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quarta-feira, 20 de junho de 2018

Miseria da universidade brasileira: tem remedio? - Artigo de Dennys Garcia Xavier (Gazeta do Povo)

Golpe? É hora do “contragolpe” nas universidades brasileiras


Querem falar sobre impeachment, sobre liberdade ou ciência? Ótimo, é mesmo preciso. Que não seja, entretanto, sob a égide da foice e do martelo balançando sobre nossas cabeças

Dennys Garcia Xavier 
Gazeta do Povo, 20/06/2018

Há vida inteligente dentro da Universidade brasileira e ela está farta de se submeter. Nossa história acadêmica não é muito diversa daquela verificada em outras instâncias dependentes da “arquitetônica do jeitinho”, própria da Zumbilândia chamada Brasil. 
Nos esportes, por exemplo, acontece de modo quase idêntico: não produzimos boa qualidade em série ou de forma sistemática – sequer em quantidade risível – e, então, na maioria das vezes, dependemos de talentos individuais/abnegados que surgem, aqui e ali, também como exceções que confirmam a regra da nossa reconhecida incompetência. 
No mundo das Instituições de Ensino Superior, o tal “curso sobre o golpe”, multiplicado pelas Universidades tupiniquins na velocidade que só a sua mediocridade permitiria, não poderia ficar sem resposta. Resolvemos agir (e não apenas neste caso). 
“Oras, mas não se pode oferecer livremente um curso sobre o tal ‘golpe’, mesmo com clara intenção ideológico-partidária, dentro de uma Universidade?”, alguém poderia justamente perguntar. Claro que pode, responderia eu, mas talvez não deva, especialmente diante de um quadro geral que coloca nosso sistema de ensino entre os piores do mundo, acompanhado de países miseráveis, alguns dos quais em guerra civil declarada. 
É preciso superar a fase do medo de reputações manchadas pelo submundo universitário, das ameaças patrocinadas por colegas, da perseguição sorrateira no interior dos Departamentos e Faculdades. É preciso avançar, mesmo com o inevitável sacrifício pessoal naturalmente derivado do combate a práticas políticas que nos arrastam progressivamente para a periferia da produção científica no mundo. Somos uma pátria de analfabetos/analfabetos funcionais. E a Universidade tem enorme parcela de culpa nesta história. É preciso mudar com máximo senso de urgência. 
A UniLivres, organização de alunos e professores que tem como principal objetivo exatamente a luta pela liberdade dentro das Instituições de Ensino Superior do país, oferece alternativa. Querem falar sobre impeachment, sobre liberdade ou ciência? Ótimo, é mesmo preciso. Que não seja, entretanto, sob a égide da foice e do martelo balançando sobre nossas cabeças. 
Eis aqui proposta concreta: curso de extensão “Democracia e Liberdade em tempos de crise - impeachment e ciência na Universidade brasileira”. Conteúdo ministrado gratuitamente, via WEB, por cinco professores universitários distantes do universo das utopias coletivistas, obtusas e castradoras que nos levaram a fracasso inequívoco. 
Estamos falando de atividade suprapartidária, de abordagem técnica, com bibliografia que não inclui, por exemplo, blogs patrocinados por vassalos de correntes políticas comprometidos com valores dificilmente confessáveis, mas sobremaneira explícitos nas trincheiras sindicais ideologicamente aparelhadas. São cinco módulos de formação, com, em média, uma hora cada, sobre Educação (Profa. Anamaria Camargo), Literatura (Profa. Fernanda Sylvestre), Filosofia (com o autor deste texto), Economia (Prof. Ubiratan Jorge Iorio) e Direito (Profa. Janaína Paschoal). 
Inscrita ou não, qualquer pessoa pode assistir às aulas pela página da UniLivres no Facebook ou pelo  YouTube
A importância de tais iniciativas? Bem, os fatos falam por si com eloquência. 
Há tempos a Universidade brasileira virou as costas para a sociedade que a mantém. Há uma série de fatores que explicam o fenômeno, sem, entretanto, justificá-lo minimamente. 
Em primeiro lugar, a estrutura pensada para as Instituições Públicas de Ensino Superior é o que poderíamos denominar “entrópica”. Com isso quero dizer que passam mais tempo a consumir energia para se manter em operação do que a fornecer, como contrapartida pensada para a sua existência, efetivo aperfeiçoamento na vida das pessoas comuns, coagidas a bancá-las por força de imposição estatal. 
Insisto para evitar mal-entendidos: não desconsidero as contribuições pontuais e louváveis que a custo conseguimos divisar no interior das IPES. No entanto, não é esse o seu arcabouço procedimental de sustentação. Os exemplos de desprezo pelo espírito republicano e pelo real interesse da nação se multiplicam quase que ao infinito: Universidades e cursos abertos sem critério objetivo de retorno, bolsas e benefícios distribuídos segundo regras pouco claras – muitas vezes contaminadas por jogos internos de poder político –, concursos e processos seletivos pensados “ad hoc” para contemplar interesses subjetivos e pouco nobres entre outros. Em texto que contou com grande repercussão nacional, o Prof. Paulo Roberto de Almeida esclarece o que aqui alego: 
