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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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domingo, 27 de janeiro de 2019

Tendencia declinante do crescimento economico de longo termo dos paises desenvolvidos

Acabo de receber um importante estudo para a história econômica contemporânea, no âmbito da lista de história econômica à qual estou subscrito: Societies for the History of Economics (SHOE).
Sublinho a importância desse estudo, que de certo modo confirma estimativas feitas nas últimas décadas, todas elas confirmando uma tendência (secular?) à baixa das taxas de crescimento econômico no grupo dos países mais avançados (ou industrializados).
Transcrevo abaixo o anúncio do coordenador desse grupo de estudos da Universidade de Manitoba, no Canadá.
Paulo Roberto de Almeida


[SHOE] Sixty-year decline in the growth rate of the industrialised countries

Our data group has been researching the long-run history of growth and came up with a result that surprised me to some extent, although theoretically it confirms Keynes’ views on the stationary state. It seems that the average growth rate of the industrialised countries has been declining, with only (historically) minor cyclic departures, since the early 1950s. The trend is strong and robust and is confirmed for a variety of measures of growth, and definitions of the industrialised countries.

I am intrigued that this appears to have been overlooked or at least, is not widely known or referred to. So I wonder if in fact, other research has come up with similar results. If anyone knows of such, do get in touch.


Readers may also be interested in the data repository which we are constructing for long-run macroeconomic data: https://github.com/axfreeman/Economic-History. If anyone shares our interest in curating historical macroeconomic data, or has data that they wish to be shared with a wider community, do please get in touch.

Regards
Alan
Research Director
Geopolitical Economy Research Group
University of Manitoba

Governo restringe acesso as informacoes - Marcelo Issa (Transparencia Partidaria)

"DECRETO CAMINHA NA CONTRAMÃO DO QUE LEI DE ACESSO TENTA FOMENTAR", DIZ COORDENADOR DA TRANSPARÊNCIA PARTIDÁRIA

Ato assinado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, no exercício da Presidência, pode ser usado pela Justiça eleitoral por analogia, afirma Marcelo Issa. Ampliar autoridades com a possibilidade de restringir acesso a documentos pode aumentar burocracia no processo

Gabriel Hirabahasi

O decreto assinado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, no exercício da Presidência da República nesta semana, que regulamenta a Lei de Acesso à Informação foi alvo de organizações envolvidas com a transparência. Coordenador do movimento Transparência Partidária e conselheiro da Transparência Brasil, o advogado e cientista político Marcelo Issa disse que o novo decreto pode ser aplicado pela Justiça eleitoral na divulgação das prestações de contas dos partidos políticos e diminuir o acesso a informações de interesse público.

"Se algum servidor, por qualquer razão, achar que vencimentos de um dirigente partidário significa informação pessoal, corre-se o risco de não termos mais acesso a essas informações que são de claro interesse público", afirma Issa. Ele também afirma que outro argumento que pode ser usado para diminuir o acesso a essas informações é se os dados estiverem "subsidiando investigação ou fiscalização", o que seria redundante, segundo Issa, já que a função da Justiça eleitoral é justamente fiscalizar a aplicação dos recursos públicos pelos partidos.

Assim como mais de 70 organizações ligadas à transparência do poder público, Issa concorda com a revogação do decreto e pede que o texto seja debatido com as entidades civis e com o restante da sociedade. A seguir, a entrevista de Marcelo Issa a ÉPOCA:

ÉPOCA - Qual o impacto do decreto assinado ontem pelo vice, general Mourão, que afeta a lei de acesso à informação?

Marcelo Issa - A lei de acesso à informação prevê que seria possível a delegação para classificação dos atos, mas o decreto anterior [assinado por Dilma Rousseff em 2012] vedava para a delegação de atos considerados secretos e ultrassecretos. Quem argumenta que o decreto não seria tão grave assim diz que o decreto [do governo Bolsonaro] na verdade restringe a quantidade de pessoas que podem classificar os documentos. Só que o que sustenta a análise das organizações que trabalham com transparência é o decreto anterior [assinado por Dilma e revogado com esse assinado por Mourão]. Eu me convenci de que o decreto é um retrocesso porque quando se compara ao decreto que vigorava anteriormente, há uma ampliação na quantidade de funcionários que podem classificar atos como secreto ou ultrassecreto. O decreto caminha na contramão daquilo que a lei de acesso procura fomentar, que é a cultura da transparência.

