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sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Uma nova travessia do deserto? - Paulo Roberto de Almeida

Uma nova travessia do deserto? O Brasil nos próximos quatro anos

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: nova especulação sobre o futuro; finalidade: previsões imprevidentes]
Ouro Preto, 26 de outubro de 2018

Introdução: uma aposta feita ao início do regime lulopetista
Em 2003, ao iniciar-se o primeiro governo do lulopetismo, fiz uma aposta com um amigo acadêmico sobre como seriam os quatro anos seguintes da nova orientação governamental. Ele era naturalmente propenso a encarar positivamente a administração que recém começava; eu, de conformidade com minha habitual postura desconfiada, de ceticismo sadio como eu a chamo, mantinha um moderado pessimismo quanto aos resultados efetivos do novo governo. O objeto eram as políticas sociais: se elas seriam favoráveis aos objetivos proclamados, de melhorias significativas para a população mais pobre, como pretendia o meu amigo, ou se, como eu antecipadamente suspeitava, não teriam efeitos significativos na vida das camadas mais humildes da população. 
Não que eu fosse um pessimista absoluto. Ao contrário. No decorrer do ano eleitoral de 2002, já antevendo meses antes a vitória companheira, eu até me dediquei a escrever uma série de artigos saudando as boas perspectivas, textos que coletei ainda antes do final de outubro para integrar um livro que intitulei, de modo sugestivamente otimista, A Grande Mudança: consequências econômicas da transição política no Brasil(São Paulo: Códex, 2003). Nele eu mantinha a confiança de que o PT pudesse fazer, uma vez chegado ao poder, uma espécie de Bad Godesberg, de revisão à la New Labour, e de inaugurar uma administração resolutamente moderna, bem mais parecida com a de Felipe González, na Espanha, do que com a de Salvador Allende, no Chile, esta, aliás, terminada em desastre. Na verdade, não tinha esse tipo de preocupação, pois no livro eu antecipava que os companheiros iriam manter a mesma política econômica “neoliberal” da administração anterior. Eu achava que eles poderiam aprender alguma coisa exercendo tais altos cargos, ainda que cometessem alguns desatinos econômicos.
Mas, conhecendo quão péssimos eram os economistas do PT, como também quão profundos eram os equívocos conceituais, doutrinais e práticos dos dirigentes do partido – mais afeitos ao keynesianismo tosco dos latino-americanos, ao peronismo de botequim dos sindicalistas, ao neobolchevismo dos seus guerrilheiros reciclados e a uma imitação do desenvolvimentismo estatizante do regime militar, com um stalinismo industrial já anacrônico, que eles, no entanto, admiravam –, eu previa resultados pífios para a sua gestão, que imaginava encerrada ao cabo desses únicos quatro anos. Minha aposta com meu amigo acadêmico era muito simples: eu especulava que, ao contrário das promessas grandiloquentes dos dirigentes petistas, ao término do mandato, em 2006, a redução das desigualdades e a prosperidade prometidas pelo PT aos mais pobres não se materializariam, e que, ao fim e ao cabo, os maiores benefícios seriam recolhidos por quem já era rico e privilegiado, pois tudo na política econômica do partido indicava a continuidade do modelo estatizante admirado por eles. Meu amigo recusava essa minha visão pessimista de que o PT daria mais dinheiro à burguesia do que aos pobres, e acreditava que haveria uma grande inversão nas tendências tradicionalmente concentradoras do modelo brasileiro de crescimento e desenvolvimento.
Ambos nos enganamos redondamente, como se pode constatar: a situação dos mais pobres conheceu alguma melhora durante os anos de euforia mantidos a custa de uma alta demanda chinesa por nossas commodities de exportação e de um exacerbado incentivo ao consumo e ao crédito subsidiado, situações não sustentáveis, portanto, uma vez que o crescimento só pode se sustentar à base de investimentos produtivos e de empregos criados pelo setor privado, Mesmo o decréscimo no índice de Gini (que mede o grau de concentração da renda) ocorrido na era Lula foi inferior ao registrado no governo anterior de FHC. Por outro lado, eu estava absolutamente correto quanto a minha principal previsão – a de que o PT beneficiaria mais os ricos do que os pobres – mas os dados estatísticos disponíveis em 2006 não permitiam (naquele momento) trazer evidências nesse sentido. O fato é que todos os grandes programas concebidos e implementados exclusivamente pelo PT – Fome Zero, Primeiro Emprego, políticas industriais e tecnológicas, parcerias público-privadas, etc. – se revelaram um rotundo fracasso. O único programa bem sucedido consistiu, apenas e tão somente, na junção no Bolsa Família de vários programas setoriais já existentes, criados no governo anterior, mas que sob a administração companheira – e assim foi concebido pelos apparatchiks que conceberam o novo expediente político – tinha como real objetivo criar um grande curral eleitoral: ele sempre foi incapaz de eliminar a pobreza, já que sua principal função consiste, única e exclusivamente, em subsidiar o consumo dos mais pobres.
Tanto é assim, e continua cada vez mais sendo assim, que o mapa eleitoral do PT deslocou-se gradativamente das regiões mais urbanizadas, industrializadas e já “desenvolvidas”, para as regiões rurais, mais pobres e educacionalmente atrasadas, ou seja, aquilo que se chama “grotões”, antigamente dominados pelo voto de curral dos coronéis e oligarcas latifundiários, modernamente colocados sob a influência mentirosa da propaganda petista (ao associar a figura do chefão do partido a distribuição das benesses sob a forma de subsídio direto ao consumo). Cabe, no entanto, reconhecer que, naquele primeiro mandato não se tinha ainda começado a deformar a política econômica em vigor no governo anterior, e vários “tucanos” participavam do regime lulopetista, o que pelo menos assegurou alguma racionalidade a certas medidas implementadas. A demanda chinesa, a valorização da moeda, a retomada do crescimento – preparada por todas as políticas seguidas até 2002 – a taxas mais elevadas do que na década anterior, todas as boas notícias econômicas, e a enorme propaganda petista, trouxeram enorme sustentação ao regime, que conseguiu a reeleição mesmo enfrentando o mais grotesco, apenas o primeiro, caso de corrupção na história política do país: o Executivo, por meios escusos, comprando, literalmente, parlamentares e bancadas inteiras, à custa de recursos públicos roubados descaradamente de entidades públicas (Banco do Brasil, ao que se soube, nessa primeira fase), o que, em circunstâncias normais deveriam redundar num pedido de impeachment do presidente, claramente o responsável pela prática delituosa. Por razões diversas, o chefão mafioso escapou das garras da lei.
A oposição, acovardada ou castrada por práticas similares em outras instâncias e circunstâncias, não teve coragem para conduzir um processo de impeachment, assim como eximiu-se, na prática, de fazer oposição, demonstrando pusilanimidade, covardia, ou total falta de percepção sobre a natureza do regime criminoso que começava a se consolidar no país. O Mensalão não foi senão um pequeno aperitivo para coisas ainda mais grotescas que estavam sendo montadas clandestinamente no coração do Estado: o assalto total aos recursos públicos pela quadrilha mafiosa travestida de partido político. A partir do Mensalão, eu tomei consciência de que os companheiros não eram apenas ineptos na condução dos negócios públicos, mas profundamente corruptos e criminosos.

