directly from NDB money. In June, Ms Rousseff and Brazilian Vice-President Geraldo Alckmin signed a loan deal worth more than $1.1bn (£880m) to help pay for reconstruction after widespread floods in the state of Rio Grande do Sul.

Regarding the NDB and Russia, the bank put all transactions involving the country on hold in March 2022, shortly after Russia’s invasion of Ukraine. And the NDB has complied with international sanctions against Russia.

But Russia is due to take over the rotating presidency of the bank in mid-2025 and there is some uncertainty over what will happen then.

In the meantime, Ms Rousseff is not averse to attending financial gatherings in Russia, and shaking hands with Russian President Vladimir Putin, who has praised her work at the helm of the NDB.

President Lula is a passionate advocate of the Brics as a means of reforming global governance and giving a greater voice to the developing world. 

He has criticised the "paralysis" of global institutions, while praising the expansion of the Brics as strengthening the fight for more diverse perspectives.

But other observers retort that the Brics are themselves paralysed by their own internal contradictions, with Russia at war in Ukraine, while China and India have their own mutual squabbles.

Ultimately, says Ms de Bolle in Washington, the Brics are "a heterogeneous group of countries that have nothing in common, apart from the fact that they are big".

"The Brics have no clear agenda that has any real weight," agrees Mr Zeidan in Shanghai. 

"Right now, China doesn't ask much of Brazil. However, anything that China asks, Brazil does.

"It's fine to be part of the Brics when the stakes are low. But what if the stakes rise?"

In other words, the effect of the Brics, on Brazil and on the world, may be minor for now. But if China decides to become more assertive, that could change rapidly - and Brazil could be faced with some uncomfortable choices.

Uma dupla decepção e uma dupla recusa: Paulo Roberto de Almeida

Uma simples e dupla constatação

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre minha postura em face das deformações da direita e da esquerda.

 

Na extrema direita:

Uma das coisas, atuais e correntes, que mais me surpreendem: como pessoas educadas, bem-informadas e de bom nível de vida podem se render e se entregar a um psicopata perverso, grosseiro, vulgar, ladrão e profundamente autoritário? Me parece inaceitável e inacreditável!

Na esquerda, que já esteve e que retornou ao poder:

O Brasil é um país de muitas desigualdades e injustiças. As oligarquias, geralmente conservadoras, nunca resolveram os problemas básicos da sociedade, nem tinham interesse em resolvê-los. As esquerdas, supostamente engajadas na solução desses problemas, por equívocos, ignorância ou políticas deliberadas de monopólio do poder, acabaram se rendendo às mesmas políticas paliativas que preservaram a persistência dos problemas básicos e ainda se uniram às velhas oligarquias, ou criaram novas oligarquias que mantiveram a nação no não desenvolvimento, na não educação e na não inserção às correntes mais dinâmicas da economia global. 

Conclusão:

O Brasil continua sendo um país atrasado, mas com ilhas avançadas de bem-estar para os privilegiados, e uma democracia de baixíssima qualidade, na qual as velhas e novas oligarquias, de direita e de esquerda, preservam seus privilégios e comportamentos profundamente injustos para com a parte esquecida da sociedade: os descendentes de escravos e os pobres em geral.

Vai demorar para mudar essa realidade.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4705, 18 julho 2024, 1 p.


Por que a indústria brasileira encolheu tanto? - Edmar Bacha (Valor)

 Por que a indústria brasileira encolheu tanto?

De Edmar Bacha

Valor, 27/07/2024

 

Desindustrialização precoce e doença holandesa não explicam o fenômeno: é necessário buscar uma explicação alternativa

 

Entre 1995 e 2022, a participação da indústria de transformação na economia brasileira desabou. Em preços constantes, em 1995 ela respondia por 14,5% do PIB, mas em 2022 somente por 9,3%, uma queda maior do que cinco pontos de percentagem (pp). O que explica esse enorme encolhimento?

A literatura econômica brasileira oferece basicamente duas explicações. No jargão dos economistas, elas têm os apelidos de desindustrialização precoce e doença holandesa.

Desindustrialização precoce origina-se na observação de economistas que a parcela da indústria no PIB tem a forma de um U-invertido à medida que a economia se desenvolve. Em países pobres, essa parcela é pequena, devido à preponderância de atividades agrícolas. Em países de renda média, ela cresce à medida que ocorre a industrialização. Em países de renda alta, a parcela da indústria volta a se reduzir pois, com a urbanização, os serviços de modo geral ganham peso.