Para nós que trabalhamos com fiscalização de poder público era muito claro, por volta de 2008, que vigorava a cultura do sigilo. Sempre que ligávamos para pedir informação, queriam saber de onde era, para que que era. Desde que a LAI passou a vigorar, vemos uma mudança nesse sentido, de uma nova cultura de transparência em vez do sigilo. Principalmente a nível federal, onde essa cultura parece já mais consolidada. Conforme vai descendo para estados e municípios, vai ficando pior. Quando permite que funcionários DAS 5 e 6 [alta hierarquia de cargos comissionados] sejam responsáveis por essa classificação, há um prejuízo para essa cultura.

ÉPOCA - O governo diz que o decreto contribuirá com a desburocratização.

Marcelo Issa - Eu entendo que vai gerar mais burocracia, porque vai haver mais recurso para a comissão de avaliação. Provavelmente, haverá um número maior de documentos classificados. Mais gente [servidores públicos] vai passar a ter acesso a esses documentos [e poder classificá-los como secreto e ultrassecreto]. Pode ser contraproducente desse ponto de vista também. Quando você permite essa função a um servidor em cargo de comissão, sem estabilidade, deixa de ser uma dinâmica no nível de estado e passa a ser no nível de governo. Esse funcionário está lá enquanto dura o governo. Da mesma forma que o presidente, mas o presidente teve voto para isso e ele escolheu os seus ministros.

Além disso, esse decreto foi feito sem debate. A Transparência Brasil participou da última reunião do conselho da CGU [Controladoria-Geral da União] e ficou registrado em ata que qualquer processo de revisão da LAI passaria pela análise e deliberação do conselho. Mas não houve esse debate. Como a gente não tem um detalhamento sobre o que deve ser classificado secreto ou ultrassecreto, cada funcionário vai ter seus próprios critérios. Isso também pode criar divergência entre documentos com a mesma natureza. Em um determinado estado, pode haver uma determinação em tal sentido. Em outro, pode não ser considerado.

ÉPOCA - Qual seria a vantagem de essa discussão ter sido feita com a sociedade antes da formalização do decreto?

Marcelo Issa - Eu apontei alguns problemas que poderiam ser solucionados caso tivesse sido discutido com as organizações de transparência. Por exemplo, o critério a ser utilizado por cada servidor para a classificação.

ÉPOCA - E o que as organizações pretendem fazer sobre esse decreto?

Marcelo Issa - As organizações querem conversar com o governo, com a CGU. É o que está sendo pleiteado, que se revogue o decreto, já que, uma vez feita a classificação, há uma burocracia grande para se reverter. Queremos que volte a valer o decreto anterior e, a partir daí, haja um debate com a sociedade, as organizações civis e a gente debata as mudanças na lei de acesso. Do jeito que foi feito, há muitos problemas potenciais, num nível não só do governo federal, mas de outras instâncias da federação e de outros Poderes. Seja a informação dos partidos e do Poder Judiciário, por exemplo.

ÉPOCA - Essa mudança pode representar um risco por abrir o leque de pessoas em diversas instâncias do poder público?

Marcelo Issa - Sim, é exatamente isso. Pode vir a ser utilizado por analogia por estados, municípios e por outros Poderes, como o Judiciário. Vai gerar esse efeito cascata.
ÉPOCA - Quais mudanças podem ser aplicadas na transparência dos partidos políticos?

Marcelo Issa - Hoje, as informações estão com o TSE, que é quem reúne tudo e pode divulgá-las. O que me preocupa é que a partir dessa alteração de ontem, os servidores da Justiça de nível inferior àqueles que a resolução do CNJ determina como competentes para a classificação de documentos que estejam sob a guarda do Judiciário, que são poucas autoridades, possam agora interpretar para diminuir o acesso da população a esses dados.

Há na resolução do TSE uma possibilidade de classificar uma informação se houver de alguma maneira uma informação pessoal. Mas é evidente que quando tratamos dessa temática, falamos sobre processos que correm em segredo de Justiça, é a interpretação hegemônica hoje. Mas se algum servidor, por qualquer razão, achar que vencimentos de um dirigente partidário significa informação pessoal, corre-se o risco de não termos mais acesso a essas informações que são de claro interesse público, já que recebem do fundo partidário, financiado com dinheiro público.

ÉPOCA - A Justiça poderia negar, utilizando esse decreto como base, acesso a informações de interesse público que constam nas prestações de contas dos partidos?