O começo do meu longo exílio de mais de uma década sob o lulopetismo
Antes mesmo do início do regime companheiro eu já tinha escrito e publicado artigos demonstrando como o PT era um típico partido esquerdista latino-americano, com um anti-imperialismo infantil e um antiamericanismo anacrônico, e como suas propostas de política externa eram totalmente inadequadas do ponto de vista de uma diplomacia servindo de modo equilibrado ao interesse nacional. Durante os primeiros três anos do regime não deixei de expressar tais ideias, minha contrariedade com certas posições tomadas na frente externa, em artigos publicados em boletins digitais ou em revistas impressas. Tampouco deixei de expressar publicamente minha opinião sobre certas opções de “alianças estratégicas”, como a preferência míope por uma diplomacia “Sul-Sul”, a parceria com atores “não-hegemônicos” e iniciativas de constituição de novas entidades de coordenação ou de integração regional num sentido claramente anti-imperialista e mesmo antiamericano. Em suma: fiquei contra o lulopetismo diplomático.
Não recebi nenhuma punição explícita por parte do regime companheiro, a não ser um veto, completo mas não declarado, a qualquer cargo na Secretaria de Estado, a despeito de oferecimentos feitos em uma ou outra área do Itamaraty. Tendo recusado uma oferta para dirigir uma embaixada no exterior, fiquei reduzido, durante anos e anos seguidos, ao chamado “DEC”, o Departamento de Escadas e Corredores, fazendo então da Biblioteca o meu gabinete de trabalho. Não preciso dizer que minha carreira ficou totalmente prejudicada por esse ostracismo informal, ainda que eu possa, sinceramente, agradecer aos meus algozes a oportunidade assim dada a uma dedicação quase integral à leituras e aos escritos que passaram a ocupar meu tempo útil na Biblioteca do Itamaraty. 
A travessia do deserto, iniciada no primeiro mandato lulopetista, prolongou-se por todo o segundo mandato, um isolamento completo de quaisquer atividades na carreira, o que a rigor constituía uma irregularidade administrativa, e poderia ter dado ensejo a um processo contra a instituição, o que no entanto nunca considerei fazer, embora tenha buscado informação a respeito. Afinal de contas, eu continuava recebendo um salário – reduzido ao vencimento mínimo, que me equiparava a escalões inferiores da carreira – sem qualquer contrapartida que seria devido ao serviço público. Foi apenas no último ano do segundo mandato, com a aposentadoria compulsória do Secretário Geral do Itamaraty – o mesmo que me tinha vetado para um cargo no Instituto Rio Branco ao início do regime lulista –, me foi finalmente oferecido um serviço provisório no Consulado em Xangai, mas para trabalhar no pavilhão do Brasil por ocasião da Exposição Universal de 2010 naquela cidade chinesa. Foram quase oito meses de estada na China, um país em profundas transformações, quando aproveitamos, Carmen Lícia e eu, para viajar para diferentes cidades do país – aproveitando também para visitar Hong Kong, Macau e Japão –, conhecendo um pouco mais as imensas mudanças em curso numa das regiões mais dinâmicas do planeta.
Enquanto eu atravessava solitariamente o meu deserto funcional, não por vontade própria mas por imposição dos companheiros no controle da diplomacia, o lulopetismo diplomático conhecia o seu momento de maior glória, aparentemente gozando da aprovação unânime dos grandes formadores de opinião, nos meios de comunicação, entre os acadêmicos, na imprensa internacional, junto aos principais interlocutores estrangeiros, em especial nos vínculos com os parceiros estratégicos. A diplomacia lulopetista conheceu, de fato, um grande prestígio junto a todos esses observadores, estudiosos e dirigentes estrangeiros. Cabe, no entanto, proceder a um exame detalhado quanto às fontes e sustentáculos dessa fama, num determinado momento representada pela imagem do Cristo Redentor disparando em direção das alturas, como figurando numa capa da Economist: não importa, aqui, que essa imagem fosse substituída, posteriormente, pelo mesmo Cristo caindo vertiginosamente dos céus, ou que, no ano seguinte, aparecesse o desenho de uma passista de Carnaval, presa num pântano sombrio. Essa foi a trajetória do lulopetismo, do triunfo ao fracasso.
A fase especialmente positiva no crescimento da economia mundial – que se manteve até a crise de 2008 – favoreceu igualmente o Brasil, mas numa velocidade inferior ao da média mundial, à da própria taxa de crescimento da América Latina (na qual países fizeram mais e melhor do que o Brasil) e sobretudo no confronto com o ritmo mais vigoroso da expansão econômica em curso na região da Ásia Pacífico. O bom conceito da diplomacia lulopetista se deveu muito mais à transpiração do que à inspiração, sempre apoiada em doses maciças de autopropaganda e de mistificação. Ocorreu um investimento exacerbado na promoção da imagem do presidente, com um enorme volume de recursos públicos aplicados nos meios de comunicação, nacionais e estrangeiros, inclusive com a mobilização do apoio do formadores de opinião nesses meios e entre os progressistas acadêmicos para a concessão, exageradamente ridícula, de dezenas de doutorados honoris causaea quem não tinha, numa teve, e nunca terá, manifestamente, nenhum contribuição relevante aos anais da ciência, segundo os critérios relevantes que deveriam guiar a concessão desse tipo de honraria. 
Até aquele momento, nem a opinião pública, de forma geral, nem os meios de comunicação do Brasil e do exterior tinham sido alertados para o imenso rol de crimes econômicos, ou de crimes comuns, que estavam sendo cometidos pelos companheiros no comando do Estado brasileiro, a despeito de investigações e denúncias que já tinham sido formuladas esporadicamente em relação a casos que apareciam como estranhos, para dizer o mínimo: construção superfaturada de grandes obras no Brasil, aquisição suspeita de uma ou duas refinarias no exterior, utilização delituosa da principal empresa pública – a Petrobras – em operações potencialmente prejudiciais à própria companhia e ao Brasil, além de dezenas de outros casos apenas “bizarros”, e que só seriam revelados alguns anos à frente, por investigações policiais e judiciais. Tampouco se tinha então conhecimento perfeito da mobilização do BNDES no apoio financeiro a governos corruptos e a várias ditaduras da região e de outros continentes, países com os quais os dirigentes brasileiros mantinham relações muito “acima” dos vínculos diplomáticos “normais”, indo a um mundo obscuro de transações comerciais e de investimentos muito distantes de normas técnicas, para encobrir operações altamente prejudiciais aos povos de todas as partes envolvidas, pois que redundando em fartas propinas encaixadas por esses dirigentes envolvidos em gigantescos atos de corrupção. 
Conhecedor razoável do modo de funcionamento dos assuntos de governo, logo percebi que o extremo ativismo dos lulopetistas com parceiros selecionados envolvia um lado encoberto, não devidamente registrado em documentação oficial ou em despachos diplomáticos. A partir de certo momento – tão cedo quanto contemporâneo ao Mensalão, em 2005 – tive plena consciência de que a gestão companheira encobria um grau inusitado de corrupção, muito além e acima dos níveis geralmente “aceitáveis” de corrupção nos meios políticos. Também conhecedor do submundo da esquerda – por ter mantido relações com várias tribos de opositores do regime militar, e por isso mesmo ter passado sete anos num autoexílio europeu durante os anos 1970, quando continuei a conviver, e a conhecer melhor vários representantes dessa esquerda que depois voltaria ao Brasil com a anistia de 1979 –, também tinha plena consciência da corrupção em que sempre viveu o meio sindical no Brasil, bem como dos instintos “neobolcheviques” de muitos dos guerrilheiros reciclados que depois se associaram ao PT na redemocratização. Isso me levou rapidamente à conclusão de que estávamos em face de uma mudança qualitativa na natureza da corrupção política, inclusive porque já tinha ficado meridianamente claro, durante o Mensalão, que o PT colocou a corrupção geral do sistema político (e junto aos meios empresariais também) a serviço de um projeto monopólico do poder, deformando o funcionamento das instituições.
Desde então me tornei um opositor resoluto da organização criminosa que se travestia de partido político, e deixava transparecer tal certeza disfarçadamente em vários dos meus escritos, publicados em veículos disponíveis ou divulgados através de minhas ferramentas sociais (meu site pessoal e o blog Diplomatizzando, que se tornou praticamente uma espécie de quilombo de resistência intelectual que prevalecia quase inconteste nos meios acadêmicos e jornalísticos). Esses foram os motivos que sem dúvida estiveram na base de minha continuada estada no deserto do ostracismo funcional durante todo o decorrer do regime companheiro, até, precisamente, o ato de impeachment da mandatária fantoche do quarto e último governo lulopetista. Apenas quando houve a derrocada oficial do nefando regime, fui novamente convocado a ocupar uma função no âmbito do Ministério das Relações Exteriores. Esse meu segundo exílio, não voluntário, havia durado exatamente o dobro do exílio voluntário durante o regime militar, e nas duas oportunidades fui levado a assinar artigos em meu próprio nome, arriscando, possivelmente, alguma retaliação formal, mas também a publicar outros textos de forma anônima, ou sob “noms de plume”. 