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Não é segredo para ninguém que as IPES funcionam em bases razoavelmente “privadas” – isto é, são reservadas essencialmente para uma clientela relativamente rica (classes A, B+, BB, e um pouco B-, com alguns merecedores representantes da classe C), que se apropria dos impostos daqueles que nunca terão seus filhos nesses templos da benemerência pública. Na verdade, essa clientela é a parte menos importante do grande show da universidade pública, que vive basicamente para si mesma, numa confirmação plena do velho adágio da “torre de marfim”. Não se trata exatamente de marfim, e sim de uma redoma auto e retroalimentada pela sua própria transpiração, com alguma inspiração (mas não exatamente nas humanidades e ciências sociais). A Capes e o CNPq, ademais do próprio MEC, asseguram uma confortável manutenção dos aparelhos que mantém esse corpo quase inerme em respiração assistida, ainda que com falhas de assistência técnica, por carência eventual de soro financeiro. 
Nessa estrutura relativamente autista, a definição das matérias, disciplinas e linhas de pesquisa a serem oferecidas a essa distinta clientela não depende do que essa clientela pensa ou deseja, e sim da vontade unilateral dos próprios guardiães do templo, ou seja, os professores, inamovíveis desde o concurso inicial, independentemente da produção subsequente. A UNE, os diretórios estudantis, os avaliadores do Estado, os financiadores intermediários (planejamento, Congresso, órgãos de controle) e últimos de toda essa arquitetura educacional (isto é, toda a sociedade) e, sobretudo os alunos, não possuem nenhum poder na definição da grade curricular, no estabelecimento dos horários, na determinação dos conteúdos, na escolha da bibliografia, no seguimento do curso, enfim, no desenvolvimento do aprendizado, na empregabilidade futura da “clientela”, que fica entregue à sua própria sorte. Sucessos e fracasso são mero detalhe nesse itinerário autocentrado, que não cabe aos professores, às IPES, ao MEC responder pelos resultados obtidos (ou não), que de resto são, também, uma parte relativamente desimportante de todo o processo . 
Jamais questione, portanto, pelos motivos expostos, os tantos “gênios” produzidos e alimentados pela academia brasileira. No geral, pensam ser nada mais do que uma obviedade ter alguém para sustentar suas aventuras autoproclamadas científicas, os seus exercícios retóricos de subsistência e seu esforço em fazer parecer importante aquilo que, de fato, especialmente em um país pobre e desvalido, não tem qualquer importância (e me refiro com ênfase distintiva aos profissionais das áreas de Humanidades). Tem razão, portanto, Raymond Aron quando diz: 
Quando se trata de seus interesses profissionais, os sindicatos de médicos, professores ou escritores não reivindicam em estilo muito diferente do dos sindicatos operários. Os quadros defendem a hierarquia, os diretores executivos da indústria frequentemente se opõem aos capitalistas e aos banqueiros. Os intelectuais que trabalham no setor público consideram excessivos os recursos dados a outras categorias sociais. Empregados do Estado, com salários prefixados, eles tendem a condenar a ambição do lucro . 
Estamos evidentemente diante do renascimento do acadêmico egghead ou “cabeça de ovo”, segundo roupagem brasileira, naturalmente. Indivíduo com equivocadas pretensões intelectuais, frequentemente professor ou protegido de um professor, marcado por indisfarçável superficialidade. Arrogante e afetado, cheio de vaidade e de desprezo pela experiência daqueles mais sensatos e mais capazes, essencialmente confuso na sua maneira de pensar, mergulhado em uma mistura de sentimentalismo e evangelismo violento. O quadro, realmente, não é dos mais animadores. 
Depois, vale ressaltar outro elemento que configura o desprezo do mundo das IPES pela sociedade. A promiscuidade das relações de poder que se formam dentro dela, sem critério de competência, eficiência ou inteligência, o que a tornam problema a ser resolvido, em vez de elemento de resolução de problemas. Talvez esse seja um dos mais graves entraves a ser enfrentado no âmbito da educação brasileira de nível superior: seu compromisso ideológico com o erro, com o que evidentemente não funciona, com uma cegueira volitiva autoimposta que a impede de enxergar o fundamento de tudo o que é: a realidade, concreta, dura, muitas vezes injusta, mas...a realidade. Trata-se de uma máquina que se retroalimenta com sua própria falência e que, por isso mesmo, atingiu estágio no qual pensar a si mesma, se reinventar, é quase um exercício criativo de ficção. 
Certo, não podemos abrir mão de ciência de alto nível, de vanguarda, de um olhar ousado para o futuro. Isso seria reduzir a Universidade a uma existência “utilitária” no pior sentido do termo: e não é disso que estou falando nesta sede. 
Digo mais simplesmente que é passado o momento de darmos resposta a anseios legítimos da população, à necessidade de instruirmos com ferramentas sérias e comprometidas uma massa humana completamente alijada de conteúdos muitas vezes basilares, elementares, que permeiam a sua existência. 
O momento, não obstante complexo, é propício. Parte da Universidade brasileira parece querer acordar do “sono dogmático” que a deixou inerte diante do diferente nas últimas décadas. Seria mesmo inevitável.