Marcelo Issa - Segundo o art. 3º, inciso II, da Resolução 215, de 2015, do CNJ, os portais das instituições de Justiça devem divulgar informações de interesse público, independentemente de solicitações. A resolução diz que só o presidente do tribunal pode classificar um documento como ultrassecreto. No caso da classificação como secreto, só o presidente e membros do pleno do tribunal. E, por fim, como reservados, apenas o secretário-geral da presidência e o diretor-geral, além das autoridades já mencionadas. Caso se aplique por analogia esse novo decreto, seria possível a restrição ao acesso a informações referentes aos partidos políticos por outros servidores, desde que recebessem delegação para tanto. Poderiam usar como fundamento, por exemplo, no inciso VIII da resolução, que permite a restrição da publicidade, caso os dados estejam subsidiando investigação ou fiscalização. Só que os dados fornecidos pelos partidos sempre têm essa finalidade, uma vez que cabe à Justiça Eleitoral fiscaliza-los. É evidente que uma interpretação como essa estaria equivocada, porque viola o princípio da transparência, expresso no inciso II, do art. 3º da própria Resolução do CNJ e, portanto, nessa situação, é bastante provável que houvesse recurso do solicitante, aumentando a burocratização do processo, ao contrário do que se justificou para editar o decreto.

ÉPOCA - O decreto estabelece que além dos funcionários de cargos DAS 5 ou 6, também poderão classificar documentos como secretos ou ultrassecretos, respectivamente, aqueles servidores "de hierarquia equivalente". Mas não está claro o que é essa hierarquia equivalente. Como a LAI elenca como um dos possíveis motivos para decretar sigilo de um documento a possibilidade de ele "pôr em risco segurança de alta autoridade", essa mudança poderia favorecer políticos investigados pela Justiça?

Marcelo Issa - Essa questão responde por que é preciso debater com mais gente esse decreto. Se não está claro o que é hierarquia equivalente, esse questionamento é completamente pertinente. O inciso III do artigo 27 da LAI usa a expressão "de hierarquia equivalente", mas deixa para a regulamentação específica de cada órgão a definição do que é essa hierarquia equivalente. E além disso, o decreto também não deixa claro como se dá a delegação. Outro motivo com o qual a sociedade poderia contribuir com o debate sobre essa regulamentação é que a delegação não tem critérios objetivos sobre como deve ocorrer. Isso deve ocorrer no caso a caso? Ou é algo geral que o superior hierárquico atribui às pessoas por um determinado período, ou enquanto ele estiver na instituição?


The Second Coming - William Butler Yeats

The Second Coming (1920)

(...)
Mere anarchy is loosed upon the world,
The blood-dimmed tide is loosed and everywhere
The ceremony of innocence is drowned;
The best lack all conviction, while the worst
Are full of passionate intensity.

Surely some revelation is at hand;
Surely the Second Coming is at hand.
(...)

William Butler Yeats

Israel envia grande ajuda humanitaria ao Brasil, para o desastre de Brumadinho

Bibi envia delegação de Israel em auxílio à Brumadinho com 129 especialistas que chegam neste domingo à noite

O grupo de militares israelenses e especialistas em resgate que estará saindo de Jerusalém neste domingo, 27/01 às 6,00h (hora Brasília), diretamente para Minas Gerais, terá a chefia do embaixador Shelley que estava em Israel acompanhando a visita do Ministro da Ciência e Tecnologia do Brasil.
O grupo será composto por 129 pessoas, sendo 31 mulheres, e é especializado em resgate durante catástrofes com uso de sonares e aparelhagem mais moderna no mundo. Também cães farejadores estarão embarcando para o Brasil.
Uma grande quantidade de material eletrônico e de escavação também será enviado.
Funcionários da embaixada de Israel em Brasília já estão sendo deslocados para Minas Gerais para dar apoio logístico ao grupo que chegará de Israel.
A operação foi coordenada diretamente pelo presidente Bolsonaro e o primeiro-ministro Bibi Netanyahu com apoio do embaixador Shelley.
A comunidade judaica de São Paulo e do Rio estão se mobilizando para enviar ajuda aos refugiados desta terrível catástrofe.
O avião israelense deverá pousar às 21,30h deste domingo em Minas Gerais.