Estamos a caminho de uma nova travessia do deserto? Depende...
No momento em que escrevo estas linhas – antes do segundo turno das eleições presidenciais – não temos certeza de nada, não exatamente de quem será o presidente eleito, pois parece estar pacificado, mas de quais serão as políticas a serem praticadas nesse próximo governo, quais serão os seus dirigentes, como o Brasil se relacionará com os demais países e como reagirá a uma agenda internacional que não depende exatamente da vontade ou das preferências dos dirigentes do país, mas que já está posta na mesa, por meio de acordos, conferências e reuniões programadas, em caráter bilateral, regional ou multilateral, e em relação aos quais o país precisa tomar uma posição, que não pode ser apenas reativa, passiva, defensiva.
Como sempre ocorreu, durante toda a minha vida intelectual, e no exercício de minhas atividades profissionais, pretendo preservar meu ceticismo sadio em face de todas as políticas e medidas a serem implementadas pelo novo governo. Pretendo, como sempre fiz, examinar cada orientação, cada iniciativa, cada política com olhar crítico, avaliar aquilo que os economistas chamam de custo-benefício – mais fácil, em todo caso, de estimar, do que um vago custo-oportunidade, que envolve variáveis que não podemos medir com precisão –, para contribuir em prol de uma boa gestão de governo, dizendo, claramente, aquilo que me parece correto e apropriado, em face dos problemas e questões que afligem o país e a sociedade. Como também sempre fiz, quero formular minhas observações em total independência de pensamento, ainda que não em completa autonomia de ação (pois ainda sou funcionário de Estado, eventualmente servindo a um governo determinado). Essa última condição não me impedirá, por certo, de pensar, e de expressar a minha opinião, salvo naqueles temas e circunstâncias muito sensíveis, que envolvem questões de segurança nacional ou de confidencialidade negociadora. 
Imaginando que estamos ingressando numa fase de novas grandes mudanças – não sei avaliar ainda se serão tão importantes quanto aquelas a que assistimos, e outras que sequer percebemos, a partir de 2003 –, pretendo uma vez mais, e sempre, utilizar o meu quilombo de resistência intelectual como uma espécie de fortaleza da livre expressão e do livre pensamento, a partir do qual vou continuar exercendo meu espírito crítico, independentemente do que possam pensar, ou reagir, gregos e troianos, ou seja, amigos e inimigos do novo governo. Prefiro manter uma postura independente, como corresponde a um espectador engajado nos debates de ideias do tempo presente, sem concessões ao politicamente correto, ou a qualquer oportunismo funcional. Não sei, nessas circunstâncias, se serei levado a me exilar novamente num outro tipo de limbo, uma nova jornada através do deserto, que pode durar alguns anos, uma espécie de ostracismo auto-assumido, imposto unicamente pelas circunstâncias ou pela minha percepção do que teremos pela frente na próxima gestão governamental. 
Como já disse várias vezes, não sou homem de partido, de facções ou de tribos, não me filio a seitas ou correntes, mas sou sim uma pessoa capaz de tomar partido por certas causas, que eu mesmo escolho como sendo prioritárias em função de minhas preferências intelectuais. Minha área prioritária de atividades, independentemente das atribuições profissionais, sempre esteve ligado ao estudo, ao ensino, à pesquisa, à reflexão, aos escritos, à divulgação de ideias e ao debate em torno de questões relevantes da vida nacional. É o que sempre fiz e é o que continuarei fazendo enquanto o ânimo persistir e as condições externas assim o permitirem. 
Não pretendo, não desejo, não é o meu feitio, assumir funções e encargos executivos, ainda que eu não relute em cumprir tarefas que estejam dentro de minhas competências e atribuições profissionais; mas é porque tais atividades requerem certa submissão a princípios de autoridade, a imposições hierárquicas, que se coadunam mal com meu espírito libertário, talvez até anárquico. Prefiro continuar livre de pensamento e de ação, tanto quanto for possível dentro das restrições burocráticas às quais estou adstrito. Assumo responsabilidade pelo que escrevo e divulgo voluntariamente, e já não sou obrigado a escrever textos para outros assinarem, como era o caso em fase precoce da carreira. Vivo minha vida intelectual unicamente em função daquilo que eu mesmo decido que me é interessante, no plano do prazer intelectual e da liberdade pessoal. 
Não farei nenhuma aposta desta vez, com quem quer que seja, apenas confiando em que os novos líderes políticos e dirigentes do governo que se instalará no Brasil a partir de janeiro de 2019 saibam pacificar o país, empreender as reformas necessárias, e conduzir o Brasil a um novo processo de crescimento sustentado, com base numa macroeconomia estável, numa microeconomia competitiva, numa boa governança – e aqui a responsabilidade maior incumbe ao poder judiciário, atualmente estraçalhado pelas más escolhas petistas durante o seu regime e por desagradáveis surpresas vindas de anos anteriores –, numa alta qualidade dos recursos humanos – embora eu seja singularmente pessimista quanto às possibilidades reais de se corrigir as imensas distorções da educação brasileira em prazo razoável – e, finalmente, numa plena abertura econômica e integração à interdependência global, com liberalização até unilateral ao comércio e aos investimentos internacionais. Essa seria a minha aposta comigo mesmo e contra o próprio país, mas confesso que a considero extremamente ambiciosa nas circunstâncias presentes. Em todo caso, minhas próximas atividades se concentrarão na realização desses objetivos.
Em qualquer hipótese, permanecerei atento aos novos desenvolvimentos em meu quilombo de resistência intelectual e de observação crítica, que é constituído pelo blog Diplomatizzandoe pelas demais ferramentas sociais. De certa forma, meu deserto sou eu mesmo quem determina sua extensão e feitio: ele é uma dimensão de minha própria liberdade. Veremos quando terá começo e quanto tempo durará...