O que se observa desde o último quartel do século XX, e não somente no Brasil, é que muitos países tendem a se desindustrializar precocemente, ou seja, mais cedo do que antes. As explicações variam, mas em geral têm a ver com a importância que a terceirização adquiriu, mais o desenvolvimento de serviços de alta tecnologia, e a globalização que tendeu a concentrar as atividades manufatureiras na China.

Como avaliar a importância da hipótese da desindustrialização precoce como explicação para a desindustrialização brasileira entre 1995 e 2022? Uma possibilidade é comparar sua evolução com a que ocorreu nos países da OECD. Esses países têm uma renda per capita em média três vezes maior do que a do Brasil. Portanto, são países ricos que deveriam estar se desindustrializando, digamos assim, naturalmente — de acordo com a hipótese do U invertido entretida pelos economistas. Se o Brasil os acompanha, é porque estaria tendo uma desindustrialização precoce.

A surpresa, entretanto, é que a desindustrialização dos países da OECD foi muito pequena. Em 1995, em preços constantes, a parcela da indústria no PIB da OECD era 14,3%. Em 2022 ela caiu apenas para 13,8%. Portanto, uma desindustrialização de 0,5 pp, dez vezes menor do que os cinco pp observados no caso brasileiro.

Estatisticamente, calculamos que para cada 1 pp de desindustrialização na OECD ocorre uma desindustrialização de 1,6 pp no Brasil. Como a OECD se desindustrializou em 0,5 pp, ela consegue explicar apenas 0,8 pp da desindustrialização brasileira entre 1995 e 2022.

De acordo com este teste, a tese da desindustrialização precoce não parece explicar grande coisa da desindustrialização brasileira.

O que dizer sobre a doença holandesa? A expressão foi popularizada pela “The Economist” em 1977, para retratar o encolhimento da indústria da Holanda como consequência da descoberta de ricos depósitos de gás natural naquele país. Transplantada para o contexto brasileiro, a ideia é que um aumento das receitas provenientes de recursos naturais gera um auge exportador que fortalece o real face ao dólar. Esse fortalecimento reduz os preços em reais dos produtos manufaturados importados e dificulta a exportação dos produtos manufaturados locais. Em consequência, a indústria de transformação se encolhe.

Esse fenômeno foi sem dúvida importante entre 2005 e 2011, quando houve um enorme aumento dos preços dos produtos agrícolas e minerais exportados pelo Brasil, acrescido do efeito da descoberta do pré-sal que, antes mesmo de se materializar em novas exportações, provocou um grande influxo de capitais externos para o país. Em artigo de 2013, calculei que essa bonança externa, por seu efeito sobre a valorização do real face ao dólar, poderia explicar inteiramente a desindustrialização brasileira entre 2005 e 2011. Ou seja, nesses anos, a doença holandesa foi um fator importante para a desindustrialização. Mas é isso também válido para o período inteiro, entre 1995 e 2022? A resposta é negativa.

Para chegar a essa conclusão, utilizamos como indicador da doença holandesa a evolução das relações de troca do país — os preços das exportações em relação aos preços das importações —, já que o grosso das exportações brasileiras são bens primários, enquanto o grosso das importações são bens manufaturados.

Medida pelas relações de troca, a doença holandesa aparece com força entre 2005 e 2011, mas, fora desse intervalo, as relações de troca flutuam: para baixo entre 1995 e 1999,

constantes entre 1999 e 2005, para baixo de novo entre 2011 e 2016 e com tendência de alta a partir de então. Calculamos que, entre 1995 e 2022, as relações de troca aumentaram em cerca de 30%. Quanto essa melhoria poderia explicar da desindustrialização no período?

Estatisticamente, estimamos que para cada 10% de aumento das relações de troca ocorre uma desindustrialização de 0,27 pp. Ou seja, os 30% de melhoria das relações de troca entre 1995 e 2022 explicariam não mais do que 0,8 pp da desindustrialização no período. Assim, a doença holandesa também não dá conta de parcela relevante da desindustrialização brasileira.

Precisamos, portanto, buscar uma explicação alternativa para o encolhimento da indústria brasileira.

Observe-se inicialmente que podemos escrever a parcela da indústria no PIB em preços constantes como o produto de duas variáveis: produtividade relativa da indústria (valor adicionado por trabalhador na indústria como proporção do PIB por trabalhador) e parcela do emprego industrial no emprego total. Trata-se de mera identidade. Mas traz em si a possibilidade de uma explicação alternativa para a desindustrialização.