Contexto atual

Vivemos período histórico particularmente afetado pelo bullshit. E, na condição de estudiosos, nos cabe mínima compreensão articulada do fenômeno de proporções evidentemente brutais. É a época da “pós-verdade” (post-truth). O termo foi escolhido em 2016 pelo Departamento Oxford Dictionaries daquela Universidade como a palavra do ano, em referência a substantivo que relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião geral do que apelos à emoção e a crenças pessoais. 
Segundo a Oxford Dictionaries, o termo “post-truth” foi usado com aquela inflexão semântica pela primeira vez em 1992, pelo dramaturgo sérvio-americano Steve Tesich. Apesar de uso razoavelmente corrente desde sua criação, a palavra registrou um pico de uso em tempos recentes, algo em torno dos 2.000% de aumento em 2016. 
A informação dá bem a medida do drama que enfrentamos atualmente. Para aquele Departamento, pós-verdade deixou de ser termo periférico para se tornar central no comentário político, agora frequentemente usado por grandes publicações sem ulterior necessidade de esclarecimento ou definição: um fenômeno que por certo não se verifica apenas em âmbito de macroesfera, mas também em microesfera, vale dizer, em relações pessoais e profissionais subjetivas e de menor visibilidade, igualmente importantes na composição geral do fenômeno bullshit no mundo de hoje. 
Eis que as consequências dessa nova forma de ideologismo se mostram nefastas enquanto transformam praticamente todas as expressões do espírito humano em formas diversas de ideologias, quase sempre contaminadas pelo desprezo da busca pela verdade, ao menos enquanto pode ser alcançada/desejada pelo homem, e, então, pelas causas que subjazem as coisas e os fenômenos. A esse propósito, diz Edgar Morin: 
As ideologias têm uma expectativa de vida superior à dos homens. Elas são mais biodegradáveis do que os deuses, mas algumas podem viver até por vários séculos. As que se definem “científicas” e garantem que sabem realizar na Terra sua promessa de Salvação (...) mostram-se em toda a sua fragilidade após a vitória, que assinala, ao mesmo tempo, sua falência . 
Se os fatos são obstinados, as ideias os esmagam com mais frequência do que o contrário. Estamos diante de uma forma de fé latente, abraçada por alguns como reflexo inequívoco da verdade e apresentada por outros (pelos ideólogos) como aquilo que se deve aceitar como verdadeiro, acreditem eles ou não no que convidam a conhecer. 
Essa é uma lição da qual simplesmente não devemos nos esquecer. A realidade não é um bloco monolítico, cujos problemas podem ser resolvidos com receita ingênua e engessada. A velha estrutura argumentativa “aut... aut...” (”ou isso... ou aquilo...”) – cuja gênese remonta à lógica aristotélica, mas que foi erroneamente aplicada a quase tudo no mundo da ciência pós-cartesiano – deve ser substituída por aquela “et... et...” (“e isso... e aquilo...”), mais rica, não redutiva e nada ingênua se bem aplicada. 
Não nos enganemos: aquela estrutura é sedutora também porque detentora de forte tom messiânico. Mesmo homens inteligentes foram seduzidos por ela e a abraçaram sem qualquer restrição. 
O adversário – e mesmo alguns dos nossos colegas associados à causa, seduzidos por inebriante convicção – se considera portador de verdade absoluta e há poucas coisas mais complexas do que tentar diálogo com portadores de dogmas inquestionáveis. 
Deixemos o sebastianismo a quem com ele se sente confortável e dele depende: na Universidade, até o fim, falaremos de realidade e de ciência, tudo calibrado por ceticismo e pragmatismo. 
Dennys Garcia Xavier é professor Associado de Filosofia Antiga, Política e Ética da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Doutor em Storia della Filosofia pela Università degli Studi di Macerata. Tem Pós-doutorado pela Universidade de Brasília (UnB) e Pós-doutorado pela Universidade de Coimbra.