Paulo Roberto de Almeida
Ouro Preto, 26 de outubro de 2018

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

CIEX: o Itamaraty e a ditadura militar - Fabiano Post (Opera)

Ciex: A espúria relação do Itamaraty com os porões da ditadura

por Fabiano Post | Revista Opera
(Foto: Diego Baravelli)
Uma elaborada e austera malha de proteção – de desinformação e escamotagem – institucionalizada pelo Ministério das Relações Exteriores, que serviu de cortina de fumaça e supriu de forma eficaz, durante anos, o vazamento de informações sobre a íntima e vergonhosa relação de cooperação e conluio do Itamaraty com o regime militar. Associação essa que sempre foi negada, veementemente, pela instituição máxima da diplomacia nacional.
A luz esclarecedora dos fatos chegou no mês de julho de 2007, a partir da análise de 20 mil páginas de documentos secretos – acumulados ao longo de 19 anos -, e a partir dos quais foram produzidas uma série de reportagens pelo Correio Braziliense, que tiveram no entanto pouca visibilidade na mídia nacional.
Escancarou a inglória e nefasta operação que foi secretamente conduzida nos anos de chumbo no gabinete 410, 4º andar, do anexo I do palácio do Itamaraty, e que colocou em “xeque” os brios da imagem “ilibada” da diplomacia brasileira.
O Ciex (Centro de Informações do Exterior), pouco ou nada conhecido do grande público em geral, ainda hoje, foi uma poderosa agência de inteligência nos moldes do M16 e CIA, tutelada pelo SNI (Serviço Nacional de Inteligência) no âmago do corpo diplomático brasileiro, o Itamaraty, que atuou nas sombras, entre 1966 e 1985.
Seu mentor e criador foi o ultraconservador, conspirador, colaborador da CIA e apoiador do Golpe de 64, o embaixador Manoel Pio Corrêa – ungido e amigo dos déspotas Humberto de Alencar Castello Branco e Golbery do Couto e Silva – que do Uruguai, em 66, onde foi embaixador, engendrou o “plano piloto” do que viria a ser o CIEX.
No mesmo ano, Pio Corrêa foi nomeado secretário-geral do Itamaraty. Todo poderoso, trava um caçada “moral”, política e pessoal a diplomatas que considerava “inadequados”, como “pederastas, bêbados e vagabundos” – o poeta Vinicius de Morais foi uma das vítimas – e leva a cabo a materialização de seu sonho ultranacionalista; o Centro de Informações do Exterior, através de portaria¹, oficialmente batizado de Assessoria de Documentação de Política Exterior (ADOC).
Para saber mais sobre a personalidade do “pai do Ciex”, vale a leitura esclarecedora de seu livro de memórias, “O mundo em que vivi”, onde Pio escancara sua caixa de pandora pessoal com a soberba e empáfia típicas dos reacionários.
Mais do que um simples órgão de informação, o Ciex foi o aparato de repressão, da ditadura, responsável por espionar, no exterior, os brasileiros exilados e banidos pelo regime militar; políticos, militares, intelectuais, guerrilheiros, estudantes, que tiverem seu ir e vir, fora do país, monitorados de perto, passo a passo.
João Goulart, Juscelino Kubitschek, Fernando Henrique Cardoso, Brizola – considerado extremamente perigoso, foi o exilado brasileiro mais monitorado – Miguel Arraes, Darcy Ribeiro: são essas algumas das personalidades vítimas da rede de espionagem do Itamaraty.
As missões dos arapongas da diplomacia incluíam “repatriação involuntária”, através de sequestro, e “delivery na bandeja” dos asilados nas mãos de seus algozes, para depoimentos e longas e sádicas sessões de tortura.
Constam nos arquivos do Ciex o nome de pelo menos 64 dos 380 cidadão brasileiros vítimas², mortos ou desaparecidos durante os anos de chumbo no Brasil. Foi uma atroz “caça as bruxas” patrocinada pela diplomacia brasileira.
Para tanto, se fez valer do recrutamento e aliciamento de diplomatas, agentes e informantes para compor sua ampla malha de atuação no exterior, que se estendia da América Latina, passando pela Europa, antiga União Soviética e norte da África.
Como pré-requisito eram muito “bem vindos” diplomatas – com viés “traíra” – que promoviam perseguições políticas em embaixadas brasileiras, que tivessem curso de planejamento estratégico da ESG (Escola Superior de Guerra), ou treinamento de agente da ESNI (Escola Nacional de Informações).
Consta que os diplomatas “espiões” eram malquistos entre os seus, porém subiam rapidamente na escadaria hierárquica da diplomacia tupiniquim, cortando caminho por “lamberem coturno”. Nos corredores do Itamaraty, existia uma espécie de hierarquia de “castas diplomáticas”, sub-dividida em três grupos distintos.
Os diplomatas “destiladores da quinta essência”, “doutos” e aplicados em temas jurídicos, politica internacional e defesa comercial; a baixo deles, os chamados “estivadores”, ou burocratas, atolados em toneladas de papel; e por fim, um degrau a baixo, chafurdando na lama, se encontravam os “lixeiros”, o pessoal capitaneado para o trabalho de informação e contra-informação, a arapongagem.
Os malfadados espiões jogaram no lixo as mais pétreas tradições da diplomacia internacional, com a sistemática prática de ações extralegais, onde deliberadamente violaram o direito internacional e o princípio da soberania, fazendo o monitoramento de cidadão estrangeiros, contrários ao Estado de exceção no Brasil, em seus países de origem.
O grande diferencial do “modus operandi” do Ciex versus seu tutor “bronco”, o SNI, era a sua abordagem sofisticada no campo da espionagem, muito por conta do nível intelectual e cultural de seus colaboradores e de uma ampla e sólida noção hierárquica – o contexto em que estava imersa ia além da simples operação de espionagem. Uma teia simbiótica sofisticada de informações, contra-informações e intrigas extremamente bem elaboradas tornavam as operações quase sempre um grande sucesso.
Os integrantes do Ciex faziam os agentes da SNI parecem ordinários guardas de trânsito. Em sua “távola hermética” os espiões do Itamaraty acreditavam compor uma elite de espiões dentro do aparato de informação da repressão.
É inegável que o alto escalão do Itamaraty sabia de tudo o que acontecia. Isso quer dizer que figuras bem dimensionadas de nossa diplomacia, reconhecidas internacionalmente, foram coniventes com a barbárie e respaldaram em níveis diferentes as operações ilegais do Ciex. O que contraria ética e moralmente aquilo que se espera e deseja do corpo diplomático de um país; uma ferramenta fomentadora da paz.
Coube ao embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima – secretário-geral entre 1985 e 1990 – salvaguardar a destruição, a contra gosto do SNI, do constrangedor material, uma chaga aberta da diplomacia nacional, composto por 32 arquivos com 8 mil informes.
Aqui consta uma lista de “distintos” diplomatas brasileiros colaboradores, ex-membros, do alto escalão do Ciex.
Interpretar empiricamente o turbulento momento político-econômico-social, pelo qual o país atravessa, se faz necessário. A quimera trevosa do autoritarismo novamente espreita a nação partida, e ameaça a nossa democracia com “esperanças” vazias. Nessa horas nebulosas as instituições fragilizadas, em bico de sinuca, se tornam alvo fácil para o aparelhamento ideológico austero e com finalidades vis.
Que sirva de alerta e lição o lamentável e vergonhoso episódio histórico ocorrido no tutano da diplomacia brasileira, através do Ciex. Que estejamos atentos e cientes sobre os impactos profundos, para o bem e para o mal, que nossas escolhas políticas – no conjunto da sociedade – podem ter sobre nossas vidas; afinal, a democracia não vive de trivialidades tampouco admite desaforos.
Notas:
1. O documento de classificação ultrasecreto sobre a criação do Ciex se encontra em um cofre colossal no subsolo do Itamaraty, segundo apurou o Correio Brasiliense com ex- integrantes do órgão.
2. O número oficial de vítimas – entre mortos e desaparecidos – segundo o relatório final da Comissão da Verdade seria de 434 pessoas. Algumas fontes dizem que esses números são bem mais expressivos, mas de difícil investigação, e que não foram contemplados pela CNV.