É que a parcela do emprego industrial no emprego total pouco varia entre 1995 e 2022. Assim, estatisticamente, a evolução da parcela da indústria no PIB está intimamente associada à da produtividade relativa da indústria.

Então, a próxima pergunta é: o que ocorreu com a produtividade relativa da indústria? A resposta, a esta altura não surpreendente, é que ela desabou! Em 1995, a produtividade da indústria era 84% maior do que a da média da economia. Em 2023, após sucessivas quedas, esse excedente se reduziu para apenas 12%. Ao invés de ser o motor da economia como outrora, a produtividade da indústria foi a que menos cresceu entre os 12 setores das contas nacionais; na verdade nem crescer ela cresceu, pois a produtividade da indústria foi mais baixa em 2022 do que em 1995!

Então, esqueçam-se de desindustrialização prematura, doença holandesa ou que mais seja, o problema a ser desvendado não é porque a parcela da indústria do PIB caiu, mas sim porque a produtividade relativa da indústria desabou. O problema é esse, mais complexo.

Ainda não temos uma resposta completa para essa evolução: as análises disponíveis na literatura somente dão pistas sobre o que ocorreu, que não convergem para uma conclusão definitiva.

Mas é pertinente observar que a imagem espelhada da enorme queda da produtividade relativa da indústria entre 1995 e 2022 foi um extraordinário aumento da produtividade relativa da agricultura. Em 1995, a produtividade relativa da agricultura era apenas 22% da produtividade média da economia; desde então, não parou de crescer: em 2023, já era igual a 94% da média.

O que a indústria perdeu em produtividade relativa, a agricultura ganhou (pois, tomada em conjunto, a produtividade relativa dos demais setores da economia ficou praticamente a mesma). Como a indústria convergiu de cima para a média, a agricultura convergiu de baixo para a média, e a média pouco saiu do lugar, uma hipótese é que, num quadro de relativa estagnação produtiva, o país teria apenas presenciado um processo de catch-up da agricultura em relação à produtividade da indústria. A agricultura se modernizou e a indústria ficou parada. Mas, então, por que a agricultura conseguiu se modernizar, mas a indústria não? Boa pergunta.

Pode ser que parte da resposta esteja no mercado em que uma e outra miraram. A agricultura mirou o mercado internacional e hoje concorre com sucesso com as potências agrícolas mundiais. Para um país que exporta pouco como o Brasil, o mercado mundial é meio sem limites, portanto, oferece amplo escopo para a adoção de tecnologias de última geração e o desenvolvimento de tecnologias nativas. Oferece não só o escopo, mas também impõe a necessidade, pois se trata de competir mundialmente com os gigantes do setor.

Já a indústria continua a mirar o próprio umbigo, ou seja, limita-se a vender com preços surreais seus produtos quase que exclusivamente para o mercado interno, e só consegue exportar alguma coisa com valor adicionado significativo para a Argentina. E sempre com muita proteção contra a entrada de produtos estrangeiros — basta ver a gritaria que a importação das “blusinhas” chinesas provocou entre os empresários.

Limitada ao mercado interno, pequeno para os padrões mundiais, a indústria não alcança a escala necessária para a adoção de tecnologias de última geração, nem sofre pressão para o desenvolvimento de novas tecnologias. O pouco que ela produz, ela vende — porque o mercado é protegido.

Essa parece ser uma explicação plausível de por que a produtividade da indústria brasileira permanece estagnada, enquanto a da agricultura continua a crescer.

 

Edmar Bacha é economista. As relações estatísticas citadas são desenvolvidas em E. Bacha, V. Terziani, C. Considera e E. Guimarães, “Why did Brazil deindustrialize so much? An empirical investigation”. Texto para Discussão n. 83, IEPE/Casa das Garças, julho 2024(*)

(*) https://cdpp.org.br/wp-content/uploads/2024/07/20240712WHY-DID-BRAZIL-DEINDUSTRALIZE-SO-MUCH.pdf

 

 

A reforma tributária de Lula - Felipe Salto (UOL)

 A reforma tributária de Lula

Felipe Salto, no UOL, em 15/07/2024 

Luiz Inácio Lula da Silva não entendeu em sua plenitude a reforma tributária que está bancando. Suas consequências estão concentradas no longínquo 2033. A parte que começa logo deve funcionar, a da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), mas, no que se refere ao IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), construiu-se um monstrengo.