Maiores informações:

 

A seita neodesenvolvimentista e a taxa ideal de câmbio - Alexandre Schwartsman

FÉ DEMAIS
Alexandre Schwartsman
Em países de poupança elevada (portanto baixo consumo), a produção tipicamente supera por larga margem o volume destinado ao mercado doméstico, o que gera excedentes exportáveis e, como consequência, taxas de câmbio mais desvalorizadas do que em países de consumo elevado, bem como crescimento mais vigoroso…

Publicado originalmente na Folha de S.Paulo,   Coluna do autor,  edição de 23 de janeiro de 2019

O conveniente silêncio da turma nos últimos tempos poderia fazer alguns se esquecerem da seita autodenominada “neodesenvolvimentista”, que jurava resolver os problemas do Brasil com o alinhamento de “dois dos preços fundamentais” da economia: a taxa de juros e a taxa de câmbio. Em particular, no final de 2017 garantiam que, com uma taxa de câmbio entre R$ 3,80-4,00 a indústria se recuperaria e, com ela, o país.
Desde então o dólar subiu de R$ 3,30 para acima de R$ 4,00 e flutuou durante todo o segundo semestre do ano ao redor de R$ 3,80, enquanto a taxa básica de juros foi reduzida ao menor valor da história. Ajustado à diferença entre a inflação nacional e a americana, o dólar se valorizou cerca de 15% na segunda metade do ano passado em relação à primeira e 20% na comparação com o mesmo período de 2017.
Apesar disto, a indústria, que vinha em firme trajetória de recuperação do final de 2016 ao começo de 2018, passou a andar de lado, senão para baixo, e deve ter crescido no ano passado menos do que em 2017. Não por acaso, acredito, cessaram as juras sobre a “taxa de câmbio de equilíbrio industrial”, que nos levaria ao Nirvana, talvez na expectativa que a combinação de silêncio e falta de memória pudesse lavar as reputações dos sectários. A má notícia, para eles, é que há alguns de nós prestando atenção.
Em parte o erro grotesco decorre da falta de cuidado com as estimativas da suposta “taxa de câmbio de equilíbrio industrial”, cujas bases precárias tratei neste espaço há alguns meses. Em bom português, trata-se de um número chutado, que, aliás, sobe cada vez que a taxa observada de câmbio se aproxima do suposto ideal.
O erro mais grave, porém, decorre da visão que o governo conseguiria controlar a taxa real de câmbio, isto é, o valor ajustado à inflação sem alterar condições econômicas concretas, em particular a taxa de poupança da sociedade.
Em países de poupança elevada (portanto baixo consumo), a produção tipicamente supera por larga margem o volume destinado ao mercado doméstico, o que gera excedentes exportáveis e, como consequência, taxas de câmbio mais desvalorizadas do que em países de consumo elevado, bem como crescimento mais vigoroso. Em outras palavras, é a poupança mais elevada que leva, ao mesmo tempo, a mais crescimento e câmbio mais fraco.
Quem ignora este fenômeno cai no conto do dólar mais forte e crescimento mais rápido como os adeptos da seita “neodesenvolvimentista”.
Há ampla literatura sobre as causas do crescimento sustentado apontando para fatores como a qualidade das instituições, o papel da educação na formação do capital humano e a abertura comercial como fator de difusão de novas tecnologias. Nada sugere que crescimento é resultado do ato do príncipe sobre as taxas de câmbio.
Como todo problema complexo, há uma solução simples e errada, em que apenas os picaretas acreditam.
* * *
Oded Grajew volta a insistir na idade média ao morrer como critério para determinar a idade de aposentadoria, ao invés da expectativa de vida. Desenhando: num berçário a idade média ao morrer mede-se em dias, mas a expectativa de vida é superior a 75 anos; a idade média de morte na corte dos 20 aos 30 anos deve ficar ao redor de 25 anos, mas a expectativa de vida atinge 77 anos. Os bons creem que suas puras intenções os eximem de rigor na análise. E assim pavimentam os caminhos do inferno…
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ALEXANDRE SCHWARTSMAN – DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS

sábado, 26 de janeiro de 2019

A Constituição Contra o Brasil: ensaios de Roberto Campos - Org. Paulo Roberto de Almeida

Completei, recentemente, a versão áudio de meus dois grandes ensaios que constam deste livro, que organizei a partir de 65 artigos de Roberto Campos.
O livro encontra-se disponível, como informado a seguir:

Paulo Roberto de Almeida (org.), Roberto Campos: 
A Constituição Contra o Brasil: ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988 
(São Paulo: LVM, 2018, 448 p.; ISBN: 978-85-93751-39-4
Amazon.com (links: http://a.co/d/1wnJvxx e: https://www.amazon.com.br/dp/8593751393/ref=cm_sw_em_r_mt_dp_U__k3j0BbYVJ83P6).

Roberto Campos: 

A nova Constituição é um camelo desenhado por um grupo de constituintes que sonhavam parir uma gazela...