Rui Barbosa em Buenos Aires em 1916: os deveres dos neutros na Grande Guerra

Em 1916, Rui Barbosa foi designado embaixador extraordinário pelo governo brasileiro para as comemorações do primeiro centenário da independência argentina. Ao lado da participação nas cerimônias oficiais, Rui Barbosa foi convidado para fazer uma conferência na Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires.
No navio que o levava do Rio de Janeiro à capital argentina, Rui Barbosa redigiu rapidamente uma  grande palestra que ficou conhecido como "Conceptos Modernos del Derecho Internacional", resumida pelos jornais argentinos e brasileiros, e depois corrigida para integrar suas obras completas, cujo link está aqui:

Cem anos depois, eu escrevi um pequeno artigo sobre essa base conceitual da diplomacia brasileira:

3006. “Rui Barbosa e o direito internacional”, Brasília, 7 julho 2016, 3 p. Artigo sobre os 100 anos da conferência realizada por Rui Barbosa em Buenos Aires, sobre os conceitos modernos do direito internacional, mais conhecida como o dever dos neutros.

Reproduzo abaixo esse artigo.

Rui Barbosa e o direito internacional

Paulo Roberto de Almeida
  
            Cem anos atrás, quando a Argentina comemorava o primeiro centenário de sua independência, o governo brasileiro designou o senador Rui Barbosa para ser o seu representante nos festejos daquele evento. Ademais de participar das cerimônias oficiais, Rui Barbosa foi convidado a fazer uma palestra na Faculdade de Direito e Ciências Sociais de Buenos Aires, ali pronunciando uma das alocuções mais importantes da história do direito internacional no Brasil. Dada a importância de suas reflexões para a própria construção da doutrina jurídica que sustenta a essência da política externa brasileira, bem como para a afirmação dos mais importantes valores e princípios da diplomacia sempre defendida pelo Itamaraty, cabe relembrar alguns dos aspectos importantes dessa conferência, inclusive para os nossos dias.
            Para facilitar a tarefa, temos à nossa disposição a excelente edição dessa conferência pela Fundação Casa de Rui Barbosa, através da qual, em 1983, Sérgio Pachá estabeleceu um texto definitivo do original em espanhol, realizando ele mesmo a tradução, acompanhada de notas e de uma excelente introdução a esse texto, de enorme repercussão, à época (e ainda hoje) na Argentina), durante muito tempo conhecido como "O Dever dos Neutros". Rui Barbosa não era desconhecido na Argentina, onde já havia vivido em 1893, fugindo da perseguição que lhe movia o governo de Floriano, por ter batalhado pelos envolvidos na revolta da Armada. Ele começa a parte substantiva de sua conferência de 1916 relembrando justamente esse episódio, defendendo a liberdade nas palavras de um de seus mais admirados promotores argentinos, Juan Batista Alberdi: "A civilização política é a liberdade. Mas a liberdade não é senão a segurança: a segurança da vida, da pessoa, dos bens."
            Ele continua, então, por um verdadeiro hino em louvor à nova "civilização argentina", não sem antes lembrar a barbárie dos antigos caudilhos que tinham levado o país à anarquia e à tirania. Num exercício arriscado de profetismo, Rui Barbosa anunciava aos argentinos da audiência que "há muito que consolidastes a vossa civilização. Vinte e cinco anos, pelo menos, de governo estável, ordem constante e progresso ininterrupto vos libertaram para sempre das recaídas no mal da anarquia. Um desenvolvimento colossal da riqueza, as acumulações do trabalho na prosperidade, uma abundante transfusão do sangue europeu, um civismo educado nos melhores exemplos da liberdade conservadora, grandes reformas escolhidas com discrição, adotadas com sinceridade e praticadas com inteireza depuraram dos últimos vestígios da antiga doença vosso robusto organismo, talhado para um crescimento gigantesco, asseguraram-vos no mundo uma reputação definitiva e fizeram da República Argentina um dos centros da civilização contemporânea, uma nação cujo invejável progresso pode resumir-se numa palavra, dizendo-se que a República Argentina é um país organizado." A Argentina de fato era, cem anos atrás, um dos países mais ricos do mundo, possuindo uma renda per capita superior à de vários países europeus, equivalente a 73% da renda média nos EUA (já então o mais rico de todos) e cinco vezes maior do que a renda per capita dos brasileiros. 
            Depois de repassar os episódios mais relevantes do itinerário político argentino, iniciado em 1806, caminhando para a independência já em 1810 e consagrado definitivamente no Congresso de Tucuman, em 9 de julho de 1816, quando se proclama solenemente, em nome de todo o povo argentino, a autonomia completa em face do soberano espanhol, Rui Barbosa chega ao cerne de sua conferência: um novo exercício da força bruta, contra o direito, representado pela Grande Guerra, especialmente a invasão da Bélgica neutra pelas tropas do Império alemão, em total desrespeito aos princípios da neutralidade, discutidos poucos anos antes na Segunda Conferência da Paz da Haia, na qual Rui havia sido o chefe da delegação brasileira. Suas palavras, em defesa desse princípio, foram muito claras: “Entre os que destroem a lei e os que a observam não há neutralidade admissível. Neutralidade não quer dizer impassibilidade; quer dizer imparcialidade; e não há imparcialidade entre o direito e a injustiça. (...) O direito não se impõe somente com o peso dos exércitos. Também se impõe, e melhor, com a pressão dos povos”. 
            Esse exato discurso de Rui Barbosa foi relembrado pelo chanceler Oswaldo Aranha, em 1942, quando o Brasil se viu confrontado à extensão da guerra europeia ao continente americano, instando, então, o Brasil, a assumir suas responsabilidades no plano dos princípios do direito internacional e dos valores da solidariedade hemisférica. A Alemanha tinha, mais uma vez, violado a neutralidade da Bélgica, para invadir a França. A postura de Aranha – que havia recepcionado Rui, como jovem estudante no Rio de Janeiro, quando o jurista desembarcou na volta ao Brasil –, foi decisiva para que, ao contrário da vizinha Argentina, então controlada pelo Grupo de Oficiais Unidos, de orientação simpática ao Eixo, o Brasil adotasse uma postura compatível com a construção doutrinal iniciada por Rui e de acordo a seus interesses nacionais, nos contextos hemisférico e global, em face do desrespeito brutal ao direito internacional cometido pelas potências nazifascistas na Europa e fora dela.  
            Vinte anos depois, o chanceler San Tiago Dantas soube preservar o patrimônio jurídico da diplomacia brasileira ao defender, de maneira clara, o respeito ao princípio da não intervenção nos assuntos internos de outros Estados, que estava em causa nas conferências e reuniões pan-americanas em torno do caso de Cuba. Outros juristas e diplomatas brasileiros, ao longo do século, a exemplo de Raul Fernandes, Afrânio de Melo Franco, Afonso Arinos de Melo Franco e Araújo Castro, participaram dessa construção doutrinal e pragmática dos valores e princípios da diplomacia brasileira. Há que se reconhecer, no entanto, que Rui Barbosa foi um dos grandes iniciadores e batalhadores pela afirmação dessas grandes diretrizes políticas que hoje integram plenamente o patrimônio consolidado da diplomacia brasileira. 
Paulo Roberto de Almeida, ministro da carreira diplomática, é diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, da Funag, e professor no Uniceub.