O avanço do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 68/2024 é o capítulo mais recente da novela da reforma tributária do consumo. O PLP dá início ao processo de regulamentação do novo sistema tributário instalado pela Emenda Constitucional (EC) no.132/2023 para engordar o recheio de exceções desse amargo rocambole.

O texto final da Câmara também é um atentado contra a matemática elementar, porque, a título de compensação para as exceções e especificidades criadas, fabrica uma trava para a alíquota geral do imposto. Não há como evitar a comparação dessa patuscada com a ideia de fixar a taxa de juros real em 12%, conforme texto original da Constituição de 1988 (só modificado pela EC nº 40, 15 anos depois). 

 É uma ideia simples para um problema complexo e totalmente equivocada.

Mais ou menos assim: "se a alíquota é alta, vamos limitá-la". Gênios. Papel aceita tudo, não é mesmo? Ocorre que, se as exceções se avolumam, não há como garantir a mesma arrecadação para todos — estados, municípios e União — sem uma alíquota geral mais alta. Ou, de repente, descobriu-se como resolver um sistema de equação com 50 incógnitas e 3 equações?

Quem sabe tenham descoberto espécie de maná divino ou moto perpétuo, em que o dinheiro cai do céu por meio de, digamos, um "split payment" bem-acabado, diretamente para os Tesouros Estaduais e Municipais.

A propósito, o tal modelo do “split payment” (sistema para arrecadar e, depois, devolver crédito tributário de modo automático) é vendido como a tábua de salvação para as complexidades do novo regime. Que capacidade de plantar jabuticaba sem açúcar! No lugar de nos contentarmos com a original, tão saborosa, optamos pelas sandices.

O efetivo pagamento, quando da realização da operação de compra e venda de um produto, insumo ou serviço, teria o condão de disparar milhares de comandos automáticos, vejam vocês. O objetivo: garantir o cálculo preciso do crédito tributário e devolver dinheiro aos contribuintes intermediários.

Ocorre que lugar algum do mundo possui sistema similar com tal proporção e dimensão. As chances de um piripaque, uma bateção de pinos, logo de saída, é tremendamente alta. Mas é uma questão de fé, caros leitores e leitoras: acreditem, o "split payment" vai garantir a boa arrecadação, o combate à fraude, a devolução de créditos, a redução da carga tributária, o crescimento econômico turbinado e o que mais vocês quiserem.

É só pedir. Entra fácil no texto das regulamentações, feito a isenção geral e irrestrita para a carne, torradeira de dinheiro público sem beneficiar os mais pobres. O dinheiro vai para o bolso do setor, que está sorrindo de orelha a orelha após a vitória na Câmara dos Deputados.

O famigerado algoritmo do Comitê Gestor, uma entidade para todos governar, não é conhecido. Aliás, o Comitê Gestor, estrutura mais poderosa do que qualquer governo de estado ou mesmo a Receita Federal, ficou para depois. Discutiram a ferro e a fogo as exceções, as minúcias dos itens de horticultura, nas exceções, e dos planos de saúde para gato e cachorro, mas o elefante... Ah, este passeia no meio da sala de estar e ninguém toma conhecimento.

O algoritmo do Comitê Gestor é como a roupa nova do imperador: não existe. Vendem para a sociedade que o tecido é feito de fio especial, em tecelagem magnífica, sob os olhares e cuidados dos mais geniais tecelões. Só que não é dado a todos o dom de enxergar a beleza e perfeição das vestes do rei. Na verdade, não tem fio, não tem tecelão, não tem coisa alguma.

O rei está nu.

Quem quer provar o oposto deve apresentar, com clareza, a estrutura, a governança, o funcionamento, as regras, o regulamento, o escopo de atuação etc. do Comitê Gestor. É que não têm ideia de como colocar isso de pé sem acabar com a Federação.

A reforma tributária aprovada pelo Congresso é um tiro no escuro, uma aventura perigosa. Já podíamos ter aprendido que, em democracias consolidadas, as reformas devem ser incrementais. Não se dá cavalo de pau em temas centrais como o tributário.

Estamos jogando tudo fora para reerguer a oitava maravilha do mundo ou um verdadeiro monstrengo tributário, como venho alertando há tempos?