Nossa Constituição é uma mistura de dicionário de utopias e regulamentação minuciosa do efêmero.

A Constituição de 1988 criou um hexágono de ferro, que dificulta a modernização administrativa. Os lados do férreo hexágono são: a estabilidade do funcionalismo, a irredutibilidade dos vencimentos, a isonomia de remunerações, a autonomia dos Poderes para fixação de seus vencimentos, o direito quase irrestrito à greve nos serviços públicos e o regime único de servidores.
“O hexágono de ferro” (22/10/1995)




Índice
Prefácio
Paulo Roberto de Almeida

Roberto Campos e a trajetória inconstitucional brasileira
Paulo Roberto de Almeida

Artigos e ensaios de Roberto Campos

Parte I
Irracionalidades do processo de reconstitucionalização
1.      Reservatório de utopias
2.      Nosso querido nosocômio
3.      A transição política no Brasil
4.      A busca de mensagem
5.      Ensaio sobre o surrealismo
6.      Ensaio de realismo fantástico
7.      É proibido sonhar
8.      O radicalismo infanto-juvenil
9.      Pianistas no ‘Titanic’
10.   Por uma Constituição não biodegradável 
11.   O “besteirol” constituinte, I
12.   O ‘besteirol’ constituinte, II
13.   O bebê de Rosemary
14.   O culto da anti-razão
15.   As soluções suicidas
16.   Mais gastança que poupança
17.   O direito de ignorar o Estado
18.   O “Gosplan” caboclo
19.   Dois dias que abalaram o Brasil
20.   Como extrair a vitória das mandíbulas da derrota
21.   Progressismo improdutivo
22.   A ética da preguiça
23.   O escândalo da Universidade
24.   A vingança da História
25.   As consequências não pretendidas
26.   Xenofobia minerária
27.   A revolução discreta
28.   A marcha altiva da insensatez
29.   A humildade dos liberais
30.   O buraco branco
31.   A Constituição-espartilho
32.   Indisposições transitórias
33.   Os quatro desastres ecológicos
34.   A Constituição “promiscuísta”
35.   Desembarcando no Mundo
36.   A sucata mental
37.   Loucuras de primavera

Parte II
As utopias bizarras da nova Constituição
38.   Democracia e democratice
39.   Nota Zero
40.   Dando uma de Português
41.   As falsas soluções e as seis liberdades
42.   O avanço do retrocesso
43.   Razões da urgente reforma constitucional
44.   O gigante chorão
45.   A Constituição dos miseráveis
46.   Besteira preventiva
47.   Saudades da chantagem
48.   O fácil ofício de profeta
49.   A modernidade abortada
50.   Brincando de Deus
51.   Como não fazer constituições
52.   As perguntas erradas
53.   Da dificuldade de ligar causa e efeito
54.   O grande embuste...
55.   O nacionalismo carcerário
56.   Da necessidade de autocrítica
57.   Piada de alemão é coisa séria...
58.   O fim da paralisia política
59.   O anacronismo planejado
60.   A Constituição-saúva
61.   Assim falava Macunaíma
62.   Três vícios de comportamento
63.   Quem tem medo de Virgínia Woolf
64.   O Estado do abuso
65.   Reforma política