Venezuela: uma gigantesca cleptocracia

El País, Madri – 24.10.2018
Armando.Info
Poco sabríamos hoy de la magnitud y la mecánica ordinaria del saqueo bolivariano en Venezuela, de no ser por el trabajo de periodistas de investigación tan sagaces
Ibsen Martínez

Un satírico criollo del siglo XIX publicó en Caracas unas octavillas que compendiaban humorísticamente, en décimas octosílabas, la historia política de la Venezuela republicana. Las tituló con picardía Del saqueo como causa remota.
Después de leerlas, el tirano de turno tardó un tiempo en catarles el sentido, pero tan pronto lo hizo ordenó encarcelar al cronista guasón cuyas razones valdrían aún para este primer cuarto del siglo XXI. Veamos.
Según las bien averiguadas cuentas de concienzudos economistas, en los años que fueron de 1998 a 2017, el negocio petrolero generó para Venezuela 1.01 billones de dólares. El catastrófico colapso de la economía y la atroz emergencia humanitaria que vive uno de los países virtualmente más ricos del planeta lleva a preguntar adónde se fue todo ese dinero.
La respuesta más a la mano es que ha habido despilfarro, incuria, ineptitud y corrupción en la ejecución de los faraónicos planes de redención continental de Hugo Chávez. Tengo para mí, sin embargo, que un examen más detenido quizá mostraría al deliberado, rabioso, sistemático y masivo saqueo de la era chavista como único, exclusivo culpable de la tragedia venezolana.
Sea como fuere, poco sabríamos hoy de la magnitud y la mecánica ordinaria del saqueo bolivariano, de no ser por el trabajo de periodistas de investigación tan sagaces y denodados como los que animan el portal digital Armando.Info. Desde 2014 este portal produce reportajes con profundidad sobre la corrupción en Venezuela.
En febrero pasado, Armando.Info publicó un informe sobre Alex Saab Morán, el avispado empresario colombiano que lucró del hambre y la escasez que agobia a Venezuela con las célebres cajas CLAP, acrónimo de Comités Locales de Abastecimiento y Producción.
El informe revelaba que desde Veracruz, en México, la empresa Group Grand Limited, registrada hace años en Hong Kong por Saab y un asociado, había vendido, desde 2016 hasta aquella fecha, no menos de siete millones de cajas CLAP al gobierno de Venezuela.
Cada caja Saab —así son ya conocidas— era surtida por proveedores mexicanos y de otros países con productos alimenticios que tenían ya vencida la fecha de expiración.
Armando.Info hizo analizar por un laboratorio de la Universidad Central de Venezuela el contenido nutricional de la leche en polvo que viajaba en las cajas y halló que no solo no cubría requerimientos mínimos, sino que su ingestión es potencialmente letal para los humanos. El sobreprecio de cada caja llegó a ser de un 112 % por sobre su valor verdadero. Una denuncia hecha en septiembre pasado por la Asamblea Nacional venezolana calcula que, en tan solo un año, el gobierno de Maduro gastó 5000 millones de dólares en cajas CLAP.
Reportar sobre las cajas CLAP le valió a Armando.Info, en la persona del periodista marabino Joseph Polizuk, no solo el Premio Knight que otorga el prestigioso Centro Internacional de Periodismo ( ICFJ, por sus siglas en inglés) sino también que Saab demandase a sus fundadores —Ewald Scharfenberg, Joseph Polizuk, Roberto Deniz y Alfredo Meza— ante un tribunal penal de Caracas por “difamación e injuria agravadas”.
La falta de garantías procesales, característica de la justicia instrumental chavista, llevó a los cuatro periodistas a optar por el exilio sin por ello abandonar su empeño. El programa de asistencia corporeizado en las cajas CLAP se inspira, como muchas otras supercherías chavistas, en una utopía comunal, pero en la práctica propicia una red transnacional de lavado de dinero al servicio de la sanguinaria cleptocracia venezolana.

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Premio Nobel de Economia 2018: Nordhaus e Romer

O premio Nobel da Economia e a chamada que não podemos ignorar
O Observador (Portugal), 08 Outubro 2018

Paul Romer e William Nordhaus : sob prismas diferentes, ambos adotam uma visão de longo prazo para a macroeconomia e destacam a importância do desenvolvimento sustentável para o progresso das sociedades.