Sistema comercial multilateral e regional: artigos de imprensa

Referências recebidas do Google Alert, em 18/06/2018:

comércio internacional do Brasil
Atualização semanal  19 de junho de 2018
NOTÍCIAS 
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) participou no dia 12 de junho de 2018 de audiência pública na Câmara dos Deputados ...
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O Mercosul quer lançar uma ofensiva pelo livre comércio no próximo semestre para chegar a acordos comerciais com os grandes blocos mundiais ...
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Para analistas, o Brasil sairá perdendo com a guerra comercial, em ... a taxar em 25% esses produtos americanos, o resultado global será negativo. ... de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), ...
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Busca-se retomar a prioridade de liberalização comercial e de consolidação do Mercosul, formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, disse ...
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Morar nos Estados Unidos era um sonho antigo para Brenda Nadal, que no Brasil estudava Comércio Internacional e trabalhava em uma empresa do ...
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Se dentro dos estádios da Copa do Mundo de 2018 é só festa, fora deles os turistas estão encontrando dificuldades nos altos preços de hotéis, ...
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O secretário americano de Comércio, Wilbur Ross, que negocia com os parceiros comerciais dos Estados Unidos, ainda mantém laços com ...
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O Canadá quer ratificar rapidamente o acordo de livre-comércio ... (11) o ministro de Comércio Internacional, Francois-Philippe Champagne.
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Brasil é eleito para conselho econômico e social da ONU ... formular recomendações sobre desenvolvimento, comércio internacional, industrialização ...
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... o aumento da tensão internacional pode reduzir os preços das commodities, ... O primeiro impacto das barreiras levantadas pelo governo Trump no Brasil se ... Para José Augusto de Castro, da Associação Brasileira de Comércio ...

Mister Trump parte em guerra (comercial) - Paulo Roberto de Almeida (Gazeta do Povo)

Meu artigo sobre a "guerra comercial" deliberadamente provocada e deslanchada pelo presidente americano, escrito depois que ele anunciou as primeiras medidas de sobretaxas (de US$ 50 bilhões), mas antes que ele ameaçasse recrudescer em mais US$ 200 bilhões.
Ou seja, o que deveria ser uma ameaça de rusga bilateral, mas com armas de guerra, pode redundar em uma guerra aberta, com equipamento pesado e mobilização de todas as frentes e corpos bélicos, o que fatalmente atingirá outros países, mesmo os "neutros", onde o Brasil gostaria de estar. 
Como nos dois grandes conflitos bélicos do século XX, essas guerras, começadas num contexto regional limitado, logo se transformam em enfrentamentos globais, atingindo todos os países.
Vamos seguir o teatro de operações.
Paulo Roberto de Almeida 

Rumores de guerra comercial já não são

 mais exagerados

Depois da Guerra Fria geopolítica, o que temos hoje é uma Guerra Fria econômica

Gazeta do Povo (Curitiba, 18/06/2018)