A Constituição brasileira contra o Brasil
Paulo Roberto de Almeida

Apêndice: Obras de Roberto Campos

Prefácio



Encontram-se aqui reunidos os mais importantes artigos que Roberto Campos escreveu sobre o processo de elaboração constitucional de 1987-88 e sobre a própria Constituição que dele resultou em outubro de 1988, agora oferecidos à leitura, ou à releitura, dos estudiosos da história constitucional brasileira, dos profissionais do Direito, dos interessados nessa matéria especializada ou até dos simples curiosos. Uma razão objetiva e uma outra subjetiva explicam a publicação deste livro que reúne artigos elaborados durante aproximadamente uma década – a partir de meados dos anos 1980 – ao longo da qual se situam, provavelmente, as verdadeiras origens dos atuais impasses, políticos e econômicos, com os quais se debate o Brasil: a primeira é obviamente o fato de que a Carta Magna está completando os seus primeiros trinta anos, embora ela possa ser considerada, praticamente, como já provecta; a segunda razão é que eu me sentia ainda tributário de mais uma homenagem ao homem que pensou o Brasil, uma vez que o pensamento de Roberto Campos esteve na origem e na conformação básica de minha própria trajetória intelectual.
Devo ao diplomata e economista Roberto de Oliveira Campos o essencial de minha formação econômica, essencialmente feita através e por meio da leitura constante e atenta de seus muitos artigos de jornal, assim como de alguns outros ensaios, em suas antologias ou em obras coletivas, livros que ele mesmo redigiu – sozinho ou na companhia de seu amigo Mário Henrique Simonsen – ou aos quais Roberto Campos contribuiu, como autor convidado. Esta coletânea de artigos “constitucionais” agrega-se a uma primeira iniciativa que tomei, por ocasião do centenário de seu nascimento, em 17 de abril de 2017, sob a forma de um livro coletivo enfeixado exatamente sob um título que retoma os conceitos acima enfatizados: O Homem que Pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos (Curitiba: Appris, 2017). Mas a contribuição de Roberto Campos à minha formação, ainda que indireta, não se situou unicamente no campo da economia, pois os artigos que eu lia, ainda adolescente, nas páginas do Estadão, também se inseriam no âmbito das relações internacionais e no da política brasileira, no campo da análise comparativa do desenvolvimento econômico dos países latino-americanos e asiáticos, no terreno da cultura universal e, enfim, no da literatura, sem esquecer algumas pontinhas de latim aqui e ali, naqueles saborosos escritos.
Roberto Campos pertencia a uma seleta tribo de pensadores liberais, categoria algo rara no panorama cultural do Brasil, à qual eu também gostaria de pertencer, após uma trajetória juvenil no marxismo acadêmico, se exibisse as mesmas qualidades intelectuais que fizeram do antigo seminarista convertido em diplomata um grande pensador dos problemas do Brasil, temática à qual venho igualmente me dedicando nas últimas quatro décadas, esforço já expresso em certo número de livros sobre as relações econômicas internacionais do Brasil, sua política externa e sua história diplomática, ademais dos temas de integração regional. Vindo, como Roberto Campos, de uma família modesta, sem no entanto passar por seminário, esforcei-me, ao longo desses anos, em estudar os mesmos problemas com os quais ele se debatia desde o início de sua vida profissional, movido provavelmente pela mesma ambição que ele tinha, que sempre foi a batalha para arrancar o Brasil da “pobreza corrigível” para colocá-lo numa situação de “riqueza atingível”. Um dos obstáculos a essa possível, mas difícil, transição pode estar situado nos muitos dispositivos antieconômicos inseridos na Constituição, agora balzaquiana (como ele diria), uma assemblagem heteróclita de disposições detalhistas e detalhadas que constrangem os empresários e trabalhadores do Brasil, ao terem de operar num ambiente dotado de muito pouca liberdade econômica.
Depois de visitar novamente sua trajetória intelectual naquela obra coletiva – mas na qual respondo por mais da metade do volume, em dois capítulos com mais de 160 páginas no total –, continuei a compilar ensaios de Roberto Campos sobre os mais diferentes problemas que atazanavam o grande estadista em sua luta incansável em prol de um outro Brasil, uma longa batalha reformista que o levava a confrontar-se, de forma incansável e muitas vezes angustiada, aos agentes do atraso, muitos deles seus colegas na diplomacia, no executivo (quando foi ministro) ou no parlamento, onde ele esteve nos dezesseis anos finais de sua vida. A presente coleção de argumentos inteligentes (e premonitórios) sobre o processo constituinte e sobre o próprio conteúdo da Constituição situa-se nessa etapa, com Roberto Campos já sexagenário, mas ainda tão lépido e tão vigoroso nos debates com seus pares quanto por ocasião de seus primeiros escritos sobre os grandes problemas do Brasil, nos anos cinquenta e início dos sessenta. Eles representam uma mostra de como Roberto Campos – como Raymond Aron, em outro contexto e sobre outros problemas – teve razão antes dos outros, de como ele antecipou as dificuldades futuras que o Brasil enfrentaria, ao equivocar-se tão amplamente na feitura do mais importante contrato social da governança nacional.
Abrindo e fechando o volume, inseri nesta coletânea – gentilmente autorizada por seu filho Roberto Campos Jr. – dois ensaios de minha lavra: um primeiro, resumindo brevemente e introduzindo o teor das seis dezenas de artigos compilados, e o segundo analisando os mais importantes dispositivos econômicos da Constituição de 1988, bem como vários outros regulando direitos sociais, individuais e coletivos, dotados de grande impacto para a economia do país. Este segundo ensaio, um cuidadoso exame não complacente do texto constitucional (e das muitas emendas acumuladas desde o início), enfatiza o caráter distributivo da maior parte das generosidades concedidas aos cidadãos, ao arrepio da realidade econômica, pelos constituintes originais e pelos seus sucessores desde então. O ensaio finaliza por concluir que o modelo distributivo criado precocemente, mediante o contrato social elaborado em 1987-88, está inviabilizando uma taxa de crescimento mais vigorosa no Brasil, obstando, de fato, o seu desenvolvimento econômico e social.