O telefone tocou duas vezes. Paul Romer pensou que era "spam" e ignorou. Queriam, afinal, dar-lhe um prémio Nobel – a ele e a William Nordhaus, que estuda a economia ligada às alterações climáticas.
O telefone de Paul Romertocou uma e outra vez. Era manhã de segunda-feira, bem cedo (ainda mais cedo pela diferença de fuso horário), e o professor da Stern School of Business, da Universidade de Nova Iorque, achou que era “spam“. Não atendeu nem à primeira nem à segunda vez que o telefone tocou. Foi só quando percebeu que a chamada vinha da Suécia que retornou o contacto, esteve em fila de espera até conseguir falar com alguém que lhe explicou que não lhe queriam vender nada — queriam dar-lhe um prémio Nobel da Economia (a ele e a outro norte-americano, William Nordhaus, da Universidade de Yale, que dedicou a carreira a estudar as relações entre a economia e as alterações climáticas). Essa é a chamada que, defendem os premiados, ninguém pode ignorar.
Em poucas ocasiões o chamado premio Nobel da Economia — em rigor, o Prémio de Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel — terá coincidido de forma tão certeira, quase parecendo coreografada, com o tema que estava, nesta manhã de segunda-feira, no topo da atualidade mediática. Não, o tema de investigação premiado pela Real Academia Sueca das Ciências não estava relacionado com o apoio político dapop star Taylor Swift a um congressista pró-Kavanaugh, que fazia manchete da Fox News. A pesquisa premiada estava, sim, relacionada com outro tema: o alerta das Nações Unidas de que o mundo tem cerca de 12 anos para evitar a catástrofe ambiental que espera a Humanidade caso nada seja feito, de forma urgente.
Esse é um perigo que há várias décadas concentra a atenção de William(mais conhecido por Bill) Nordhaus, um professor de Yale que criou modelos que são a base do que se chama “contabilidade verde” — uma disciplina que sublinha o papel dos custos ambientais, que tendem a ser desprezados pelos indicadores econômicos tradicionais, incluindo o todo-poderoso Produto Interno Bruto (PIB). Desde a década de 70 que Nordhaus avisa os responsáveis políticos de que os seus modelos económicos, as suas estratégias de desenvolvimento e a sua definição do que é “prosperidade” tendem a não levar em consideração o impacto sobre as questões climáticas.
Em concreto, Nordhaus, hoje com 77 anos, foi um dos primeiros a defender a aplicação de uma taxa do carbono, na linha do “imposto” que entretanto foi criado em várias partes do mundo para desincentivar o consumo de combustíveis fósseis e reduzir a emissão de gases com efeito-estufa.
A contribuição de Nordhaus foi, também, técnica: criou modelos computorizados que se tornaram ferramentas essenciais para calcular os impactos ambientais — como o DICE, sigla sugestiva para definir o Dynamic Integrated Climate-Economy. A sigla “DICE” também remete para o jogo dos dados, uma imagem que Nordhaus usou para ilustrar os riscos que a Humanidade corre em matéria ambiental.
Em 1993, Nordhaus avisava que “a Humanidade está jogando dados, a arriscar a sua sorte, na relação com o ambiente natural, através de uma multiplicidade de intervenções — injetando na atmosfera gases vestigiais como os gases com efeito-estufa ou químicos que libertam ozono, promovendo enormes alterações sobre o uso da territórios como a desflorestação, eliminando várias espécies [animais] nos seus habitats naturais ao mesmo tempo que criam espécies transgénicas em laboratório, e acumulando armas nucleares suficientes para destruir as civilizações humanas”.

William Nordhaus tem um perfil discreto — não se explicou porquê, mas não esteve disponível (como esteve Romer) para intervir, ao telefone, na conferência de imprensa da entrega do premio Nobel, nesta segunda-feira. Nascido em Albuquerque, Novo México, William tem um irmão — Robert, ou Bob — que participou na elaboração do principal pacote legislativo da Administração Obama na área do ambiente: o chamado Clean Air Act.
O "timing" perfeito da Academia Sueca
Além do relatório da ONU, este premio Nobel da Economia — o 50º da história — foi entregue na manhã em que passou à segunda volta das eleições presidenciais no Brasil um candidato que prometeu que, caso venha a ser eleito, não deixará de entregar “um centímetro” da floresta Amazónica à exploração mineira. Num discurso em Mato Grosso, no ano passado, Jair Bolsonaro criticou a proteção que existe aos chamados terrenos indígenas do Amazonas, que “são obrigados a viver como animais num zoo” quando, na realidade, gostavam de ter “eletricidade, televisão, Internet e namoradas loiras“.
Bob tem uma mente mais legislativa, mais pragmática. William, ou Bill, define-se como um “economista académico” e revelou, num perfil traçado em 2014 pelo The New York Times, que tem “muitas ideias malucas” que gosta de partilhar com o irmão, Bob, para perceber se são assim tão malucas.
“As ferramentas que criou permitem simular como é que a economia e o clima iriam co-evoluir no futuro, introduzindo vários pressupostos alternativos relacionados com o funcionamento da natureza e da economia de mercado, incluindo diferentes políticas relevantes”, assinalou a Real Academia Sueca das Ciências, salientando a importância dos “modelos quantitativos simples mas dinâmicos” cuja criação Nordhaus liderou.
Malucas ou não, a realidade é que muitas das ideias de William Nordhaus entraram não só nas políticas públicas como, também, na investigação científica que se faz sobre este tema — designadamente o estudo que foi divulgado este domingo por um grupo de 91 especialistas (de 40 países) que integram o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas da ONU. O trabalho é considerado o mais importante relatório de ciência climática desta década.
Segundo esse documento, “manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C significa uma diminuição das pessoas expostas a ondas de calor, chuvas fortes, secas, tempestades e inundações”. Mas a margem não é muita: o aquecimento climático está, neste momento, 1°C acima dos níveis pré-industriais e pode atingir 1,5ºC já entre 2030 e 2052. Como referem os autores do relatório de 400 páginas: 0,5ºC “fazem toda a diferença”.
Num texto mais recente, de finais de 2016, Nordhaus mostrou-se pessimista perante a probabilidade de os países mundiais conseguirem cumprir as metas do Acordo de Paris — é “improvável” que esses objetivos sejam cumpridos, lamentou, porque as iniciativas políticas necessárias tardaram e continuam a tardar. O textofoi revisto em setembro de 2017, perto do momento em que Donald Trump colocou os EUA à margem desse mesmo acordo internacional para as alterações climáticas.
Apesar de não ser a área primordial de investigação de Paul Romer, o homem que foi economista-chefe do Banco Mundial colmatou a ausência de Nordhaus e respondeu às questões dos jornalistas sobre o estudo que acabara de ser divulgado. “O problema que temos hoje é que as pessoas pensam que proteger o ambiente vai ser tão difícil e tão oneroso que preferem ignorar o problema e fingir que não existe”, lamentou.
Romer alertou, porém, para o possível lado mau de serem divulgados estudos como este. O efeito sobre a psique humana pode ser o contrário do esperado: em vez de ser uma chamada de atenção e um incitamento à ação, estes alertas podem levar as pessoas a sentirem-se apáticas e desamparadas, alerta Romer, defendendo que, para que as coisas mudem, não é preciso um esforço grande. Basta um pequeno esforço.
“Quando começamos a tentar reduzir as emissões de [dióxido de] carbono, somos apanhados de surpresa ao perceber que não era assim tão difícil quanto antecipávamos”, argumentou Paul Romer, em teleconferência, rematando que “os seres humanos são capazes de fazer coisas extraordinárias quando se mentalizam de que é preciso fazê-las”.

Com uma longa carreira académica, interrompida apenas por uma passagem fugaz pelo Banco Mundial (como vice-presidente e economista-chefe), Paul Romer defende a ideia de que os países têm, de fato, capacidade para gerar prosperidade (sustentável) na medida em que podem definir políticas públicas “localizadas”, ligadas à inovação e às qualificações técnicas, criando os incentivos certos para tirar o máximo partido do progresso tecnológico.
Numa TED Talk recente, que lhe reforçou a notoriedade pública, Romer partiu do exemplo de uma fotografia de um grupo de jovens nigerianos que têm um telefone celular no bolso mas que estão fazendo os trabalhos de casa sentados numa calçada, na rua, aproveitando a iluminação pública que existe na zona do aeroporto. Romer pergunta: “Como é que uma tecnologia tão recente como os celulares existe no bolso destes jovens, quando uma invenção com mais de 100 anos — como a eletricidade — não existe nas suas casas?”.
A resposta a esta questão ilustra na perfeição a forma como as “regras” que um Estado define, os incentivos que cria para as empresas nos vários setores, têm um papel fundamental no desenvolvimento.