No lugar de aprimorar o regime de créditos e débitos do ICMS e promover mudanças operacionais e legais para garantir a adequada devolução dos créditos acumulados (esses, por sua vez, gerados por hipóteses da legislação, como a não oneração das exportações), avançamos para um mundo obscuro de sistemas malucos que só existem na imaginação fértil dos donos e apoiadores desta reforma.

A CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), sou capaz de vaticinar, não é o problema. Vai funcionar, porque a Receita Federal tem expertise, entende do riscado e não vai deixar a peteca cair. É antiga, afinal de contas, a ideia de unificar as legislações do PIS/PASEP e da COFINS.

O problema está, principalmente, no IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). Como se cria um imposto subnacional, gerenciado por quem não tem voto e comandado por 54 iluminados sem estrutura, sem servidores, sem gente com capacidade para fiscalizar e garantir a saúde financeira do Erário?

A Professora Misabel Derzi falou muito bem, no XII Fórum de Lisboa, há algumas semanas, ao demonstrar que o Comitê Gestor é inconstitucional, porque fere o pacto federativo. Mas isso é mero detalhe para quem segue viajando na maionese do “split payment”, enquanto se aprovam exceções, isenções e puxadinhos para os amigos do rei.

É preciso ter claro: o IBS e a CBS, juntos, deveriam compor um IVA (Imposto sobre Valor Adicionado) com alíquota de 26,5%, segundo a Secretaria Especial da Reforma Tributária. Cabe perguntar: se o cálculo era de 26,5%, antes, como pode, agora, continuar sendo o mesmo? Que matemática é essa, caros colegas?

E, se não tem risco de subir, por que a trava? Aliás, o mecanismo da trava (limite máximo para a alíquota do IBS mais CBS) é assim: se se perceber que a alíquota superará os 26,5%, então as isenções e benesses aprovadas nos últimos dias no PLP nº 68/2024 seriam revistas, por meio de uma nova proposta de lei complementar. É uma brincadeira? Não. É a reforma tributária que, para seus idealizadores, é a última bolacha do pacotinho.  A alíquota vai ser muito mais alta, na casa dos 33%, para dar conta de toda essa estrambótica e disparatada reforma tributária.

Apertem os cintos, contribuintes, vocês vão pagar essa conta. E lá vai o monstrengo. Ele é bom de descer ladeira.”


quarta-feira, 17 de julho de 2024

Geopolitical thinking ahead of its time: Varnhagen’s Organic Memorial in mid-19th century Brazil (Draft project) - Paulo Roberto de Almeida

Geopolitical thinking ahead of its time: Varnhagen’s Organic Memorial in mid-19th century Brazil

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Projeto de ensaio a ser preparado para obra sobre o pensamento geopolítico brasileiro.

 

Draft project essay:

Conventional etymology locates the emergence of geopolitics at the end of the 19th century, notably under the pen of the Swedish political scientist Rudolf Kjellén, who coined the term. In Brazil, the study of geopolitics arose well later, starting with some military and civilian thinkers around the 1930s, but which gained more acceptance only in the 1950s, with the work of an Army intellectual, Golbery do Couto e Silva, author of Geopolítica do Brasil (1955).

Less known, in its early virtual trajectory, at that time, was the existence of the almost ignored work of a predecessor, a brilliant scholar, the “father of Brazilian historiography”, Adolfo Varnhagen, author of a “Memorial Orgânico” (1849), sent anonymously to the General Assembly (the lower House of the Parliament), as a contribution to the reorganization of the Brazilian Empire, at the beginning of the Second Kingdom under Pedro II, a very young monarch. 

The present essay departs, in its first section, from the examination of Varnhagen’s proposals for a complete overhaul of Brazil’s economic, political, educational and ethnic institutions, as well of its infrastructure, defense and foreign policy, with the objective of making a more powerful Empire, perhaps similar to some European models of that time, in order to assess, in a second session, the relevance of Varnhagen’s ideas in modern times, that is, contemporary Brazil.

Despite this subjective correlation, the projection, in modern times, of the reforms submitted by the then young Historian — already named secretary of the first national academic institution, the Brazilian Historic and Geographical Institute (1848)— offers a useful opportunity to reflect how the work of the 20th century few Brazilian geopoliticians could have been “instructed” by a century previous proposals, made in the style, if not the form, of a Geopolitical thinking avant la lettre.

Summary and abstract to follow

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4704, 17 julho 2024, 1 p.


Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...