Algumas considerações pessoais podem ser relevantes, ao apresentar este meu segundo livro do e sobre o grande diplomata e economista, um verdadeiro estadista, que atuou, sem o saber, como meu professor à distância, ao longo de quase toda a segunda metade do século XX. Elas são significativas, em vista da importante, embora ainda insuficiente, transição recente do Brasil, do estatismo mais arraigado, como foi o caso, durante todo aquele período, para um tímido, talvez prometedor, liberalismo na área econômica, postura que agora parece despontar em vários setores da sociedade brasileira. Não fiquei imune a esse processo, como agora revelo.
Não deixa de ser sintomático o fato de que, a partir de minha origem marxista juvenil, mas típica da academia brasileira nos anos 1960 – e talvez ainda hoje ela se conserve assim –, eu tenha transitado de uma postura política que não hesito em classificar como sendo a de um “opositor ideológico” a Roberto Campos, para assumir a condição de um admirador crítico de todos os escritos assinados por ele e, finalmente, a de um propagador de suas ideias, ainda hoje plenamente válidas para a modernização do Brasil. Tratou-se de uma longa evolução intelectual, desde a leitura da sua tese de mestrado sobre os ciclos econômicos defendida na George Washington University em 1947 – que Joseph Schumpeter, professor em Harvard, não hesitou em classificar como tendo nível de doutoramento, e que li em cópia carbono, na biblioteca da universidade, quando servi na embaixada do Brasil em Washington, entre 1999 e 2003 –, até os últimos artigos, publicados nos principais jornais do país, na “virada do milênio”, que foi justamente o título de sua última antologia de ensaios (Topbooks, 1998). Essa é provavelmente a mesma trajetória seguida por outros jovens, e adultos obviamente, em face da implacável, e convincente, argumentação racional que Roberto Campos exibia em todos os seus trabalhos intelectuais. Nelson Rodrigues, numa de suas frases também implacáveis, o chamava de “fanático da coerência e idiota da objetividade”, tal a lógica irretocável dos argumentos presentes nas centenas de ensaios conjunturais ou de análise conceitual dos problemas brasileiros, tanto quanto sobre o cenário internacional.
A despeito de continuar, durante vários anos mais, até praticamente o final do regime militar, considerando-me um “opositor ideológico” de Roberto Campos, eu nunca deixei de ler, desde o início da ditadura – que marcou o deslanchar de minha radicalização em direção da esquerda –, ao lado da literatura marxista, seus artigos semanais no venerável e “reacionário” Estadão, eventualmente acompanhados, no mesmo jornal, de ensaios traduzidos de Raymond Aron. Uma das colaborações coletadas na obra coletiva de 2017, O Homem que Pensou o Brasil, a de Paulo Kramer, trata justamente dessa trajetória paralela de Roberto Campos e de Raymond Aron, uma irmandade política, e espiritual, que eu adotei precocemente em minha própria trajetória do marxismo juvenil para o liberalismo eclético da idade madura.
O tournant decisivo nesse itinerário, ainda que progressivo e delongado, em direção da racionalidade econômica foi provocado por uma conferência que Roberto Campos efetuou, na Universidade Mackenzie de São Paulo, em 1966, em defesa do Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), a que assisti como um simples e intrometido curioso, naquele ano ainda secundarista e “office boy” numa grande empresa multinacional da capital paulista. A despeito de continuar me opondo ao “arrocho salarial” decretado pelo governo militar, ao qual Campos servia como ministro do Planejamento – na verdade, um redutor logicamente necessário, estimado em 80% do índice de preços, no contexto da inflação declinante comandada por esse programa de governo –, e participante das muitas manifestações estudantis contra a ditadura “aliada ao imperialismo americano”, começou aí, pelos artigos de Roberto Campos nas páginas do Estadão, minha educação econômica, o que me levou, muitos anos depois, a aprovar incondicionalmente todas as propostas de uma lógica impecável feitas pelo diplomata-economista para modernizar racionalmente o Brasil, inserindo-o integralmente na economia internacional.
A compilação cuidadosa – feita a partir de jornais e das antologias publicadas – dos muitos artigos e ensaios sobre temas constitucionais de Roberto Campos, agora retirados de um esquecimento de três décadas para serem novamente colocados sob o escrutínio dos pesquisadores contemporâneos, ou dos simples curiosos acerca da “arqueologia constitucional” brasileira, oferece uma prova a mais – para usar uma de suas frases favoritas – de que o Brasil perdeu mais essa oportunidade de se reformar racionalmente. Acompanhando de forma extenuante as grandes transformações já em curso, naquela época, na economia mundial, Campos ficava angustiado ao ver que o país se excluía voluntariamente de um processo de mudanças econômicas e tecnológicas em relação ao qual permanecemos ainda muito afastados, mais de três décadas depois de seus alertas premonitórios. Ele já tinha feito o mesmo em relação à famigerada Lei de Informática, aprovada no apagar das luzes do regime militar, como também tinha feito sucessivas advertências no tocante ao monopólio estatal do petróleo durante toda a sua existência, mesmo depois das reformas conduzidas na era FHC.
Minha introdução ao volume, explicitando essas críticas feitas ex ante por Roberto Campos, resumidas mediante frases e parágrafos extraídos dos ensaios aqui coletados, e minha análise final sobre o conteúdo econômico da Constituição que emergiu, ex post, dos trabalhos constituintes estigmatizados por Campos, constituem uma boa síntese daquilo que ele pensava sobre os descaminhos institucionais do Brasil. Esses dois trabalhos, no entanto, não substituem a leitura dos próprios artigos originais, constantes nas duas partes principais desta obra. Minhas críticas preservam, na maior parte dos casos, e reproduzem, em sua essência, toda a validade das críticas feitas em tempo real por Roberto Campos, com exceção daqueles dispositivos econômicos mais discriminatórios e xenófobos, e que foram oportunamente, mas apenas parcialmente, emendados no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (e depois nunca mais tocados nos três governos e meio do lulopetismo, que até agravou o quadro com o seu estatismo desenfreado). Roberto Campos ainda foi contemporâneo dessas pequenas mudanças retificadoras nos dispositivos mais esquizofrênicos do texto de 1988, mas foi poupado da desgraça de contemplar os piores retrocessos da era lulopetista.