Por outras palavras, uma das ideias que Romer defende — no âmbito da sua “teoria do crescimento endógeno”— é que os governos não podem atribuir exclusivamente a fatores externos aquilo que de bom e de mau acontece nos países que governam. Na TED Talk, Romer dá o exemplo de como a China criou um conjunto de cidades à imagem de Hong Kong, com regras próprias e onde, hoje, se concentra boa parte da produção de riqueza do país. Um exemplo? Schenzhen, onde, provavelmente, o smartphoneque o leitor tem no bolso foi fabricado.
Este é um exemplo do que Romer chama de “cidades charter” que, um pouco como os voos charter, permitem às autoridades nacionais criar pólos específicos de atração de investidores e populações — quase como “países dentro dos países”. O académico chega a atirar para o ar a ideia de que Raúl Castro deve livrar os EUA do “pequeno problema de relações públicas” que se criou na Baía de Guantanamo e Cuba deve perguntar ao Canadá se não quer ajudar a transformar aquela região numa espécie de “Hong Kong cubana”, um dínamo económico que não compromete o resto do país com esta ou aquela política pública mas que pode ter um efeito eletrizante para aquele local, beneficiando, depois, todo o país.
O premio Nobel para Romer surge numa altura em que o percurso pessoal e profissional de Romer tem sofrido alguns solavancos. Ao fim de 15 meses no cargo, o acadêmico demitiu-se do Banco Mundial (no início deste ano) depois de ter dado uma entrevista ao The Wall Street Journal onde deu a entender que as inclinações políticas dos técnicos do banco estavam tendo uma influência indesejável na elaboração dos rankingsmundiais sobre os países onde é mais fácil ter negócios. Em causa estava a descida do rankingprotagonizada pelo Chile — mesmo moderando os seus comentários, depois, as críticas de Romer ao staffdo Banco Mundial fizeram com que não tivesse condições para continuar no cargo.
Romer voltou para a universidade, mas também aí não tem tido medo de fazer alguns inimigos. No início de 2016, criticou a generalidade dos macroeconomistas (presume-se que Nordhaus não seria um dos visados) por se terem afastado do mundo real. “Ao longo de mais de três décadas, a ciência macroeconómica esteve em recuo”, criticou o professor da Universidade de Nova Iorque, lamentando que os académicos cada vez mais “ignorem os fatos” e se refugiem em modelos “matematizantes” que Romer considera pertencerem à esfera do “pós-verdade”.
Romer nunca colaborou diretamente com Nordhaus, ou seja, o prémio deste ano não foi partilhado pelo fato de dois ou mais investigadores dividirem méritos numa dada área de pesquisa. Ainda assim, como explicou a Real Academia Sueca das Ciências, Nordhaus e Romer integram “a mesma agenda”.
(Observador)

BNDES: vitima ou protagonista das falcatruas petralhas? - Jose Maria Couto Moreira (Diario do Poder)

Desvarios no BNDES
José Maria Couto Moreira
Diário do Poder, 22/10/2018
https://diariodopoder.com.br/desvarios-no-bndes/

O brasileiro que se detiver sobre a informação das gastanças, leviandades e sandices praticadas nos treze anos que o PT nos governou concluirá que, a começar pelos presidentes petistas que se alçaram ao Palácio do Planalto, o que se praticou largamente no erário são capitulados como crimes de lesa-pátria, e por eles devem ser julgados e punidos segundo o rigor da lei. Diz-se a começar porque a legião de solidariedade nos mal feitos é numerosa.
Centremos nestes comentários apenas o BNDES, que apresenta uma lista extensa de privilegiados devedores e destinatários de abundantes valores de “financiamento”, eufemismo da vontade petista para construir a imagem do chefão como líder político sulamericano e de além mar às nossas expensas.
Uma pesquisa mais ligeira (espera-se uma CPI) nos informa que Cuba, desde Fidel, recebeu 3 bilhões de dólares nos últimos dez anos (de governo do PT); para o abastecimento de água de Lima, no Peru (projeto Bayovar) consumiram-se valores sigilosos, enquanto existem capitais brasileiras carentes de um complexo de captação e tratamento do precioso líquido; para a Hidrelétrica de Tumarin, na Nicarágua, o BNDES bancou um bilhão e cem mil dólares; a Ferrocarril Sarmiento, Argentina, recebeu a polpuda importância de um bilhão e quinhentos mil dólares, e na mesma Argentina da alegre Kirchner, o aqueduto do Chaco nos custou 180 milhões; as linhas 3 e 4 do metrô de Caracas sugaram setecentos e trinta e dois milhões de dólares; a Via Expressa de Luanda Kifangonda foi destinatária de valor ainda não descoberto; o BNDES também contemplou o moderno aeroporto de Nacala, em Moçambique, com  200 milhões de dólares; a ponte sobre o Rio Orinoco, na Venezuela, recolheu de Lula e Dilma a bagatela de um bilhão e duzentos milhões; a Venezuela, no balanço geral, foi lembrada para abiscoitar onze bilhões de dólares no período Lula-Dilma; o BRT de Maputo sorveu duzentos milhões; a Hidrelétrica de Manduriacu, no Equador, embolsou 125 milhões; a rede de gasodutos da simpática Montevideo foi lembrada com trezentos milhões; para a compra de 127 ônibus articulados para a Colômbia o BNDES contribuiu com modestos 30 milhões; o metrô da Cidade do Panamá só partiu após receber um bilhão do generoso BNDES; afinal, consta ainda que a Argentina na era Kirchner foi aquinhoada com 8 bilhões também na era Lula-Dilma. Toda esta sangria que o PT operou contra o país não será reposta, bem o sabemos. Os desvairados brasileiros Lula e Dilma, com a parceria e cumplicidade de Mantega, se abstiveram de encaminhar recursos para problemas urbanos e sociais gravíssimos em nosso país para gerar conforto a governos estrangeiros e afagarem o narcisismo que vive em Lula.
Uma auditoria no BNDES há que ser feita. É inadiável. E será para promover novos danos é que o PT quer convencer os eleitores que devem reinar novamente ?
Toda esta cena trágica é comparável à dramática Guernica, que o genial pintor retratou em tela magnífica. Lula e Dilma são capazes de novos bombardeios sobre nosso povo e de gerar uma galeria de catástrofes. Mas, cenas como as relatadas, enquanto o processo de responsabilidade aguarda para abrigar em suas páginas os autores da ação nefasta ora descrita, presta-se a ilustrar o desserviço que os petistas se encarregaram de protagonizar nos treze anos de nosso martírio.
José Maria Couto Moreira é advogado.

Manifestos academicos: sempre contra o fascismo, poucos contra a roubalheira

Recebi, de uma das associações de pesquisa acadêmica da qual sou membro, uma carta muito gentil, oferecendo-me um texto de um manifesto em favor da democracia e contra o fascismo, consultando-me se eu estava de acordo em assinar o manifesto redigido pela diretoria.
Achei correto o gesto, em lugar de simplesmente divulgar o texto em nome da Associação ou em nome de todos os membros, pois isso constituiria uma violência política.