Ficou conhecida a frase de Mark Twain, em comentário a jornalistas, quando confrontado a um obituário publicado a seu respeito: “Os rumores sobre a minha morte são grandemente exagerados”. O mesmo poderia ser dito, até recentemente, sobre as ameaças de uma guerra comercial, continuamente anunciada pelos jornais nos últimos meses, mas que ainda não tinha sido aberta de verdade. Não mais, agora já é um fato: o presidente Trump anunciou sua decisão de impor sobretaxas a produtos exportados pela China num valor aproximado a US$ 50 bilhões. A China anunciou imediatamente que iria retaliar por um montante equivalente, alvejando produtos da exportação americana para a China. Ou seja, a declaração de guerra já foi expedida: resta ver como serão feitos os movimentos dos batalhões respectivos das políticas comerciais nacionais.
Nunca foi tão importante estar bem informado.Sua assinatura financia o bom jornalismo.
Em primeiro lugar, é preciso ficar claro que o anúncio americano não atinge apenas produtos chineses exportados para os EUA – muitos dos quais, por sinal, podem ser feitos na China, mas sob licença americana, ou seja, servindo aos interesses das empresas e dos consumidores americanos –, e sim os fluxos de comércio dessas linhas de produtos de quaisquer origens e destinações. A explicação é que as sobretaxas aplicadas pelas autoridades aduaneiras americanas atingem produtos, não fornecedores, como sempre ocorre com as salvaguardas (que são diferentes de outros mecanismos de defesa comercial, como pode ser o antidumping, que foca um fornecedor determinado).
Trump justificou a imposição dessas medidas como sendo por motivos de “segurança nacional”, o que é altamente discutível, e poderá ser facilmente desmentido por uma investigação no âmbito da OMC (como fatalmente ocorrerá a partir de reclamações de parceiros prejudicados, e não apenas a China, como já revelado no caso do alumínio e do aço). O problema é que uma investigação na OMC, e a consequente condenação de uma medida claramente violadora do Código de Salvaguardas do Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT), costuma demorar mais de ano e meio, talvez dois anos, para ser concluída, e a única coisa que o painel arbitral conseguirá aprovar será, provavelmente, uma autorização para retaliações legais dos atingidos, o que não resolve o problema para ninguém, uma vez que o comércio não se faz como mera expressão da vontade, e sim por razões de preço e qualidade. Assim, as contramedidas conseguem apenas agravar o problema original.
O comércio não se faz como mera expressão da vontade, e sim por razões de preço e qualidade
Uma coisa precisa ficar clara: os déficits comerciais dos EUA, atualmente gigantescos, não são uma novidade, mas um fenômeno praticamente crônico há várias décadas, ainda que eles tenham conhecido flutuações cíclicas – ao sabor das paridades cambiais e dos ciclos econômicos nas principais economias do planeta –, assim como o imenso desequilíbrio no intercâmbio comercial com a China, crescente desde o final do século passado. Dos quase 900 bilhões de dólares de déficit na balança comercial dos EUA, um terço é realizado por exportações chinesas em excesso de suas importações da mesma origem, uma conta que é largamente compensada pelos ganhos obtidos pelos EUA a partir dos serviços, rendas do capital (em diversas rubricas) investido sob a forma de investimento direto ou de aplicações de portfólio.
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A concepção primitiva que o presidente americano mantém a respeito do comércio internacional faz com que ele veja um “prejuízo” para o seu país cada vez que se manifesta um déficit bilateral, o que é absolutamente considerado uma insensatez por qualquer economista sério. O déficit geograficamente considerado a partir do território dos EUA é amplamente compensado pelas exportações das empresas americanas ao redor do mundo, como resultado de décadas de investimentos diretos em quase todos os quadrantes do planeta. Muitos outros países exibem balanças comerciais cronicamente deficitárias, mas cobrindo essas “lacunas” por retornos em outros capítulos do balanço de pagamentos, o que é exatamente o caso dos EUA, que justamente exporta sua moeda nacional ao resto do mundo. O euro não confirmou até o momento as expectativas de que poderia representar parte substancial das reservas nacionais e dos fluxos de pagamentos de fatores para um volume mais significativo dos intercâmbios mundiais.