Lidas agora a uma distância de mais de trinta anos, as vibrantes e repetidas críticas constantes desta “coletânea constitucional” de artigos de Roberto Campos – que podem ser chamados de “proféticos” – sobre o texto em elaboração da nova Carta, nos oferecem mais uma oportunidade de refletir sobre um problema ainda não resolvido no Brasil no campo de sua organização institucional: a ilusão, ou a utopia, de que o direito positivo, na sua generosidade distributiva, pode servir de substituto à dura acumulação de riquezas pelo trabalho dos agentes econômicos primários, empresários ou simples trabalhadores. A despeito de todas as frustrações acumuladas, já antecipadas nestes artigos de Campos, legisladores ainda tentam, de forma recorrente, criar riqueza a partir de simples emendas constitucionais, ou de pedaços de dispositivos legais que pretendem distribuir leite e mel com base numa cornucópia que eles imaginam sempre cheia pela Divina Providência.
Por isso mesmo soa frustrante constatar que os repetidos e extenuantes alertas por ele formulados, quanto à inconsistência dos benefícios propostos sem qualquer suporte na realidade econômica, guardam atualidade três décadas depois. O tempo de Roberto Campos ainda não passou: suas ideias e propostas ainda estão à nossa frente, pois a maior parte delas nunca foi implementada. A leitura destas páginas indicará quais foram estas ideias e propostas, que permanecem inteiramente válidas, infelizmente não sabemos por quanto tempo ainda: o Brasil é um país duro de reformar, provavelmente pela ação combinada de capitalistas promíscuos, políticos oportunistas e um exército inteiro de mandarins oficiais, os integrantes do “estamento burocrático” identificado 60 anos atrás por Raymundo Faoro, corporações de ofício que atuam em benefício próprio ao abocanhar, com cruel voracidade, nacos cada vez mais amplos dos recursos do Tesouro Nacional.
Vale a pena ler, ou reler, estes ensaios premonitórios, talvez melancolicamente persistentes em seus diagnósticos precisos e prescrições não seguidas pelas gerações que se seguiram até aqui. Aqui figuram mais de seis dezenas de pérolas do passado, tristemente atuais em suas recomendações de reforma interna e de inserção global.  Contrariando uma de suas frases mais famosas, não podemos perder mais uma oportunidade de perder a oportunidade de conhecer o que Roberto Campos tinha a dizer sobre a ordem econômica que deveria presidir ao progresso do Brasil.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 18 de agosto de 2018