A carta segue abaixo, seguida do próprio manifesto, do qual retirei o nome da associação, e os nomes dos primeiros subscritores.
Respondi o que segue mais abaixo, e recebi nova carta comentando minhas preocupações.
Transcrevo igualmente essa nova carta e a minha resposta in fine.
Paulo Roberto de Almeida
Sabará, 23/10/2018

           1) Carta da Associação (22/10/2018):

Queridos associados,
A atual diretoria da ABPXX redigiu um manifesto em defesa da democracia, que segue em anexo.
Compartilhamos tal manifesto com os nossos associados para que aqueles que concordem com a redação e com a mensagem que nele está contida possam também assiná-lo antes de sua divulgação - que pretendemos fazer na terça-feira pela manhã, em nosso site e nas redes sociais. Para isso, basta nos enviar um email com sua concordância.

Diretoria ABPXX - 2017/2019

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2) Manifesto da Diretoria da Associação 

MANIFESTO EM DEFESA DA DEMOCRACIA 
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM XXXXX
Diretoria da ABPXX – 2017/2019 

Diante do atual cenário que está posto no Brasil, com o acirramento das contradições, do ódio social e de afronta à democracia, relembramos alguns artigos da nossa Constituição: 

Constituição da República Federativa do Brasil (1988) 
Art. 3o Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 

Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; 
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; 
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; 

A Diretoria da Associação Brasileira de Pesquisadores em Xxxxxx (ABPXX – 2017/2019) repudia qualquer forma de violação da Constituição Brasileira. Defendemos os seguintes pontos: 
     Democracia plena

–    Liberdade de expressão e pensamento

     Construção de uma sociedade justa e soberana 
     Igualdade de gênero

–    Respeito à diversidade 

Combatemos em todos os sentidos: 
     O fascismo e o autoritarismo

     As diversas formas de discriminação e preconceito

     A violação dos direitos fundamentais da pessoa humana 
     O ódio social e a tortura

–    A difusão da violência e da mentira 

As Instituições de Pesquisa são espaços de reflexão, da diversidade e de construção do conhecimento. Jamais teremos uma sociedade justa e soberana cerceando o pensamento crítico e a liberdade de expressão dos professores e professoras nas suas atividades acadêmicas. Neste momento de segundo turno das eleições brasileiras, reforçamos nosso compromisso com a defesa da democracia e da nossa jovem Constituição. A ABPXX se manifesta reafirmando seu viés humanitário. 
Assinam este manifesto

[Seguem nomes...]

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3) Carta de Paulo Roberto de Almeida (22/10/2018): 

Em seg, 22 de out de 2018 às 04:30, Paulo Roberto de Almeida <xxxx@xxxxx> escreveu:

O manifesto em favor de princípios e valores democráticos me parece realmente equilibrado e até mesmo sensato. A oportunidade de sua divulgação, contudo, será imediatamente considerada como sendo em favor de uma candidatura e em oposição à do adversário. Ainda que as preocupações sejam legítimas, não me parece que nossa Associação deva tomar posição agora, ou seja no momento pré-eleitoral, pois seria entendido como apoio à eleição de um contra outro, o que ofenderia o direito de sócios de defenderem uma Associação absolutamente neutra quanto a escolhas eleitorais, o que possivelmente também vai contra seus estatutos.
Sou a favor de uma manifestação desse tipo na conjuntura pós-eleitoral, como uma espécie de alerta preventivo contra deformações políticas das instituições e práticas democráticas.
Antes, me parece que o posicionamento estaria baseado em meras suposições, que podem ou não se confirmar.
Depois representaria um alerta preventivo de conformidade com nossos princípios e valores, sem o ônus de confrontar pelo menos uma parte dos associados.


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4) Carta resposta da Associação (23/10/2018): 

Prezado Professor Paulo

Partilhamos de algumas de suas dúvidas e sentimentos e estamos discutindo entre a diretoria esse manifesto a alguns dias. Mesmo sabendo do risco que corremos, tomamos essa decisão por achar que a ameaça é maior do que as conveniências que a neutralidade poderia nos trazer. Temos evitado nos pronunciar sobre várias atitudes que, a nosso ver tem se caracterizado como ameaças constantes à democracia. No caso, mesmo correndo o risco de sermos condicionados a uma candidatura, achamos importante frisar o conjunto de valores que nos norteiam antes, durante e depois de um processo eleitoral.

Por fim, lamentamos muito a situação de termos que escrever um manifesto que diz que certas falas e posições não são aceitáveis, a reiteração destas ao longo do tempo, nos trás a incômoda sensação de que esses valores democráticos podem ser substituídos entre nós.

Na certeza de que temos muito mais em comum do que em desacordo, esperamos que nossa posição possa ser genuinamente considerada, por você, como parte de uma das funções fundamentais de nossa associação.

Respeitosamente 
Diretoria ABPXX - 2017/2019

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5) Nova carta de Paulo Roberto de Almeida (23/10/2018):

Partilho de todas essas preocupações, tanto é que pretendo votar nulo, branco ou abster-me neste segundo turno.
Mas permito-me levantar uma simples constatação de natureza talvez impressionista.
O manifesto, como dezenas de outros pronunciamentos vindos de meios acadêmicos ou pretensamente intelectuais, parte de percepções, hipóteses, possibilidades, suposições, tomando como base declarações, frases, posturas infelizes ou declaradamente antidemocráticas exaradas por um candidato execrável, autoritário e preconceituoso, e com dezenas de outras más qualidades, que podem, ou não manifestar-se concretamente no período executivo (supondo-se que ganhe).
Pois bem, do outro lado temos o patético representante de um condenado por corrupção e de um partido que concretamente roubou despudoradamente o Brasil e os brasileiros (portanto, cada um de nós), incapaz de uma autocrítica e deliberadamente defensor das mais deploráveis ditaduras da região e alhures.
Ou seja, de um lado percepções e ameaças, do outro fatos concretos de roubo, corrupção e posturas reais antidemocráticas. No meio, essa manifestação pendendo indiretamente para um dos lados.
Considero pessoalmente as instituições brasileiras relativamente fortes para resistir a tentações autoritários, mas considero também a opção por um Estado atuante a condição ideal para a continuidade de roubos e malversações como já evidenciado pelo partido mais corrupto que já ocupou o poder.
O manifesto não vai mudar a realidade eleitoral: apenas transmitir uma paranoia seletiva de pessoas que não querem aceitar que o Brasil foi levado à grande destruição econômica por aqueles mesmos que agora pretendem retomar o poder.
Continuo argumentando pelo lançamento de um manifesto até mais forte no período posterior ao segundo turno.
Atenciosamente, 
Paulo Roberto de Almeida 
23/10/2018


PS.: Como por ocasião do processo de impeachment, e antes, de todos as últimas eleições desde 2002, teremos dezenas de manifestos de associações acadêmicas, pedindo repúdio aos neoliberais, agora aos fascistas, e manifestando apoio aos progressistas.
Considero tudo isso normal, e compatível com a miséria intelectual que caracteriza hoje a academia brasileira.
O que eu NÃO considero normal são reitores de universidades públicas virem a público em defesa de candidatos, pois isso contraria a própria ideia de universidade, que deveria ser, em princípio, universal, e não partidária. Para mim, esses reitores deveriam ser objeto de uma sanção moral dos respectivos Conselhos Universitários, pois partidarização de uma instituição que deveria ser apartidária.
Miséria da academia, realmente.
Paulo Roberto de Almeida 
Sabará, 23/10/2018