O Brasil, por exemplo, país notoriamente protecionista, sempre manteve um estrito controle sobre os fluxos de sua balança comercial, uma vez que esses saldos são o único recurso de que dispõe para compensar uma balança de serviços cronicamente deficitária, mas justamente com os EUA acumula saldos negativos desde vários anos, o que não o impediu de ser também atingido pelas salvaguardas de Trump sobre o aço e o alumínio, cabendo-lhe apenas aceitar as sobretaxas (para o alumínio) ou redução dos volumes exportados, as chamadas “restrições voluntárias”, claramente ilegais aos olhos da OMC. Registre-se, desde já, que as mesmas medidas foram aplicadas contra os parceiros americanos do Nafta, Canadá e México, o que é propriamente incrível, pois entre os três países deveria vigorar o livre comércio.
A China saberá responder adequadamente – o que não quer dizer sem prejuízos para si mesma e outros países, entre eles o Brasil – a esse novo desafio lançado por um presidente claramente equivocado tanto no plano conceitual quanto no aspecto prático. Os primeiros prejudicados serão as empresas, os consumidores e os trabalhadores americanos, de uma ampla gama de setores (e segundo uma escolha chinesa visando atingir em primeiro lugar os eleitores de Trump em determinados estados). Pode-se, também, colocar esse complicado contencioso num quadro mais amplo, marcado pela irresistível ascensão da China a certa preeminência internacional, sobretudo no campo econômico, e pelo declínio relativo dos EUA como superpotência indiscutível em todas as vertentes do “grande jogo” geopolítico.
De fato, depois da Guerra Fria geopolítica conhecida durante as quatro décadas em que vigorou a bipolaridade EUA-União Soviética, o que temos hoje é uma Guerra Fria econômica, num contexto de crescente multipolaridade a partir da emergência de potências ascendentes fora do eixo norte-atlântico tradicional. Tanto em termos táticos, quando no plano estratégico, a China deve sagrar-se vencedora desse embate, na medida em que possuiu uma visão clara de quais são os seus objetivos permanentes, a despeito mesmo de suas práticas claramente oportunistas no âmbito comercial. O presidente Trump parece completamente perdido na condução de sua política comercial, uma vez que promete impor novas sanções, pelo dobro do valor, caso a China responda às suas medidas não apenas irracionais, como claramente ilegais segundo as regras da OMC.
O que vai ocorrer? Provavelmente uma crise inédita nas relações econômicas internacionais, provocada por um personagem também inédito na governança da maior potência planetária. Os americanos já “inventaram” a Lei de Murphy – o que pode dar errado, dará, da pior forma possível – e também conhecem a “lei das consequências involuntárias”, que é exatamente o que acontecerá neste caso. O presidente Trump vai conseguir prejudicar não só os seus próprios eleitores, como todos os cidadãos, dezenas de empresas americanas e o papel dos EUA na manutenção da ordem econômica mundial. Parece muito, mas ainda é pouco para um personagem nitidamente desequilibrado, o primeiro a governar o seu país – e a pretender mandar no mundo – a partir de seus tweets diários, já na altura de algumas dezenas de milhares. Podemos esperar novos e tresloucados gestos nas próximas semanas e meses. Parafraseando o título de uma antiga série da TV americana: incrível, mas verdadeiro!
Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira, professor universitário e especialista do Instituto Millenium.

terça-feira, 19 de junho de 2018

Caso raro: um ex-ministro israelense espionando para o Iran

MANCHETES DE ÚLTIMA HORA



ALTA TRAIÇÃO: EX-MINISTRO ISRAELENSE ACUSADO DE ESPIONAR PARA O IRÃ
O ex-ministro Gonen Segev foi indiciado na semana passada por espionar o Estado de Israel para o Irã, disseram nesta segunda-feira a Polícia de Israel e o Shin Bet. Segev foi acusado de espionagem, ajudando um inimigo em tempo de guerra, bem como fornecendo informações para o inimigo. Segev, o ex-ministro da energia e infra-estrutura, é suspeito de fornecer informações sobre a indústria de energia de Israel, sites de segurança no país, instalações estratégicas e funcionários políticos e militares, entre outras coisas. O ex-ministro, que vive na Nigéria nos últimos anos, tentou entrar na Guiné Equatorial em maio de 2018, onde foi impedido de entrar por causa de seu passado criminoso e, conseqüentemente, transferido para Israel. Ele foi preso e interrogado pelo Shin Bet e pela Polícia de Israel depois que a inteligência reunida sobre ele levantou a suspeita de que ele estava em contato com a inteligência iraniana e auxiliando-os em suas ativida des contra Israel. A investigação descobriu que Segev foi recrutado e foi operado como um agente da inteligência iraniana. Ele foi contatado pela primeira vez por funcionários da embaixada iraniana na Nigéria, em 2012 e, em um estágio posterior, viajou duas vezes ao Irã para reuniões com seus manipuladores - embora estivesse plenamente ciente de que pertenciam à inteligência iraniana. Ao longo dos anos como agente iraniano, Segev reuniu-se com seus manipuladores em apartamentos e hotéis em todo o mundo, o que ele disse aos interrogadores que ele acredita serem usados ??para atividade secreta iraniana. Ele também recebeu um sistema de comunicações criptografadas para ocultar a troca de mensagens entre ele e seus manipuladores. Para obter a informação que lhe foi pedida por seus manipuladores iranianos, Segev manteve contatos com israelenses que têm ligações com a segurança, a defesa e as relações exteriores de Israel. Ele trabalhou para colocar as autoridades israelenses em c ontato com elementos de inteligência iraniana, enquanto tentava enganá-los e apresentar os iranianos como empresários inócuos. Segev foi eleito pela primeira vez para o 13º Knesset, em 1992, como parte do partido Tzomet de Rafael Eitan, onde ele atuou como MK de oposição e membro do Comitê de Finanças do Knesset. Em fevereiro de 1994, Segev e dois outros MKs se separaram do Tzomet e formaram a facção Yiud. Em janeiro de 1995, Segev se tornou o ministro de energia e infraestrutura do governo de Yitzhak Rabin e continuou ocupando o cargo no governo de Shimon Peres depois do assassinato de Rabin. Depois de sua carreira política, Segev se tornou um homem de negócios. Ele foi preso em abril de 2004 por tentar contrabandear milhares de comprimidos de ecstasy de Amsterdã para Israel, alegando que eles achavam que eram M & M's. Ele também foi acusado de estender ilegalmente seu passaporte diplomático com um lápis para evitar ser submetido a uma busca por autoridades aeroportuárias holandesas.